quinta-feira, 30 de junho de 2016

Lava-Jato em perigo ?

                           

          Ainda que se trate da "Operação Custo Brasil" e que não esteja formalmente relacionada com a Lava-Jato, surpreende não só a decisão, mas sobretudo a própria desenvoltura do Ministro do Supremo, Dias Toffoli, que agiu sobranceiro para livrar o petista e ex-ministro Paulo Bernardo da prisão. A medida judicial ontem revogada obedeceu a peculiar comportamento: Toffoli negou um pedido de Bernardo para que o caso fosse retirado da Justiça Federal de São Paulo e enviado ao Supremo.
           O que fez Dias Toffoli? Ex-officio, ou seja monocraticamente (por conta própria) determinou a revogação da prisão.
            Diante disso, o juiz federal Paulo Bueno de Azevedo, de São Paulo, estendeu a decisão de Toffoli a outros sete presos na Operação Custo Brasil. Apenas o ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira e Nelson Freitas continuarão presos, porque há indícios de que tentaram combinar uma versão única.
             Não obstante, o juiz em tela, após declarar que "obviamente irá acatar" a decisão de Dias Toffoli, mas que discorda do Ministro.  Afirmou, a propósito, que continua achando que "a expressiva quantia do dinheiro não localizado  pode sofrer novos esquemas de lavagem".
             A esse propósito, não é só Ministério Público Federal de São Paulo que vê "com perplexidade" a decisão de Dias Toffoli.  E acrescenta o MPF:
"ao não conhecer integralmente a reclamação ajuizada e decidir pela soltura de Paulo Bernardo, o ministro suprimiu instâncias que ainda iriam tomar  conhecimento do caso e sequer ouviu a Procuradoria-Geral da República".
               Data venia, vejo nesse caso - e na desenvoltura  do Ministro Dias Toffoli, uma inquietante consequência do chamado fatiamento da Lava Jato.  Não é segredo que o Ministro Teori Zavascki retirou do Juiz Sergio Moro a competência de questões relativas a São Paulo, e também concernentes à Energia Nuclear. Essa própria questão que concerne ao Ministro Bernardo fora retirada da competência do Juiz Sérgio Moro.  
                Pergunto-me se o Ministro Dias Toffoli agiria da mesma forma, apodando a prisão do Ministro Bernardo de "flagrante constrangimento ilegal" na prisão, e que estaria baseada de modo frágil.
                É igualmente grave o que aponta o MPF de São Paulo, ao asseverar que o Ministro Toffoli agiu "sem conhecer integralmente a reclamação ajuizada".
                 O que nenhum outro Ministro do Supremo ousara fazer no que tange a questões relativas a grandes personagens atingidos pela Lava-Jato, agora, em outra operação, o Ministro Toffoli age de forma monocrática,  inclusive suprimindo instâncias e sequer ouvindo a Procuradoria Geral da República. 


( Fontes:  O  Globo, Folha de S. Paulo )

Lembranças de meu Tio Adolpho (XXIV)

                    

         Ao deparar ali Adolpho e Lucy, e o pessoal da sucursal, quase não acreditei no que via. Naquele mundaréu de gente não era fácil localizar alguém.
         Com a minha experiência daquela memorável jornada, não perdi tempo em dizer-lhes da minha impressão.
         Adolpho, acho que vocês não deveriam ficar aqui. A multidão é grande, está irritada, e não me parece prudente que seu chofer se ponha logo à entrada do Campo da Esperança. Vocês se dão conta do número de pessoas que passam por esse carrão que  pode dar a muita gente uma impressão errada?
         É, você tem razão, disse ele.
         A dúvida estava no que fazer. Ficar ali, dentro do carrão, nem pensar. Mas o quê então?
         Já sabia que alguns políticos do MDB se tinham postado em torno de o que seria a sepultura provisória de JK .
          Acudiu-me a ideia de sugerir a Adolpho que fôssemos mais para dentro do campo santo, que logo encontraríamos ao Dr. Ulysses e a outros políticos da Oposição.
           Saímos dali com Lucy e Adolpho, e mais os dois ou três gatos pingados que estavam no carro.
           No cerrado, a noite pode cair depressa. Já naquela época, a iluminação do cemitério deixava bastante a desejar.
           Sem querer fazer humor negro, campo santo - excluídos os macumbeiros e a turma do quimbanda - não é lugar em que se depare muita gente à noite. A iluminação costuma ser bastante deficiente, e caminhar na escuridão é arriscado.
           Haveria sempre uma lanterna que a turma da sucursal arranjara.
           Ao final e ao cabo, Adolpho achou preferível voltar no dia seguinte, para as homenagens ao amigo.
           No ar, havia muita tristeza.
           Os restos mortais de JK ficaram no Campo da Esperança, até doze de setembro de 1981. Nessa data, foram inumados na Câmara Mortuária do Memorial JK, que é do risco de Oscar Niemeyer.
            Lamentavelmente, Niemeyer serviu-se da figura, da realização e da mensagem de Juscelino Kubitschek para deformá-la e deturpá-la em imagem que nada tem a ver com a obra e o pensamento do grande presidente.  Tomou de empréstimo a figura do construtor de Brasília para ideologia a ele estranha. 
             Pode-se interpretá-la como brincadeira de mau-gosto ou apropriação indébita.  Juscelino não merecia isto.


