quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Cassação de Dilma

                                  

         O fim de Dilma Rousseff enquanto presidente estava anunciado. Como assinalei no meu blog 'Dilma e seu tribunal', não lhe faltou determinação. A sua longa exposição ao Senado foi feita quase sem esperança - por mais que se busque negá-la, essa eterna companheira da Humanidade sempre arranjará modo de insinuar-se, acenando com conquistas que para as pessoas do entorno são miragens do deserto - mas como já me referi, ela a fez com dignidade e o esforço denodado que se reserva às tentativas da vigésima-quinta hora.
         Preparou-se com denodo. Ela que durante os seus dois mandatos - o primeiro que criou condições para o fim, e o segundo,  exercido  por ano e meio, no qual o concurso de seus credores partiria para o desfecho.
         Nas tragédias, o personagem central vai acumulando, alimentada pela húbris, a sua parcela de hamartya - as faltas cometidas - e como um tolo delas a princípio sequer se apercebe. Mas o processo, uma vez iniciado, ganha a sua própria dinâmica, e nossa heroína se irá ,aos poucos,  dando conta de o que engendrou.
          Não é aqui o lugar para relembrar-lhe a travessia. A princípio, ela terá pensado poder manter o monstro à distância. Contudo, mesmo a desventura e a falta de certos dons que sobravam no seu criador, tornaram a caminhada, a princípio envolta por sorrisos e aclamações,  mais árdua, à medida que a herança maldita dela se vai acercando, e como o credor desapiedado irá aumentando as próprias exigências.
            As promessas são como promissórias. Na sua letra miúda, carregam sempre condições malvadas e impíedosas. Quando ela as assume, terá pensado apenas nos seus resultados imediatos.
            O Povo não difere muito das pessoas. Muito governante esquece que ele é a soma da gente. Não há negar que as promessas sempre reluzem. A massa quer acreditar. Mas cuidado. Sendo conjunto de pessoas, podem decidir eleições. No entanto, como outras coisas da vida, a gente miúda, além da memória, pode virar monstro, em que a lembrança do engano se transforma em raiva, depois cólera, e, mais tarde o que é pior, em ressentimento. Quebrada a confiança, a visão muda, e o afastamento - que é pior do que a repulsa, pois nesta há a chama da paixão e o sentimento continua nela presente - dita o fim de uma relação.
             Deploro o que sucedeu a Dilma. Ela foi o resultado de uma escolha ruim. A sua eventual culpa - hamartya - é uma espécie de consequência infeliz de uma indicação errada.
              Dilma tem coragem e determinação, mas faltou-lhe o grão da política, que é feito de experiência, simpatia, muita paciência, capacidade de unir e de ouvir. Quem a escolheu, cometeu um erro de pessoa, induzido talvez por considerações próprias.  Quem pretende ser mais esperto do que todo mundo e, em especial, do que o próprio partido, corre o risco de que, tal a serpente de Laocoonte,  seu engano se volte contra ele próprio e  seu projeto.
               Como todo personagem trágico, mesmo sem o saber, Dilma terá despertado paixões. Sem cairmos na vala amorosa, este é um sentimento capaz de induzir à própria volta muitos atos de desapego e dedicação.  
                Foi o que vimos no drama do impeachment. Seus acusadores - e há gente de têmpera entre eles, como o seu primeiro signatário, Hélio Bicudo - sem o querer, douraram a pintura do quadro de Dilma Rousseff. Através de seus erros - e não foram poucos - ela luziu com dignidade, pertinácia e aquela velha coragem que já lhe servira para arrostar as infâmias da ditadura.


( Fonte: Tevê Senado, Dicionário Mítico-Etimológico,II, de Junito Brandão )              

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Dilma e seu tribunal

                                       

        A pedido da Presidente afastada, Dilma Rousseff discursou perante os Senadores. Presidiu a longa sessão o Ministro Ricardo Lewandowsky. Controlou o debate sem maiores dificuldades, eis que, ao contrário das sessões anteriores, prevaleceu o respeito mútuo e ambiente não marcado por impropérios e ofensas, publicáveis ou não.
        Dilma cuidou da aparência, e se manteve sempre contida. Se não houve provocações, de seu lado em nada contribuíu para acirrar os ânimos.
        Não é que se tenha mostrado submissa ou com excessiva deferência. A sua postura foi digna,  evitando atitudes  provocatórias.
        Tampouco recuou em suas opiniões e posições. Continuou a chamar o impeachment de 'golpe' e também persistiu em ver na tramitação das acusações constitucionais do Dr. Hélio Bicudo, prof. Miguel Reale Júnior e Dra. Janaína Paschoal, represália de parte do então Presidente da Câmara Eduardo Cunha, que se vingava do processo de cassação de mandato contra ele instituído pelo PT, com o apoio do Planalto.
         Estudou a própria lição com cuidado e afinco, intentando afastar a pecha de crime nas pedaladas fiscais, desenvolvendo os conhecidos argumentos. Nesse ponto mostrou que havia feito o dever de casa, mas dadas as características da questão, não conseguiu convencer os senadores de que as ditas pedaladas não eram crimes fiscais. Sendo tópico bastante batido, os argumentos, esgrimidos com afinco, se não convencem a parte adversária, tendem a mostrar a própria pertinácia.
         Dilma, dada a sua situação, não deu vazão à cólera e a palavras mais duras. Sem ser cordata,  tampouco exibiu a postura dos arrependidos. Bem enfronhada, dando amplas mostras que estudara o dever de casa, a presidente afastada se esforçou em apresentar, sem arrogância, mas tampouco com posturas de uma deferência que roce com tendências ao arrependimento, encontradiço na história quando autoridades decaídas tratam de ganhar a boa vontade junto à facção que deverá prevalecer.
         Dilma Rousseff respondeu a todas as perguntas com dignidade e capacidade. Mostrou haver repassado e estudado a matéria - mormente se as pedaladas são crime ou não. Não tropeçou, nem tergiversou. Se procede que os próprios argumentos não inovaram, nem convenceram, ela desenvolveu o respectivo discurso sem tropeços nem erros maiores.
          As suas tão citadas escorregadelas não repontaram. Com efeito, parece-me próprio e justo afirmar que ela se portou com dignidade, e, em consequência, não foi surpresa que não repontassem erros, clamorosos ou não, mostrando dois aspectos: que ela sabia da relevância de sua intervenção, e que respeitou a assembléia senatorial.
          Tampouco se humilhou. Sem ser arrogante, ela foi altaneira, por mais árduo que seja tal papel, pelas características da situação. Ela sabia que em tais condições são escassas as possibilidades de que a corte senatorial pudesse reverter sobre as respectivas posições.
          Sem embargo, houve respeito de parte a parte, e se a presidente afastada  sentiu em algum momento  vontade de replicar de forma a que mais assemelhasse a primeira Dilma, ela preferiu seguir com a cabeça erguida,  sem deixar-se vencer pelo temperamento.
           A dignidade não é apenas um adereço do poderoso, pois muitas autoridades portam-se, quando açulados pela adversidade, de forma abjeta, ou próxima disso. Este não foi o caso de Dilma  na sessão do Senado de 29 de agosto.
            Dilma, que já enfrentou momentos difíceis e penosos, estava existencialmente preparada para arrostar a sua vez e hora na jornada de ontem, perante a Câmara alta.
             Sem gaguejar, nem tropeçar, armou sua vela em tempo de borrasca. Sabia que o esforço era o mais relevante, eis que o resultado já estava desenhado naquela assembleia. Com isso, engrandeceu-se ela e também a assembleia adversária, que, diante da atitude da Presidente afastada, não desceu a posturas que pertencem a outros cenários.
             É quase lugar-comum definir determinadas situações como 'históricas'. Se os historiadores hão de mostrar o natural ceticismo diante da inevitável falta de visão - eis que no caso o histórico não passa de um momento não processado pelos arquivos do futuro, e, portanto despojado de qualquer vestimenta definitiva - todos naquela assembleia se mostraram conscientes da relevância do momento para a democracia brasileira.
             Dilma, por seu histórico de luta, compareceu com significativa contribuição. Preparando-se para a arguição, ela mostrou respeitar a ocasião. Agindo como o fez, não se diminuíu e quiçá haja trazido aporte considerável para o juízo futuro desse momento da democracia brasileira. Ali estava não a Dilma farsesca de que alguns querem  esboçar o retrato. Além de arrostar com determinação a longa prova, ela mostraria apenas na face os sinais do esforço comprido em situação não exatamente favorável.
                Vendo-a de longe, seu criador não terá deparado algo que o pudesse contristar. Em desvantagem, não são fáceis os embates.
                Por infelicidade, os juízes-senadores serão carregados por um conjunto de atos que depõe contra aquela figura indômita, corajosa, mas que, por associação em certos casos, e por responsabilidade própria noutros, escreveu na arena da vida a própria condenação.
                As qualidades no personagem trágico são muita vez presa do destino e de um cenário que  desfaz as boas intenções, mas não o caráter, que permanece indene, malgrado as borrascas da existência.  




