Para o observador brasileiro não-alienado não terá sido decerto surpreendente a decisão do Supremo Tribunal Federal com relação à ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil, com respeito à exclusão da tortura, e de outros crimes imprescritíveis, da lei de Anistia.
A maioria seguiu o voto do relator, o Ministro Eros Grau, que repetiu a conhecida tese da abrangência dessa lei, como se também incluísse o torpe crime da tortura na lista daqueles exculpados para a retomada da democracia.
Apenas dois ministros do STF – Ayres Britto e Ricardo Lewandowski – votaram contra. Nesse sentido, as palavras de Ayres Britto – “certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com a ideia de criminalidade política por convicção” – não ecoaram em vão, a despeito da compacta votação da maioria, como se todos os crimes cometidos pela ditadura militar fossem prescritíveis.
É constrangedora a diferença entre a atitude da elite dominante civil brasileira e as de Argentina e Chile, vítimas no passado de regimes ditatoriais militares ainda mais violentos do que o brasileiro. Enquanto os nossos irmãos sul-americanos enfrentam com coragem a trágica herança dos Pinochets e dos Villela, como poderemos qualificar a atitude dos próceres e representantes da sociedade civil brasileira ?
Como considerar a gritante disparidade entre estamentos políticos que não trepidam em desvencilhar-se de institutos remanescentes do predomínio castrense – como o argentino, se cotejada com a esdrúxula sobrevivência no Brasil da justiça militar ?
Na verdade, o episódio de ontem, com a bem-comportada anuência à tese dos chamados clubes militares e dos quarteis, se integra a uma longa série de constrangedoras manifestações de entranhado temor reverencial às forças armadas.
Essa submissão social, nós a vemos em toda a parte, a começar pelos nossos representantes políticos, tanto do Executivo, quanto do Legislativo. Esquecem-se esses senhores do tão decantado poder civil, e do respeito que lhe é devido.
A democracia, essa tenra plantinha de Mangabeira, se alicerça na soberania do Povo. Os magistrados da República – e me refiro decerto ao Executivo – estão nos seus cargos pelo voto, e só pelo voto podem ser deles apeados. Quando outros critérios são introduzidos, o regime poderá ser muita coisa, mas nunca democrático.
Para que a democracia brasileira conclua o seu processo de formação, carece de liberar-se do vício redibitório que presidiu ao estabelecimento da república.
Por demasiado tempo os militares se acreditam senhores da república pelo fato de que Deodoro da Fonseca haja então julgado oportuno abandonar a ideologia monárquica pela republicana.
A igualdade é privilégio do regime republicano. A longa marcha do Brasil para a democracia só terminará quando juízos como o de ontem se tornem inconcebíveis.
( Fonte: O Globo )
sexta-feira, 30 de abril de 2010
quinta-feira, 29 de abril de 2010
A Desfiguração de um Projeto
A tática do salami é conhecida. Através da sucessiva retirada de pequenas partes de um projeto, ele se vai descaracterizando progressivamente. À medida em que ‘pequenas’ modificações vão sendo realizadas, cada vez mais o texto em exame se afasta do intuito que lhe deu origem e se torna, por conseguinte, irreconhecível.
Pois é o processo a que ora se submete o PLP 518/09. Desde a formal entrega,pela diretoria do MCCE ( Movimento contra a Corrupção Eleitoral) ao Presidente da Câmara Michel Temer, do projeto de lei de iniciativa popular para barrar a entrada no Congresso dos chamados fichas-sujas, iníciou-se a temporada de caça ao que se designaria como PLP 518/09.
Temer, apesar de receber iniciativa referendada por um milhão e trezentos mil eleitores, não pôde conter, já no ato de entrega, a má-vontade com o projeto. Via “dificuldades” com a barração dos fichas sujas em primeira instância. Era necessário evitar ‘injustiças’e por isso acreditava oportuno elevar a barra para as decisões colegiadas, v.g., a dos tribunais de segunda instância.
Desde então, o PLP 518/09 vem sendo objeto de adiamentos sucessivos - com o PT à frente, o colégio dos líderes lhe tem recusado a atribuição de urgência – e de reformulações, que não tem outro escopo que o de enfraquecê-lo.
Não é à toa que o número dos fichas-sujas no Congresso seja estimado em pelo menos 40% de seus membros. Apoiados no corporativismo dos colegas, submetem a vontade do Povo e o anseio de moralizar as duas Câmaras a uma espécie de anti-tramitação, eis que o propósito não é o de aperfeiçoar o projeto, e torná-lo mais eficaz. O quase transparente desígnio é, na verdade, o oposto: busca-se debilitá-lo, retirar-lhe os dentes, transformá-lo quase num espantalho que pouco ou nada interfira com a despejada entrada e permanência no Congresso da choldra que, como já se disse, ao invés de biografia, possui respeitável ficha corrida.
Na realidade, o que está acontecendo com o PLP 518/9, merece ser examinado com cuidado, pois muito além do caso em epígrafe, denota um desenvolvimento inquietante. A maior parte da Câmara trata uma iniciativa popular – que hoje congrega quase dois milhões de eleitores – como se fora cousa de pouca monta. Tal comportamento, que reflete um exacerbado e alienado corporativismo, grassa livremente nos dois dias de comparecimento de Suas Excelências, a despeito de estarmos às vésperas das eleições de três de outubro.
Excluído o Presidente Michel Temer, que depois dos reparos da entrega, se tem empenhado em forçar os líderes a colocar em votação o projeto, o PLP 518/9 sofre o misto de insolente jogo de peteca, a par de renovadas modificações ao texto inicial.
Pelo visto, os senhores deputados se acreditam acima do Povo do qual deveriam ser os mandatários. Do arremedo dos conselhos de ética, que não são capazes de penalizar as mais graves transgressões ao decoro, se propõem agora manter abertas as cancelas para que ainda mais se inche a quota dos trezentos picaretas.
Os trabalhos do novo relator do projeto, deputado José Eduardo Cardozo (PT/SP) são barômetro de quão baixo se chegou na Câmara, em termos da redação de um texto contra os fichas sujas. A exigência do marco da condenação em tribunal colegiado de segunda instância não mais satisfaz os fichas sujas. Não basta que estejam condenados por crimes graves, como os contra a vida, e por decisões colegiadas. Os nobres deputados querem mais salvaguardas. Por isso, diante da má vontade das bases, o novo relator do PT, negocia mais uma deformação ao PLP 518/09.
Trata-se de garantir os direitos de quem for condenado, em segunda instância, por um crime grave. Dessarte, para preservar-lhe o direito de concorrer às eleições, poderá apresentar recurso ao Superior Tribunal de Justiça. Se os Ministros acatarem o recurso, a inegibilidade fica suspensa e o tribunal é obrigado a dar prioridade ao processo.
Não é comovente ? Pois, por essa porta que o novo redator está negociando, eis que os fichas-sujas alcançam o colimado nível da terceira instância.
Não falta muito para que se repita a melancólica jurisprudência do STF que garante a liberdade dos processados até a passagem em julgado da causa, vale dizer a confirmação do julgamento pela terceira instância.
Noticia-se, outrossim, que o deputado José Eduardo Cardozo pede igualmente compreensão ao MCCE, o movimento que encaminhou o projeto à Câmara. Não creio que deva sequer ser considerada a hipótese de uma concordância do MCCE com tal deslavado menosprezo à vontade popular. Aceitar tais emendas seria tornar-se cúmplice desse travestimento.
( Fonte: O Globo)
Pois é o processo a que ora se submete o PLP 518/09. Desde a formal entrega,pela diretoria do MCCE ( Movimento contra a Corrupção Eleitoral) ao Presidente da Câmara Michel Temer, do projeto de lei de iniciativa popular para barrar a entrada no Congresso dos chamados fichas-sujas, iníciou-se a temporada de caça ao que se designaria como PLP 518/09.
Temer, apesar de receber iniciativa referendada por um milhão e trezentos mil eleitores, não pôde conter, já no ato de entrega, a má-vontade com o projeto. Via “dificuldades” com a barração dos fichas sujas em primeira instância. Era necessário evitar ‘injustiças’e por isso acreditava oportuno elevar a barra para as decisões colegiadas, v.g., a dos tribunais de segunda instância.
Desde então, o PLP 518/09 vem sendo objeto de adiamentos sucessivos - com o PT à frente, o colégio dos líderes lhe tem recusado a atribuição de urgência – e de reformulações, que não tem outro escopo que o de enfraquecê-lo.
Não é à toa que o número dos fichas-sujas no Congresso seja estimado em pelo menos 40% de seus membros. Apoiados no corporativismo dos colegas, submetem a vontade do Povo e o anseio de moralizar as duas Câmaras a uma espécie de anti-tramitação, eis que o propósito não é o de aperfeiçoar o projeto, e torná-lo mais eficaz. O quase transparente desígnio é, na verdade, o oposto: busca-se debilitá-lo, retirar-lhe os dentes, transformá-lo quase num espantalho que pouco ou nada interfira com a despejada entrada e permanência no Congresso da choldra que, como já se disse, ao invés de biografia, possui respeitável ficha corrida.
Na realidade, o que está acontecendo com o PLP 518/9, merece ser examinado com cuidado, pois muito além do caso em epígrafe, denota um desenvolvimento inquietante. A maior parte da Câmara trata uma iniciativa popular – que hoje congrega quase dois milhões de eleitores – como se fora cousa de pouca monta. Tal comportamento, que reflete um exacerbado e alienado corporativismo, grassa livremente nos dois dias de comparecimento de Suas Excelências, a despeito de estarmos às vésperas das eleições de três de outubro.
Excluído o Presidente Michel Temer, que depois dos reparos da entrega, se tem empenhado em forçar os líderes a colocar em votação o projeto, o PLP 518/9 sofre o misto de insolente jogo de peteca, a par de renovadas modificações ao texto inicial.
Pelo visto, os senhores deputados se acreditam acima do Povo do qual deveriam ser os mandatários. Do arremedo dos conselhos de ética, que não são capazes de penalizar as mais graves transgressões ao decoro, se propõem agora manter abertas as cancelas para que ainda mais se inche a quota dos trezentos picaretas.
Os trabalhos do novo relator do projeto, deputado José Eduardo Cardozo (PT/SP) são barômetro de quão baixo se chegou na Câmara, em termos da redação de um texto contra os fichas sujas. A exigência do marco da condenação em tribunal colegiado de segunda instância não mais satisfaz os fichas sujas. Não basta que estejam condenados por crimes graves, como os contra a vida, e por decisões colegiadas. Os nobres deputados querem mais salvaguardas. Por isso, diante da má vontade das bases, o novo relator do PT, negocia mais uma deformação ao PLP 518/09.
Trata-se de garantir os direitos de quem for condenado, em segunda instância, por um crime grave. Dessarte, para preservar-lhe o direito de concorrer às eleições, poderá apresentar recurso ao Superior Tribunal de Justiça. Se os Ministros acatarem o recurso, a inegibilidade fica suspensa e o tribunal é obrigado a dar prioridade ao processo.
Não é comovente ? Pois, por essa porta que o novo redator está negociando, eis que os fichas-sujas alcançam o colimado nível da terceira instância.
Não falta muito para que se repita a melancólica jurisprudência do STF que garante a liberdade dos processados até a passagem em julgado da causa, vale dizer a confirmação do julgamento pela terceira instância.
Noticia-se, outrossim, que o deputado José Eduardo Cardozo pede igualmente compreensão ao MCCE, o movimento que encaminhou o projeto à Câmara. Não creio que deva sequer ser considerada a hipótese de uma concordância do MCCE com tal deslavado menosprezo à vontade popular. Aceitar tais emendas seria tornar-se cúmplice desse travestimento.
( Fonte: O Globo)
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Agravamento da Crise Europeia
Embora a crise se tenha originado na Grécia, no momento ela se estende a outros países, os chamados piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha). Dentre esses, caracterizados por deficits fiscais bem acima do permitido na zona do Euro (3% do PIB), os mais expostos são obviamente Grécia e Portugal.
Ontem, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou os dois países, devido ao perigo de calote em suas dívidas (a Grécia tem um deficit fiscal de 14% e uma dívida que está em torno de 130% do PIB; Portugal, por força da crise financeira internacional, teve aumentado o deficit público para 9,4%, e a dívida está em 76,8% do PIB).
Em função de mais este sinal de alarma, as principais bolsas mundiais – e não apenas as europeias – registraram pesadas quedas. Dada a interligação das economias e a existência de comprometimentos de diversos bancos com relação às finanças helênicas e lusas, compreende-se o temor do mercado. Como ocorreu na crise anterior, das chamadas hipotecas subprime, existe um efeito dominó, dada a ameaça colocada à posição creditícia dos diversos bancos, ao se verem depositários de grandes ativos podres (que se originam de empréstimos concedidos às economias em crise, e fundados em títulos desses países). Pela globalização da economia, esse fenômeno do contágio se tornou uma realidade, de resto amplamente corroborada pela crise internacional de 2007/08.
Como é do conhecimento geral, a crise se originou da Grécia que se habituara a viver desde bastante tempo muito acima de suas posses. Acha-se atualmente em discussão um pacote de ajuda financeira para a República Helênica no montante de Euros 45 bilhões (mais financiamento de quinze bilhões do FMI). No entanto, a efetiva concessão deste auxílio vem sendo retardada, sobretudo por força de novas exigências alemãs – a quem cabe a maior parte da contribuição da U.E., em montante superior a oito bilhões de euros. Tal se deve não só a considerações financeiras do governo alemão de Angela Merkel, mas também ao momento político, com uma eleição estadual importante prevista para muito breve.
Tampouco ajuda o atribulado tesouro grego a circunstância de que o empréstimo europeu será concedido individualmente – cada país com o respectivo Parlamento autorizando a outorga dos fundos – e com a agravante de que exigências de novos ajustes fiscais de austeridade possam vir a serem colocados para o devedor helênico.
A crise grega afeta, igualmente ,o valor do euro que registrou nova queda em relação ao dólar e à libra esterlina. Complica, de resto, a atuação do Banco Central Europeu que se vê dificultada pelas autonomias nacionais. Por outro lado, a zona do euro padece de falha grave, que é a inexistência de mecanismo para tirar um país dessa zona, seja voluntária, seja involuntariamente. Como as crises se originam pelos pontos débeis de um organismo, compreende-se agora que muitos alemães lamentem o fato de terem abandonado o Marco alemão, abraçando o euro, dentro de seu comprometimento com a Europa unida.
Entende-se agora ainda mais a metáfora do Primeiro Ministro grego de a economia de seu país assemelhar-se a um navio que está afundando. Se o socorro creditício tanto da U.E., quanto do FMI, tardar demasiado, os credores correm o risco de que o enfermo em mais sérias condições da Zona do Euro já não mais possa ser salvo de acordo com os meios anteriormente acordados.
( Fontes: O Globo e International Herald Tribune)
Ontem, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou os dois países, devido ao perigo de calote em suas dívidas (a Grécia tem um deficit fiscal de 14% e uma dívida que está em torno de 130% do PIB; Portugal, por força da crise financeira internacional, teve aumentado o deficit público para 9,4%, e a dívida está em 76,8% do PIB).
Em função de mais este sinal de alarma, as principais bolsas mundiais – e não apenas as europeias – registraram pesadas quedas. Dada a interligação das economias e a existência de comprometimentos de diversos bancos com relação às finanças helênicas e lusas, compreende-se o temor do mercado. Como ocorreu na crise anterior, das chamadas hipotecas subprime, existe um efeito dominó, dada a ameaça colocada à posição creditícia dos diversos bancos, ao se verem depositários de grandes ativos podres (que se originam de empréstimos concedidos às economias em crise, e fundados em títulos desses países). Pela globalização da economia, esse fenômeno do contágio se tornou uma realidade, de resto amplamente corroborada pela crise internacional de 2007/08.
Como é do conhecimento geral, a crise se originou da Grécia que se habituara a viver desde bastante tempo muito acima de suas posses. Acha-se atualmente em discussão um pacote de ajuda financeira para a República Helênica no montante de Euros 45 bilhões (mais financiamento de quinze bilhões do FMI). No entanto, a efetiva concessão deste auxílio vem sendo retardada, sobretudo por força de novas exigências alemãs – a quem cabe a maior parte da contribuição da U.E., em montante superior a oito bilhões de euros. Tal se deve não só a considerações financeiras do governo alemão de Angela Merkel, mas também ao momento político, com uma eleição estadual importante prevista para muito breve.
Tampouco ajuda o atribulado tesouro grego a circunstância de que o empréstimo europeu será concedido individualmente – cada país com o respectivo Parlamento autorizando a outorga dos fundos – e com a agravante de que exigências de novos ajustes fiscais de austeridade possam vir a serem colocados para o devedor helênico.
A crise grega afeta, igualmente ,o valor do euro que registrou nova queda em relação ao dólar e à libra esterlina. Complica, de resto, a atuação do Banco Central Europeu que se vê dificultada pelas autonomias nacionais. Por outro lado, a zona do euro padece de falha grave, que é a inexistência de mecanismo para tirar um país dessa zona, seja voluntária, seja involuntariamente. Como as crises se originam pelos pontos débeis de um organismo, compreende-se agora que muitos alemães lamentem o fato de terem abandonado o Marco alemão, abraçando o euro, dentro de seu comprometimento com a Europa unida.
Entende-se agora ainda mais a metáfora do Primeiro Ministro grego de a economia de seu país assemelhar-se a um navio que está afundando. Se o socorro creditício tanto da U.E., quanto do FMI, tardar demasiado, os credores correm o risco de que o enfermo em mais sérias condições da Zona do Euro já não mais possa ser salvo de acordo com os meios anteriormente acordados.
( Fontes: O Globo e International Herald Tribune)
terça-feira, 27 de abril de 2010
O Fator Ciro Gomes (II)
Asfixiada a sua candidatura presidencial pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e prestando-se o próprio partido a puxar-lhe o tapete de o que restava de sua postulação,Ciro Gomes, seja pela maneira com que foi tratado por Lula, seja pela insatisfação em descobrir-se enganado, tenderá a exercer um papel determinado no processo eleitoral de 2010.
De temperamento forte e por vezes explosivo, afigura-se de questionável sabedoria política a maneira empregada pelo situacionismo petista – coadjuvada pelo PSB – de lidar com a pretensão de Ciro Gomes ao pleito presidencial. Havendo ocupado altos cargos tanto eletivos quanto ministeriais na república, político de reconhecida liderança e com inegável apoio popular – foi por duas vezes candidato à presidência da república -, Ciro é hoje um homem insatisfeito, inclusive consigo mesmo, por haver acreditado na palavra e nas implícitas promessas de quem pensava, em virtude de relações de amizade, não o fosse abandonar às intempéries.
Ciro, amargado por julgar-se ludibriado, e conhecido pela própria franqueza, e ocasionais rompantes, constitui hoje fator imprevisível dentro de um processo a que o Presidente Lula procura senão controlar, ao menos influir de forma determinante.
Em sua terceira entrevista, às vésperas do ato conclusivo, ao cabo de procedimentos nem sempre confessáveis, que lhe inviabiliza o pleito à presidência da república, Ciro Gomes uma vez mais aciona a metralhadora giratória. Suas declarações atacam diversos alvos, dizendo não só verdades, senão o que muitos acreditam como tal.
Na linha do Senador Jarbas Vasconcelos, investe contra o PMDB, a que apoda de “ajuntamento de assaltantes. O Michel Temer hoje é o chefe dessa turma, dessa turma de pouco escrúpulo.”
Agora retorna aos ataques ao antigo desafeto, José Serra: “É um brasileiro bastante preparado, mas é uma personalidade autoritária e tenebrosa. Com o poder na mão, me parece um perigo para o país.”
Amenizou, por sua vez, as críticas a Lula, que ao invés de “navegar na maionese”, está de “salto alto” e a quem ora faltam conselheiros de peso para apontar os erros.
Ciro veicula outrossim críticas aos institutos de pesquisa: “O Ibope e o Sensus fazem qualquer negócio. O Datafolha é o único instituto que não se aluga a partidos e empresas.”
Qual a reação dos órgãos e dos líderes políticos objeto das assertivas do deputado Ciro Gomes ? Pelo visto, é a estratégia do silêncio, da não-reação. A exemplo da ‘resposta’ da liderança do PMDB à entrevista-bomba de Jarbas Vasconcelos à revista VEJA, os ora atingidos por Ciro se fecham num virtual mutismo. PT, PMDB, PSB e Lula se fecham em copas. Ao evitarem reagir aos ataques de Ciro – e cuidando de manterem os seus representantes políticos nos cargos de governo – pensam contribuir para não aumentar-lhes a estridência.
É uma tática já provada e que por vezes surte efeito. Como se as acusações carecessem da controvérsia para se manterem presentes no palco da política.
( Fonte: O Globo )
De temperamento forte e por vezes explosivo, afigura-se de questionável sabedoria política a maneira empregada pelo situacionismo petista – coadjuvada pelo PSB – de lidar com a pretensão de Ciro Gomes ao pleito presidencial. Havendo ocupado altos cargos tanto eletivos quanto ministeriais na república, político de reconhecida liderança e com inegável apoio popular – foi por duas vezes candidato à presidência da república -, Ciro é hoje um homem insatisfeito, inclusive consigo mesmo, por haver acreditado na palavra e nas implícitas promessas de quem pensava, em virtude de relações de amizade, não o fosse abandonar às intempéries.
Ciro, amargado por julgar-se ludibriado, e conhecido pela própria franqueza, e ocasionais rompantes, constitui hoje fator imprevisível dentro de um processo a que o Presidente Lula procura senão controlar, ao menos influir de forma determinante.
Em sua terceira entrevista, às vésperas do ato conclusivo, ao cabo de procedimentos nem sempre confessáveis, que lhe inviabiliza o pleito à presidência da república, Ciro Gomes uma vez mais aciona a metralhadora giratória. Suas declarações atacam diversos alvos, dizendo não só verdades, senão o que muitos acreditam como tal.