Lembranças de meu Tio Adolpho (XXIII)

                    

       As despedidas do grande presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira  foram completadas na mesma memorável jornada de suas exéquias, celebradas pelo Povo brasiliense, a 23 de agosto de 1976.
       Depois de passar pelo Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro, os restos mortais de Juscelino ficariam expostos à visitação pública na manhã e princípios da tarde no saguão do edifício da Manchete, na Praia do Russell. A longa jornada a caminho do descanso final na cidade que concebera, construíra e fundara, começa no Rio, na sede da revista de seu grande amigo.
       Após alguma hesitação, o presidente Ernesto Geisel decreta luto oficial pelo óbito do grande brasileiro.  Será o primeiro ato público  que homenageia adversário do regime militar.
       O caixão com os restos mortais do Presidente chega a Brasília com considerável atraso, e para dizê-lo prescindo das fontes habituais, porque lá estava, como devera, para receber este grande brasileiro, de quem só tenho boas lembranças.
        Colegas do Itamaraty lá também se encontram, como Paulo Tarso Flecha de Lima. O féretro segue para a Catedral, já acompanhado por multidão, aonde lhe foram prestadas as comovidas homenagens já citadas.
        No último trecho da sua viagem terrestre, ao sair da Catedral, ao cabo de preito multitudinário que só é reservado a verdadeiro herói do Povo brasileiro - e por isso, de culto similar só posso recordar-me daquele de 24 de agosto de 1954, rendido a Getúlio Dornelles Vargas - depois de dúvidas sobre como levar os restos mortais para deposição no Campo da Esperança, houve consenso de que, no caminho de sua inumação, o mais apropriado é que seja transportado através do Eixo, na  direção Sul.
          A gente humilde não quer separar-se tão pronto de quem ela se sente muito próxima. A pressa do chofer da viatura do Corpo de Bombeiros, naquela hora sombria do regime militar, desperta suspicácias no povo que anseia por honrar-lhe a memória, e para tanto, desdenha o afogadilho que é do agrado do regime militar. Como no dia do suicídio de Getúlio, outra coisa não querem os paus-mandados do poder imperante, que por natureza temem dos grandes ajuntamentos a raiva ingente e, por conseguinte, a intrínseca força. Por isso, a cólera está bem presente no povão. Diante da inelutável separação desse Herói do Povo, a sensação por todos partilhada é que se deve ir muito devagar com o féretro. Não carece, pois, brincar com a ira do Povo brasileiro, diante do irreparável trauma que tem de arrostar.
         Dos muitos que ali estão, para honrar àquele que sempre sentiram como um defensor, todos sentem como indispensável que se faça devagar o que é feito sob o plangente rumor dos tambores. Que nada nem de longe passe  a impressão de qualquer cousa feita de afogadilho.
         A todos sobrepaira o trauma comum que golpeou a  gente  brasileira no prá lá de estranho acidente na estrada federal de São Paulo.
          São surdas e grandes tanto a raiva, quanto a revolta. Perpassa toda a gente a dor e o vazio da brutal separação.
          Juscelino não merecia isto.
          É um ódio surdo, e que paira no ar.
          Vamos devagar, gente nossa. Ele cumpriu a promessa de realizar cinquenta anos em cinco.
          Como o trajeto é longo, chegamos assim às portas do Campo da Esperança, o cemitério de Brasília, na hora do crepúsculo.
          Eis que, se me depara estacionado, lá junto aos portões da necrópole, o carrão de Bloch Editores.
          Dele me acerco, em meio à gente que aguarda a passagem do caixão.