(Fontes: Tevê Senado; Guimarães Rosa, Jorge Amado)

domingo, 28 de agosto de 2016

Colcha de Retalhos D 36

                                  

Nelson Barbosa nega as pedaladas


          O que se poderia esperar da intervenção do ex-Ministro Nelson Barbosa? Dilma sempre o tratou com aquela suavidade impregnada do jeitão grosseiro que tantas amizades e boas lembranças terá deixado nos infelizes que, ou por necessidade, ou por fraqueza, suportavam em silêncio o seu tratamento.
            Houve até um ministro de pasta antes prestigiosa que ousara sugerir-lhe um pouco mais de atenção para os frequentes desrespeitos aos direitos humanos em país vizinho. Dispenso-me de relatar-lhe a  resposta pelo seu caráter impublicável.
            Citando o chavão de seu antecessor e protetor - nunca antes (isto ou aquilo foi feito) - me fico perguntando o que terá ouvido a gente da casa...


Impeachment: fatiamento das votações?

         Parece que essa idéia do fatiamento esteja  crescendo no Senado - a instâncias da defesa de Dilma Rousseff - e que o advogado da presidente afastada estude pedir tal procedimento de inspiração culinária para que se reparta as votações do julgamento do impeachment de modo que cada um dos crimes  de responsabilidade apontados seja analisado de forma individual pelos senadores, o que poderia levar a até quatro decisões.
          O advogado de Dilma, o indefectível José Eduardo Cardozo, explica que no tribunal do júri é assim. Obviamente, a intenção é conseguir a eventual absolvição - parcelar-se as acusações  pode levar a seu enfraquecimento.
           Argumentam que bastaria uma - das quatro - preencher o número requerido de condenações, para decretar-lhe o afastamento. Mas fatiamento não se deve esquecer que implica em enfraquecimento. Ou será que já se esqueceu o fatiamento dos processos da Lava-Jato, retirando alguns da Vara do Juiz Moro, e os transferindo para o Rio de Janeiro, como logrou fazer o encarregado da Lava-Jato no Supremo, i.e., o Ministro Teori Zavascki?


Problemas de Donald Trump

            Diante da frieza e do cuidado da candidata democrata Hillary Clinton, o seu adversário foi forçado recentemente a fazer nova reestruturação no seu escritório político-eleitoral. A descoordenação na campanha se reflete nas frequentes mudanças dos respectivos diretores, o que não dá a Trump boa imagem e inquieta também os demais candidatos do GOP, que vêem no malogro de sua candidatura muitos reflexos negativos nos diversos níveis de postulação política.
             Por outro lado, estão sendo levantados procedimentos contrários ao engajamento nas firmas Trump de afro-americanos, procedimentos tais que datam do tempo em que o conglomerado estava sob a responsabildade do pai do candidato.
              Uma das forças de Donald Trump está no apoio que recebe da classe operária americana - os chamados pescoços vermelhos - a que preocupa a crescente internacionalização de grandes e tradicionais empresas americanas, internacionalização esta que redunda na perda de emprego pela mão de obra que apóia Trump.
               Todo candidato deve encarar com agrado a sustentação que recebe de faixas demográficas. O problema para o porta-estandarte republicano se acha na circunstância de que tal apoio implica na possibilidade da perda dos sufrágios de outras correntes demográficas. E é aí que está o problema...



( Fontes:  O Globo; The New York Times )

sábado, 27 de agosto de 2016

Café Society

                                        

        Saudado por parte da crítica como um de seus grandes filmes, a obra anual de Woody Allen tem bons momentos. O seu humor, que pode ser ferino, mas não é jamais cáustico, se a tradição judaica de auto-irônia e o agnosticismo do autor, já são bastante conhecidos, ainda são capazes de provocar extremos de hilaridade na plateia.
        A estória em si, como é sobre a volatilidade do amor e as eventuais escolhas, boas ou más, tem um pouco de carrossel, no ir e vir das situações dos principais personagens.
        A dupla formada por Jesse Eisenberg (Bobby) e Kristen Stewart (Vonnie) gira em torno de Steve Carell, grande agente de Hollywood (Phil).
         Vindo do Bronx para Los Angeles - o filme transcorre nos anos trinta - a fim de tentar algum emprego ligado ao cinema,  o tio Phil, que é grande agente de Hollywood, com o seu contínuo name-dropping (arrota nomes de grandes atores e diretores), acaba por dar um emprego a esse parente pobre seu (de quem ele mal se lembrava o sobrenome).
          De qualquer forma, Phil pede a sua secretária que cuide do sobrinho, o que ela fará, ainda que por pouco tempo. Em um seguinte período, a bela Blake Lively  (também Veronica) igualmente se relaciona com Bobby, e de forma ainda mais intensa.
           Neste período, Vonnie (Kristen Stewart) se casa com o doppelganger de Woody Allen, Jesse, e em New York ele se torna diretor de um restaurante de seu irmão gangster (Corey Stoll). É irreconhecível ao personagem tímido dos começos em  Hollywood, e ganha uma ascendência sobre o belo sexo, que o seu criador sempre quisera ter.
           Por um breve período, renasce o romance entre a segunda Vonnie (Blake Lively), mas apesar do interesse comum da dupla, será apenas um episódio efêmero, e Jesse volta para a sua primeira namorada de Hollywood.
            Os filmes de Woody Allen, com o passar do tempo, tocam amiúde na tecla do passado próximo, aquele que ainda está presente em alguns cinematografistas, a começar pelo próprio Woody. Na Recherche du Temps Perdu Proust concentra a sua evocação em madeleine[1] e outros detalhes de eras passadas, mas ainda ao alcance da memória.
             Com a mágica do cinema, Woody nos fez revisitar a mítica Paris dos anos vinte ao toque da meia-noite, com a magnífica limousine e os seus personagens com a aura da imortalidade. Se Los Angeles e New York dos anos trinta não terão o mesmo surreal encanto, este  filme de Allen repete com gosto o exercício com uns tons do passado já inatingível, que esse infatigável artista nos proporciona a módico preço, nessa grande feira em que às vezes se transmuta a tela do cinematógrafo.