Na linha do Senador Jarbas Vasconcelos, investe contra o PMDB, a que apoda de “ajuntamento de assaltantes. O Michel Temer hoje é o chefe dessa turma, dessa turma de pouco escrúpulo.”
Agora retorna aos ataques ao antigo desafeto, José Serra: “É um brasileiro bastante preparado, mas é uma personalidade autoritária e tenebrosa. Com o poder na mão, me parece um perigo para o país.”
Amenizou, por sua vez, as críticas a Lula, que ao invés de “navegar na maionese”, está de “salto alto” e a quem ora faltam conselheiros de peso para apontar os erros.
Ciro veicula outrossim críticas aos institutos de pesquisa: “O Ibope e o Sensus fazem qualquer negócio. O Datafolha é o único instituto que não se aluga a partidos e empresas.”
Qual a reação dos órgãos e dos líderes políticos objeto das assertivas do deputado Ciro Gomes ? Pelo visto, é a estratégia do silêncio, da não-reação. A exemplo da ‘resposta’ da liderança do PMDB à entrevista-bomba de Jarbas Vasconcelos à revista VEJA, os ora atingidos por Ciro se fecham num virtual mutismo. PT, PMDB, PSB e Lula se fecham em copas. Ao evitarem reagir aos ataques de Ciro – e cuidando de manterem os seus representantes políticos nos cargos de governo – pensam contribuir para não aumentar-lhes a estridência.
É uma tática já provada e que por vezes surte efeito. Como se as acusações carecessem da controvérsia para se manterem presentes no palco da política.
( Fonte: O Globo )
segunda-feira, 26 de abril de 2010
O Juiz Baltasar Garzón e a Sociedade Espanhola
Tem sido muito alentador e gratificante o apoio que o juiz Baltasar Garzón, da Audiência Nacional, submetido a processo por suspeita de ‘prevaricação’, vem recebendo em diferentes sedes e lugares, de largas correntes da sociedade espanhola.
Neste fim de semana, dando continuidade à série de manifestações de protesto contra o acosso judicial ao juiz Garzón, realizaram-se em 25 cidades espanholas passeatas não só de apoio ao juiz, mas também de homenagem às vítimas do franquismo.
A esse respeito, a Secretária-Geral do Partido Popular (direita), Maria Dolores de Cospedal chegou a afirmar que as atitudes de apoio e participação em tais manifestações de membros destacados do governo põem em perigo a democracia na Espanha.
Nessa linha do PP, que semelha auxiliar da Falange (extrema direita) Cospedal disse que o Primeiro Ministro José Luiz Rodriguez Zapatero “ao invés de calar-se e estimular essas manifestações, deveria atuar em defesa da divisão dos poderes”.
Em resposta, José Blanco, Ministro do Fomento e Vice-Secretário do PSOE (socialista) afirmou que “nem o PP coloca em perigo a democracia”. Assinalou a respeito os seguidos apoios que o PP tem dado à Falange espanhola.
Por um lado, causaria espécie essa defesa da separação de poderes por parte do PP. Poderia ser interpretada como implicando em abandono pela sociedade civil espanhola de um juiz corajoso, que abriu ações pelos crimes contra a humanidade – e portanto imprescritíveis – do franquismo.
Não obstante, pelo que transpirou de reunião da cúpula socialista no Palácio de Moncloa, o Primeiro Ministro Zapatero se teria expresso em favor da orientação de que a defesa de Baltasar Garzón fique a cargo do PSOE, enquanto o gabinete socialista se abstém, sob o argumento de que não deveria imiscuir-se com questões afetas ao Tribunal Supremo e à Corte Constitucional.
O PSOE teme o que se prefigura como linha de ataque do PP – a exemplo de o que depois se configuraria nas declarações da Secretaria-Geral Maria Dolores de Cospedal – de que se estaria envolvendo o governo em tentativa de pressionar os tribunais.
Por um lado, causaria espécie essa defesa da separação strictu sensu de poderes por parte do Primeiro Ministro Zapatero. O respeito ao poder judiciário não pode ser confundido com orientação de abstenção de qualquer manifestação de apoio à defesa de um juiz que está sendo vítima de acosso por sua investida contra os crimes do franquismo. Poderia ser interpretada como implicando em lavar as mãos diante do abandono pela sociedade civil espanhola de um juiz corajoso, que abriu ações pelos crimes contra a humanidade – e portanto imprescritíveis – do franquismo.
Contribui, outrossim, para a divisão do eleitorado espanhol, ao patrocinar causa defendida por organizações ligadas ao franquismo. Pactuar com a Falange é admitir a presença no arco democrático de organizações que defendem regimes liberticidas, como o franquismo. É oportunismo eleitoreiro que só tende a confundir o povo espanhol. A defesa de Baltasar Garzón – e o repúdio do acosso judicial que se empreende contra ele – deveria ser causa comum da democracia espanhola, perfilhada tanto pela esquerda do PSOE, quanto pela direita do PP. Ambas se fundam no poder do voto e não do arbítrio. Parafraseando um dito famoso, a tentativa de criminalização do juiz Garzón, de parte do PP, mais do que falta grave, é um erro histórico.
Nesse sentido, tem limites o silêncio da maior autoridade civil do governo espanhol para evitar uma potencial suspeição de intromissão em questões afetas a outros poderes estatais. Se as intervenções dos membros do Governo não deveriam ser interpretadas com tal propósito, tampouco seria de esperar-se o mutismo da mais alta hierarquia política. Entregar a questão tão só à esfera do partido, dissocia o governo da defesa desta causa que é também da sociedade democrática espanhola. Configuraria, na verdade, uma timorata sujeição à linha do Partido Popular, que não tem pejo em instrumentalizar a questão tão do gosto da Falange e da extrema direita.
( Fonte: El País )
Neste fim de semana, dando continuidade à série de manifestações de protesto contra o acosso judicial ao juiz Garzón, realizaram-se em 25 cidades espanholas passeatas não só de apoio ao juiz, mas também de homenagem às vítimas do franquismo.
A esse respeito, a Secretária-Geral do Partido Popular (direita), Maria Dolores de Cospedal chegou a afirmar que as atitudes de apoio e participação em tais manifestações de membros destacados do governo põem em perigo a democracia na Espanha.
Nessa linha do PP, que semelha auxiliar da Falange (extrema direita) Cospedal disse que o Primeiro Ministro José Luiz Rodriguez Zapatero “ao invés de calar-se e estimular essas manifestações, deveria atuar em defesa da divisão dos poderes”.
Em resposta, José Blanco, Ministro do Fomento e Vice-Secretário do PSOE (socialista) afirmou que “nem o PP coloca em perigo a democracia”. Assinalou a respeito os seguidos apoios que o PP tem dado à Falange espanhola.
Por um lado, causaria espécie essa defesa da separação de poderes por parte do PP. Poderia ser interpretada como implicando em abandono pela sociedade civil espanhola de um juiz corajoso, que abriu ações pelos crimes contra a humanidade – e portanto imprescritíveis – do franquismo.
Não obstante, pelo que transpirou de reunião da cúpula socialista no Palácio de Moncloa, o Primeiro Ministro Zapatero se teria expresso em favor da orientação de que a defesa de Baltasar Garzón fique a cargo do PSOE, enquanto o gabinete socialista se abstém, sob o argumento de que não deveria imiscuir-se com questões afetas ao Tribunal Supremo e à Corte Constitucional.
O PSOE teme o que se prefigura como linha de ataque do PP – a exemplo de o que depois se configuraria nas declarações da Secretaria-Geral Maria Dolores de Cospedal – de que se estaria envolvendo o governo em tentativa de pressionar os tribunais.
Por um lado, causaria espécie essa defesa da separação strictu sensu de poderes por parte do Primeiro Ministro Zapatero. O respeito ao poder judiciário não pode ser confundido com orientação de abstenção de qualquer manifestação de apoio à defesa de um juiz que está sendo vítima de acosso por sua investida contra os crimes do franquismo. Poderia ser interpretada como implicando em lavar as mãos diante do abandono pela sociedade civil espanhola de um juiz corajoso, que abriu ações pelos crimes contra a humanidade – e portanto imprescritíveis – do franquismo.
Contribui, outrossim, para a divisão do eleitorado espanhol, ao patrocinar causa defendida por organizações ligadas ao franquismo. Pactuar com a Falange é admitir a presença no arco democrático de organizações que defendem regimes liberticidas, como o franquismo. É oportunismo eleitoreiro que só tende a confundir o povo espanhol. A defesa de Baltasar Garzón – e o repúdio do acosso judicial que se empreende contra ele – deveria ser causa comum da democracia espanhola, perfilhada tanto pela esquerda do PSOE, quanto pela direita do PP. Ambas se fundam no poder do voto e não do arbítrio. Parafraseando um dito famoso, a tentativa de criminalização do juiz Garzón, de parte do PP, mais do que falta grave, é um erro histórico.
Nesse sentido, tem limites o silêncio da maior autoridade civil do governo espanhol para evitar uma potencial suspeição de intromissão em questões afetas a outros poderes estatais. Se as intervenções dos membros do Governo não deveriam ser interpretadas com tal propósito, tampouco seria de esperar-se o mutismo da mais alta hierarquia política. Entregar a questão tão só à esfera do partido, dissocia o governo da defesa desta causa que é também da sociedade democrática espanhola. Configuraria, na verdade, uma timorata sujeição à linha do Partido Popular, que não tem pejo em instrumentalizar a questão tão do gosto da Falange e da extrema direita.
( Fonte: El País )
domingo, 25 de abril de 2010
Colcha de Retalhos XLIV
A Marinha de Guerra Chinesa
A presença nos mares, longe dos respectivos portos, é uma das mostras típicas da afirmação de poder. É fenômeno gradual, que não ocorre, portanto, de forma imediata. Em geral, principia a entrever-se quando a potência se acredita haver ultrapassado a fase inicial, em que a preocupação de exibição se circunscreve a espaços vizinhos de sua localização geográfica.
A Alemanha do Kaiser Guilherme II tentou, através do aumento da sua marinha de guerra, encetar a contestação do domínio britânico dos mares. Esse intento não teve outra consequência senão acirrar as relações com Londres e representar causa adicional para a entente do Império inglês com a França. Sucedendo à maestria e habilidade do velho timoneiro, o Chanceler Bismarck, o Kaiser contribuía assim para o conjunto de causas que desencadearam a então chamada Grande Guerra, a primeira das hecatombes do século XX.
A União Soviética já entrara na fase dita gerontocrática, quando resolveu mostrar a bandeira de foice e martelo pelos sete mares. Se notada pelo Estados Unidos, a sua custosa afirmação desapareceria com o surpreendente desfazimento da segunda superpotência, em princípios da última década do século XX.
Às vésperas de ultrapassar a estagnada economia japonesa como a segunda mais importante, a República Popular da China ora cuida de estender a presença bem além de suas costas, assim como do estreito que a separa de Formosa.
Para defender os navios mercantes chineses, em rotas julgadas críticas para a economia da RPC, a marinha de guerra do antigo Império do Meio avança bem além de seus portos habituais. No passado mês de março, duas belonaves ancoraram em Abu Dhabi, na primeira visita da marinha chinesa ao Oriente Médio.
Por ora, não há indícios de que a marinha de guerra chinesa pretenda rivalizar com a presente hegemonia naval americana. No momento, ela não teria, de resto, condições de constituir séria ameaça. Enganam-se, no entanto, aqueles que consideram tais arreganhos de poder bélico como sinais inconsequentes.
A marinha de guerra chinesa acompanha, dessarte, o crescimento da economia nacional. Nesse sentido, dentro de poucos anos, a RPC disporá de um esquadrão de porta-aviões. Igualmente, terá flotilha de sofisticados submarinos com a missão precípua de barrar o ingresso de belonaves estrangeiras em suas águas estratégicas.
Como é bastante lato o conceito chinês de águas estratégicas – que vai bem além das águas territoriais e zonas de exploração econômicas definidas pela Convenção do Mar – tal crescente movimentação constitui motivo de preocupação para o futuro.
Tudo leva a crer que a presença chinesa nos sete mares não será assim tão efêmera...
As eleições e o futuro do Sudão
O presidente do Sudão, general Omar Hassan al-Bashir, contra quem existe mandado de prisão lançado pelo Tribunal Penal Internacional, se proclama vencedor das recentes eleições em seu país.
Da liberdade e da correção desse pleito se pode fazer ideia. O próprio General Scott Gration, enviado especial de Obama àquele país declarou que as eleições seriam “tão livres e tão justas quanto possível”. No regime do general al-Bashir, e com todas as tropelias contra os direitos humanos em Darfur, se terá consciência da legitimidade desses comícios.
Consoante se refere, o candidato Obama insistia na campanha de que os Estados Unidos deveriam exercer mais pressão sobre Cartum de modo a evitar uma catástrofe humanitária em Darfur e alhures.
Infelizmente, por enquanto, a Administração Obama vem atuando com moderação do gosto do general al-Bashir.
Para janeiro próximo está marcado referendo em que a população do Sul do Sudão decidirá sobre a secessão ou não de Cartum. A probabilidade é grande de que favoreça a independência. Como a maior parte dos recursos petrolíferos sudaneses se acham no Sul, muitos estimam como quase inevitável a eclosão de novo conflito, eis que Cartum não desejaria perder a riqueza do ouro negro.
Da reação ou não do regime militar do general al-Bashir muito depende a postura do Ocidente e em especial dos Estados Unidos. Uma posição fraca, contemporizadora, como a presente, não representaria o melhor augúrio para o eventual respeito da vontade do povo do sul.
A Economia Grega ou ‘o navio que está afundando’
É conhecida a importância da marinha para a economia da Grécia. Mesmo na antiguidade clássica, foi através da frota de suas trirremes e de suas naves mercantis que Atenas reivindicou a hegemonia sobre o recortado litoral da Hélade e da profusão de ilhas do mar Egeu.
Ao descrever a economia nacional como “um navio que está afundando”, o primeiro-ministro George Papandreou, falando em cadeia nacional da ilha de Megisti, assinalou “que chegara a hora de solicitar a nossos parceiros na União Europeia que ponham em funcionamento o mecanismo por nós formulado.”
Papandreou se reportava ao pacote especial acertado há duas semanas atrás de trinta bilhões de euros (quarenta bilhões de dólares), em empréstimos de membros da euro-zona, e cerca de quinze bilhões a serem concedidos pelo Fundo Monetário Internacional
Com o deficit orçamentário do ano passado, a dívida grega cresceu em 13,6 do PIB, o que implica em débito geral superior a cem por cento desse PIB. Em termos de mercado e sem ajudas extraordinárias, a situação financeira helênica seria insustentável.
Dado o comportamento no passado dos governos gregos, a concessão dessa ajuda da U.E. e do FMI será feita sob acrescidas exigências de austeridade e respeito às obrigações contraídas.
Como o auxílio a ser prestado pelos diversos participantes da zona euro dependerá dos legislativos nacionais, o mais provável é que Atenas receba tais aportes de forma fragmentária. Na Alemanha, que é o membro mais importante, a Chanceler Angela Merkel condicionou a concessão do empréstimo à negociação pela Grécia de um novo programa de austeridade com a U.E., o Banco Central Europeu e o F.M.I. e depois que fosse determinada a inexistência de outras opções.
Como bem sabemos, é árdua e penosa a obtenção da ajuda em divisas pelo país devedor, e a trilha costuma ser marcada por contritas promessas que nem sempre o futuro confirma...
( Fonte: International Herald Tribune )
A presença nos mares, longe dos respectivos portos, é uma das mostras típicas da afirmação de poder. É fenômeno gradual, que não ocorre, portanto, de forma imediata. Em geral, principia a entrever-se quando a potência se acredita haver ultrapassado a fase inicial, em que a preocupação de exibição se circunscreve a espaços vizinhos de sua localização geográfica.
A Alemanha do Kaiser Guilherme II tentou, através do aumento da sua marinha de guerra, encetar a contestação do domínio britânico dos mares. Esse intento não teve outra consequência senão acirrar as relações com Londres e representar causa adicional para a entente do Império inglês com a França. Sucedendo à maestria e habilidade do velho timoneiro, o Chanceler Bismarck, o Kaiser contribuía assim para o conjunto de causas que desencadearam a então chamada Grande Guerra, a primeira das hecatombes do século XX.
A União Soviética já entrara na fase dita gerontocrática, quando resolveu mostrar a bandeira de foice e martelo pelos sete mares. Se notada pelo Estados Unidos, a sua custosa afirmação desapareceria com o surpreendente desfazimento da segunda superpotência, em princípios da última década do século XX.
Às vésperas de ultrapassar a estagnada economia japonesa como a segunda mais importante, a República Popular da China ora cuida de estender a presença bem além de suas costas, assim como do estreito que a separa de Formosa.
Para defender os navios mercantes chineses, em rotas julgadas críticas para a economia da RPC, a marinha de guerra do antigo Império do Meio avança bem além de seus portos habituais. No passado mês de março, duas belonaves ancoraram em Abu Dhabi, na primeira visita da marinha chinesa ao Oriente Médio.
Por ora, não há indícios de que a marinha de guerra chinesa pretenda rivalizar com a presente hegemonia naval americana. No momento, ela não teria, de resto, condições de constituir séria ameaça. Enganam-se, no entanto, aqueles que consideram tais arreganhos de poder bélico como sinais inconsequentes.
A marinha de guerra chinesa acompanha, dessarte, o crescimento da economia nacional. Nesse sentido, dentro de poucos anos, a RPC disporá de um esquadrão de porta-aviões. Igualmente, terá flotilha de sofisticados submarinos com a missão precípua de barrar o ingresso de belonaves estrangeiras em suas águas estratégicas.
Como é bastante lato o conceito chinês de águas estratégicas – que vai bem além das águas territoriais e zonas de exploração econômicas definidas pela Convenção do Mar – tal crescente movimentação constitui motivo de preocupação para o futuro.
Tudo leva a crer que a presença chinesa nos sete mares não será assim tão efêmera...
As eleições e o futuro do Sudão
O presidente do Sudão, general Omar Hassan al-Bashir, contra quem existe mandado de prisão lançado pelo Tribunal Penal Internacional, se proclama vencedor das recentes eleições em seu país.
Da liberdade e da correção desse pleito se pode fazer ideia. O próprio General Scott Gration, enviado especial de Obama àquele país declarou que as eleições seriam “tão livres e tão justas quanto possível”. No regime do general al-Bashir, e com todas as tropelias contra os direitos humanos em Darfur, se terá consciência da legitimidade desses comícios.
Consoante se refere, o candidato Obama insistia na campanha de que os Estados Unidos deveriam exercer mais pressão sobre Cartum de modo a evitar uma catástrofe humanitária em Darfur e alhures.
Infelizmente, por enquanto, a Administração Obama vem atuando com moderação do gosto do general al-Bashir.
Para janeiro próximo está marcado referendo em que a população do Sul do Sudão decidirá sobre a secessão ou não de Cartum. A probabilidade é grande de que favoreça a independência. Como a maior parte dos recursos petrolíferos sudaneses se acham no Sul, muitos estimam como quase inevitável a eclosão de novo conflito, eis que Cartum não desejaria perder a riqueza do ouro negro.
Da reação ou não do regime militar do general al-Bashir muito depende a postura do Ocidente e em especial dos Estados Unidos. Uma posição fraca, contemporizadora, como a presente, não representaria o melhor augúrio para o eventual respeito da vontade do povo do sul.
A Economia Grega ou ‘o navio que está afundando’
É conhecida a importância da marinha para a economia da Grécia. Mesmo na antiguidade clássica, foi através da frota de suas trirremes e de suas naves mercantis que Atenas reivindicou a hegemonia sobre o recortado litoral da Hélade e da profusão de ilhas do mar Egeu.
Ao descrever a economia nacional como “um navio que está afundando”, o primeiro-ministro George Papandreou, falando em cadeia nacional da ilha de Megisti, assinalou “que chegara a hora de solicitar a nossos parceiros na União Europeia que ponham em funcionamento o mecanismo por nós formulado.”
Papandreou se reportava ao pacote especial acertado há duas semanas atrás de trinta bilhões de euros (quarenta bilhões de dólares), em empréstimos de membros da euro-zona, e cerca de quinze bilhões a serem concedidos pelo Fundo Monetário Internacional
Com o deficit orçamentário do ano passado, a dívida grega cresceu em 13,6 do PIB, o que implica em débito geral superior a cem por cento desse PIB. Em termos de mercado e sem ajudas extraordinárias, a situação financeira helênica seria insustentável.
Dado o comportamento no passado dos governos gregos, a concessão dessa ajuda da U.E. e do FMI será feita sob acrescidas exigências de austeridade e respeito às obrigações contraídas.
Como o auxílio a ser prestado pelos diversos participantes da zona euro dependerá dos legislativos nacionais, o mais provável é que Atenas receba tais aportes de forma fragmentária. Na Alemanha, que é o membro mais importante, a Chanceler Angela Merkel condicionou a concessão do empréstimo à negociação pela Grécia de um novo programa de austeridade com a U.E., o Banco Central Europeu e o F.M.I. e depois que fosse determinada a inexistência de outras opções.
Como bem sabemos, é árdua e penosa a obtenção da ajuda em divisas pelo país devedor, e a trilha costuma ser marcada por contritas promessas que nem sempre o futuro confirma...
( Fonte: International Herald Tribune )
sábado, 24 de abril de 2010
O Fator Ciro Gomes
Terá chegado ao fim o longo esvaziamento da pré-candidatura de Ciro Gomes à presidência da república ?