          E, para surpresa minha, além do chofer, aí estão acotovelados Adolpho, Lucy e dois jornalistas da sucursal da revista.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Lembranças de meu Tio Adolpho (XXII)

                             

        As memórias que guardo do tio Adolpho são de extensão vária. Ao abrir esse baú da recordação, ao remexer em mala esquecida em algum porão, se pode, claramente, mais do que intuir, aquilatar a perturbadora sensação da finitude de todas as coisas.
        E há várias maneiras de tentar não perdê-las. Por exemplo, filmar as comportadas aventuras nos foros romanos, levando pela mão dois meninos, um mal-saído das fraldas, e o outro com a ilusão de tudo explorar com as próprias pernas.
        Os pais, enquanto cuidam com muita atenção os dois filhotes, passam por antigas maravilhas sem ter tempo de dispensar-lhes a atenção devida, quem sabe até lograr um slide que depois mereça a sensação de que o passeio não fora em vão...
       Aí me lembro da terrível rocha Tarpeia, atrás do Capitólio, de onde lançavam os condenados. Como olhar para aquele vetusto rochedo, de que já leste do terror que inspirava aos fora da lei, diante da perspectiva de serem jogados ao abismo...
        Mas espera um momento. Será que essa rocha encolheu? Ou talvez seja a erosão... Porque existe aqui algo que não encaixa com as páginas sobre os gritos dos infelizes dali arremessados ou empurrados para a morte certa...
         Porque, se algo me impressionou, foi a contradição, entre aquele quase histórico barranco, com as execuções que nele foram realizadas... Nas visitas que fazemos a ruínas, seja na Grécia, seja na Itália, espanta sempre como as alturas podem ser relativas, e o que era um quase-abismo, não passa para nós, turistas da pós-modernidade, de um quase-barranco.
         Recordo-me aqui da minha visita ao Jardin de l'acclimatation. Não foi sem emoção que entrei nas estreitas vias do Bois de Boulogne, dirigindo o melhor carro que já tive - um Porsche 356-C - com a missão de mostrar a pequeno Simca cor roxo-escuro a localização de bar ao ar livre, onde se serviam - na sazão, é claro - os melhores morangos silvestres da velha Lutétia, também chamada Paris. Quem me acompanhava, com surpreendente direção segura, era um senhor recém-chegado do Brasil, e que trouxera também a esposa. No carrinho, e ao lado daquele que com mão firme, negociava as curvas no bosque, vinham também os Tios Adolpho e Lucy. Também estava no grupo, a senhora Sarah, a supracitada consorte.
           Era tarde primaveril, daquelas em que se sente prazer em conviver com a natureza, que faz pouco despertara das agruras hibernais.
            Mas a importância da ocasião, embora todos os acompanhantes a sentissem, tinha gosto especial para o jovem Segundo Secretário. Não é que ali estava formalmente descumprindo ordens? 
            O Ministro da época antecipara a vinda daquele senhor de bem-cortado terno azul marinho. Aos integrantes da Embaixada em Paris, situada no número 45 da Avenue Montaigne, determinara que deviam evitar todo contato social com aquele senhor simpático, que me seguia em modesto carrinho.
              A chamada gloriosa já submetera esse Senhor a várias indignidades, como interrogá-lo em intermináveis IPMs (Inquérito Policial-Militar) e até constrangê-lo a um breve exílio.
              Adolpho não era o mesmo quando estava na companhia de Juscelino Kubitschek. Sem exagero, mas com a firmeza do amigo - e que melhor atenção há de merecer o ex-presidente, reconhecido pelo Povo, e escorraçado por golpe militar - ele prodigava aquelas pequenas mostras de atenção e respeito que ornam as grandes amizades.
                De JK aprendi muitas lições. Vítima de várias ignomínias, ele não se queixava, talvez pela própria grandeza que não lhe permitia apequenar-se diante de gente menor.  Seguramente, não o fazia por soberba, mas com a postura natural de quem galgou alturas, sem mal dar a perceber. E quando dona Sarah, revoltada, aludia às vilanias, ele apenas esboça sinal, atencioso como sempre, mas que lhe insta a calar. Não valia a pena.
                  Muito mais tarde, quando Deus me permitiu estar presente na missa fúnebre na Catedral de Brasília, em que, no traço genial de Oscar Niemeyer, as mãos do Povo no cimento caloso se erguem, expectantes,  pude assistir às mais belas exéquias da minha vida. Em certa hora, quando os transidos oficiantes encaminham a homenagem, eis que principiam a rasgar aquele pedaço de céu que ali se concentra os brancos lírios do campo. Nas suas belas elipses, vindas de toda parte, tal anônima homenagem eles cruzam o céu do templo, descrevendo nos incertos arcos do transitório a funda, inexgotável comoção do Povo, que sabe distinguir o raro herói em meio ao cotidiano adverso. Ao partilhar da emoção, via naqueles caprichosos traços a firme certeza de o que ora se perdia para sempre.