( Fontes: Woody Allen  (Café Society); M. Proust, À la Recherche du Temps Perdu )



[1] pequeno bolo leve.

Lula e a hora da verdade

                                        
Lula e o triplex

         Indiciado - também a esposa o foi - Lula, como de hábito, nega as acusações, chamando a apuração de "peça de ficção".  Esta é, de resto, a resposta padrão dos petistas, quando são afinal pegos pela Polícia Federal.
         Em desabafo para correligionários, disse que antes nunca poderia imaginar que passaria por tal situação.
         Comovente, não lhes parece ?


Impeachment - e baixaria - no Senado
        
          Conforme era de prever-se - dado o espetáculo no primeiro dia - também segundo o baixo nível e o comportamento que mais se assemelha a uma câmara de vereadores do que o Senado da República foi o que deu a nota prevalente no segundo dia.
           Além do bate-boca entre Ronaldo Caiado e Lindbergh Farias, o cúmulo foi atingido pelo Presidente do Senado, que em discurso - por ele havido como apaziguador - disse que a Casa estava parecendo um hospício. Por outro lado, ele quase levaria senadores às vias de fato ao criticar a Senadora Gleisi Hoffmann. Declarou, inclusive, que conseguira 'desfazer' o indiciamento dela  no Supremo.
             Renan terá confundido a sua ação institucional como presidente do Senado (ao solicitar do STF a retirada do indiciamento da Senadora pelo Paraná (PT), o que irritou Gleisi e seus companheiros de partido.
              Nesse contexto, não estranha que o Presidente Ricardo Lewandowski haja ameaçado com o seu "poder de polícia" para conter os ânimos.


Presença de Lula no Senado


              De acordo com o colunista Merval Pereira, "se anteriormente era duvidosa a presença dele no dia do depoimento de Dilma ao Senado, agora não há quem a garanta". E continua "Pode ser até que vá a Brasília, mas já não há mais motivação para a sua presença". 
                E nessa linha, assinala o colunista político de O Globo:  "Não interessa a Lula aparecer como figurante de uma narrativa de derrota política protagonizada pela presidente que ele escolheu para substituí-lo, o maior erro político que cometeu  contra si mesmo e contra o país".


Lula e suas reflexões tardias

   
                  Pouco após ter sido indiciado pela Polícia Federal, o ex-presidente encontrou-se com a sua pupila. No aeroporto, de volta a São Paulo, desabafou para aliados: "Nem nos piores momentos da minha vida eu imaginei  que aconteceria o que está acontecendo hoje".
                    Aliados afirmaram que Lula estava muito abalado (nesta sexta-feira, dia 26), como se finalmente tivessem "caído as últimas fichas".
                     Compreende-se, por outro lado, que ora esteja muito preocupado com o futuro do PT.
                      Voltando às esperanças do discurso próprio dos que sentem as coisas piorarem ainda mais, ele acha "importante ganhar a versão dos fatos, mesmo perdendo o processo, e dar um indicativo de como será a luta para o futuro do partido".
                       Parece que Lula da Silva ainda não entendeu nada de o que ocorre com ele, Dilma e o Partido. Continuando interessado em mudar a versão dos fatos, como se fosse possível, nessa altura do campeonato, transformações adjetivas.
                        Talvez porque não lhe seja possível reconhecer que o que está errado não é a versão dos fatos, mas os próprios fatos em si mesmo.


( Fonte:  O Globo )

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Lewandowski se complica ?

                              
       Os prognósticos do início da longa sessão que precede, no julgamento da presidente afastada, Dilma Rousseff, a votação terminal, começa a apresentar preocupantes sintomas de crescente baixaria, em que acusações antes varridas para baixo do metafórico tapete do Senado, ora  são, como aquelas  por muito sopitadas,  lançadas aos rostos respectivos.
       O segundo dia está no compasso do primeiro, o que não é bom para a sede do julgamento. Câmara Alta presume ambiente em que haja respeito pela diversidade e comportamento consequente com tal premissa.
       As explosões de temperamento e as eventuais transgressões ao regimento são mais habitualmente associadas à Câmara onde a explosão das paixões e todos os problemas que correspondam a tal premissa estão na imagem clássica das assembléias.
        E, no entanto, se cotejássemos esse Senado com as imagens célebres de Abel Gance sobre a Assembleia revolucionária - em que intercala visões das enormes vagas de tempestade marítima com os seus candentes debates - rejeitaríamos aquela obra prima da cinematografia francesa, como de todo inadequada para espelhar a sessão da Câmara alta.
        Não há nada de vulgar na obra prima de Gance.
        Esse moribundo regime petista pode estrebuchar, mas nele procurar grandeza seria tarefa ingente e condenada ao malogro.
        Há consenso de que o Presidente Ricardo Lewandowski está perdendo o pulso dos trabalhos. E quando uma câmara que se diz alta mostra comportamentos que mais tem a ver com rinhas de galo, a desordem e as arruaças tenderão a crescer.
         Já a sua decisão sobre o Procurador do T.C.U. Júlio Marcelo de Oliveira, curvando-se à gritaria da oposição, levantou muitas dúvidas sobre sua capacidade de impor pulso à realização dos trabalhos. Não é por acaso que a lei determina que o presidente do Supremo presida à mesa durante o julgamento. Aceitando a exigência da bancada pró-Dilma, Lewandowski terá esquecido do porque ali estava como Presidente da sessão do Senado.
         Transformar o Procurador em informante e não a testemunha que a sua posição e hierarquia assim prescrevia, terá sido péssimo sinal para uma bancada minoritária a tudo disposta, diante de crescente consenso junto à maioria dos Senadores de proceder de acordo com a evidência. Em tais casos, a falta de razão sói ser substituída pelas táticas da gritaria, que costuma ser o último recurso das causas perdidas.
            Ceder à gritaria e aos despautérios não tende a acalmar esse tipo de inflada borrasca. Nesse lamentável desenvolvimento, o Procurador Oliveira mostrou pelas suas respostas o quanto carecia aquela sala do aporte de alguém que com o caráter sobremaneira técnico de suas intervenções, que o erro de pessoa não era por ele cometido.
             O descontrole foi também incrementado no intento do Senador Renan Calheiros de acalmar o ambiente, pois a sua tentativa nesse sentido teve resultado contrário. Para a jornalista Míriam Leitão ele deve ser mais explícito quanto à sua intervenção, agora revelada, junto ao Supremo,  de que agiu de forma impessoal junto ao STF, para defender a Senadora Gleisi Hoffman.
              A par disso, voaram acusações e insinuações impublicáveis sobre determinados Senadores.  Um espetáculo lamentável, uma espécie de jogo da verdade[1], às avessas.  
               Mas como tudo na vida, mesmo tais cenas de descontrole têm o seu lado positivo. Podem ser úteis para dirimir dúvidas nos telespectadores, e riscar tais personagens na escolha de seus votos futuros.

( Fontes: O Globo,  site de O Globo  )



[1] Há tempos atrás surgiu na juventude da época o chamado jogo da verdade, que consistia em dizê-la no que respeitava aos elementos do grupo. Pelo visto, não durou muito, talvez pelas sólidas inimizades que tendia a criar.  