Tudo indica que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva logrou o objetivo tenazmente perseguido de inviabilizar a candidatura presidencial de Ciro pelo PSB. Lula a dessangrou por processo lento mas seguro, posto que eticamente questionável, ao retirar-lhe qualquer possibilidade de apoio de outros partidos. Dessarte, ele a condenou a inelutável definhamento, pela negação de qualquer tempo televisivo além da magérrima quota de tempo alocada ao PSB na propaganda político-partidária obrigatória.
Não faz parte da estratégia de Lula dividir a respectiva base de apoio entre dois candidatos que nominalmente se digam seus partidários. Agora semelha conseguir o que almejara desde o princípio: Dilma Rousseff é a única candidata do campo situacionista.
Se a presença de Marina Silva, ex-petista e que continua a expressar o respectivo apreço a Lula, já representa uma exceção a tal proposta do Planalto, é questão que fica em aberto.
No entanto, o procedimento utilizado para afastar Ciro Gomes da disputa não foi de molde a não deixar-lhe a funda marca do ressentimento. Ciro ora declara Serra “o mais preparado, mais legítimo, mais capaz” do que a pré-candidata presidencial, justamente aquele a quem apostrofara como “mais feio por dentro do que por fora”.
Por mais que destemperos passados possam relativizar as assertivas do candidato – que terá seus motivos para julgar-se com mais títulos do que a ungida pela escolha do presidente Lula - , os ataques de Ciro Gomes ao Presidente – que está “navegando na maionese” – e à candidata petista, por considerar Serra “mais capaz” para administrar o país numa eventual crise cambial – não são coisa de somenos, nem deixarão de ser utilizados pela oposição.
Lula estaria preocupado com a reação de Ciro Gomes, sobretudo pelos efeitos que terá no cenário cearense, onde o pré-candidato do PSB lidera nas pesquisas.
A tática lulista será a de primeiro deixar baixar a poeira para depois conversar em privado com Ciro. Se terá presente, a propósito, que agindo desse modo, o presidente não estará inovando no tratamento dispensado ao seu ex-ministro da Integração. Pessoalmente amável, quase paternal, mas na realidade factual, duro e impiedoso. Como diziam os antigos “suaviter in modo, fortiter in re”.[1]
Será que a medicação do padrinho político continuará a produzir os efeitos desejados no antigo afilhado ?
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
[1] Suave na maneira, forte na essência.
Tudo indica que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva logrou o objetivo tenazmente perseguido de inviabilizar a candidatura presidencial de Ciro pelo PSB. Lula a dessangrou por processo lento mas seguro, posto que eticamente questionável, ao retirar-lhe qualquer possibilidade de apoio de outros partidos. Dessarte, ele a condenou a inelutável definhamento, pela negação de qualquer tempo televisivo além da magérrima quota de tempo alocada ao PSB na propaganda político-partidária obrigatória.
Não faz parte da estratégia de Lula dividir a respectiva base de apoio entre dois candidatos que nominalmente se digam seus partidários. Agora semelha conseguir o que almejara desde o princípio: Dilma Rousseff é a única candidata do campo situacionista.
Se a presença de Marina Silva, ex-petista e que continua a expressar o respectivo apreço a Lula, já representa uma exceção a tal proposta do Planalto, é questão que fica em aberto.
No entanto, o procedimento utilizado para afastar Ciro Gomes da disputa não foi de molde a não deixar-lhe a funda marca do ressentimento. Ciro ora declara Serra “o mais preparado, mais legítimo, mais capaz” do que a pré-candidata presidencial, justamente aquele a quem apostrofara como “mais feio por dentro do que por fora”.
Por mais que destemperos passados possam relativizar as assertivas do candidato – que terá seus motivos para julgar-se com mais títulos do que a ungida pela escolha do presidente Lula - , os ataques de Ciro Gomes ao Presidente – que está “navegando na maionese” – e à candidata petista, por considerar Serra “mais capaz” para administrar o país numa eventual crise cambial – não são coisa de somenos, nem deixarão de ser utilizados pela oposição.
Lula estaria preocupado com a reação de Ciro Gomes, sobretudo pelos efeitos que terá no cenário cearense, onde o pré-candidato do PSB lidera nas pesquisas.
A tática lulista será a de primeiro deixar baixar a poeira para depois conversar em privado com Ciro. Se terá presente, a propósito, que agindo desse modo, o presidente não estará inovando no tratamento dispensado ao seu ex-ministro da Integração. Pessoalmente amável, quase paternal, mas na realidade factual, duro e impiedoso. Como diziam os antigos “suaviter in modo, fortiter in re”.[1]
Será que a medicação do padrinho político continuará a produzir os efeitos desejados no antigo afilhado ?
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
[1] Suave na maneira, forte na essência.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Deficit não preocupa ?
Conforme se previa, o deficit nas transações correntes – balança comercial mais movimento de capitais – no primeiro trimestre de 2010 foi alto. Com um detalhe suplementar, porém: o saldo negativo ficou em US$ 12,145 bilhões, o maior desde 1947, quando foi iniciada a estatística oficial.
O Banco Central não se diz preocupado com a tendência. Alguns analistas concordam. O Ministro Guido Mantega descarta, além disso, que a economia brasileira apresente sinais de superaquecimento – surgimento de pressões inflacionárias sobre os preços e as importações -, segundo análise do Fundo Monetário Internacional e da Agência Moody’s.
Há especialistas que dissentem da rósea perspectiva difundida pelo oficialismo e partes do mercado.
A balança comercial tem apresentado tendência sustentada para o incremento das importações e o encolhimento das exportações. Para que se tenha ideia do andor da carruagem, se no trimestre passado o superavit foi de US$ 892 milhões, no trimestre equivalente de 2009 o saldo positivo era de US$ 2,988 bilhões. Uma diferença para menos em 2010 de US$ 2,1 bilhões !
Verifica-se, portanto, que o ‘colchão’ para ajudar-nos a superar os deficits na balança de pagamentos, tende a adelgaçar-se notadamente em função da apreciação do real, que contribui para aumentar as importações e restringir as exportações.
Dado o perfil de nosso balanço de capitais, cujo caráter negativo se tem igualmente acentuado nos últimos tempos com a diferença na paridade dólar-real, não há de surpreender que o resultado geral se reflita em deficits maiores, como a presente amarga dose de doze bilhões de dólares para o primeiro trimestre de 2010.
Se ex-officio as autoridades monetárias devem projetar imagem de otimismo – não é crível que representantes do BC e do Ministério da Fazenda queiram brincar com os humores do mercado - pelo mesmo motivo as suas previsões e análises carecem de ser recebidas cum grano salis [1].
Para compensar os deficits em transações correntes – turbinados, entre outros motivos, pelas viagens internacionais e pelas remessas de lucros das montadoras e dos bancos estrangeiros – conta-se com o movimento de capitais, em especial, os investimentos e as inversões do capital de risco.
Dados os sinais positivos de nossa economia, esse movimento tem crescido nos últimos anos. No entanto, dado o seu caráter parcialmente especulativo – e sujeito aos juízos de agências e instituições internacionais – é elemento necessariamente flutuante.
E, nesse sentido, como afirma Luis Carlos Mendonça de Barros na sua coluna, na Folha – o crescente deficit em conta corrente deixará o país mais exposto aos humores do capital financeiro.
Em outras palavras, ao final do exercício, as referidas autoridades financeiras podem encontrar-se a braços com a necessidade de equilibrar a balança de pagamentos, que forçosamente passará pelo aumento do endividamento externo, e a consequente maior pressão no pagamento dos juros.
Não é, por ora, a realidade. Mas que pode bater à nossa porta, lá isso pode.
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
[1] Com um grão de sal.
O Banco Central não se diz preocupado com a tendência. Alguns analistas concordam. O Ministro Guido Mantega descarta, além disso, que a economia brasileira apresente sinais de superaquecimento – surgimento de pressões inflacionárias sobre os preços e as importações -, segundo análise do Fundo Monetário Internacional e da Agência Moody’s.
Há especialistas que dissentem da rósea perspectiva difundida pelo oficialismo e partes do mercado.
A balança comercial tem apresentado tendência sustentada para o incremento das importações e o encolhimento das exportações. Para que se tenha ideia do andor da carruagem, se no trimestre passado o superavit foi de US$ 892 milhões, no trimestre equivalente de 2009 o saldo positivo era de US$ 2,988 bilhões. Uma diferença para menos em 2010 de US$ 2,1 bilhões !
Verifica-se, portanto, que o ‘colchão’ para ajudar-nos a superar os deficits na balança de pagamentos, tende a adelgaçar-se notadamente em função da apreciação do real, que contribui para aumentar as importações e restringir as exportações.
Dado o perfil de nosso balanço de capitais, cujo caráter negativo se tem igualmente acentuado nos últimos tempos com a diferença na paridade dólar-real, não há de surpreender que o resultado geral se reflita em deficits maiores, como a presente amarga dose de doze bilhões de dólares para o primeiro trimestre de 2010.
Se ex-officio as autoridades monetárias devem projetar imagem de otimismo – não é crível que representantes do BC e do Ministério da Fazenda queiram brincar com os humores do mercado - pelo mesmo motivo as suas previsões e análises carecem de ser recebidas cum grano salis [1].
Para compensar os deficits em transações correntes – turbinados, entre outros motivos, pelas viagens internacionais e pelas remessas de lucros das montadoras e dos bancos estrangeiros – conta-se com o movimento de capitais, em especial, os investimentos e as inversões do capital de risco.
Dados os sinais positivos de nossa economia, esse movimento tem crescido nos últimos anos. No entanto, dado o seu caráter parcialmente especulativo – e sujeito aos juízos de agências e instituições internacionais – é elemento necessariamente flutuante.
E, nesse sentido, como afirma Luis Carlos Mendonça de Barros na sua coluna, na Folha – o crescente deficit em conta corrente deixará o país mais exposto aos humores do capital financeiro.
Em outras palavras, ao final do exercício, as referidas autoridades financeiras podem encontrar-se a braços com a necessidade de equilibrar a balança de pagamentos, que forçosamente passará pelo aumento do endividamento externo, e a consequente maior pressão no pagamento dos juros.
Não é, por ora, a realidade. Mas que pode bater à nossa porta, lá isso pode.
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
[1] Com um grão de sal.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Ainda Belo Monte (II)
A usina de Belo Monte, este monstro inventado pelo Governo Lula, com a intervenção motoniveladora do Gabinete Civil sob a Ministra Dilma Rousseff, acabou tendo o respectivo projeto de construção passado sob o martelo de leilão que menosprezou a pendência de uma liminar.
Dentro de comportamento que não semelha muito preocupado em observar as formalidades jurídicas, o leilão prosseguiu, a despeito de que ainda não tivesse sido derrubada a liminar. A única concessão foi a de divulgar a adjudicação ao consórcio vencedor depois que a sentença do juiz tivesse sido revogada pela instância superior.
O consórcio que venceu de alguma forma respeita a característica geral do processo. O ganhador é o pior dos dois grupos, o menos preparado, montado que foi às pressas e com a colaboração do próprio governo. Enquanto o consórcio Norte Energia apelou para a improvisação, o consórcio Belo Monte investira diversos meses no estudo do projeto, com 150 especialistas.
Forçados pelo aviso da Eletrobrás de que o projeto deveria ter rentabilidade de apenas 8% (ao invés dos 12% antecipados), os dois consórcios reviram as respectivas propostas. Enquanto o grupo liderado pela Andrade Gutierrez aumentou a tarifa proposta para a energia, a estatal Chesf, líder do Norte Energia, apostou em tarifa bem menor, e por isso venceu.
No entanto, ainda é cedo para as hostes do governo Lula cantarem vitória. O coordenador-adjunto do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), Raul Silva Teles, está convencido de que existem boas perspectivas de o leilão ser cancelado.
É manifesta a ilegalidade da licença, dada a maneira com que foi imposta. Como bastava por ora a decisão somente por medida judicial, a Advocacia Geral da União tinha condições de fazer realizar o leilão, eis que não havia necessidade de análise do mérito das ações.
Como as ações continuam na Justiça, segundo Raul Teles, e todas elas muito bem fundamentadas, pode transcorrer até um ano para analisar o mérito das ações.
Assim, no entendimento desse especialista, a ilegalidade pode levar à anulação do leilão.
Tal possibilidade, que está embutida no processo, cria óbvia pressão sobre o consórcio vencedor. Porque no final de tudo, corre o risco – que não é pequeno, dadas as transgressões cometidas a partir da ‘concessão’ da licença pelo Ibama – de o leilão ser efetivamente anulado.
Pelas comunidades indígenas, pelos danos ecológicos envolvidos, pela inadequação do projeto, é de esperar-se que a Justiça venha a desfazer este monstrengo, esta flechada dos Partas[1] que o governo Lula deseja legar ao seu sucessor.
[1] A cavalaria dos partas, povo da Anatólia, tinha o vezo de, ao bater em retirada, desfechar para trás flechadas certeiras contra o inimigo, apesar de que o fizesse no sentido contrário de sua aparente fuga.
Dentro de comportamento que não semelha muito preocupado em observar as formalidades jurídicas, o leilão prosseguiu, a despeito de que ainda não tivesse sido derrubada a liminar. A única concessão foi a de divulgar a adjudicação ao consórcio vencedor depois que a sentença do juiz tivesse sido revogada pela instância superior.
O consórcio que venceu de alguma forma respeita a característica geral do processo. O ganhador é o pior dos dois grupos, o menos preparado, montado que foi às pressas e com a colaboração do próprio governo. Enquanto o consórcio Norte Energia apelou para a improvisação, o consórcio Belo Monte investira diversos meses no estudo do projeto, com 150 especialistas.
Forçados pelo aviso da Eletrobrás de que o projeto deveria ter rentabilidade de apenas 8% (ao invés dos 12% antecipados), os dois consórcios reviram as respectivas propostas. Enquanto o grupo liderado pela Andrade Gutierrez aumentou a tarifa proposta para a energia, a estatal Chesf, líder do Norte Energia, apostou em tarifa bem menor, e por isso venceu.
No entanto, ainda é cedo para as hostes do governo Lula cantarem vitória. O coordenador-adjunto do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), Raul Silva Teles, está convencido de que existem boas perspectivas de o leilão ser cancelado.
É manifesta a ilegalidade da licença, dada a maneira com que foi imposta. Como bastava por ora a decisão somente por medida judicial, a Advocacia Geral da União tinha condições de fazer realizar o leilão, eis que não havia necessidade de análise do mérito das ações.
Como as ações continuam na Justiça, segundo Raul Teles, e todas elas muito bem fundamentadas, pode transcorrer até um ano para analisar o mérito das ações.
Assim, no entendimento desse especialista, a ilegalidade pode levar à anulação do leilão.
Tal possibilidade, que está embutida no processo, cria óbvia pressão sobre o consórcio vencedor. Porque no final de tudo, corre o risco – que não é pequeno, dadas as transgressões cometidas a partir da ‘concessão’ da licença pelo Ibama – de o leilão ser efetivamente anulado.
Pelas comunidades indígenas, pelos danos ecológicos envolvidos, pela inadequação do projeto, é de esperar-se que a Justiça venha a desfazer este monstrengo, esta flechada dos Partas[1] que o governo Lula deseja legar ao seu sucessor.
[1] A cavalaria dos partas, povo da Anatólia, tinha o vezo de, ao bater em retirada, desfechar para trás flechadas certeiras contra o inimigo, apesar de que o fizesse no sentido contrário de sua aparente fuga.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
A Política Externa de Lula
O dia 20 de abril marca o aniversário de nascimento do patrono da diplomacia brasileira, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o futuro Barão do Rio Branco. Semelha apropriado, portanto, que esta efeméride seja dedicada ao Dia do Diplomata. Nessa data, é tradição organizar-se cerimônia no Palácio do Itamaraty em Brasília, com distribuição de condecorações da Ordem de Rio Branco, formatura dos novos diplomatas, banquete e discurso presidencial sobre a política externa.
Não terá sido por acaso que o Financial Times, de Londres, escolheu o dia de ontem para estampar artigo sobre a política exterior brasileira. Desde muito, como se sabe, o Itamaraty persegue assento permanente no Conselho de Segurança. Nesse sentido, houve um aumento exponencial no número de nossas missões diplomáticas, que, por óbvios motivos, se dirigiram para áreas antes não abrangidas pelas embaixadas brasileiras.
Tal esforço corresponde ao propósito de incrementar a nossa eventual votação na Assembleia Geral, junto a qual estão representados todos esses países, em geral micro-estados na Oceânia, a par de estados menores em África, Caribe e Ásia. Se bem que muitos desses países-membros das Nações Unidas deleguem aos respectivos representantes em New York (sede das Nações Unidas) o poder de decidir sobre os eventuais votos na Assembleia Geral, não se negará que tal presença nas capitais poderá trazer maior simpatia à postulação do Brasil.
Acresce notar, igualmente, que essa empresa implica em considerável dispêndio pelo Itamaraty, não obstante a lotação desses postos se cinja a um chefe de missão, sem qualquer outro diplomata, e um outro funcionário administrativo de carreira. Os demais serão pessoal contratado localmente.
Para a eventual aprovação do assento permanente intervém igualmente o Conselho de Segurança, onde a influência principal é exercido pelos chamados membros permanentes – Estados Unidos, Reino Unido, França, Federação Russa e República Popular da China. A chamada reforma do Conselho de Segurança, com a expansão dos membros permanentes, tem sido um processo longo, dada a ambivalência dos atuais titulares, as diversas candidaturas com maiores possibilidades (Brasil, Alemanha, Japão e Índia) e a oposição ferrenha daqueles países que sabem não terem condições de aspirar à cadeira permanente, mas tampouco desejam que seus rivais geográficos as ocupem (Argentina, México, Itália e Paquistão). Há também resistências de membros permanentes contra a entrada de novos, como, v.g., a atitude da China em relação a Japão e Índia.
Por outro lado, não é segredo que países como França e Reino Unido, considerados grandes potências quando da criação das Nações Unidas em 1945, hoje dificilmente teriam a mesma posição. Nesse contexto, pareceria mais lógico que o assento permanente coubesse a representante da União Europeia.
Por isso, a campanha do Brasil, que não data da administração Lula, enfrenta muitos óbices, dadas as dificuldades de reforma ampla das Nações Unidas – com o complicador do direito de veto aos permanentes – e as interrogações políticas dos atuais favorecidos quanto a uma nova situação e sua respectiva manejabilidade político-diplomática.
Pensando facilitar-lhe a postulação, o Brasil na atual administração se mostrou disposto a renunciar de forma qualificada ao privilégio do exercício do veto. Surgiria, assim, no Conselho de Segurança ampliado, os cinco permanentes com direito de veto, os outros permanentes sem esse direito, e os temporários, que se revezam em mandatos bienais.
Por isso, soa um tanta requentada a advertência do Financial Times no que tange ao efeito negativo de certas alegadas gafes da diplomacia presidencial brasileira sobre a já provecta candidatura nacional a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A diplomacia do Brasil até o governo Lula se identificava com o Itamaraty, ou seja, a sede de nosso ministério das Relações Exteriores. Não é que o Presidente – como, v.g., Fernando Henrique Cardoso – não tivesse interesses e conhecimento nessa área, mas se atribuía a quem estivesse, de turno, na cadeira do Barão, e às instâncias profissionais do Itamaraty a direção e a formulação de nossa política externa.
Com o homo novus à frente do Governo brasileiro, a gestão diplomática, para empregar um termo hoje corriqueiro, se tornou mais complicada, com a alocação de áreas determinadas à decisão de instâncias não-itamaratianas. Outros critérios, além da diplomacia de Estado, passaram a ter importância para o governo petista, e os novos ingredientes nem sempre produzem os resultados colimados pelos gestores suplementares, com o seu eventual menosprezo pela experiência e coerência da política anterior.
O colunista do Financial Times pinçou para o seu comentário alusivo atitudes digamos ‘pouco felizes’ do Presidente Lula da Silva, na crítica a um corajoso dissidente da ditadura cubana, como Orlando Zapata (que não trepidou em pagar com a vida o respectivo protesto), e ao apoio tão inoportuno quão despropositado à tirania dos ayatollahs, não se pejando de utilizar uma de suas rasteiras metáforas futebolísticas para denominar as manifestações da juventude em Teerã – de resto, cruelmente reprimidas – como se fossem “choro de perdedores”.
Da minha longa experiência diplomática, colhi a certeza de que política externa não é a questão simples que pode parecer a pessoas menos versadas. É tema complexo que não deveria ser confiado àqueles que dele não têm maior conhecimento. Ser festejado em recepções não é um equivalente aceitável para ser catapultado, como se por um deus ex machina, em abalizado conhecedor da cultura político-diplomática.
( Fonte: O Globo )
Não terá sido por acaso que o Financial Times, de Londres, escolheu o dia de ontem para estampar artigo sobre a política exterior brasileira. Desde muito, como se sabe, o Itamaraty persegue assento permanente no Conselho de Segurança. Nesse sentido, houve um aumento exponencial no número de nossas missões diplomáticas, que, por óbvios motivos, se dirigiram para áreas antes não abrangidas pelas embaixadas brasileiras.
Tal esforço corresponde ao propósito de incrementar a nossa eventual votação na Assembleia Geral, junto a qual estão representados todos esses países, em geral micro-estados na Oceânia, a par de estados menores em África, Caribe e Ásia. Se bem que muitos desses países-membros das Nações Unidas deleguem aos respectivos representantes em New York (sede das Nações Unidas) o poder de decidir sobre os eventuais votos na Assembleia Geral, não se negará que tal presença nas capitais poderá trazer maior simpatia à postulação do Brasil.
Acresce notar, igualmente, que essa empresa implica em considerável dispêndio pelo Itamaraty, não obstante a lotação desses postos se cinja a um chefe de missão, sem qualquer outro diplomata, e um outro funcionário administrativo de carreira. Os demais serão pessoal contratado localmente.