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O segundo julgamento de Dilma

                                   

       Começa a fase final do julgamento de Dilma Roussef, que, de qualquer forma, sendo condenada ou não, deverá passar à história como a Presidenta, este neologismo pouco gracioso, pesado e até meio grosseiro na forma. Poderá parecer uma descrição da própria, na sua atitude, comportamento, e a eventual impiedosa memória.
       Não é de espantar que ela tenha sobressaído pelo jeitão desabrido, cujo nível intelectual vai rasante ao solo. A sua parecença com o respectivo criador mostra que eles são unidos menos por ideias do que pelas fumaças demagógicas de suas expressões.
       O que deixa para trás - não me parece próprio falar aqui de legado - é a sensação de tempo perdido. Essa invenção de Lula da Silva, pelo patamar mental de criador e criatura, ficará na crônica não das oportunidades desperdiçadas - porque só desperdiça nesse nível quem tem carga intelectual digna de nota.
       Por falar em erros - e não me detenho, por demasiado penoso, na estagnação da cultura e no anti-exemplo transmitidos às gerações do presente - sem decerto o desejar - malgrado as suas dúbias escolhas no campo das prioridades, Lula da Silva terá decretado a própria queda do anterior patamar em que pensava estar, ao deixar-se embair pelo eterno plantão dos cortesãos.
         Dentre as lacunas de sua desastrosa escolha - riscando forte a imprescindível exigência do estudo superior, que na sua falta de, menosprezara, talvez empurrado pelas desconforto natural de quem é levado a desfazer da cultura e suas veredas - como ignorar o anti-racionalismo, a par da natural aparência de segurança de quem dispôs de pouco convívio com o estudo. Por tal motivo, ele se acreditou acima da arraigada usança, uma vez atravessado na própria mente o Rubicon das incertezas de quem quer julgar-se como superior a velhas e provadas usanças.
          Começou o julgamento de Dilma Rousseff. O tempo que se perde nessa travessia mostra que uma vez mais o grande irmão do Norte escolheu um ritual mais rápido, e por conseguinte, menos repetitivo e lacerante, do que a longa semana que se pretende transformar na segunda e última fase do julgamento. Menos lacerante e mais objetivo seria fundir as duas fases do processo em uma só, como é a prática estadunidense. Como de hábito, ao copiar mal, perdemos tempo e prolongamos a incerteza muito além do conveniente.
            No pouco que ouvi do Procurador do Tribunal de Contas, ele nos traz duas verdades: de nada serve chamá-lo de 'informante' e não de testemunha, porque ele, pela forma incisiva e a precisão terminológica mostrou não só ao que vinha, mas também de que fonte traz argumentos que, por serem cogentes, dispensam a prolixidade.  
             Isto posto, o julgamento é ainda uma criança. Muita água resta a passar debaixo dessa ponte. Por ora, Michel Temer é interino. E não condiz com tal condição queimar as etapas da justiça, como se o espetáculo se bastasse a si próprio, e desde já se possa antecipar-lhe o resultado.
              A antiga sapiência mineira tal desaconselha e por muitas razões. Baste a primeira para o beneficiário putativo: a sofreguidão é má-conselheira, na medida em que transforme em alvo ou quase-partícipe, aquele que se contenta em esperar que o fruto colimado caia no próprio cesto.

( Fontes: Rede Globo, Magalhães Pinto, João Guimarães Rosa )




quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A desordem ciclista

                 

         Agora que a Olimpíada do Rio acabou como o sucesso que foi, não será demais que retome o tema das bicicletas.
          Já me reportei a essa questão por mais de uma vez. Em resposta, tenho colhido a glacial indiferença do Senhor Prefeito.
          Ciclovias foram construídas no Rio de Janeiro, decerto sob o pressuposto de que os ciclistas não invadiriam as calçadas cariocas.
           Até que aconteça um desastre e algum pedestre sofra sérias lesões pela prevaricação das autoridades, a pule de dez é que não se faça nada em Pindorama e também no Rio de Janeiro.
           E, no entanto, Sua Senhoria - ou Sua Excelência se lhe preza conservar a distinção protocolar que data dos anos em que o Rio de Janeiro era a Capital Federal - deveria pensar e não com a dedicação total das Olimpíadas (o que não lhe evitou a situação da Vila Olímpica e o vexame com a delegaçao australiana) que é preciso por cobro a uma situação anômala.
            Há tempos atrás - mas não muito - quando tive de atualizar a minha licença de dirigir, achei engraçado dar com um manual de Detran que taxativamente afirmava que os ciclistas devem obedecer a  todas as leis do trânsito.
            Estava diante do velho verbalismo da burocracia brasileira, seja federal, estadual ou municipal. Uma coisa é o que está escrito, e bem outra a realidade enfrentada pelo cidadão.
            Nesse manual - que deve passar pelos vários crivos burocráticos - alguém que desconheça a sociedade brasileira - para um especialista dinamarquês, depois de passar uns tempos em Pindorama, voltou à sua pátria, dizendo que o jeitinho deverá tomar tempo para que desapareça. Pois o jeitinho, como o Senhor deve saber, na sua aparente inocência e na suposta intenção de  resolver as coisas, na verdade é a pegada ou a impressão digital de uma incipiente corrupção.
              Há vários tipos de ciclista. A minoria respeita a legislação, as posturas municipais (que em algum lugar devem existir), mas a dizer a verdade, apreciaria muito se fosse apresentado a esse personagem minoritário.
               Como todo morador do Rio de Janeiro - e sabe-se lá quem deu ao ciclista essa idéia - devo partilhar as calçadas com os vários ciclistas que acham ótimo pedalar neste espaço do pedestre, porque lá ele corre risco algum, enquanto põe a incolumidade fisica de quem ali deve caminhar em perigo.
                Num dia de chuva, caminhava para minha residência, indo por estreita calçada, que emagrecera pela desídia da autoridade municipal, ao permitir o avanço nas calçadas das grades que pululam por esta cidade. Era um aguaceiro de pôr inveja às chuvas de Ranchipur, quando um jovem passou a centímetros deste seu concidadão. Por causa do fenômeno torrencial, só me dei conta da bicicleta quando ela passou a milímetros desse transeunte. Dada a estreiteza do passeio público, agradeci ao padroeiro dos pedestres a graça por acaso concedida, eis o jovem energúmeno transformava aquela esgueirante via em uma pista.
                 Sorte tive eu de escapar por graça do acaso. Mas aqueles que serão vítimas desses indivíduos que não respeitam lei alguma, será um pensamento vadio de que a sorte me fez escapar de um muito possível atropelamento por alguém que não devia estar ali, e que só está porque a Administração Municipal de Vossa Excelência, com toda a sopa de letras da burocracia, deve pensar que se ocorresse algo de molesto, tudo não passaria de uma infelicidade de um isolado transeunte entre aos desatinos desse tipo de ciclista, que corre feliz no mundo que lhe proporciona a prevaricação da autoridade municipal competente.
                    Em termos de ciclismo, vivemos ao deus dará. A atividade municipal é aquela que está mais próxima do cidadão. Se ele aprecia a beleza com que Vossa Excelência reordena esta velha e mui leal Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, não abandone nem o pedestre nem o ciclista. Este carece de proteção dos ônibus e das ondas oceânicas, belas mas perigosas.
                      O seu antigo protetor gostava muito de ir a Paris. Se o Senhor tiver tempo, seria o caso de lá aparecer. Na velha Lutécia, os ciclistas, além de portarem bonés adequados, respeitam todas as leis do trânsito, inclusive na indumentária protetora. Até no sinal eles param, porque alguém deve lhes ter dito que eles também são veículos, e como tal têm de respeitar todas as leis do trânsito. Engraçado, que é a linguagem é a mesma daquela com que topei na agência do Detran.

                         Só que lá é pra valer. E o Senhor, excelência: o que precisará para cumprir a lei nesse aspecto ?   

A Pergunta que não sai da garganta

                              

        Gostaria de pedir a atenção dos leitores deste modesto blog sobre uma pergunta que parece ficar na garganta - ou permanece não digitada pelos políticos, comentaristas e jornalistas de nomeada.
        Não estou me referindo a alguma ditadura como a Bielo-Rússia, ou a um regime daqueles ditos forte ou autoritário, como a própria  pátria do grande Vladimir V. Putin.
        Lamentavelmente me estou reportando a uma indagação que não costuma passar nos grandes jornais, seja na sua versão nas bancas, seja naquela digital. E este respeitoso silêncio - como de alguém que evita falar de cadeia em casa de algum larápio de nomeada - ele reponta, incômodo, nessa inaudita incapacidade de expressar o que não deveria ser calado.
        O que parece esquisito - como se acerca da questão sobrepairasse uma espécie de ordem de silêncio, a exemplo de antigas comunidades, ou até mesmo sociedades, imposta por uma interdição - é que o tema será circundado, de forma a mantê-lo ausente do discurso.
         É um estranho silêncio, a um tempo difuso e sobrepairante, como se sobre o tema tivesse sido pronunciado, como na antiga Grécia, quando recaísse sobre algum rincão ou mesmo pessoas o PëÜóôùñ[1], o que impunha o silente respeito à maldição imposta.
         Ocorre assim de parte de comentaristas políticos e mesmo simples observadores, uma espécie de respeitoso mutismo quanto à existência daquele fenômeno. É como se existisse algo pesteado no tema ou nas suas implicações, e o melhor que pensam fazer é circundar o tópico, que é tratado como off-limits.[2]    
         Com efeito, é natural, por exemplo, que se façam prognósticos sobre como evoluirão na iminente próxima eleição as maiorias respectivas no Senado (estima-se que é provável que os democratas recuperem a maioria na Câmara Alta, ainda mais pela circunstância de que há um maior número de cadeiras hoje ocupadas por republicanos, o que dá para os democratas uma vantagem comparativa). Os prognósticos podem ser feitos também sobre os governos estaduais e, obviamente, a eleição presidencial, em que a balança da opinião, por compreensíveis motivos, pende para a candidata Hillary Clinton (daí o afã do GOP de tentar virar o jogo recorrendo a expedientes jurídicos, como de resto é um hábito característico desse partido).
            Sobre tudo se emitem palpites, ou avaliações sérias, baseadas em cômputos de institutos respeitados, menos sobre a Câmara de Representantes dos Estados Unidos da América.
             Não importa quem assine o artigo ou coluna, a tendência prevalente é que declare apenas que não há previsões a fazer sobre a Câmara Baixa, na qual os republicanos ganharam a maioria em 2010, no tristemente famoso shellacking, que foi o castigo - com a ajuda dos irmãos  petroleiros Koch - aplicado por essa eleição intermediária, com a irrupção do nascente movimento de direita Tea Party na jovem e inexperiente Administração Obama. Por conta dessa eleição, a Câmara de Representantes, biênio  após biênio, continua sob o firme controle do GOP. Esse peculiar desenvolvimento é responsável por uma virtual paralisia em Washington - entra eleição, sai eleição - se o Senado pode passar de republicano para democrata, ao sabor dos pleitos bienais, desde 2010 a Casa de Representantes permanece sob o domínio do Partido Republicano! O mais estranho é que isso ocorre mesmo em eleição que se caracteriza por uma maioria nacional concedida aos democratas. O reflexo disso se sente no Senado, na Casa Branca, mas não na Câmara de Representantes, que persiste como um feudo dos republicanos, qualquer que seja a tendência prevalente na Nação Americana.
                Será por isso que os comentaristas evitem fazer prognósticos sobre a composição da Câmara de Deputados?  
                 Ou será que talvez se imponha adotar novos critérios para lidar com esse suposto desafio?
                  Por quanto tempo a grande democracia americana pode conviver com tal situação, em que os articulistas, a mídia, a imprensa em geral e os meios de comunicação continuem a proceder como se nada houvesse a comentar... Ou como avestruzes permaneçam  com a cabeça enterrada na areia...

( Fonte: The New York Times )



[1] alástor - divindade vingadora, anjo destruidor.
[2] fora dos limites.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Um 'Canard' ?

                                            

       Após haver tomado conhecimento da questão dos e-mails através do  canal privado de Hillary Clinton, quando foi Secretária de Estado, na primeira Administração de Barack Obama, devo reconhecer que, uma vez inteirado do problema, passei a nutrir uma certa desconfiança quanto  a pertinência de encarar como se fora algo tão delicado e merecedor de atenção de tanta gente, alguns partindo para a instrumentalização política mais descarada,  outros vendo sinistra maquinação com fins nunca bem definidos, além daqueles que vendem a alma para acusar a temível Secretária de Estado de tentar continuar em casa a atender as questões mais urgentes das relações externas dos Estados Unidos da América. Para quem tem cinquenta anos de serviço diplomático, essa dedicação ao trabalho - e Hillary não é a primeira a servir-se desse instrumento para melhor executar o seu trabalho, sendo que os dois ou três Secretários de Estado que a antecederam nessa prática, não colheram a peculiar distinção de que o próprio empenho haja merecido o mesmo acosso e implacável  perseguição de tantas instâncias, seja de fundações, seja de juízes, seja do próprio diretor do F.B.I., que chegou a distingui-la com o estranho elogio quanto à qualidade extremamente descuidada de sua redação. Tolos que fomos nós a pensar que se tratava de um conceito pouco apropriado para definir o trabalho de uma grande Secretária de Estado, cuja dedicação à faina diplomática ela a levava para a sua própria residência.        A origem dessas estranhas, dúbias comunicações eletrônicas vem desse prolífico computador - que tem um canal privado! - e em última análise da então Secretária de Estado Hillary Clinton.
         Note-se a importância dessas comunicações! No entanto, se me permite o distinto público, confesso que toda essa azáfama, todo esse estardalhaço com tais mensagens digitadas há pelo menos quatro anos atrás e, na maioria dos casos, muito mais,  agora parece voltar-se contra a candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos.
         Assinale-se que até agora, apesar do interesse diplomático - em geral a esse tipo de dedicação se pespega um adjetivo: louvável, profunda, superficial, exagerada, e até mesmo superficial - mas a esse cúmulo de trabalho, produto do esforço de uma Secretária de Estado, e seu resultado que pelos elogios de gregos e troianos (não computo, por que nessa respeitável produção não se encontram  louvores dos republicanos, por motivo que dispensa explicações) reflete obra não pequena, no árduo campo da diplomacia, e ainda mais em se tratando da posição dos Estados Unidos da América.
             Questiona-se algum erro, algum projeto, alguma crise que a então Secretária Clinton tenha provocado, seja por inépcia, seja por desconhecimento, ou até por falta de tato ou de compreensão?
              Não. O conceito colhido pela Senhora Clinton à testa do State Department tem andado nas alturas dos elogios dos círculos diplomáticos e governamentais estrangeiros. Dentro do amistoso clima que reina na capital federal, não se pode ter outras expectativas. O bipartidismo virou cousa do passado. A cooperação, o companheirismo que havia no passado, creio que não surpreenderei ninguém ao dizer que - ficções à parte - os republicanos (e vice-versa, os democratas) temem acima de tudo que uma das bancadas se sobreponha à outra. No lado oposto  da grande sala, o que se vê senão o inimigo?  O mais perigoso, dizem os pensadores dessa nova política, é que muitos são lobos em pele de cordeiro! Na verdade, tais luminares não perdem tempo em cogitar acerca de própria condição. Julgam-se os melhores.
                 Em atmosfera como esta não se gastam elogios para proeminentes gestores da causa pública, quando o partido  do outro está na Casa Branca. Os governantes, para eles, constituem um perigo, pois se a oposição dormitar, essa gente pode eternizar-se no mando!
                 Para que entendamos o mau pedaço por que está passando Hillary Clinton, não devemos esquecer as características do hodierno mundo político americano.   
                 Ainda por cima, surgem agora e-mails preparados por uma auxiliar direta sua, nascida nos Estados Unidos, a que o povo americano parece não entender como possa ela ter nome estrangeiro - Huma Abedin! O quê de horrível se esconde nas relações entre a Fundação Clinton e o Departamento de Estado?
                   Que prato para o candidato republicano, que mal disfarça a sua xenofobia?  E sem embargo, o Diretor do F.B.I., o republicano James Comey, que a par de não morrer de amores pela candidata como o demonstrou pelo modo cru com que descreveu a maneira pela qual a candidata democrata tratara os famosos e-mails, sem embargo ele mostraria correção e zelo profissional, não distinguindo nessa produção da ex-Secretária de Estado causa bastante  que justificasse incriminá-la penalmente.
                     E é hora de recordar o título deste blog. Canard é palavra francesa, de que o dicionário Petit Robert dá a seguinte como uma de suas acepções: "notícia falsa lançada pela imprensa para iludir o público".