Para a eventual aprovação do assento permanente intervém igualmente o Conselho de Segurança, onde a influência principal é exercido pelos chamados membros permanentes – Estados Unidos, Reino Unido, França, Federação Russa e República Popular da China. A chamada reforma do Conselho de Segurança, com a expansão dos membros permanentes, tem sido um processo longo, dada a ambivalência dos atuais titulares, as diversas candidaturas com maiores possibilidades (Brasil, Alemanha, Japão e Índia) e a oposição ferrenha daqueles países que sabem não terem condições de aspirar à cadeira permanente, mas tampouco desejam que seus rivais geográficos as ocupem (Argentina, México, Itália e Paquistão). Há também resistências de membros permanentes contra a entrada de novos, como, v.g., a atitude da China em relação a Japão e Índia.
Por outro lado, não é segredo que países como França e Reino Unido, considerados grandes potências quando da criação das Nações Unidas em 1945, hoje dificilmente teriam a mesma posição. Nesse contexto, pareceria mais lógico que o assento permanente coubesse a representante da União Europeia.
Por isso, a campanha do Brasil, que não data da administração Lula, enfrenta muitos óbices, dadas as dificuldades de reforma ampla das Nações Unidas – com o complicador do direito de veto aos permanentes – e as interrogações políticas dos atuais favorecidos quanto a uma nova situação e sua respectiva manejabilidade político-diplomática.
Pensando facilitar-lhe a postulação, o Brasil na atual administração se mostrou disposto a renunciar de forma qualificada ao privilégio do exercício do veto. Surgiria, assim, no Conselho de Segurança ampliado, os cinco permanentes com direito de veto, os outros permanentes sem esse direito, e os temporários, que se revezam em mandatos bienais.
Por isso, soa um tanta requentada a advertência do Financial Times no que tange ao efeito negativo de certas alegadas gafes da diplomacia presidencial brasileira sobre a já provecta candidatura nacional a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A diplomacia do Brasil até o governo Lula se identificava com o Itamaraty, ou seja, a sede de nosso ministério das Relações Exteriores. Não é que o Presidente – como, v.g., Fernando Henrique Cardoso – não tivesse interesses e conhecimento nessa área, mas se atribuía a quem estivesse, de turno, na cadeira do Barão, e às instâncias profissionais do Itamaraty a direção e a formulação de nossa política externa.
Com o homo novus à frente do Governo brasileiro, a gestão diplomática, para empregar um termo hoje corriqueiro, se tornou mais complicada, com a alocação de áreas determinadas à decisão de instâncias não-itamaratianas. Outros critérios, além da diplomacia de Estado, passaram a ter importância para o governo petista, e os novos ingredientes nem sempre produzem os resultados colimados pelos gestores suplementares, com o seu eventual menosprezo pela experiência e coerência da política anterior.
O colunista do Financial Times pinçou para o seu comentário alusivo atitudes digamos ‘pouco felizes’ do Presidente Lula da Silva, na crítica a um corajoso dissidente da ditadura cubana, como Orlando Zapata (que não trepidou em pagar com a vida o respectivo protesto), e ao apoio tão inoportuno quão despropositado à tirania dos ayatollahs, não se pejando de utilizar uma de suas rasteiras metáforas futebolísticas para denominar as manifestações da juventude em Teerã – de resto, cruelmente reprimidas – como se fossem “choro de perdedores”.
Da minha longa experiência diplomática, colhi a certeza de que política externa não é a questão simples que pode parecer a pessoas menos versadas. É tema complexo que não deveria ser confiado àqueles que dele não têm maior conhecimento. Ser festejado em recepções não é um equivalente aceitável para ser catapultado, como se por um deus ex machina, em abalizado conhecedor da cultura político-diplomática.
( Fonte: O Globo )
terça-feira, 20 de abril de 2010
Ainda Belo Monte
Em meio à guerra de liminares – foi concedida terceira liminar pela justiça federal – se nota o açodamento do Governo e da Agência Nacional de Energia Elétrica, em particular. Detalhe surpreendente é que a Aneel resolveu realizar o leilão, mesmo depois da concessão pela Justiça da terceira liminar suspendendo a licitação.
Consoante se noticia, a Aneel realizou o leilão, mas se absteve de anunciar o vencedor. Para tanto, foi instruída pela Advogacia Geral da União, que destinou verdadeiro exército de advogados nessa estranha missão de tornar a construção da usina de Belo Monte um fato consumado.
Realizar, de qualquer forma, o leilão, malgrado o mandato judicial, não pode deixar de denotar pouco apreço – para dizer o menos – pelo poder judiciário, ainda que a Agência se proteja através do fino véu da não-divulgação.
A arrogância é tal, que se chega ao ponto de ignorar a proibição judicial. No entender do Governo Lula, pouco importam as resistências, nacionais e internacionais, e menos ainda os seus fundamentos ambientalistas.
A disposição é a de enfiar goela abaixo essa usina que vai desestabilizar o parque ecológico do Xingu. Para tanto a presença maciça de empresas estatais procura compensar o recuo das maiores empreiteiras privadas – Camargo Corrêa e Odebrecht desistiram de participar do leilão – com a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), correspondendo a 49,98% do consórcio Norte Energia, e Furnas Centrais Elétricas S.A. e Eletrosul Centrais Elétricas S.A., ambas com quotas de 24,5%, em um total de 49,0% do Consórcio Belo Monte Energia. Nesse embate, é considerado favorito o consórcio Belo Monte Energia, que dispõe do aporte da Andrade Gutierrez, Vale e Votorantim.
Se a previsão governamental de investimentos de US$ 19,6 bilhões é considerada subvalorizada, ela já representa grande encargo para o BNDES, que vai financiar até 80% do valor da obra, em um total (por ora) de R$ 13,5 bilhões (maior desembolso a uma única obra na história do banco). Como o caixa do banco tem sido bastante exigido pelo Governo Lula – vide as seguidas capitalizações – e o caráter altamente subsidiado dos juros a serem estabelecidos pelo banco estatal,será interessante verificar como o BNDES estará no mediato futuro, sob o peso de tais descomunais compromissos.
Por fim, impressiona o dirigismo estatista que tem presidido a esse projeto, tão manifestamente anti-ecológico, e que pelas condições técnicas não foi visto com excessivo otimismo pelo setor privado. Em blogs anteriores, se mencionou a maneira prepotente e imperiosa que caracterizou o que se convencionou chamar, nos comentários, da ação do Gabinete Civil da Presidência.
Se o estilo é o homem – ou a mulher – permanece no ar a indagação de quem haja sido o real dínamo do megaprojeto da Usina de Belo Monte. A vontade de Lula tem sido sublinhada, mas a maneira com que a resistência dos técnicos do IBAMA foi levada de roldão semelha de molde a induzir-nos a supor que a Ministra Dilma Rousseff tenha tido marcada participação na implementação de um empreendimento, já ultrapassado como concepção, mas decerto não menos desastroso para o rio Xingu, suas características ecológicas e populações indígenas ribeirinhas.
( Fonte: O Globo )
Consoante se noticia, a Aneel realizou o leilão, mas se absteve de anunciar o vencedor. Para tanto, foi instruída pela Advogacia Geral da União, que destinou verdadeiro exército de advogados nessa estranha missão de tornar a construção da usina de Belo Monte um fato consumado.
Realizar, de qualquer forma, o leilão, malgrado o mandato judicial, não pode deixar de denotar pouco apreço – para dizer o menos – pelo poder judiciário, ainda que a Agência se proteja através do fino véu da não-divulgação.
A arrogância é tal, que se chega ao ponto de ignorar a proibição judicial. No entender do Governo Lula, pouco importam as resistências, nacionais e internacionais, e menos ainda os seus fundamentos ambientalistas.
A disposição é a de enfiar goela abaixo essa usina que vai desestabilizar o parque ecológico do Xingu. Para tanto a presença maciça de empresas estatais procura compensar o recuo das maiores empreiteiras privadas – Camargo Corrêa e Odebrecht desistiram de participar do leilão – com a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), correspondendo a 49,98% do consórcio Norte Energia, e Furnas Centrais Elétricas S.A. e Eletrosul Centrais Elétricas S.A., ambas com quotas de 24,5%, em um total de 49,0% do Consórcio Belo Monte Energia. Nesse embate, é considerado favorito o consórcio Belo Monte Energia, que dispõe do aporte da Andrade Gutierrez, Vale e Votorantim.
Se a previsão governamental de investimentos de US$ 19,6 bilhões é considerada subvalorizada, ela já representa grande encargo para o BNDES, que vai financiar até 80% do valor da obra, em um total (por ora) de R$ 13,5 bilhões (maior desembolso a uma única obra na história do banco). Como o caixa do banco tem sido bastante exigido pelo Governo Lula – vide as seguidas capitalizações – e o caráter altamente subsidiado dos juros a serem estabelecidos pelo banco estatal,será interessante verificar como o BNDES estará no mediato futuro, sob o peso de tais descomunais compromissos.
Por fim, impressiona o dirigismo estatista que tem presidido a esse projeto, tão manifestamente anti-ecológico, e que pelas condições técnicas não foi visto com excessivo otimismo pelo setor privado. Em blogs anteriores, se mencionou a maneira prepotente e imperiosa que caracterizou o que se convencionou chamar, nos comentários, da ação do Gabinete Civil da Presidência.
Se o estilo é o homem – ou a mulher – permanece no ar a indagação de quem haja sido o real dínamo do megaprojeto da Usina de Belo Monte. A vontade de Lula tem sido sublinhada, mas a maneira com que a resistência dos técnicos do IBAMA foi levada de roldão semelha de molde a induzir-nos a supor que a Ministra Dilma Rousseff tenha tido marcada participação na implementação de um empreendimento, já ultrapassado como concepção, mas decerto não menos desastroso para o rio Xingu, suas características ecológicas e populações indígenas ribeirinhas.
( Fonte: O Globo )
segunda-feira, 19 de abril de 2010
A 'Eleição' do Governador do Distrito Federal
A eleição indireta do governador do Distrito Federal (V. blog Gosto amargo do Escândalo de Brasília) não constituíu surpresa. Rogério Rosso (PMDB), eleito em primeiro turno, faz parte do grupo de Roriz e Arruda. Administrador da cidade-satélite de Ceilândia no último governo de Joaquim Roriz, e, durante parte do governo Arruda, substituíu Durval Barbosa (o homem dos vídeos) na presidência da Companhia de Desenvolvimento do Planalto.
Dos treze votos que lhe garantiram a eleição em primeiro escrutínio, dez são sufrágios “manchados por fortes suspeitas de corrupção” (R. Noblat). Com efeito, segundo a coluna de Noblat, ou são “notórios integrantes da sofisticada organização criminosa chefiada por Arruda”, isto é, cinco deles. Mais três, Eurídice Brito (a que enche a bolsa com dinheiro), o suplente de Leonardo Prudente (o homem das meias) Geraldo Naves, preso por ajudar Arruda a tentar subornar testemunha no escândalo, liberto da prisão, foi votar em Rosso; e o suplente de Rubens Brunelli, que também renunciou, é Pedro do Ovo (recebia 40 mil de mensalão).
O total de dez, consoante a pesquisa de Noblat, se completa com os deputados Batista das Cooperativas, este igualmente inquinado de irregularidades, e Aguinaldo de Sena, que responde a processo por improbidade administrativa.
Rogério Rosso foi candidato anti-Roriz. Bancado pelo PMDB, se precisasse de segundo escrutínio teria os quatro votos da bancada do PT.
Porque, segundo Noblat, Lula e Dilma querem juntar o PT e o PMDB para eleger o próximo governador do Distrito Federal.
Monta-se, portanto, um esquema com os salvados do incêndio do mensalão do DEM. O objetivo é derrotar a Roriz, que ofereceu o seu palanque a José Serra, e, por conseguinte ao candidato do PSDB.
Veja-se, portanto, a alternativa que Brasília oferece ao eleitor: de um lado, o grupo PMDB-PT, com o seu governador-tampão; e do outro, Joaquim Roriz, que escapou da cassação no Senado pela oportuna renúncia ao mandato de Senador.
Segundo o Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, essa nova e indireta eleição em nada altera o processo a ser julgado pelo Supremo sobre a intervenção no Distrito Federal. Gostaríamos de acreditar nessa fundada aspiração de um probo e digno servidor do Estado. Mas os rumores do Distrito Federal, que não são aviões de carreira, mas que também pairam no ar, não cessam de indicar que uma vez mais prevalecerá o clima dos alegres compadres do Planalto.
Só se pode afirmar que se tais prenúncios não se confirmarem e se afinal sair a intervenção será uma grata, na verdade gratíssima surpresa.
( Fonte: O Globo )
Dos treze votos que lhe garantiram a eleição em primeiro escrutínio, dez são sufrágios “manchados por fortes suspeitas de corrupção” (R. Noblat). Com efeito, segundo a coluna de Noblat, ou são “notórios integrantes da sofisticada organização criminosa chefiada por Arruda”, isto é, cinco deles. Mais três, Eurídice Brito (a que enche a bolsa com dinheiro), o suplente de Leonardo Prudente (o homem das meias) Geraldo Naves, preso por ajudar Arruda a tentar subornar testemunha no escândalo, liberto da prisão, foi votar em Rosso; e o suplente de Rubens Brunelli, que também renunciou, é Pedro do Ovo (recebia 40 mil de mensalão).
O total de dez, consoante a pesquisa de Noblat, se completa com os deputados Batista das Cooperativas, este igualmente inquinado de irregularidades, e Aguinaldo de Sena, que responde a processo por improbidade administrativa.
Rogério Rosso foi candidato anti-Roriz. Bancado pelo PMDB, se precisasse de segundo escrutínio teria os quatro votos da bancada do PT.
Porque, segundo Noblat, Lula e Dilma querem juntar o PT e o PMDB para eleger o próximo governador do Distrito Federal.
Monta-se, portanto, um esquema com os salvados do incêndio do mensalão do DEM. O objetivo é derrotar a Roriz, que ofereceu o seu palanque a José Serra, e, por conseguinte ao candidato do PSDB.
Veja-se, portanto, a alternativa que Brasília oferece ao eleitor: de um lado, o grupo PMDB-PT, com o seu governador-tampão; e do outro, Joaquim Roriz, que escapou da cassação no Senado pela oportuna renúncia ao mandato de Senador.
Segundo o Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, essa nova e indireta eleição em nada altera o processo a ser julgado pelo Supremo sobre a intervenção no Distrito Federal. Gostaríamos de acreditar nessa fundada aspiração de um probo e digno servidor do Estado. Mas os rumores do Distrito Federal, que não são aviões de carreira, mas que também pairam no ar, não cessam de indicar que uma vez mais prevalecerá o clima dos alegres compadres do Planalto.
Só se pode afirmar que se tais prenúncios não se confirmarem e se afinal sair a intervenção será uma grata, na verdade gratíssima surpresa.
( Fonte: O Globo )
domingo, 18 de abril de 2010
Colcha de Retalhos XLIII
A Pichação do Cristo
Nos tempos que correm a metáfora da pichação do Cristo, isolado pelas avalanches, em meio aos andaimes de restauração interrompida, se afigura demasiado óbvia. E, no entanto, que outra explicação para o desrespeito da estátua-símbolo, que ora completa uma tentativa anterior que desfigurara apenas as construções de acesso.
Essa alegada arte proletária não conhece limites, porque a sua suposta realização está na contestação dos ambientes. A sua ‘beleza’ está menos no garrancho disforme ou no recado infatilóide do que no desafio da própria consumação. Quanto mais árdua ou defesa a tarefa, maior será o feito, no entendimento das mentalidades grupais que as gestam.
Assim, não hesitam os pichadores em arriscar a vida, seja nas alturas, seja em ambientes arqui-proibidos. Pois na escala dos valores, aqueles que se abalançariam a manchar e poluir obras de arte ou símbolos religiosos, somente entrevêem as respectivas manifestações gráficas, em que está inserida a tosca firma do autor da façanha.
Pobre cidade que não mais é capaz de sequer defender os próprios símbolos. Inerte, mais do que inerme, ela permite que bandos de delinquentes pichadores – como antes a vulgares larápios – invistam e profanem a seus monumentos.
A novela de Belo Monte (contd.)
Graças ao trabalho de Miriam Leitão vamos descobrindo mais sobre a cínica empulhação do zeligueano ecologista Lula da Silva.
Em blogs anteriores, me referi à fraqueza do Ministro Carlos Minc. Mais se conhece do personagem, mais se vê que seria melhor colocar no Ministério do Ambiente algum simpático ruralista, do que o senhor Minc, cuja presença apenas dá um arremedo de cobertura às ações do presidente e do seu gabinete civil, de onde, de resto, saíu a sua candidata de algibeira.
Miriam Leitão documenta na sua coluna de ontem, 17 de abril, o atropelo feito ao Ibama pelo Gabinete Civil da Presidência. Rasgando a máscara, a Casa Civil convocou reunião sobre a concessão da licença para Belo Monte e estabeleceu prazo para que fosse cumprida a exigência. Tal reunião fora precedida pelo afastamento do diretor de licenciamento do Ibama, Sebastião Custódio Pires, e do coordenador de Infraestrutura e Energia, Leonildo Tabaja.
Assim, a reunião de janeiro já se realiza com a retirada de cena dos funcionários competentes para emitir o parecer técnico. A Presidência do Senhor Lula não está interessada em tais formalidades. Quer simplesmente o carimbo do Ibama para seguir avante com Belo Monte.
O que vem depois é a confirmação da solução de força. A concessão da licença pelo Ibama foi a 1º de fevereiro. Como se verifica, no entanto, pela documentação, a concessão é forçada, e disso não deixam dúvida os despachos dos técnicos, explicitando que “não é possível atender no prazo solicitado” e que “devido ao prazo exíguo” não foi possível finalizar a elaboração das condicionantes.
Para realizar aquilo que nem o regime militar ousou, Lula da Silva não trepida em fundamentar-se sobre um não-parecer do órgão técnico, que, sob a brutal imposição, despacha o documento sem desmoralizar-se com a concessão da licença.
Agora, com a derrubada da liminar do juiz federal Antonio Carlos Almeida Campelo, de Altamira, pelo presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª. Região, Jirair Aram Meguerian, o caminho parece desimpedido para a consumação da imposição ególatra de Lula.
Contudo, há sempre lugar para a esperança. O Ministerio Público Federal, que tem isso tudo documentado, poderá ainda lograr obstaculizar a farsa do leilão, previsto para terça-feira, vinte de abril corrente.
Com efeito, o procurador regional Renato Brill de Góes deve entrar com agravo interno no TRF, pedindo que o processo seja avaliado pela Corte Especial do Tribunal. Segundo a nota do Ministério Público, Góes considerou estranha a rapidez com que a decisão foi tomada: “Foge à rotina do TRF1 decidir sobre um assunto tão complexo como este em cerca de três horas”.
Auguremos, portanto, que a questão seja avaliada com o cuidado que merece, o que inviabilizaria a consecução dessa triste e megalômana empresa de destruição ambiental da região do Xingu.
( Fonte: O Globo)
Nos tempos que correm a metáfora da pichação do Cristo, isolado pelas avalanches, em meio aos andaimes de restauração interrompida, se afigura demasiado óbvia. E, no entanto, que outra explicação para o desrespeito da estátua-símbolo, que ora completa uma tentativa anterior que desfigurara apenas as construções de acesso.
Essa alegada arte proletária não conhece limites, porque a sua suposta realização está na contestação dos ambientes. A sua ‘beleza’ está menos no garrancho disforme ou no recado infatilóide do que no desafio da própria consumação. Quanto mais árdua ou defesa a tarefa, maior será o feito, no entendimento das mentalidades grupais que as gestam.
Assim, não hesitam os pichadores em arriscar a vida, seja nas alturas, seja em ambientes arqui-proibidos. Pois na escala dos valores, aqueles que se abalançariam a manchar e poluir obras de arte ou símbolos religiosos, somente entrevêem as respectivas manifestações gráficas, em que está inserida a tosca firma do autor da façanha.
Pobre cidade que não mais é capaz de sequer defender os próprios símbolos. Inerte, mais do que inerme, ela permite que bandos de delinquentes pichadores – como antes a vulgares larápios – invistam e profanem a seus monumentos.
A novela de Belo Monte (contd.)
Graças ao trabalho de Miriam Leitão vamos descobrindo mais sobre a cínica empulhação do zeligueano ecologista Lula da Silva.
Em blogs anteriores, me referi à fraqueza do Ministro Carlos Minc. Mais se conhece do personagem, mais se vê que seria melhor colocar no Ministério do Ambiente algum simpático ruralista, do que o senhor Minc, cuja presença apenas dá um arremedo de cobertura às ações do presidente e do seu gabinete civil, de onde, de resto, saíu a sua candidata de algibeira.
Miriam Leitão documenta na sua coluna de ontem, 17 de abril, o atropelo feito ao Ibama pelo Gabinete Civil da Presidência. Rasgando a máscara, a Casa Civil convocou reunião sobre a concessão da licença para Belo Monte e estabeleceu prazo para que fosse cumprida a exigência. Tal reunião fora precedida pelo afastamento do diretor de licenciamento do Ibama, Sebastião Custódio Pires, e do coordenador de Infraestrutura e Energia, Leonildo Tabaja.
Assim, a reunião de janeiro já se realiza com a retirada de cena dos funcionários competentes para emitir o parecer técnico. A Presidência do Senhor Lula não está interessada em tais formalidades. Quer simplesmente o carimbo do Ibama para seguir avante com Belo Monte.
O que vem depois é a confirmação da solução de força. A concessão da licença pelo Ibama foi a 1º de fevereiro. Como se verifica, no entanto, pela documentação, a concessão é forçada, e disso não deixam dúvida os despachos dos técnicos, explicitando que “não é possível atender no prazo solicitado” e que “devido ao prazo exíguo” não foi possível finalizar a elaboração das condicionantes.