( Fonte: The New York Times )

Dias Toffoli, o Supremo e o Procurador-Geral

                              
        
         A Folha publica hoje importante artigo, que, no contexto da presente efervescência em altos meios jurídicos - vale dizer, STF e Procuradoria-Geral da República - o PGR Rodrigo Janot, havendo sido cobrado de parte de ministros do Supremo, anunciou o rompimento das negociações de delação premiada com Léo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS.
        A revista Veja, dentro dos escândalos em cadeia da Lava-Jato, revelara em seu último número, no contexto da acima aludida delação premiada  de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, um suposto pagamento por problemas de infiltração, na residência em Brasília, do Ministro Dias Toffoli. Tal pagamento teria visado custear essa obra, que ficaria à conta da dita OAS, em esquema que se possa presumir similar ao das já aludidas obras no tríplex de Lula, em Guarujá, e às melhorias no sítio de Atibaia, também do mesmo Lula.  
        O suposto vazamento do nome do Ministro Dias Toffoli teria ocorrido no contexto dessas conversas (de delação premiada) entre Léo Pinheiro e os procuradores da República. A divulgação pela VEJA causara previsível desconforto no Supremo Tribunal Federal,  entre os Ministros do STF, eis que inexiste, pelo menos por ora, nenhum indício de crime de parte do Dias Toffoli.
         Ainda segundo se especula, a referida menção a eventual envolvimento  entre o Ministro Toffoli e a OAS não se teria tornado anexo da pré-delação - em outras palavras, estava fora do núcleo da colaboração.
         O Ministro Gilmar Mendes tem, muito a seu feitio, e como declarou, uma interpretação a respeito: "Não quero fazer imputação, mas os dados indicam que a investigação (do vazamento) deve começar pelos próprios investigadores. Estão com mais liberdade do que o normal. (...) Eu diria  que o vazamento não é de interesse dos delatores. Acho que é dos investigadores, como se tem repetido em outros casos."
         Segundo o Ministro G. Mendes, há sinais de retaliação de procuradores a decisões de ministros do Supremo. Toffoli é autor, por exemplo, da decisão que tirara (por ora) da cadeia o ex-Ministro Paulo Bernardo.
         Quanto a tal decisão do Ministro Toffoli, arrancando da cadeia o ex-Ministro qual fora raio de Júpiter, vindo do Olimpo - no contexto jurídico, o Supremo  - e na prática, sem atentar para as instâncias no entremeio - sem falar do juiz singular a que a questão estava afeita, e  também os tribunais de segunda instância e a própria antecâmera do Supremo, i.e., o STJ de Brasília - determinando ao juiz de primeira instância que liberasse Paulo Bernardo,  como poderia ação desse jaez repercutir no meio judiciário?
          Segundo  O Globo - citado pela Folha - a Procuradoria havia decidido suspender as conversas com a empreiteira, sob o argumento de que acordo de confidencialidade entre as partes havia sido assinado na semana passada.
          Consoante refere a reportagem da Folha, há cerca de dois meses circula a informação de que os investigadores  estavam questionando sobre integrantes do Judiciário. Nesse contexto, o episódio envolvendo o Ministro Toffoli terá sido o estopim para acirrar a crise entre ministério público e juízes.   No fim de semana, foram inclusive mobilizados personagens do Judiciário, por meio de telefonemas e troca de mensagens, para sinalizar que os ditos "vazamentos" não seriam mais aceitos.
            A interpretação dada pela matéria da Folha é de que se teria dado o recado de que delações vazadas não serão homologadas pelo Supremo.
              Roma locuta, causa finita ?/ [1]

( Fontes:VEJA, Folha de S. Paulo )



[1] Depois de Roma (a maior autoridade) falar, a causa está  terminada. (em tradução livre).

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Olimpíadas Provincianas ?

                                    

        A Folha de S. Paulo haverá de ter presente o próprio público, mas quero crer que a função de um órgão  formador de opinião, deverá guiar-se sobretudo pelo sentimento nacional, e não o bairrista - que outras nacionalidades chamam de campanilista, pelo qual se reportam aos respectivos campanários (campaniles), que lhes hão de parecer sempre mais belos e mais dignos de referência.
         Não posso crer que a representação do Brasil - que não se houve assim tão mal, quantos muitos prognosticavam -  venha a ser apresentada  com um desempenho insatisfatório. O avanço do Brasil, como grande país que é, não se realizará da noite para o dia, mas me parece forçoso reconhecer, sem patriotadas, que logramos um 13° lugar que de modo algum nos envergonha. Além de sermos o primeiro país da América Latina, com sete medalhas de ouro, igualamos a Espanha, e superamos o Canadá.
         A programação olímpica é importante, não só pelo que desvela de progressão nos esportes, mas também pelas suas implicações na qualidade de vida de nossa gente.
          É por isso que me confrange, mais como brasileiro, do que carioca adotivo, ler mais uma vez nas páginas da Folha de S. Paulo uma primeira página que não está à altura das tradições desse grande jornal.  Não devemos permitir que o eventual bairrismo nos tolde a visão. Não é decerto difícil imaginar que esse grande jornal terá tido presente o difuso sentimento em seu grande público de que a Paulicéia apreciaria estar no lugar do Rio de Janeiro.
           São Paulo, por muitos títulos crê fazer por merecê-lo, mas forçoso será concordar que tenha sido dado ao Rio de Janeiro essa candidatura ao primeiro posto olímpico ao ensejo de reunião de Copenhague, se não me engano em 2000 . 
             Como sói acontecer no Brasil,  muita vez se postula um lugar sem ter ainda todos os títulos para pleiteá-lo.  E concordo com aqueles que apontam algumas importantes promessas da delegação que não foram cumpridas - a maior delas a despoluição da Baía de Guanabara, que iria melhorar as condições de vida dos cariocas e demais habitantes do entorno dessa grande baía.  Ela poderia ter sido obtida, por trabalho aturado e jucelinesco empenho, mas infelizmente outra é a gente que teria a cuidar desse meritório esforço, e que faltou com a promessa empenhada.
              Mas quis o destino que em outros campos não falhara. E o resultado alcançado pelo Brasil, honra a todos nós, cariocas (inclusive os adotivos), paulistas, gaúchos, pernambucanos, baianos, e tantas outras  províncias.
               Não é aqui, contudo, o lugar de cantar as loas do esforço pátrio, partilhado decerto por todos os estados e etnias.
                O que me entristece é que ao cabo da vitória de nossa gente e da confirmação do Rio de Janeiro por tal magna prova - que virou provação por um dia ou dois, antes que fosse desmascarada a cafajestada de Ryan Lochte e consortes americanos, que adrede levantaram o espectro do banditismo para tentar desmoralizar os Jogos, com os resultados que tivemos o gosto de ver, com a respectiva palinódia e as desculpas nada mais que do Comitê Olímpico Internacional.O que deveras me entristece, é o tom da Folha de S. Paulo,     que após prognosticar negros, tétricos sucessos, ao fim e ao cabo, nos vêm com mais uma edição de sour grapes. [1] Já na manchete principal "Brasil celebra sucesso dos Jogos, mas não bate meta" reconhece o óbvio, mas insere o espinho do registro de promessa não de todo cumprida.
             Mas nisso não fica infelizmente, e aí estão os colaboradores, que solícitos comparecem: "Foi o melhor possível num país pobre, desigual e democrático", de Celso Rocha de Barros; "Considerado o gasto do Governo, resultado não é tão bom assim", de Roberto Dias; "Fora da quadra, também é preciso regras mais eficazes", de Vinicius Mota; "Limonada carioca vai amargar quando custo da festa chegar", de José Henrique Mariante.
               Infelizmente, a Folha, que costuma ser um grande jornal, perdeu uma boa ocasião de responder presente! aos seus motes, princípios e grandes exemplos.
               A sua resposta ao êxito brasileiro nessas Olimpíadas tem um ranço infeliz de provincianismo, que não está, quero crer, nas grandes tradições desse Jornal, de que me orgulho de ser assinante.  

( Fonte: Folha de S. Paulo )



[1] uvas amargas

domingo, 21 de agosto de 2016

As Olimpíadas do Rio de Janeiro

                    

        Hoje é o último dia das Olimpíadas cariocas. Apesar de não morrer de amores pelo Prefeito do Rio de Janeiro, é preciso reconhecer que, com todos os sucessos acumulados desde os trancos e barrancos do começo, com a delegação da Austrália  saindo da Vila Olímpica,  o senhor Eduardo Paes, com o seu eventual mal-jeito, logrou grande resultado.
        Ouviu-se mais alguma reclamação com o esforço olímpico da Prefeitura do Rio de Janeiro?
        E com todas as previsões sombrias desencadeadas pela firma de decreto de calamidade pública, pelo governador interino do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, o que vemos senão a terra carioca ingressar no último dia da festa olímpica, em  que, computadas as perdas, salvaram-se todos!
        A razão pela qual os coleguinhas estrangeiros torceram as mãos pela suposta celebração de uma pública desgraça, na verdade correspondia a exigência da legislação, para justificar a oportunidade do crédito para o Rio de Janeiro.
         O suposto assalto aos nadadores olímpicos americanos não passou de farsa, urdida pelo nadador Ryan Lochte, cuja única defesa hoje é dizer que exagerou e que desde ontem pede desculpas.
          Por mais advogados que se tenha - como é o caso de Lochte ao prestar, agora contrito, depoimento em que pede escusas pro-forma  - semelha indispensável dizer-lhe que, por mais arrependido que pareça, o que tem a declarar simplesmente é que mentiu. Não nos venha com essa potoca que exagerou um pouco a estória do assalto.
          Na verdade, para dissimular arruaça cometida por farra e bebedeira, o celebrado Lochte venha com essa estória para boi dormir. O que deve fazer é simples: reconhecer, como o Comitê Olímpico Internacional, e que por isso pede desculpas ao povo brasileiro.
          Interessante também a reportagem pré-preparada sobre o fim existoso das Olimpíadas cariocas. Quanto ao jogo com os alemães, não adianta dissimular que foi só isso ou aquilo. A vitória de ontem abriu um novo capítulo no esporte internacional.
           Psicologicamente, é necessário ao Primeiro Mundo lançar reportagens preparadas, em que a pobreza brasileira e do Rio de Janeiro, em particular, serve para a tentativa de manchar o inegável sucesso de país, de Terceiro Mundo ainda, é verdade, mas apesar de  tudo soberano,  como já o reconhecia o meu colega diplomata em outro posto de Terceiro Mundo, para a sua mulher que vocalizava demasiadas dúvidas sobre as condições do Brasil: "não se esqueça que V. vai para um país soberano!"  
              E é como soberano que o Brasil aparece neste último dia de Olimpíada.  Vi com prazer desenvolver-se a maratona, com a vitória do queniano.  Mas a minha satisfação diante dos cuidadosos preparativos brasileiros a ela se mesclou um quê de insopitada revolta, junto com a orgulho da ótima organização, inclusive na segurança.
               Aos muitos que viram o desenrolar dessa prova olímpica - que celebra o heróico esforço de Filípides, levando o "Vencemos! (enikamen) da vitória dos helenos (leia-se atenienses e plateenses) sobre Xerxes e o exército persa em Maratona - não pude deixar de relembrar, diante do cuidado da segurança prestada por nosso exército aos corredores durante todos os 42 km do percurso, com o negligente e lamentável abandono de qualquer proteção aos atletas, pelo governo helênico. E o resultado foi o esbulho da lídima vitória de nosso conterrâneo Vanderlei, quando não se sabe bem de onde, surgiu aquele padre paramentado, que segurando o nosso maratonista impediu - sabe-se lá por que - a lídima vitória do corredor brasileiro, que já se aproximava, com boa distância sobre os demais concorrentes, da chegada ao Panatenaikos, o estádio ateniense. Que me desculpem os leitores se eu sou a única voz que clama no deserto por esse insolente esbulho de corredor que se aprestava a vencer. A seu devido tempo, nada foi feito para esclarecer este evidente ato de terrorismo.     Pôs-se metafórica pedra em cima dessa inaudita violência, que a todos que amam o esporte deve provocar nojo, indignação e repúdio. Nada disso se viu no atroador silêncio, com que, na prática, desfizeram do triunfo - que  foi barrado, e com burlesca ignomínia, qual coringa saído das cartas de esdrúxulo baralho - de nosso compatriota Vanderlei Cordeiro de Lima, de quem ora se lembram para substituir Pelé enfermo para reacender a pira olímpica.
                  Pois a competência do Brasil e do Rio de Janeiro, também se refletiu nesse detalhe de respeito ao esporte e de cuidado para que não haja interferência estranha ao resultado da pista, que corresponde ao esforço de cada corredor.  Foi com muito prazer - e também um pouco de melancolia - que acompanhei a extrema atenção que foi dada pelo Estado brasileiro e pelo Governo do Rio de Janeiro, ao conferir todas as condições de proteção para que nessa corrida, que é um dos fechos heróicos das Olimpíadas, fosse atendido o imperativo da segurança aos corredores. Ao que inexistia na terra que criou a Maratona, sobrou, para nossa tranquila satisfação, a atenção minudente, proporcionando que em todo o trajeto a força militar e policial estivesse presente, para assegurar aos maratonistas a liberdade de exercer o respectivo esporte sem as travas que surgiriam na terra ática. E esta atenção - que passará a muitos como se fora algo sem importância - não me passou despercebida, e aqui comparece como outra metáfora pela qual o Brasil, este país soberano, assegurou pela silente, porém ordenada presença uma ordem que para muitos - e a mídia em geral - terá passado como algo comezinho, mas que muito revela pelo grande e atento cuidado dispensado à grande festa, de que foi não pequena honra realizá-la, já entrados na tarde do último dia, com um êxito que a disfarçada inveja pode tentar diminuir, com reportagens enlatadas sobre não-eventos, mas que ao fim e ao cabo, reponta luzente, desmentindo pela sua presença e realização essa sopitada inveja dos que latem, enquanto passa a caravana.
            O povo brasileiro já colhe parte de o que nosso governo investiu no esforço olímpico. Dentre os sucessos, não poderemos esquecer a vitória de ontem, contra a Alemanha do sete a um.
             O Maracanã que fora inaugurado em 1950 para sediar uma Copa do Mundo -  que tudo tínhamos para ganhar - e nos escapou na ridente tarde de  dezesseis de julho, por um chute despretensioso do ponta uruguaio Ghighia.  Este gol - na verdade, um quase frango do goleiro Barbosa - silenciou os 220 mil que atopetavam o novo Maracanã.
              Depois, em outra Copa que a muitos de  nós também parecia reservada, em Minas Gerais, no estádio de Belo Horizonte, a seleção - que não dispunha de Neymar, contundido no jogo anterior - sofreu a derrota mais vergonhosa imposta ao Povo brasileiro, a saber o 7x1, que nos aplicou, em jogo leal, o scratch da Alemanha.
               Desde então, a esse oito de julho de 2014, o tínhamos atravessado na garganta o seu espinho. Ontem, na decisão do futebol olímpico, terminada a peleja, no tempo regulamentar e nas prorrogações por um a um,  Brasil e Deutschland partiram para a roleta da decisão por pênaltis. Quis a sorte que na última cobrança o nosso goleiro Ewerton tenha agarrado o pênalty chutado por um joão alemão, e que Neymar, o último da série a bater o pênalty, decretou, com a paradinha regulamentar, a nossa enfim vitória, sobre o goleiro Horn.
                 Não era apenas o desfecho de um match Brasil-Alemanha. Era a recuperação afinal do velho Maracanã - que a última reforma não conseguira descaracterizar de todo - e que levantado em 1949/50 para arrebatar a nossa Primeira Copa do Mundo  (que ficaria postergada para 1958, na Suécia, com Pelé e Garrincha) - reaparecia afinal, de novo paramentado para outra Copa - que daria a ele e a nós brasileiros a chance de dar fim aos dois  vexames históricos de 1950 e de 2014.