Para realizar aquilo que nem o regime militar ousou, Lula da Silva não trepida em fundamentar-se sobre um não-parecer do órgão técnico, que, sob a brutal imposição, despacha o documento sem desmoralizar-se com a concessão da licença.
Agora, com a derrubada da liminar do juiz federal Antonio Carlos Almeida Campelo, de Altamira, pelo presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª. Região, Jirair Aram Meguerian, o caminho parece desimpedido para a consumação da imposição ególatra de Lula.
Contudo, há sempre lugar para a esperança. O Ministerio Público Federal, que tem isso tudo documentado, poderá ainda lograr obstaculizar a farsa do leilão, previsto para terça-feira, vinte de abril corrente.
Com efeito, o procurador regional Renato Brill de Góes deve entrar com agravo interno no TRF, pedindo que o processo seja avaliado pela Corte Especial do Tribunal. Segundo a nota do Ministério Público, Góes considerou estranha a rapidez com que a decisão foi tomada: “Foge à rotina do TRF1 decidir sobre um assunto tão complexo como este em cerca de três horas”.
Auguremos, portanto, que a questão seja avaliada com o cuidado que merece, o que inviabilizaria a consecução dessa triste e megalômana empresa de destruição ambiental da região do Xingu.
( Fonte: O Globo)
sábado, 17 de abril de 2010
O Gosto Amargo do Escândalo de Brasília
Embora alguns tenham a impressão de que os farsescos episódios do mensalão do DEM ocorreram há tempos, na verdade o escândalo estourou a 27 de novembro de 2009, com a operação Caixa de Pândora, da Polícia Federal.
Lançado ao ar pelo Jornal Nacional da Rede Globo que é o diário oficioso da República, o estouro desse novo mensalão se deveu à cortesia do delator premiado Durval Barbosa e dos vídeos da Polícia Federal.
O escândalo teve diversas consequências políticas,entre outras, a perda pelo ex- Partido da Frente Liberal (PFL) da única governança que tinha na Federação; o afastamento e demissão do Governador José Roberto Arruda e de seu Vice Paulo Octavio; e o comprometimento da esmagadora maioria dos 24 integrantes da Câmara Distrital do Distrito Federal.
Houve também a sólita declaração do Presidente Luiz Inacio Lula da Silva na contracorrente do sentir da Nação brasileira. Ao afirmar que as “imagens não falam por si” (referia-se aos videos do Governador Arruda e de outros distribuindo e coletando as propinas), Sua Excelência apenas reiterou a linha de assertivas anteriores, v.g., ‘Sarney não é um homem comum’ e ‘hipocrisia’ (quanto à condenação de vantagens indevidas auferidas por parlamentares).
Hoje deverá ocorrer outro suposto efeito político da crise no Distrito Federal: a eleição indireta, marcada para as quinze horas, pela Câmara Distrital dos novos Governador e Vice-governador do Distrito Federal.
Na realidade, através desse processo eleitoral indireto, a Câmara Distrital e o estamento político conseguem pôr uma pedra sobre a possibilidade da única consequência política que teria significado para os interesses da população de Brasília.
O escândalo, profusamente documentado pelos vídeos, mostrou à saciedade o generalizado envolvimento de representantes do Executivo e do Legislativo do Distrito Federal. As imagens comprometedoras, que chegaram aos burlescos detalhes do deputado das meias, Leonardo Prudente (então presidente da Câmara distrital) não poderiam ser mais explícitas quanto à podridão do Palácio do Buriti, da Câmara e adjacências.
Em função dessa rara oportunidade de exposição de práticas condenáveis e da penosa distorção em termos de desvio da função pública a fazer inveja a outros escândalos do passado, aqui e no estrangeiro, repontou a presunção de que o Judiciário – que atalhou os intentos de elementos comprometidos no escândalo de obstaculizar as primeiras correções indispensáveis – se mostraria à altura do desafio, e colheria a oportunidade de proceder a intervenção no governo e na câmara distrital.
Essa ideia foi veiculada na imprensa. Terá provocado grande temor nos possíveis atingidos. De qualquer forma, pelo visto, os implicados e seu entorno não careciam de maiores preocupações.
Pois não haverá intervenção. Os alegres compadres de Brasília podem ficar sossegados.
Tudo ficará como dantes, no quartel de Abrantes.
Lançado ao ar pelo Jornal Nacional da Rede Globo que é o diário oficioso da República, o estouro desse novo mensalão se deveu à cortesia do delator premiado Durval Barbosa e dos vídeos da Polícia Federal.
O escândalo teve diversas consequências políticas,entre outras, a perda pelo ex- Partido da Frente Liberal (PFL) da única governança que tinha na Federação; o afastamento e demissão do Governador José Roberto Arruda e de seu Vice Paulo Octavio; e o comprometimento da esmagadora maioria dos 24 integrantes da Câmara Distrital do Distrito Federal.
Houve também a sólita declaração do Presidente Luiz Inacio Lula da Silva na contracorrente do sentir da Nação brasileira. Ao afirmar que as “imagens não falam por si” (referia-se aos videos do Governador Arruda e de outros distribuindo e coletando as propinas), Sua Excelência apenas reiterou a linha de assertivas anteriores, v.g., ‘Sarney não é um homem comum’ e ‘hipocrisia’ (quanto à condenação de vantagens indevidas auferidas por parlamentares).
Hoje deverá ocorrer outro suposto efeito político da crise no Distrito Federal: a eleição indireta, marcada para as quinze horas, pela Câmara Distrital dos novos Governador e Vice-governador do Distrito Federal.
Na realidade, através desse processo eleitoral indireto, a Câmara Distrital e o estamento político conseguem pôr uma pedra sobre a possibilidade da única consequência política que teria significado para os interesses da população de Brasília.
O escândalo, profusamente documentado pelos vídeos, mostrou à saciedade o generalizado envolvimento de representantes do Executivo e do Legislativo do Distrito Federal. As imagens comprometedoras, que chegaram aos burlescos detalhes do deputado das meias, Leonardo Prudente (então presidente da Câmara distrital) não poderiam ser mais explícitas quanto à podridão do Palácio do Buriti, da Câmara e adjacências.
Em função dessa rara oportunidade de exposição de práticas condenáveis e da penosa distorção em termos de desvio da função pública a fazer inveja a outros escândalos do passado, aqui e no estrangeiro, repontou a presunção de que o Judiciário – que atalhou os intentos de elementos comprometidos no escândalo de obstaculizar as primeiras correções indispensáveis – se mostraria à altura do desafio, e colheria a oportunidade de proceder a intervenção no governo e na câmara distrital.
Essa ideia foi veiculada na imprensa. Terá provocado grande temor nos possíveis atingidos. De qualquer forma, pelo visto, os implicados e seu entorno não careciam de maiores preocupações.
Pois não haverá intervenção. Os alegres compadres de Brasília podem ficar sossegados.
Tudo ficará como dantes, no quartel de Abrantes.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
O Falso Credor
A posição das contas externas do Brasil não é assim tão segura quanto o atual governo, seguindo a política do anterior, procura apregoar. Essa potencial fragilidade de nosso balanço de pagamentos tem sido referida em várias oportunidades por este blog.
Dessarte, gostaria de registrar as observações de Paulo Nogueira Batista Jr., atual Diretor-Executivo no Fundo Monetário Internacional, e que escreve semanalmente na Folha de S. Paulo.
Não obstante o fato de havermos emprestado dez bilhões de dólares ao FMI, em plena crise financeira internacional, a nossa real posição em termos de relações de troca está longe de refletir essa jogada de marketing.
Construíamos no passado os nossos saldos em contas correntes graças ao desempenho da balança comercial, em que são computadas as trocas de mercadorias.
Ora, nos últimos tempos, em função da apreciação relativa do real quanto ao dólar estadunidense, há uma óbvia deterioração nas contas externas, com a marcada redução de nossos superavits comerciais.
Ao examinar-se o comportamento de nossa balança, fica mais fácil entender o porquê da manutenção do yuan renmimbi pelo Banco central chinês em cotação artificialmente baixa em relação ao dólar.
Pelo continuado processo de valorização do real – que de um patamar de cerca de dois dólares e meio passou para oscilar entre $1.7 - $ 1.8 - houve um barateamento na importação de bens e consequente encarecimento no preço de nossas mercadorias. Em outras palavras, cai a competitividade de nossas exportações, enquanto cresce o atrativo do produto estrangeiro.
Por isso, já se prevê um saldo de apenas dez bilhões de dólares para 2010, em nossa balança comercial, o que de longe não é suficiente para compensar o déficit em nossas transações financeiras. Em um passado relativamente recente, os saldos comerciais de mais de quarenta bilhões de dólares possibilitavam situação bastante confortável no balanço de contas correntes.
A economia brasileira, ao contrário de outras economias em similar nível de magnitude, não apresenta determinadas condições estruturais que possibilitem saudável equilíbrio em termos de transações financeiras (conta de remessas para o exterior). Tomemos, v.g. as montadoras de veículos. Com a criação da indústria automobilística no Brasil, no governo de Juscelino Kubitschek, se partiu de uma posição em que, se existiam montadoras estrangeiras, havia um parque nacional nesse setor de considerável importância (Aero-Willys, Fábrica Nacional de Motores, Gurgel etc.)
Ao invés do reforço da indústria nacional, como ocorreu em outros países (Coreia do Sul), o que aqui se presenciou foi a desnacionalização das montadoras, processo iniciado no regime militar e concluído na administração de FHC.
Se se mantém o parque nacional da indústria de peças de automóveis e veículos, do lado das montadoras – que, pela sua posição oligopsônica, exercem influência prejudicial sobre as indústrias de peças – se nos depara exclusividade alienígena.
Assim, as grandes montadoras (GM, Ford, Renault, Fiat, Honda, etc.) podiam compensar os prejuízos sofridos nos Estados Unidos, Europa e Ásia, com os lucros auferidos pelas suas sucursais no mercado brasileiro.
Esse incremento de vendas no Brasil durante a crise, se deve aos benefícios fiscais concedidos pelo governo para as viaturas econômicas. Em outras palavras, por cortesia da administração Lula, se incharam os lucros das montadoras estrangeiros, e as consequentes remessas para o exterior, pressionando em não pouca medida as nossas transações.
Ao contrário, portanto, de o que apregoava o neoliberalismo, a contribuição do capital estrangeiro e as suas inversões em nossa economia, tendiam a incrementar a nossa exposição na relação de troca, favorecendo deficits estruturais.
Nessas condições, não surpreende que se estime para 2010 remessa líquida de lucros e dividendos de US$ 32 bilhões. Se somarmos a tal, a despesa líquida com juros, o total dos compromissos de pagamento deve ultrapassar quarenta bilhões.
Se a paridade do real continuar no nível 1.7/1.8, se o turismo continuar deficitário, o déficit em conta-corrente deve ficar em torno de 2,5% do PIB em 2010. E se não houver mudanças futuras, a perspectiva será a de que tal déficit continue a crescer (basta atentar para a cumulatividade do processo).
Dessa maneira, o Brasil estará caminhando outra vez para ser um devedor em matéria de contas externas e não o credor que ora se apregoa.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
Dessarte, gostaria de registrar as observações de Paulo Nogueira Batista Jr., atual Diretor-Executivo no Fundo Monetário Internacional, e que escreve semanalmente na Folha de S. Paulo.
Não obstante o fato de havermos emprestado dez bilhões de dólares ao FMI, em plena crise financeira internacional, a nossa real posição em termos de relações de troca está longe de refletir essa jogada de marketing.
Construíamos no passado os nossos saldos em contas correntes graças ao desempenho da balança comercial, em que são computadas as trocas de mercadorias.
Ora, nos últimos tempos, em função da apreciação relativa do real quanto ao dólar estadunidense, há uma óbvia deterioração nas contas externas, com a marcada redução de nossos superavits comerciais.
Ao examinar-se o comportamento de nossa balança, fica mais fácil entender o porquê da manutenção do yuan renmimbi pelo Banco central chinês em cotação artificialmente baixa em relação ao dólar.
Pelo continuado processo de valorização do real – que de um patamar de cerca de dois dólares e meio passou para oscilar entre $1.7 - $ 1.8 - houve um barateamento na importação de bens e consequente encarecimento no preço de nossas mercadorias. Em outras palavras, cai a competitividade de nossas exportações, enquanto cresce o atrativo do produto estrangeiro.
Por isso, já se prevê um saldo de apenas dez bilhões de dólares para 2010, em nossa balança comercial, o que de longe não é suficiente para compensar o déficit em nossas transações financeiras. Em um passado relativamente recente, os saldos comerciais de mais de quarenta bilhões de dólares possibilitavam situação bastante confortável no balanço de contas correntes.
A economia brasileira, ao contrário de outras economias em similar nível de magnitude, não apresenta determinadas condições estruturais que possibilitem saudável equilíbrio em termos de transações financeiras (conta de remessas para o exterior). Tomemos, v.g. as montadoras de veículos. Com a criação da indústria automobilística no Brasil, no governo de Juscelino Kubitschek, se partiu de uma posição em que, se existiam montadoras estrangeiras, havia um parque nacional nesse setor de considerável importância (Aero-Willys, Fábrica Nacional de Motores, Gurgel etc.)
Ao invés do reforço da indústria nacional, como ocorreu em outros países (Coreia do Sul), o que aqui se presenciou foi a desnacionalização das montadoras, processo iniciado no regime militar e concluído na administração de FHC.
Se se mantém o parque nacional da indústria de peças de automóveis e veículos, do lado das montadoras – que, pela sua posição oligopsônica, exercem influência prejudicial sobre as indústrias de peças – se nos depara exclusividade alienígena.
Assim, as grandes montadoras (GM, Ford, Renault, Fiat, Honda, etc.) podiam compensar os prejuízos sofridos nos Estados Unidos, Europa e Ásia, com os lucros auferidos pelas suas sucursais no mercado brasileiro.
Esse incremento de vendas no Brasil durante a crise, se deve aos benefícios fiscais concedidos pelo governo para as viaturas econômicas. Em outras palavras, por cortesia da administração Lula, se incharam os lucros das montadoras estrangeiros, e as consequentes remessas para o exterior, pressionando em não pouca medida as nossas transações.
Ao contrário, portanto, de o que apregoava o neoliberalismo, a contribuição do capital estrangeiro e as suas inversões em nossa economia, tendiam a incrementar a nossa exposição na relação de troca, favorecendo deficits estruturais.
Nessas condições, não surpreende que se estime para 2010 remessa líquida de lucros e dividendos de US$ 32 bilhões. Se somarmos a tal, a despesa líquida com juros, o total dos compromissos de pagamento deve ultrapassar quarenta bilhões.
Se a paridade do real continuar no nível 1.7/1.8, se o turismo continuar deficitário, o déficit em conta-corrente deve ficar em torno de 2,5% do PIB em 2010. E se não houver mudanças futuras, a perspectiva será a de que tal déficit continue a crescer (basta atentar para a cumulatividade do processo).
Dessa maneira, o Brasil estará caminhando outra vez para ser um devedor em matéria de contas externas e não o credor que ora se apregoa.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
quinta-feira, 15 de abril de 2010
O Escândalo de Usina em Belo Monte
A despeito de todas as dúvidas suscitadas pelo projetada construção de hidrelétrica em Belo Monte – e não são poucas – o Presidente Luiz Inacio Lula da Silva está decidido a levar avante a obra de qualquer maneira.
Como as cortinas de seu segundo mandato se cerrarão em menos de nove meses, Lula sente a pressão do minguante poder e acelera os tempos de tudo aquilo que na sua mente aproveite ao próprio governo.
Em outras palavras, como se fora um ditador, teme a alternância no poder e, mais do que isso, a relativa irrelevância da planície. O seu partido, cevado por tantos anos no governo, vê como séria ameaça o afastamento das instâncias do poder.
O caso da usina de Belo Monte é exemplo significativo. O que, na década dos setenta, nem o regime militar dos generais-presidentes se atreveu a realizar, agora Lula se encasquetou de enfiar-nos goela abaixo esse escândalo ecológico.
Não se perca mais tempo para entoar loas ao zeligueano ambientalismo de Lula, o emocionado orador da conferência de Copenhague. Suas confissões ambientalistas têm tanta credibilidade como as promessas feitas, não segundo o próprio mérito, mas de conformidade com o público que as presencia.
A viabilidade ambiental da empresa não está garantida pelos técnicos do Ibama. Segundo declararam, não tiveram tempo de considerar as questões levantadas nas audiências públicas, e por isso não tinham como garantir-lhe a segurança ambiental.
Ainda sob a gestão do flexível Ministro Carlos Minc, Lula arrancara a licença prévia ao empreendimento. Agora, o juiz federal Antonio Carlos Almeida Campelo, de Altamira, suspendeu, no início da noite de catorze de abril corrente tanto o leilão, marcado para a próxima terça-feira, vinte de abril, quanto a referida licença prévia. Há outras ações em curso, de iniciativa do Ministério Público.
A par da rejeição dos povos indígenas – a empresa prevê o deslocamento de cinquenta mil pessoas – o que não falta nessa questão, como assinala Míriam Leitão, são as dúvidas.
Dessarte, sob o aspecto da viabilidade econômica-financeira, duas das maiores empreiteiras do país desistiram de participar do leilão, por a julgarem demasiado arriscada economicamente.
Dada a exuberância da biodiversidade do rio Xingu – lá haveria mais espécies de peixe do que em toda Europa – é difícil compreender o porquê dos que tencionam aí construir a terceira hidrelétrica do mundo.
Diante das sobejas indicações de que o BNDES não fez o dever da casa quanto a determinar seja a viabilidade econômica-financeira, sejam os custos incorridos pela invasão sócio-ambiental, entende-se o motivo pelo qual os Fundos de Pensão – que estão sendo constrangidos a associar-se a empresa – também relutem em fazê-lo, pelas dificuldades que teimam em repontar.
Com efeito, as dúvidas igualmente se estendem à potência da usina. Ao contrário dos 11 MW aventados, na verdade a produção média não deverá exceder os 4 mil MW, com a possibilidade que em um quarto do ano se restrinja, pelo regime de águas, a 1 MW.
Se a guerra das liminares mal começa, e se os precedentes ensinam que, em geral, o poder costuma levar de arrastão as resistências do Ministério Público, da Sociedade Civil e do Ambientalismo, o mero fato de prevalecer não acrescenta um iota ao eventual acerto dessa mega-obra. Talvez fosse interessante atentar para o desastroso impacto no meio ambiente das grandes obras chinesas, para que tenhamos ideia dos riscos que o governo Lula deseja impor à região do Xingu.
Especula-se que as tergiversações das empreiteiras possam ser contornadas, com ainda melhores condições de financiamento. Não se exclui a isenção de impostos. Procuram obter mais vantagens, com vistas ao aumento do retorno no empreendimento.
Assinale-se, por fim, que se acha pendente de juízo pelo magistrado federal Campelo de ação que trata das supostas irregularidades apuradas na elaboração do projeto em tela.
O juiz Antonio Carlos Almeida Campelo argumenta a falta de regulamentação do artigo 176 da Constituição, o que torna inválidos o edital do leilão e o contrato de concessão da licença ambiental. Será necessário, por conseguinte, “aguardar-se a expedição de lei regulamentadora do dispositivo constitucional”.
Por sua vez, ‘Nosso Guia’, falando em São Paulo, nos mimoseou com a seguinte crítica aos ambientalistas estrangeiros. Consoante Sua Excelência, eles, os representantes de ONGs, “não precisam ficar dando palpite” nesta questão uma vez que pertencem a países onde áreas verdes estão sendo desmatadas.
Não é o desconforto de ter de ouvir tais contrassensos o que mais incomoda, mas sobretudo o peso de aguentar as consequências materiais da húbris lulesca nos meses que lhe restam no Planalto.
( Fonte: O Globo )
Como as cortinas de seu segundo mandato se cerrarão em menos de nove meses, Lula sente a pressão do minguante poder e acelera os tempos de tudo aquilo que na sua mente aproveite ao próprio governo.
Em outras palavras, como se fora um ditador, teme a alternância no poder e, mais do que isso, a relativa irrelevância da planície. O seu partido, cevado por tantos anos no governo, vê como séria ameaça o afastamento das instâncias do poder.
O caso da usina de Belo Monte é exemplo significativo. O que, na década dos setenta, nem o regime militar dos generais-presidentes se atreveu a realizar, agora Lula se encasquetou de enfiar-nos goela abaixo esse escândalo ecológico.
Não se perca mais tempo para entoar loas ao zeligueano ambientalismo de Lula, o emocionado orador da conferência de Copenhague. Suas confissões ambientalistas têm tanta credibilidade como as promessas feitas, não segundo o próprio mérito, mas de conformidade com o público que as presencia.
A viabilidade ambiental da empresa não está garantida pelos técnicos do Ibama. Segundo declararam, não tiveram tempo de considerar as questões levantadas nas audiências públicas, e por isso não tinham como garantir-lhe a segurança ambiental.
Ainda sob a gestão do flexível Ministro Carlos Minc, Lula arrancara a licença prévia ao empreendimento. Agora, o juiz federal Antonio Carlos Almeida Campelo, de Altamira, suspendeu, no início da noite de catorze de abril corrente tanto o leilão, marcado para a próxima terça-feira, vinte de abril, quanto a referida licença prévia. Há outras ações em curso, de iniciativa do Ministério Público.
A par da rejeição dos povos indígenas – a empresa prevê o deslocamento de cinquenta mil pessoas – o que não falta nessa questão, como assinala Míriam Leitão, são as dúvidas.
Dessarte, sob o aspecto da viabilidade econômica-financeira, duas das maiores empreiteiras do país desistiram de participar do leilão, por a julgarem demasiado arriscada economicamente.
Dada a exuberância da biodiversidade do rio Xingu – lá haveria mais espécies de peixe do que em toda Europa – é difícil compreender o porquê dos que tencionam aí construir a terceira hidrelétrica do mundo.
Diante das sobejas indicações de que o BNDES não fez o dever da casa quanto a determinar seja a viabilidade econômica-financeira, sejam os custos incorridos pela invasão sócio-ambiental, entende-se o motivo pelo qual os Fundos de Pensão – que estão sendo constrangidos a associar-se a empresa – também relutem em fazê-lo, pelas dificuldades que teimam em repontar.
Com efeito, as dúvidas igualmente se estendem à potência da usina. Ao contrário dos 11 MW aventados, na verdade a produção média não deverá exceder os 4 mil MW, com a possibilidade que em um quarto do ano se restrinja, pelo regime de águas, a 1 MW.
Se a guerra das liminares mal começa, e se os precedentes ensinam que, em geral, o poder costuma levar de arrastão as resistências do Ministério Público, da Sociedade Civil e do Ambientalismo, o mero fato de prevalecer não acrescenta um iota ao eventual acerto dessa mega-obra. Talvez fosse interessante atentar para o desastroso impacto no meio ambiente das grandes obras chinesas, para que tenhamos ideia dos riscos que o governo Lula deseja impor à região do Xingu.
Especula-se que as tergiversações das empreiteiras possam ser contornadas, com ainda melhores condições de financiamento. Não se exclui a isenção de impostos. Procuram obter mais vantagens, com vistas ao aumento do retorno no empreendimento.
Assinale-se, por fim, que se acha pendente de juízo pelo magistrado federal Campelo de ação que trata das supostas irregularidades apuradas na elaboração do projeto em tela.
O juiz Antonio Carlos Almeida Campelo argumenta a falta de regulamentação do artigo 176 da Constituição, o que torna inválidos o edital do leilão e o contrato de concessão da licença ambiental. Será necessário, por conseguinte, “aguardar-se a expedição de lei regulamentadora do dispositivo constitucional”.
Por sua vez, ‘Nosso Guia’, falando em São Paulo, nos mimoseou com a seguinte crítica aos ambientalistas estrangeiros. Consoante Sua Excelência, eles, os representantes de ONGs, “não precisam ficar dando palpite” nesta questão uma vez que pertencem a países onde áreas verdes estão sendo desmatadas.
Não é o desconforto de ter de ouvir tais contrassensos o que mais incomoda, mas sobretudo o peso de aguentar as consequências materiais da húbris lulesca nos meses que lhe restam no Planalto.
( Fonte: O Globo )
quarta-feira, 14 de abril de 2010
É Preciso Salvar o Projeto contra os Fichas-Sujas
O que é feito do projeto de lei de iniciativa popular – hoje denominado PLP 518/09 - entregue ao presidente Michel Temer por comissão em representação de um milhão e quatrocentos mil eleitores nos idos de setembro de 2009 ?
Cercado pela má disfarçada má-vontade de Temer, o PLP 518/09, o projeto contra os fichas-sujas no Congresso tem contra ele a reação do medo de quase metade dos congressistas. Sob os véus da suposta indiferença, o conluio dos interessados em impedir a aprovação do projeto original cuida de disfarçar o limbo a que tentam relegar o PLP 518, ou através de avancinhos inconsequentes, ou agora, na despejada e cínica iniciativa de entregar-lhe o texto a relator que não está acima de qualquer suspeita.
Com efeito, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Eliseu Padilha (PMDB-RS) escolhe para relator o pouco conhecido deputado Jaime Martins (MG-PR). Este senhor já foi investigado pelo Supremo Tribunal Federal por crime eleitoral e chegou a ser condenado a pagar multa pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.
Sem esperar pela volta de Martins – que está em viagem oficial aos Estados Unidos – Padilha começa desde logo a costurar mais alterações ao texto com os deputados da Comissão. Para ele, em nada afeta a circunstância de que o P.R. (partido do relator – que, tampouco, pelo curriculo, não deve morrer de amores pelo PLP 518) tenha sérias restrições à proposta.
Como se sabe, o número de signatários do projeto contra os fichas-suja da lista inicial de um milhão e quatrocentos mil firmas já beira dois milhões.
O MCCE – e a revolta do Povo brasileiro com a alienação e o descaramento de seus mandatários de que ele busca ser o veículo – não pode aquietar-se e tolerar com a crescente insolência do conjunto dos líderes, e de muitos de seus representados, que, depois de tentar ignorar, e em seguida adiar, tratam agora de transformar em monstrengo um projeto honesto e voltado para escoimar o Congresso da choldra que, ao invés de representar os interesses do Povo, só cuida dos próprios e muita vez inconfessáveis propósitos.
A Sociedade Civil não pode permitir que projeto com o fim de impedir o acesso dos fichas-suja à Câmara e Senado seja desfigurado, para transformar-se em deboche da vontade popular e um escudo a mais para manter as pobres Casas que eram do Povo brasileiro sob a guarda de pessoas que, julgando-se protegidas em redoma corporativista, só dão atenção prioritária aos muitos privilégios que lograram amealhar.
É preciso dar um limite ao que se está fazendo contra a legítima vontade do Povo Brasileiro.
É preciso dar um basta às manipulações de uma minoria contra o projeto de limpeza do Congresso brasileira.
Chega, enfim, de trampas, hipocrisias e fichas-sujas !
Queremos um Congresso que tenha a Cara do Povo brasileiro, que é generoso, corajoso, trabalhador e honesto !
( Fonte: O Globo )
Cercado pela má disfarçada má-vontade de Temer, o PLP 518/09, o projeto contra os fichas-sujas no Congresso tem contra ele a reação do medo de quase metade dos congressistas. Sob os véus da suposta indiferença, o conluio dos interessados em impedir a aprovação do projeto original cuida de disfarçar o limbo a que tentam relegar o PLP 518, ou através de avancinhos inconsequentes, ou agora, na despejada e cínica iniciativa de entregar-lhe o texto a relator que não está acima de qualquer suspeita.
Com efeito, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Eliseu Padilha (PMDB-RS) escolhe para relator o pouco conhecido deputado Jaime Martins (MG-PR). Este senhor já foi investigado pelo Supremo Tribunal Federal por crime eleitoral e chegou a ser condenado a pagar multa pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.
Sem esperar pela volta de Martins – que está em viagem oficial aos Estados Unidos – Padilha começa desde logo a costurar mais alterações ao texto com os deputados da Comissão. Para ele, em nada afeta a circunstância de que o P.R. (partido do relator – que, tampouco, pelo curriculo, não deve morrer de amores pelo PLP 518) tenha sérias restrições à proposta.
Como se sabe, o número de signatários do projeto contra os fichas-suja da lista inicial de um milhão e quatrocentos mil firmas já beira dois milhões.
O MCCE – e a revolta do Povo brasileiro com a alienação e o descaramento de seus mandatários de que ele busca ser o veículo – não pode aquietar-se e tolerar com a crescente insolência do conjunto dos líderes, e de muitos de seus representados, que, depois de tentar ignorar, e em seguida adiar, tratam agora de transformar em monstrengo um projeto honesto e voltado para escoimar o Congresso da choldra que, ao invés de representar os interesses do Povo, só cuida dos próprios e muita vez inconfessáveis propósitos.
A Sociedade Civil não pode permitir que projeto com o fim de impedir o acesso dos fichas-suja à Câmara e Senado seja desfigurado, para transformar-se em deboche da vontade popular e um escudo a mais para manter as pobres Casas que eram do Povo brasileiro sob a guarda de pessoas que, julgando-se protegidas em redoma corporativista, só dão atenção prioritária aos muitos privilégios que lograram amealhar.
É preciso dar um limite ao que se está fazendo contra a legítima vontade do Povo Brasileiro.
É preciso dar um basta às manipulações de uma minoria contra o projeto de limpeza do Congresso brasileira.
Chega, enfim, de trampas, hipocrisias e fichas-sujas !
Queremos um Congresso que tenha a Cara do Povo brasileiro, que é generoso, corajoso, trabalhador e honesto !
( Fonte: O Globo )
terça-feira, 13 de abril de 2010
O 'Cara' sai de Cena ?
Sem dar-se conta, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve os seus quinze minutos de notoriedade internacional, notadamente quando foi distinguido pelo novel Presidente estadunidense, Barack Obama, com o apelativo ‘o cara’, que refletia a primeira impressão favorável de Obama quanto às qualidades de Lula.
Essa mostra de apreço do presidente americano emprestou ao chefe do governo brasileiro um realce especial, que não lhe diminuíu por certo o trânsito entre seus pares. Juntamente com a foto ao lado da Rainha Elizabeth II – posição protocolar devida à antiguidade do presidente do Brasil no cargo – e, mais tarde, o desempenho na conferência de Copenhague, Lula se descobriu depositário de atenções e deferências que lhe conferiram maior presença na cena internacional.
Não afeito às sutilezas da diplomacia, o sucesso subiu-lhe à cabeça. Interpretou o elogio dado pelo presidente da superpotência não como manifestação circunstancial, mas sim qual fora um título honorífico permanente.
Nem ele, nem o seu acólito especial, o Assessor Marco Aurélio Garcia têm vivência da diplomacia e de suas sutilezas. Acreditando ter as velas pandas pelo sopro de Obama, Lula terá perdido o senso da realidade.
Resolveu, em consequência, entrar em rota de colisão com Washington e o Ocidente, ao estreitar as relações com o regime dos ayatollahs e seu subpresidente Mahmoud Ahmadinejad.
A fraudulenta origem do mandato de Ahmadinejad, e o caráter repressivo, tirânico mesmo, da teocracia iraniana já não aconselhavam excessiva proximidade com Teerã. Acresce notar o seu manifesto propósito de fabricar artefatos nucleares, e não surpreende que Ahmadinejad se tenha transformado em pária internacional.
Pode-se até entender que o chefe do governo iraniano tenha relações estreitas com o caudilho Hugo Chávez. Esse intento, contudo, de súbita e incôngrua confraternização com um país islâmico radical, com que sempre mantivemos relações cordiais porém distantes, não faz o menor sentido político nem nos aproveita em nada.
Se Lula e seus auxiliares se pautassem por seguir uma linha de circunspecto trânsito com esse regime, tal poderia ter alguma valia para os Estados Unidos e seus aliados.
No entanto, as sutilezas e sensibilidades diplomáticas não são o forte de Lula. Há certas atitudes que as agridem, como a programada dispensável visita a Teerã, e sobretudo o crasso erro de designar o subpresidente iraniano, como ‘meu amigo Ahmadinejad’.
Primeiro, porque Ahmadinejad não é, nem nunca foi amigo do Presidente do Brasil. Segundo, porque representa provocação inútil, que só serve para acabar de retirar-lhe as credenciais que soubera criar no relacionamento com o Presidente Obama.
Antes da presente reunião de Washington sobre o TNP, a Casa Branca cuidara de indicar que Lula não estava entre os interlocutores do Presidente americano. O ‘cara’ colhe agora o reverso da medalha. No ambiente de corte que preside às relações entre as principais potências, não é de somenos saber-se que o presidente do Brasil está nos corredores, e que não logra encontros bilaterais senão com o primeiro ministro da Turquia (único suporte de Teerã no âmbito do TNP, em virtude da ascendência muçulmana), com Berlusconi e o novel primeiro-ministro do Japão.
Não é exatamente o cenário a que se acostumara Lula, nem aquele que seus áulicos palacianos lhe desenhavam.
Essa mostra de apreço do presidente americano emprestou ao chefe do governo brasileiro um realce especial, que não lhe diminuíu por certo o trânsito entre seus pares. Juntamente com a foto ao lado da Rainha Elizabeth II – posição protocolar devida à antiguidade do presidente do Brasil no cargo – e, mais tarde, o desempenho na conferência de Copenhague, Lula se descobriu depositário de atenções e deferências que lhe conferiram maior presença na cena internacional.
Não afeito às sutilezas da diplomacia, o sucesso subiu-lhe à cabeça. Interpretou o elogio dado pelo presidente da superpotência não como manifestação circunstancial, mas sim qual fora um título honorífico permanente.
Nem ele, nem o seu acólito especial, o Assessor Marco Aurélio Garcia têm vivência da diplomacia e de suas sutilezas. Acreditando ter as velas pandas pelo sopro de Obama, Lula terá perdido o senso da realidade.
Resolveu, em consequência, entrar em rota de colisão com Washington e o Ocidente, ao estreitar as relações com o regime dos ayatollahs e seu subpresidente Mahmoud Ahmadinejad.
A fraudulenta origem do mandato de Ahmadinejad, e o caráter repressivo, tirânico mesmo, da teocracia iraniana já não aconselhavam excessiva proximidade com Teerã. Acresce notar o seu manifesto propósito de fabricar artefatos nucleares, e não surpreende que Ahmadinejad se tenha transformado em pária internacional.
Pode-se até entender que o chefe do governo iraniano tenha relações estreitas com o caudilho Hugo Chávez. Esse intento, contudo, de súbita e incôngrua confraternização com um país islâmico radical, com que sempre mantivemos relações cordiais porém distantes, não faz o menor sentido político nem nos aproveita em nada.
Se Lula e seus auxiliares se pautassem por seguir uma linha de circunspecto trânsito com esse regime, tal poderia ter alguma valia para os Estados Unidos e seus aliados.
No entanto, as sutilezas e sensibilidades diplomáticas não são o forte de Lula. Há certas atitudes que as agridem, como a programada dispensável visita a Teerã, e sobretudo o crasso erro de designar o subpresidente iraniano, como ‘meu amigo Ahmadinejad’.
Primeiro, porque Ahmadinejad não é, nem nunca foi amigo do Presidente do Brasil. Segundo, porque representa provocação inútil, que só serve para acabar de retirar-lhe as credenciais que soubera criar no relacionamento com o Presidente Obama.
Antes da presente reunião de Washington sobre o TNP, a Casa Branca cuidara de indicar que Lula não estava entre os interlocutores do Presidente americano. O ‘cara’ colhe agora o reverso da medalha. No ambiente de corte que preside às relações entre as principais potências, não é de somenos saber-se que o presidente do Brasil está nos corredores, e que não logra encontros bilaterais senão com o primeiro ministro da Turquia (único suporte de Teerã no âmbito do TNP, em virtude da ascendência muçulmana), com Berlusconi e o novel primeiro-ministro do Japão.
Não é exatamente o cenário a que se acostumara Lula, nem aquele que seus áulicos palacianos lhe desenhavam.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
Notas não-Diplomáticas
Procuram-se Juízes Infalíveis
A decadência do campeonato carioca decorre de inúmeros fatores. Para ficar nos mais importantes, a compressão do certamen em poucas semanas, grande disparidade nas equipes participantes e, sobretudo, a esmagadora importância do campeonato brasileiro. Na verdade, o campeonato nacional veio substituir os antigos campeonatos locais. A própria motivação dos torcedores não é suscetível de comparação.
Nesse contexto, é mais fácil entender a espantosa mediocridade na atuação dos juízes da federação carioca. Multiplicam-se os erros, a falta de critério na atribuição dos cartões é a regra, e, o que é pior, por causa de suas falhas os árbitros se convertem em fatores determinantes dos resultados das partidas.
Tomemos dois exemplos recentes desta peculiar maneira de decidir sobre quem ganha e quem perde o jogo.
Na semifinal Botafogo x Fluminense, o juiz Péricles Bassols validou um gol de Caio, a despeito do flagrante impedimento de Herrera. Este, postado na frente do goleiro Rafael, deixou passar a bola sem tocá-la. Ao participar claramente do lance, atrapalhou o goleiro, contribuindo diretamente para o gol.
Na semifinal do dia seguinte, Flamengo x Vasco, o juiz João Batista de Arruda não marcou pênalti claro do volante rubro-negro Williams, ao desviar com o braço esquerdo a bola, evitando o cabeceio de Thiago Martinelli. Depois do pênalti anterior que marcara – em favor do Flamengo – e que foi contestado vivamente pela defesa vascaína, Arruda assegurou - mesmo sem o querer - mais outra vitória polêmica do time de Andrade.
Diante do avanço da tecnologia, causa espécie que a Fifa continue a negar qualquer participação dos novos meios de acompanhamento das partidas para evitar erros clamorosos e muita vez determinantes em resultados e até em eliminação de seleções. Veja-se, v.g., a condução da bola com o braço por Thierry Henry – que classificou a França – e eliminou a Irlanda.
Evitar-se-iam outrossim gols feitos com a mão e outras vergonhas para a arbitragem da atualidade. Sem falar nos pênaltis ignorados ou inventados pelos juízes.
A era digital deve servir não só ao público, mas também para garantir a lisura nas partidas. Já é mais do que tempo para introduzir no futebol um modo irrefutável de evitar não só erros vexaminosos, senão coibir resultados fraudulentos de partidas.
Continuar a fingir na intocabilidade do juízo dos árbitros só tende a provocar suspeitas acerca de a quem aproveita manter-se contra a realidade factual a ficção da irrevocabilidade das decisões arbitrais.
A decadência do campeonato carioca decorre de inúmeros fatores. Para ficar nos mais importantes, a compressão do certamen em poucas semanas, grande disparidade nas equipes participantes e, sobretudo, a esmagadora importância do campeonato brasileiro. Na verdade, o campeonato nacional veio substituir os antigos campeonatos locais. A própria motivação dos torcedores não é suscetível de comparação.
Nesse contexto, é mais fácil entender a espantosa mediocridade na atuação dos juízes da federação carioca. Multiplicam-se os erros, a falta de critério na atribuição dos cartões é a regra, e, o que é pior, por causa de suas falhas os árbitros se convertem em fatores determinantes dos resultados das partidas.
Tomemos dois exemplos recentes desta peculiar maneira de decidir sobre quem ganha e quem perde o jogo.
Na semifinal Botafogo x Fluminense, o juiz Péricles Bassols validou um gol de Caio, a despeito do flagrante impedimento de Herrera. Este, postado na frente do goleiro Rafael, deixou passar a bola sem tocá-la. Ao participar claramente do lance, atrapalhou o goleiro, contribuindo diretamente para o gol.
Na semifinal do dia seguinte, Flamengo x Vasco, o juiz João Batista de Arruda não marcou pênalti claro do volante rubro-negro Williams, ao desviar com o braço esquerdo a bola, evitando o cabeceio de Thiago Martinelli. Depois do pênalti anterior que marcara – em favor do Flamengo – e que foi contestado vivamente pela defesa vascaína, Arruda assegurou - mesmo sem o querer - mais outra vitória polêmica do time de Andrade.
Diante do avanço da tecnologia, causa espécie que a Fifa continue a negar qualquer participação dos novos meios de acompanhamento das partidas para evitar erros clamorosos e muita vez determinantes em resultados e até em eliminação de seleções. Veja-se, v.g., a condução da bola com o braço por Thierry Henry – que classificou a França – e eliminou a Irlanda.
Evitar-se-iam outrossim gols feitos com a mão e outras vergonhas para a arbitragem da atualidade. Sem falar nos pênaltis ignorados ou inventados pelos juízes.
A era digital deve servir não só ao público, mas também para garantir a lisura nas partidas. Já é mais do que tempo para introduzir no futebol um modo irrefutável de evitar não só erros vexaminosos, senão coibir resultados fraudulentos de partidas.
Continuar a fingir na intocabilidade do juízo dos árbitros só tende a provocar suspeitas acerca de a quem aproveita manter-se contra a realidade factual a ficção da irrevocabilidade das decisões arbitrais.
A Candidatura de José Serra
Arrimado em maior presença na política nacional, que é associada à competência e à passagem em cargos relevantes através dos anos, José Serra constituiu desde cedo nome de referência obrigatória no contexto do presente processo eleitoral.
A respectiva bagagem política, que familiarizou o eleitor com a sua possível candidatura, por natural decorrência dessa mesma política, se lhe incrementa o número de potenciais sufragantes de seu pleito; por outro lado tende, igualmente, a aumentar o percentual de eventuais opositores.
A inchação do bloco negacionista se deve menos aos supostos defeitos do candidato, do que às próprias qualidades e às ações que lhe marcaram a trajetória política. Esse temor difuso causado por José Serra já se manifesta aliás quando se veiculou a sua provável indicação pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso para a Pasta da Saúde.
Antonio Carlos Magalhães, que apoiou o governo tucano, procurara dissuadir FHC de levar adiante tal designação. O interessante, no caso dessa malograda tentativa de veto à candidatura ministerial de Serra, se prendia não à alegada circunstância de que Serra não é médico, mas na verdade ao citado temor de ação demasiado exitosa em ministério tão significativo para o Povo brasileiro.
Serra soube conduzir com discrição, habilidade e controle o processo de seleção partidária até o momento do lançamento formal de sua presente candidatura à Presidência da República. Fê-lo de maneira a evitar dispensáveis desgastes nessa caminhada. Exemplo disso se acha no tratamento dado à rivalidade intrapartidária do correligionário Aécio Neves. Com a destreza do profissional, soube administrar o desafio do governador de Minas. E dessa inerente familiaridade com o fenômeno da política, decorre a sua atual condição de poder reforçar a própria chapa com o mui possível assentimento de Aécio à candidatura vice-presidencial.
Ao invés de vice-presidentes do passado, Aécio Neves é nome de peso, com implicações eleitorais que não se limitam a Minas Gerais. A chapa dita ideal do PSDB, pela manifesta qualidade política, já dispõe por imanência de forte argumento pela sua efetiva concretização. Se irá ou não tornar-se realidade é outra estória, eis que a humana característica do processo nem sempre lhe assegura o desfecho lógico.
Quanto ao discurso do ex-governador José Serra em Brasília, além da ênfase ao Brasil e à relevância da União federal, foram ressaltados os seguintes temas: Educação, Saúde, Segurança, Investimentos na Infraestrutura, Meio Ambiente e Agricultura, e Direitos Humanos.
Acredita Serra que preservação ambiental e incentivo à atividade agrícola não são incompatíveis. O saneamento básico como direito de todo brasileiro, juntamente com a economia verde, promissora para Brasil e brasileiros.