                  Não mais - e por graça de Neymar e do goleiro Ewerton, - o temos na garganta.  Se formos, como é hábito dessa terra generosa, dele nos despedir, que o façamos com um quase gentil aufwiedersehn, mas se a afronta a outros terá parecido maior, que valha um 7x1 "raus!
                  Para completar a realização do Brasil, faltava o volei. No feminino - como aconteceu no futebol das mulheres - ficamos pelo caminho.
                  Sem embargo, o triunfo do Brasil não parou no futebol. No volei masculino, a equipe brasileira, sob a guia de Bernardinho, vence no trecho final a grandes adversários. O jogo com a Argentina foi arduamente disputado, o que de resto semelha observação imperativa, que se aplica a todos os embates da fase final do certamen de volley-ball.
                  Em seguida, nos coube ter pela frente a Rússia, que nos vencera em Londres. Desta vez, seria diferente e o urso russo não nos intimidou. Outro adversário duríssimo, o último da série, era a Itália.
                  À vista do placar, se pode ter a impressão de que haja sido fácil. Se prevalecemos em três sets, cada um deles foi árduo e renhido, o resultado final sempre pendente e incerto. E, sem embargo, ao cabo, o Brasil logrou preponderar, com a assistência de grandes jogadores, com Wallace, Lucarelli e Bruninho a frente, como grande líbero.
                   A Olimpíada do Rio de Janeiro que hoje finda em meio à  ventania, nós, brasileiros, a vemos como lídima vitória deste Povo, de que o quadro-registro das pontuais derrotas que inflingimos a quem tentou barrar-nos o caminho  o demonstra. Mas também pode ser interpretado como ulterior reação contra o coro de descrença, preconceito e, porque não dizê-lo, de por vezes indisfarçada inveja, com que nos saudara essa intérprete da opinião das grandes potências do deporto.
                   Até mesmo a encenação de um acinte ao hóspede estrangeiro, pela suposta falta de segurança, termina mal para os que a engendraram. Quanto ao mais, inclusive as matérias enlatadas, a velha imagem dos cães a ladrarem  para a caranava que passa, continua atual.
                   E não é pouco que tenhamos entre os nossos torcedores esse gênio do Terceiro Mundo, Usain Bolt, aquele de que prognosticavam derrotas ignominiosas, causadas por contusões de velho corredor.
                   E que foi mesmo o que vimos? Usain Bolt, torcendo pelo time do Brasil no Maracanã. Previam-lhe o fracasso, e ele volta para a Jamaica, na bagagem outra tríplice coroa, conquistada com a surpreendente leveza de suas passadas, que fazem calar as tribunas da inveja e do mau-agouro.
                   Para nós brasileiros, foi decerto enorme  prazer contemplar os triunfos do grande Bolt, conseguidos todos com a naturalidade dos heróis, que parecem tornar fácil, aquilo que para a malta dos medíocres e dos esforçados avulta como insuperável obstáculo.
                   Da Olimpíada do Rio, portanto, não esqueçamos a brasileirinha Rafaela Silva, no judô, saída da Cidade de Deus, e que arrancou a nossa primeira medalha de ouro; Thiago Braz, que saído não se sabe de onde, quebrou o record mundial do salto com vara; a garotada do futebol guiados por Neymar, com a poção certa para livrar-nos da maldição dos sete a um; tampouco nos olvidemos do risonho Izaquias, com as três medalhas na canoagem, árduo esporte que nos traz do mar da Bahia; e das duas moças - Kahena Kunze e Martina Grael (esta descendente de pai rico em lauréis olímpicos), que apareceram com a dádiva de outra medalha de ouro duramente conquistada na baía de Guanabara e que mereciam mais atenção. Nessas inquietas águas, que o vento vem açoitando, elas a conquistaram, e a meu ver não lhes terá agradado a atenção que um cômico, que os reis globais lutam por promover. Este, apesar de lá estar como Pilatos no credo, recebia as atenções do velho anfitrião, enquanto quem vencera o ouro para o Brasil, ficaram escanteadas. Será surpresa que tenham saído à francesa?
                    

( Fonte: O Globo, The New York Times )