Nos direitos humanos a crítica do ex-Presidente da UNE a regimes autoritários, como os de Cuba e Irã. A importância, atualmente descurada, do investimento em infraestrutura, o que ensejaria maior desenvolvimento.
Chamou outrossim a atenção para a estagnação na saúde nos últimos anos, e, na educação, o retrocesso na escolaridade entre os adolescentes.
A par disso, deu realce à segurança, sublinhando a necessidade de maior atuação do Governo Federal. E nesse campo, recordou que cabe às forças policiais federais o combate ao crime organizado.
Concluídas as formalidades da apresentação da candidata oficial – que representa a continuidade – Dilma Rousseff, e do candidato da mudança, se delineia a longa marcha da campanha presidencial. Se congregam, como principais candidatos, a maior parte da opinião pública, estão na lista igualmente Marina Silva e Ciro Gomes. Até o presente, coadjuvantes no desenvolvimento da trama, a essência da política aí está para que a sua eventual importância não possa ser ignorada.
Não é diverso, de resto, o entendimento da baixa política, que tudo tem feito para inviabilizar o candidato do PSB. O que depõe contra Ciro Gomes não é a sua força, mas a intrínseca característica da própria chapa de retirar sufrágios da candidata oficial. Daí a missão confiada àqueles com trânsito nos porões do poder a sabotar ainda mais o potencial que resta a Ciro nesses socavões do voto popular.
Por sua vez, Marina Silva continua a ser discreta. E, por não incomodar, pelo menos por enquanto, permanecerá na lista até três de outubro.
A respectiva bagagem política, que familiarizou o eleitor com a sua possível candidatura, por natural decorrência dessa mesma política, se lhe incrementa o número de potenciais sufragantes de seu pleito; por outro lado tende, igualmente, a aumentar o percentual de eventuais opositores.
A inchação do bloco negacionista se deve menos aos supostos defeitos do candidato, do que às próprias qualidades e às ações que lhe marcaram a trajetória política. Esse temor difuso causado por José Serra já se manifesta aliás quando se veiculou a sua provável indicação pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso para a Pasta da Saúde.
Antonio Carlos Magalhães, que apoiou o governo tucano, procurara dissuadir FHC de levar adiante tal designação. O interessante, no caso dessa malograda tentativa de veto à candidatura ministerial de Serra, se prendia não à alegada circunstância de que Serra não é médico, mas na verdade ao citado temor de ação demasiado exitosa em ministério tão significativo para o Povo brasileiro.
Serra soube conduzir com discrição, habilidade e controle o processo de seleção partidária até o momento do lançamento formal de sua presente candidatura à Presidência da República. Fê-lo de maneira a evitar dispensáveis desgastes nessa caminhada. Exemplo disso se acha no tratamento dado à rivalidade intrapartidária do correligionário Aécio Neves. Com a destreza do profissional, soube administrar o desafio do governador de Minas. E dessa inerente familiaridade com o fenômeno da política, decorre a sua atual condição de poder reforçar a própria chapa com o mui possível assentimento de Aécio à candidatura vice-presidencial.
Ao invés de vice-presidentes do passado, Aécio Neves é nome de peso, com implicações eleitorais que não se limitam a Minas Gerais. A chapa dita ideal do PSDB, pela manifesta qualidade política, já dispõe por imanência de forte argumento pela sua efetiva concretização. Se irá ou não tornar-se realidade é outra estória, eis que a humana característica do processo nem sempre lhe assegura o desfecho lógico.
Quanto ao discurso do ex-governador José Serra em Brasília, além da ênfase ao Brasil e à relevância da União federal, foram ressaltados os seguintes temas: Educação, Saúde, Segurança, Investimentos na Infraestrutura, Meio Ambiente e Agricultura, e Direitos Humanos.
Acredita Serra que preservação ambiental e incentivo à atividade agrícola não são incompatíveis. O saneamento básico como direito de todo brasileiro, juntamente com a economia verde, promissora para Brasil e brasileiros.
Nos direitos humanos a crítica do ex-Presidente da UNE a regimes autoritários, como os de Cuba e Irã. A importância, atualmente descurada, do investimento em infraestrutura, o que ensejaria maior desenvolvimento.
Chamou outrossim a atenção para a estagnação na saúde nos últimos anos, e, na educação, o retrocesso na escolaridade entre os adolescentes.
A par disso, deu realce à segurança, sublinhando a necessidade de maior atuação do Governo Federal. E nesse campo, recordou que cabe às forças policiais federais o combate ao crime organizado.
Concluídas as formalidades da apresentação da candidata oficial – que representa a continuidade – Dilma Rousseff, e do candidato da mudança, se delineia a longa marcha da campanha presidencial. Se congregam, como principais candidatos, a maior parte da opinião pública, estão na lista igualmente Marina Silva e Ciro Gomes. Até o presente, coadjuvantes no desenvolvimento da trama, a essência da política aí está para que a sua eventual importância não possa ser ignorada.
Não é diverso, de resto, o entendimento da baixa política, que tudo tem feito para inviabilizar o candidato do PSB. O que depõe contra Ciro Gomes não é a sua força, mas a intrínseca característica da própria chapa de retirar sufrágios da candidata oficial. Daí a missão confiada àqueles com trânsito nos porões do poder a sabotar ainda mais o potencial que resta a Ciro nesses socavões do voto popular.
Por sua vez, Marina Silva continua a ser discreta. E, por não incomodar, pelo menos por enquanto, permanecerá na lista até três de outubro.
domingo, 11 de abril de 2010
Colcha de Retalhos XLII
As Capitalizações do BNDES
Parece que Lula e seus comandados tomaram gosto nas chamadas capitalizações do BNDES. Depois de uma operação desse gênero relativamente recente – reduzida pelo Ministro Mantega a oitenta bilhões, o que não foi apreciado por Nosso Guia -, fala-se agora sobre outra, no montante de cem bilhões de reais.
Como assinalou a colunista Míriam Leitão, não é coisa de pequena monta. Equivale a 3% do PIB, correspondendo, grosso modo, à indústria do petróleo.
Segundo as aparências, esse expediente semelha ter agradado a Lula, por ser fonte de crédito extra-orçamentária, que não aumenta a dívida líquida do Tesouro, pela oportuna desculpa de que o Erário dela será ressarcido, com o seu retorno para os cofres públicos ao longo dos anos.
Malabarismos fiscais à parte, em consequência da operação aumenta a dívida bruta do governo, que entre 2008 e 2009 passou de 57% a 63% do PIB.
Essa nova capitalização se destinaria ao financiamento do PAC. Em ano eleitoral, e no afã de reforçar a candidatura de Dilma Rousseff, Lula onera o BNDES.
Assinale-se que essa nova operação vai na contramão do interesse de nossa economia. Como refere o economista Felipe Salto, citado pela colunista, o Brasil tem precisado de poupança externa para financiar o crescimento. Tal significa que o passo do governo vai na direção contrária, pois aumenta a dívida ao invés de estimular a poupança interna. Fenômeno similar se observa no descompasso entre as políticas monetária e fiscal. Assim, enquanto o Banco Central é obrigado a subir a taxa de juros para controlar a inflação, o governo aumenta gastos e contribui para pressionar os preços.
Depois de contribuir para a estabilização da economia, atendo-se à ortodoxia fiscal nos seus primeiros anos de administração, Lula parece se ter tornado mais impaciente quanto aos próprios objetivos. Em um cenário de fundo eleitoreiro, Sua Excelência tomou gosto pelas mágicas fiscais, pelas capitalizações e captações de recursos. São termos que nos remetem a tempos mais sombrios, em que o endividamento e a consequente pressão inflacionaria constituíam a regra.
Em política financeira, como em outros domínios, Lula da Silva acredita possível servir a dois senhores. Esquece que são apenas castelos de cartas que soem ter o fim reservado a essas hábeis, intrincadas mas fragilíssimas construções.
A subvalorização do renminbi
Como se tem referido neste blog, a artificial depreciação do renminbi chinês tem sido fator importante para baratear as exportações da RPC e aumentar-lhes a competitividade relativa. Tal se traduz na balança comercial bilateral entre Estados Unidos e China em vultosos saldos favoráveis a Beijing.
Na Administração Obama se discute da oportunidade ou não de confrontar a autoridade chinesa com a asserção de estar manipulando a cotação do yuan, o que poderia implicar em restrições ao comércio.
Segundo Lawrence H. Summers, o principal assessor econômico do Presidente, se deve seguir linha de prudência na matéria, levando em conta o eventual progresso alcançado através de reuniões com os responsáveis chineses.
A esse respeito, existe a expectativa de que os próprios chineses tomem providências para dar ao renminbi cotação mais ajustada ao seu valor real.
Washington precisa da boa vontade de Beijing tanto na consideração pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas de sanções mais severas contra Teerã, quanto no que tange a pressões sobre a política nuclear da Coréia do Norte.
Mostrando flexibilidade no campo financeiro, sem acusá-la de manipulação do valor do yuan (data de 1994 a última incriminação nesse sentido), o governo americano espera contar com a boa vontade chinesa, sem descontar a possibilidade de eventual apreciação do renminbi determinada pelos chineses.
Consoante se especula, a decisão sobre o valor do renminbi seria tomada pelo próprio Presidente Hu Jintao, cotejando os pareceres antagônicos do Banco Central – pró-apreciação – e do Ministério do Comércio Exterior, que, por óbvios motivos, favorece o statu quo.
As prioridades do Coronel Hugo Chávez
Visitado no correr da passada semana pelo Primeiro Ministro Vladimir Putin, o caudilho venezuelano agraciou o Premiê russo com a máxima honraria do cerimonial bolivariano, com o colar da Ordem do Libertador, com direito a espadim e a vistosa faixa tricolor.
Segundo o noticiário, Putin declarou que a sua passagem pela Venezuela rendeu à Rússia promessas de compras de armamento que superam cinco bilhões de dólares.
A lista de compras reveladas pela agência Interfax inclui: três submarinos, 92 tanques, dezenas de blindados, dez helicópteros de combate, aviões-patrulha, lanchas-patrulha, lanchas de desembarque, lançadores de mísseis e três modernos sistemas de defesa aérea, além de um sistema móvel de artilharia costeira capaz de afundar embarcações a 130 km de distância. Igualmente se discutiu a possibilidade de construção de fábrica de metralhadoras e munição.
É uma bela encomenda. Para o Departamento de Estado, se colocam “quais necessidades de defesa legítimas a Venezuela tem.” Nesse contexto, Washington não quer “ver esse equipamento migrar para outras partes do hemisfério”. No passado, os Estados Unidos já acusaram Chávez de armar a guerrilha das Farc.
Por outro lado, a economia venezuelana se ressente da necessidade de reposição e modernização de equipamento. A situação energética, v.g., representa inegável desafio para o governo bolivariano do coronel Chávez, eis que os numerosos apagões e racionamentos tem acarretado grandes transtornos para a população em geral e para a indústria em particular.
Para quem já está há dez anos no poder, falta credibilidade imputar a governos anteriores responsabilidade pelo caos na energia. A par de acirrar as preocupações de seus vizinhos com o respectivo armamentismo, caberia perguntar qual seria o proveito auferido pelo povo venezuelano com tal descabelado armamentismo.
Relações Russo - Americanas
A assinatura em Praga, na presença dos Presidentes Barack Obama e Dmitri A. Medvedev, de Tratado de redução de armamento nuclear, denominado Novo-Start, implica em sensível melhoria nas relações entre os Estados Unidos e a Federação Russa.
Nesse aspecto, Obama assinala um novo degelo entre EUA e Rússia, conseguindo virar a página do legado de Bush jr. de um relacionamento com Moscou marcado por desinteligências (guerra da Geórgia, escudo anti-mísseis).
Além do tratado novo-Start, de controle de armas nuclear e redução do estoque estratégico, Obama e Medvedev estão igualmente de acordo sobre as providências a tomar quanto ao programa nuclear do Irã.
Entretanto, se a atmosfera entre Moscou e Washington mostra um claro progresso – com o presidente russo qualificando o tratado de “acontecimento verdadeiramente histórico”, que “abrirá uma nova página” nas relações russo-americanas – ainda subsistem algumas nuvens no vasto horizonte desse relacionamento.
A situação no Kirgizistão – onde se acha base americana de apoio para a campanha no vizinho Afeganistão – é vista de modo diverso por Moscou e Washington.
O Presidente Bakiyev foi forçado a fugir da capital, por uma sublevação popular, em que a cleptocracia e o desgoverno terão provocado o levante. Bakiyev estaria ainda no interior do país e se recusa a renunciar.
Roza Otunbayeva, antiga ministra do exterior, que está à frente das forças de oposição, tem sido contactada por Moscou e Washington, na sua disputa pela manutenção de influência junto a esse país, cuja relevância cresce pela sua localização na logística do fornecimento para a campanha afegã.
Por ora, Rússia e Estados Unidos trocariam informações acerca da situação ainda turva na república centro-asiática. Embora no jogo de influências, o contraste se afigure inevitável, por ora as eventuais diferenças são mantidas em surdina. Tudo dependerá da orientação do regime que for gestado pela revolta contra Bakiyev.
( Fontes: O Globo, Folha de S.Paulo, International Herald Tribune)
Parece que Lula e seus comandados tomaram gosto nas chamadas capitalizações do BNDES. Depois de uma operação desse gênero relativamente recente – reduzida pelo Ministro Mantega a oitenta bilhões, o que não foi apreciado por Nosso Guia -, fala-se agora sobre outra, no montante de cem bilhões de reais.
Como assinalou a colunista Míriam Leitão, não é coisa de pequena monta. Equivale a 3% do PIB, correspondendo, grosso modo, à indústria do petróleo.
Segundo as aparências, esse expediente semelha ter agradado a Lula, por ser fonte de crédito extra-orçamentária, que não aumenta a dívida líquida do Tesouro, pela oportuna desculpa de que o Erário dela será ressarcido, com o seu retorno para os cofres públicos ao longo dos anos.
Malabarismos fiscais à parte, em consequência da operação aumenta a dívida bruta do governo, que entre 2008 e 2009 passou de 57% a 63% do PIB.
Essa nova capitalização se destinaria ao financiamento do PAC. Em ano eleitoral, e no afã de reforçar a candidatura de Dilma Rousseff, Lula onera o BNDES.
Assinale-se que essa nova operação vai na contramão do interesse de nossa economia. Como refere o economista Felipe Salto, citado pela colunista, o Brasil tem precisado de poupança externa para financiar o crescimento. Tal significa que o passo do governo vai na direção contrária, pois aumenta a dívida ao invés de estimular a poupança interna. Fenômeno similar se observa no descompasso entre as políticas monetária e fiscal. Assim, enquanto o Banco Central é obrigado a subir a taxa de juros para controlar a inflação, o governo aumenta gastos e contribui para pressionar os preços.
Depois de contribuir para a estabilização da economia, atendo-se à ortodoxia fiscal nos seus primeiros anos de administração, Lula parece se ter tornado mais impaciente quanto aos próprios objetivos. Em um cenário de fundo eleitoreiro, Sua Excelência tomou gosto pelas mágicas fiscais, pelas capitalizações e captações de recursos. São termos que nos remetem a tempos mais sombrios, em que o endividamento e a consequente pressão inflacionaria constituíam a regra.
Em política financeira, como em outros domínios, Lula da Silva acredita possível servir a dois senhores. Esquece que são apenas castelos de cartas que soem ter o fim reservado a essas hábeis, intrincadas mas fragilíssimas construções.
A subvalorização do renminbi
Como se tem referido neste blog, a artificial depreciação do renminbi chinês tem sido fator importante para baratear as exportações da RPC e aumentar-lhes a competitividade relativa. Tal se traduz na balança comercial bilateral entre Estados Unidos e China em vultosos saldos favoráveis a Beijing.
Na Administração Obama se discute da oportunidade ou não de confrontar a autoridade chinesa com a asserção de estar manipulando a cotação do yuan, o que poderia implicar em restrições ao comércio.
Segundo Lawrence H. Summers, o principal assessor econômico do Presidente, se deve seguir linha de prudência na matéria, levando em conta o eventual progresso alcançado através de reuniões com os responsáveis chineses.
A esse respeito, existe a expectativa de que os próprios chineses tomem providências para dar ao renminbi cotação mais ajustada ao seu valor real.
Washington precisa da boa vontade de Beijing tanto na consideração pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas de sanções mais severas contra Teerã, quanto no que tange a pressões sobre a política nuclear da Coréia do Norte.
Mostrando flexibilidade no campo financeiro, sem acusá-la de manipulação do valor do yuan (data de 1994 a última incriminação nesse sentido), o governo americano espera contar com a boa vontade chinesa, sem descontar a possibilidade de eventual apreciação do renminbi determinada pelos chineses.
Consoante se especula, a decisão sobre o valor do renminbi seria tomada pelo próprio Presidente Hu Jintao, cotejando os pareceres antagônicos do Banco Central – pró-apreciação – e do Ministério do Comércio Exterior, que, por óbvios motivos, favorece o statu quo.
As prioridades do Coronel Hugo Chávez
Visitado no correr da passada semana pelo Primeiro Ministro Vladimir Putin, o caudilho venezuelano agraciou o Premiê russo com a máxima honraria do cerimonial bolivariano, com o colar da Ordem do Libertador, com direito a espadim e a vistosa faixa tricolor.
Segundo o noticiário, Putin declarou que a sua passagem pela Venezuela rendeu à Rússia promessas de compras de armamento que superam cinco bilhões de dólares.
A lista de compras reveladas pela agência Interfax inclui: três submarinos, 92 tanques, dezenas de blindados, dez helicópteros de combate, aviões-patrulha, lanchas-patrulha, lanchas de desembarque, lançadores de mísseis e três modernos sistemas de defesa aérea, além de um sistema móvel de artilharia costeira capaz de afundar embarcações a 130 km de distância. Igualmente se discutiu a possibilidade de construção de fábrica de metralhadoras e munição.
É uma bela encomenda. Para o Departamento de Estado, se colocam “quais necessidades de defesa legítimas a Venezuela tem.” Nesse contexto, Washington não quer “ver esse equipamento migrar para outras partes do hemisfério”. No passado, os Estados Unidos já acusaram Chávez de armar a guerrilha das Farc.
Por outro lado, a economia venezuelana se ressente da necessidade de reposição e modernização de equipamento. A situação energética, v.g., representa inegável desafio para o governo bolivariano do coronel Chávez, eis que os numerosos apagões e racionamentos tem acarretado grandes transtornos para a população em geral e para a indústria em particular.
Para quem já está há dez anos no poder, falta credibilidade imputar a governos anteriores responsabilidade pelo caos na energia. A par de acirrar as preocupações de seus vizinhos com o respectivo armamentismo, caberia perguntar qual seria o proveito auferido pelo povo venezuelano com tal descabelado armamentismo.
Relações Russo - Americanas
A assinatura em Praga, na presença dos Presidentes Barack Obama e Dmitri A. Medvedev, de Tratado de redução de armamento nuclear, denominado Novo-Start, implica em sensível melhoria nas relações entre os Estados Unidos e a Federação Russa.
Nesse aspecto, Obama assinala um novo degelo entre EUA e Rússia, conseguindo virar a página do legado de Bush jr. de um relacionamento com Moscou marcado por desinteligências (guerra da Geórgia, escudo anti-mísseis).
Além do tratado novo-Start, de controle de armas nuclear e redução do estoque estratégico, Obama e Medvedev estão igualmente de acordo sobre as providências a tomar quanto ao programa nuclear do Irã.
Entretanto, se a atmosfera entre Moscou e Washington mostra um claro progresso – com o presidente russo qualificando o tratado de “acontecimento verdadeiramente histórico”, que “abrirá uma nova página” nas relações russo-americanas – ainda subsistem algumas nuvens no vasto horizonte desse relacionamento.
A situação no Kirgizistão – onde se acha base americana de apoio para a campanha no vizinho Afeganistão – é vista de modo diverso por Moscou e Washington.
O Presidente Bakiyev foi forçado a fugir da capital, por uma sublevação popular, em que a cleptocracia e o desgoverno terão provocado o levante. Bakiyev estaria ainda no interior do país e se recusa a renunciar.
Roza Otunbayeva, antiga ministra do exterior, que está à frente das forças de oposição, tem sido contactada por Moscou e Washington, na sua disputa pela manutenção de influência junto a esse país, cuja relevância cresce pela sua localização na logística do fornecimento para a campanha afegã.
Por ora, Rússia e Estados Unidos trocariam informações acerca da situação ainda turva na república centro-asiática. Embora no jogo de influências, o contraste se afigure inevitável, por ora as eventuais diferenças são mantidas em surdina. Tudo dependerá da orientação do regime que for gestado pela revolta contra Bakiyev.
( Fontes: O Globo, Folha de S.Paulo, International Herald Tribune)
sábado, 10 de abril de 2010
O Benefício da Dúvida ?
O total das mortes no estado do Rio de Janeiro já chega a 212, das quais em Niterói 132, e sessenta na cidade do Rio. Essa macabra tabulação parece ainda longe do momento em que todas as vítimas da calamidade dos aguaceiros de abril estejam registradas.
Fala-se na intensidade das chuvas como se fossem as intempéries a causa precípua de tantos óbitos. Na verdade, os temporais e os altos índices pluviométricos não são o fator determinante da calamidade. O que está na raiz da calamidade é a má localização de muitas casas, seja de moradores pobres, de classe média ou abastados.
Situadas em áreas de risco, v.g., em encostas, ou em terrenos sujeitos a enxurradas e avalanches, essas casas – que são na sua esmagadora maioria de gente pobre, em geral favelada – lá estão e não por acaso.
Dadas as dificuldades de encontrar situações mais favoráveis, o espaço supostamente disponível estará em faldas e aclives de montanhas. Se há, portanto, esta razão que leva o morador da favela a construir o seu barraco em condições precárias, tal ‘escolha’ decorre da falta de outras opções, e do desejo de situar-se perto das oportunidades de trabalho.
Esses são os fatores condicionantes no que tange à iniciativa própria do habitante em área de risco.
No entanto, somente a hipocrisia oficial pode circunscrever essa ‘opção de moradia’ à responsabilidade principal do morador. Na realidade, a responsabilidade incumbe, na sua maior parte, seja ao município, seja ao estado.
A ausência do poder estatal dos morros – de que somente agora e ainda de forma simbólica (pela reduzida percentual) o processo começa a ser revertido pelas UPPs – é realidade de décadas. Ela não se reflete apenas no abandono dessas comunidades ao arbítrio do tráfico, mas também ao descaso, senão total anomia em termos de respeito às mais comezinhas precauções em termos de implantação residencial.
A intrínseca feiúra desses aglomerados residenciais – que a demagogia de certas administrações permite ascender a vários andares – é um composto, por conseguinte, do caráter orgânico de seu surgimento, e da total falta de regras em termos de segurança residencial. Tangidos pela pobreza, só respeitam à lei da gravidade.
A prefeitura de Niterói se permitiu inovar, no capítulo, e de forma grotesca. As chuvas ameaçam não mais apenas a casas nas encostas, mas igualmente àquelas situadas em montes, na verdade monturos oriundos de aterros de lixões desativados.
O chamado morro do Bumba – em que, além dos 27 mortos computados, ainda podem existir 150, nos cálculos do governador Sérgio Cabral – foi depósito de lixo entre 1970 e 1985. Não mais utilizado para tal fim a partir daquela data – mas não submetido a qualquer outro processo de sanitização, o morro do Bumba se transformou em espaço residencial.
Assim, o gás metano – originado do material orgânico em decomposição - e o chorume - que é o líquido oriundo das gorduras – já mostravam a ‘qualidade’do terreno de assentamento, e os riscos, tanto sanitários, quanto topográficos incorridos pela comunidade com cerca de trezentas casas.
A própria Universidade Federal Fluminense entregou à prefeitura – então o titular era Godofredo Pinto (PT) – estudo sobre a área, em que o poder municipal foi alertado do risco envolvido.
O atual prefeito, Jorge Roberto Silveira (PDT), disse desconhecer os riscos de tragédia no Bumba. Gera decerto perplexidade tal assertiva para quem exerce em segundo mandato o governo do município de Niterói. Já o seu Vice Godofredo Pinto recebera em 2004 o parecer da UFF.
Ao invés de remover – ou sequer alertar – as comunidades em risco (surgiu agora outra favela, a do Morro do Céu, a 2km do Bumba, igualmente elevada junto de um lixão), o poder municipal preferiu calar. Ou melhor, através de projetos urbanísticos - ‘melhorias’ – contribuíu para incentivar essa ocupação irregular e perigosa.
A própria Defesa Civil do município, segundo o noticiário, esteve no morro do Bumba há pouquíssimas horas do desmoronamento, e não deu qualquer indicação aos moradores sobre a imperiosa necessidade de abandono do local.
Como dizia Péricles na sua famosa oração, se os males sofridos por Atenas eram demasiado grandes para verter lágrimas, a situação em Niterói para esses governantes que se sucedem no poder se afigura demasiado evidente e desmesurada para que se impossa invocar ignorância de tais fatos. Quero crer que o Sr. Jorge Roberto Silveira esteja dizendo a verdade, visto que não tenho elementos objetivos para duvidar de sua sinceridade. Contudo, tal desconhecimento implica, de alguma forma, em alheamento de uma realidade circunstante, o que coloca em questão a sua capacidade enquanto prefeito da cidade de Niteroi.
Por outro lado, para cortar o mal na raiz, a hora não é de medidas cosméticas ou contemporizadoras, que são as vestes corriqueiras da demagogia. Ao contrário da criminosa inação de antecessores seus – que chegaram a permitir a construção de favelas debaixo de vias elevadas – o Prefeito Eduardo Paes publicou ontem no Diário Oficial decreto que declara 158 áreas de risco, afetadas por deslizamentos de terra, em situação de emergência.
Corta-se assim o falso dilema da negação do morador em deixar o local, por não dispor de opção. Como assinalou o prefeito, o perigo de morte não deixa alternativa, porque tudo é preferível a esse mal maior.
Muitos justificam a permanência em locais periclitantes sob o argumento da falta de habitaçãao alternativa. Alvitra-se,mesmo, que o desalojado logo há de procurar outro local de risco para levantar seu casebre.
O chefe do executivo municipal não pode escudar-se na falta de moradia disponível para não afastar o favelado do perigo maior. Nesse sentido, a ação pró-ativa do prefeito Eduardo Paes, não só removendo o morador, mas criando condições para encaminhá-lo a outra habitação digna e segura, é a única alternativa cabível.
Nada fazer – ou invocar a desumanidade de uma remoção forçada – não é só ignorar um perigo letal, um fautor de tragédias futuras. A solução está em procedimentos casados: remover as habitações em áreas de risco, e conduzir os moradores afetados, em tempo hábil, para localizações seguras, e não demasiado afastadas do lugar da primeira residência.
O Estado e suas autoridades, se nada ou muito pouco podem fazer contra as intempéries, tem a capacidade de diminuir-lhes a força devastadora, máxime nos efeitos humanos. A providência do Estado – e não palavras vazias, sem qualquer ação efetiva – representa o meio indispensável para transformar essas calamidades em transtornos ocasionais, e não nas periódicas hecatombes geradas pela incúria e a desídia no exercício do poder público.
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
Fala-se na intensidade das chuvas como se fossem as intempéries a causa precípua de tantos óbitos. Na verdade, os temporais e os altos índices pluviométricos não são o fator determinante da calamidade. O que está na raiz da calamidade é a má localização de muitas casas, seja de moradores pobres, de classe média ou abastados.
Situadas em áreas de risco, v.g., em encostas, ou em terrenos sujeitos a enxurradas e avalanches, essas casas – que são na sua esmagadora maioria de gente pobre, em geral favelada – lá estão e não por acaso.
Dadas as dificuldades de encontrar situações mais favoráveis, o espaço supostamente disponível estará em faldas e aclives de montanhas. Se há, portanto, esta razão que leva o morador da favela a construir o seu barraco em condições precárias, tal ‘escolha’ decorre da falta de outras opções, e do desejo de situar-se perto das oportunidades de trabalho.
Esses são os fatores condicionantes no que tange à iniciativa própria do habitante em área de risco.
No entanto, somente a hipocrisia oficial pode circunscrever essa ‘opção de moradia’ à responsabilidade principal do morador. Na realidade, a responsabilidade incumbe, na sua maior parte, seja ao município, seja ao estado.
A ausência do poder estatal dos morros – de que somente agora e ainda de forma simbólica (pela reduzida percentual) o processo começa a ser revertido pelas UPPs – é realidade de décadas. Ela não se reflete apenas no abandono dessas comunidades ao arbítrio do tráfico, mas também ao descaso, senão total anomia em termos de respeito às mais comezinhas precauções em termos de implantação residencial.
A intrínseca feiúra desses aglomerados residenciais – que a demagogia de certas administrações permite ascender a vários andares – é um composto, por conseguinte, do caráter orgânico de seu surgimento, e da total falta de regras em termos de segurança residencial. Tangidos pela pobreza, só respeitam à lei da gravidade.
A prefeitura de Niterói se permitiu inovar, no capítulo, e de forma grotesca. As chuvas ameaçam não mais apenas a casas nas encostas, mas igualmente àquelas situadas em montes, na verdade monturos oriundos de aterros de lixões desativados.
O chamado morro do Bumba – em que, além dos 27 mortos computados, ainda podem existir 150, nos cálculos do governador Sérgio Cabral – foi depósito de lixo entre 1970 e 1985. Não mais utilizado para tal fim a partir daquela data – mas não submetido a qualquer outro processo de sanitização, o morro do Bumba se transformou em espaço residencial.
Assim, o gás metano – originado do material orgânico em decomposição - e o chorume - que é o líquido oriundo das gorduras – já mostravam a ‘qualidade’do terreno de assentamento, e os riscos, tanto sanitários, quanto topográficos incorridos pela comunidade com cerca de trezentas casas.
A própria Universidade Federal Fluminense entregou à prefeitura – então o titular era Godofredo Pinto (PT) – estudo sobre a área, em que o poder municipal foi alertado do risco envolvido.
O atual prefeito, Jorge Roberto Silveira (PDT), disse desconhecer os riscos de tragédia no Bumba. Gera decerto perplexidade tal assertiva para quem exerce em segundo mandato o governo do município de Niterói. Já o seu Vice Godofredo Pinto recebera em 2004 o parecer da UFF.
Ao invés de remover – ou sequer alertar – as comunidades em risco (surgiu agora outra favela, a do Morro do Céu, a 2km do Bumba, igualmente elevada junto de um lixão), o poder municipal preferiu calar. Ou melhor, através de projetos urbanísticos - ‘melhorias’ – contribuíu para incentivar essa ocupação irregular e perigosa.
A própria Defesa Civil do município, segundo o noticiário, esteve no morro do Bumba há pouquíssimas horas do desmoronamento, e não deu qualquer indicação aos moradores sobre a imperiosa necessidade de abandono do local.
Como dizia Péricles na sua famosa oração, se os males sofridos por Atenas eram demasiado grandes para verter lágrimas, a situação em Niterói para esses governantes que se sucedem no poder se afigura demasiado evidente e desmesurada para que se impossa invocar ignorância de tais fatos. Quero crer que o Sr. Jorge Roberto Silveira esteja dizendo a verdade, visto que não tenho elementos objetivos para duvidar de sua sinceridade. Contudo, tal desconhecimento implica, de alguma forma, em alheamento de uma realidade circunstante, o que coloca em questão a sua capacidade enquanto prefeito da cidade de Niteroi.
Por outro lado, para cortar o mal na raiz, a hora não é de medidas cosméticas ou contemporizadoras, que são as vestes corriqueiras da demagogia. Ao contrário da criminosa inação de antecessores seus – que chegaram a permitir a construção de favelas debaixo de vias elevadas – o Prefeito Eduardo Paes publicou ontem no Diário Oficial decreto que declara 158 áreas de risco, afetadas por deslizamentos de terra, em situação de emergência.
Corta-se assim o falso dilema da negação do morador em deixar o local, por não dispor de opção. Como assinalou o prefeito, o perigo de morte não deixa alternativa, porque tudo é preferível a esse mal maior.
Muitos justificam a permanência em locais periclitantes sob o argumento da falta de habitaçãao alternativa. Alvitra-se,mesmo, que o desalojado logo há de procurar outro local de risco para levantar seu casebre.
O chefe do executivo municipal não pode escudar-se na falta de moradia disponível para não afastar o favelado do perigo maior. Nesse sentido, a ação pró-ativa do prefeito Eduardo Paes, não só removendo o morador, mas criando condições para encaminhá-lo a outra habitação digna e segura, é a única alternativa cabível.
Nada fazer – ou invocar a desumanidade de uma remoção forçada – não é só ignorar um perigo letal, um fautor de tragédias futuras. A solução está em procedimentos casados: remover as habitações em áreas de risco, e conduzir os moradores afetados, em tempo hábil, para localizações seguras, e não demasiado afastadas do lugar da primeira residência.
O Estado e suas autoridades, se nada ou muito pouco podem fazer contra as intempéries, tem a capacidade de diminuir-lhes a força devastadora, máxime nos efeitos humanos. A providência do Estado – e não palavras vazias, sem qualquer ação efetiva – representa o meio indispensável para transformar essas calamidades em transtornos ocasionais, e não nas periódicas hecatombes geradas pela incúria e a desídia no exercício do poder público.
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
sexta-feira, 9 de abril de 2010
O Juiz Garzón e os Direitos Humanos
Se acaso existissem dúvidas quanto à isenção dos magistrados espanhóis encarregados desse estranho julgamento do juiz Baltasar Garzón, o sol da realidade do processo, com os seus raios impiedosos, rápido cuida de evaporá-las.
Através de sua atitude arrogante e despojada de quaisquer reservas, o juiz do Supremo Tribunal Luciano Varela escarnece não só da imagem tradicional da Justiça, mas da própria compostura verbal com que o magistrado deve envolver e preservar a respectiva aparência de isonomia e equanimidade.
Seria como se este novo Torquemada dissesse : abandonemos as hipócritas mesuras e as calibradas homenagens à suposta manutenção de equidade e imparcialidade na administração dos dispositivos legais. Dessarte, o tribunal se transforma em arena e o manietado prisioneiro, a quem se despoja dos diáfanos véus da presumida inocência, se descobre nas mãos de juiz-algoz, armado até os dentes de toda a parafernália instrumental para verter em áspera realidade a condenação anunciada.
Para que de tais desígnios não reste sombra fugidia da impressão de juízo aberto, sereno e imparcial, o magistrado Varela não se peja de afirmar certezas e não de colocar quesitos, suscetíveis de serem interpretados e redimensionados. Dessarte, para Varela Garzón prevaricou, extrapolou competências, legislou quando se deveria cingir à aplicação da lei de anistia aos passados crimes do regime franquista.
Não são ameaças de fanfarrão. Ao ousar investir contra o juiz símbolo da Audiência Nacional - tribunal espanhol que investiga delitos contra a Coroa, contra membros do Governo, crimes de terrorismo e narcotráfico, e contra a Humanidade – Luciano Varela não percebe a contradição extrema em que se enleia, colocando no banco dos réus quem arrisca diariamente a própria vida perseguindo os bandidos do ETA e os criminosos do franquismo.
Tampouco Varela – e seu epígono, o magistrado Prego – desejam conceder ao acusado quaisquer possibilidades de defesa pertinente e bem-fundamentada.
Sem embargo, como recorda o advogado Antonio Rato, o artigo 24 da Constituição espanhola estipula que “todas as pessoas têm direito de utilizar os meios de prova pertinentes para sua defesa.”
Como a prevaricação exige dolo específico, o chamado animus prevaricandi que valeria por agir de caso pensado, compreende-se porque no seu afã de condenar Garzón crie dificuldades para Varela a circunstância de que este juiz haja utilizado interpretação normativa compartilhada pelos mais prestigiosos juristas.
A maneira descoberta por Varela – e ora seguida pelo acólito Prego – para contornar tal dificuldade foi o emprego abusivo de vias retorcidas, indiciárias e argumentações inamistosas brandidas pelo juiz da Suprema Corte. Em resumo, Luciano Varela pensa que não precisa de provas para apear Garzón da curul e mantê-lo no limbo de dez a vinte anos fora da vida pública!
Malgrado as firulas jurídicas da dupla, persiste inabalável a posição de Garzón - e de tantos outros juristas de nomeada - de que os crimes contra a Humanidade não são passíveis de anístia.
Para a sua defesa, Garzón carece de testemunhas insignes e de notório saber jurídico para validar a própria tese. Franco e seus seguidores cometeram crimes contra a Humanidade durante a Guerra Civil e nos primeiros anos da ditadura, com a execução sistemática de opositores.
No sinistro indiciamento de quem fundou o direito internacional penal, ao lograr a prisão do ditador Augusto Pinochet, a primeira investigação oficial promovida pelo juiz Garzón sobre o franquismo e a guerra civil espanhola terá sido a motivação inconfessa da torpe tentativa de vingança sob os disfarces da toga.
Como afastar tal pedra do caminho desses novos Fouquier-Tinville[1], mais preocupados em condenar, do que julgar ?
No seu descaramento, não hesitam em cometer ulterior delito processual – o da negação de meios válidos e legais à defesa do réu. Pretendem, desse modo, restringir as testemunhas de defesa a um punhado de expertos que já se manifestara anteriormente em favor de Garzón. E para tanto não trepidam em ignorar a nova lei processual, que admite a figura da testemunha-perito, a qual possa ser interrogada acerca de seus conhecimentos específicos.
Será através do amordaçamento de grandes autoridades em direito humanitário, que os anões da burocracia judiciária – dando as mãos aos grupos filo-franquistas de Manos Limpias (do escritor ultradireitista Blás Piñar) e da Falange Española – lograriam o seu escopo, ao esvaziar a defesa de Garzón. É um procedimento que assemelharia essa corte espanhola à soturna série de tribunais de exceção que, durante o absolutismo, ceifaram a tantos inocentes.
No final, a pantomima judiciária, essa tragédia processual cairá sob o opróbrio do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Ao maquinado ordálio de um grande juiz, cujo renome e excepcionalidade devem ser anátema às mediocridades judicantes, sucederá o processo de execração europeia e internacional da cruel inversão urdida por monstrengo de justiça que ultraja inocentes e premia criminosos.
Será mais uma reedição do tempo dos patifes, de que auguramos curta duração e ignóbil queda.
(Fontes: O Globo, Folha de S.Paulo e El Pais)
[1] Fouquier-Tinville foi o acusador público do Tribunal Revolucionário, durante o período do Terror na Revolução francesa.
Através de sua atitude arrogante e despojada de quaisquer reservas, o juiz do Supremo Tribunal Luciano Varela escarnece não só da imagem tradicional da Justiça, mas da própria compostura verbal com que o magistrado deve envolver e preservar a respectiva aparência de isonomia e equanimidade.
Seria como se este novo Torquemada dissesse : abandonemos as hipócritas mesuras e as calibradas homenagens à suposta manutenção de equidade e imparcialidade na administração dos dispositivos legais. Dessarte, o tribunal se transforma em arena e o manietado prisioneiro, a quem se despoja dos diáfanos véus da presumida inocência, se descobre nas mãos de juiz-algoz, armado até os dentes de toda a parafernália instrumental para verter em áspera realidade a condenação anunciada.
Para que de tais desígnios não reste sombra fugidia da impressão de juízo aberto, sereno e imparcial, o magistrado Varela não se peja de afirmar certezas e não de colocar quesitos, suscetíveis de serem interpretados e redimensionados. Dessarte, para Varela Garzón prevaricou, extrapolou competências, legislou quando se deveria cingir à aplicação da lei de anistia aos passados crimes do regime franquista.
Não são ameaças de fanfarrão. Ao ousar investir contra o juiz símbolo da Audiência Nacional - tribunal espanhol que investiga delitos contra a Coroa, contra membros do Governo, crimes de terrorismo e narcotráfico, e contra a Humanidade – Luciano Varela não percebe a contradição extrema em que se enleia, colocando no banco dos réus quem arrisca diariamente a própria vida perseguindo os bandidos do ETA e os criminosos do franquismo.
Tampouco Varela – e seu epígono, o magistrado Prego – desejam conceder ao acusado quaisquer possibilidades de defesa pertinente e bem-fundamentada.
Sem embargo, como recorda o advogado Antonio Rato, o artigo 24 da Constituição espanhola estipula que “todas as pessoas têm direito de utilizar os meios de prova pertinentes para sua defesa.”
Como a prevaricação exige dolo específico, o chamado animus prevaricandi que valeria por agir de caso pensado, compreende-se porque no seu afã de condenar Garzón crie dificuldades para Varela a circunstância de que este juiz haja utilizado interpretação normativa compartilhada pelos mais prestigiosos juristas.
A maneira descoberta por Varela – e ora seguida pelo acólito Prego – para contornar tal dificuldade foi o emprego abusivo de vias retorcidas, indiciárias e argumentações inamistosas brandidas pelo juiz da Suprema Corte. Em resumo, Luciano Varela pensa que não precisa de provas para apear Garzón da curul e mantê-lo no limbo de dez a vinte anos fora da vida pública!
Malgrado as firulas jurídicas da dupla, persiste inabalável a posição de Garzón - e de tantos outros juristas de nomeada - de que os crimes contra a Humanidade não são passíveis de anístia.
Para a sua defesa, Garzón carece de testemunhas insignes e de notório saber jurídico para validar a própria tese. Franco e seus seguidores cometeram crimes contra a Humanidade durante a Guerra Civil e nos primeiros anos da ditadura, com a execução sistemática de opositores.
No sinistro indiciamento de quem fundou o direito internacional penal, ao lograr a prisão do ditador Augusto Pinochet, a primeira investigação oficial promovida pelo juiz Garzón sobre o franquismo e a guerra civil espanhola terá sido a motivação inconfessa da torpe tentativa de vingança sob os disfarces da toga.
Como afastar tal pedra do caminho desses novos Fouquier-Tinville[1], mais preocupados em condenar, do que julgar ?
No seu descaramento, não hesitam em cometer ulterior delito processual – o da negação de meios válidos e legais à defesa do réu. Pretendem, desse modo, restringir as testemunhas de defesa a um punhado de expertos que já se manifestara anteriormente em favor de Garzón. E para tanto não trepidam em ignorar a nova lei processual, que admite a figura da testemunha-perito, a qual possa ser interrogada acerca de seus conhecimentos específicos.
Será através do amordaçamento de grandes autoridades em direito humanitário, que os anões da burocracia judiciária – dando as mãos aos grupos filo-franquistas de Manos Limpias (do escritor ultradireitista Blás Piñar) e da Falange Española – lograriam o seu escopo, ao esvaziar a defesa de Garzón. É um procedimento que assemelharia essa corte espanhola à soturna série de tribunais de exceção que, durante o absolutismo, ceifaram a tantos inocentes.
No final, a pantomima judiciária, essa tragédia processual cairá sob o opróbrio do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Ao maquinado ordálio de um grande juiz, cujo renome e excepcionalidade devem ser anátema às mediocridades judicantes, sucederá o processo de execração europeia e internacional da cruel inversão urdida por monstrengo de justiça que ultraja inocentes e premia criminosos.
Será mais uma reedição do tempo dos patifes, de que auguramos curta duração e ignóbil queda.
(Fontes: O Globo, Folha de S.Paulo e El Pais)
[1] Fouquier-Tinville foi o acusador público do Tribunal Revolucionário, durante o período do Terror na Revolução francesa.
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