                  Através de gesto na aparência singelo, toda aquela gente miúda e sem rosto, cresce imponente no próprio culto ao herói morto.  Lançados por centenas, aqueles lírios, tão magníficos quão modestos, adornam a mais bela cerimônia fúnebre, que Igreja alguma jamais logrará igualar. O amor do Povo ali está. Por toda a parte, na liturgia que cresce à volta, e nos parece imorredoura neste alvo arco iris, a que contemplávamos em silêncio, em hora grande e cava, em que mal se logra ouvir o plangente choro de  criança. 

terça-feira, 28 de junho de 2016

Encerrado Inquérito de Benghazi

           Depois de tempo considerável e uma despesa equivalente, o Comitê da Câmara de Representantes, de maioria republicana pelos motivos conhecidos, divulgou o seu relatório final sobre a noite de Benghazi, em que o Embaixador americano foi assassinado.
           
            Apesar do longo trabalho e de um sem-número de sessões, nenhum fato novo foi levantado.

            Após tantas tentativas - de que essa coluna publicou as últimas reuniões do Comitê especial - os republicanos devem sentir-se com as mãos abanando, eis que não lograram obter nenhum elemento com que pudessem eventualmente conectar a responsabilidade da então Secretária de Estado com o assassínio do arabista e embaixador americano Christopher Stevens.

             Quem saíu perdendo nisso foi o Tesouro americano, que teve de bancar essa busca frenética por algo que lhes habilitasse - aos republicanos que são maioria no Comitê - a dispor de elementos e dados que incriminassem a então Secretária de Estado, que não por acaso se chama Hillary Clinton...

O Rio grita Socorro!

                                  

         A farsa olímpica avança rápido. Depois da passagem da administração Sérgio Cabral - objetivo de um repúdio da população que na época poderia parecer excessivo, mas quanta verdade ele já prenunciava - que, com a conivência do Governo Dilma Rousseff abocanhara boa parte de muitas dotações de algum modo conectadas com as obras olímpicas, colhemos agora o ressaibo amargo da fera  raspagem dos cofres do Estado.
         Por confiar olimpicamente nas benesses do petróleo, Sérgio Cabral & Cia., ele ao desrespeitar  tanto a ética, quanto o bom senso, apostou pesado no ouro negro, com os resultados que ora se vêem.
         Nunca uma cidade olímpica chega tão precarizada ao festival mundial que já está às portas.
         O tráfico se compraz no macabro ritual de liquidar os PMs (já totalizam cinquenta os policiais assassinados neste ano). O mais estranho é que não se assinala nenhuma reação preventiva, nenhuma operação voltada a desbastar o mecanismo que está por trás dessa ignóbil matança.
         Fala-se que a verba da segurança será remanejada para o metrô. Quero crer que não seja verdade, porque seria vestir um santo para despir outro.
         A conquista da sede olímpica em meio às salvas de filmetes mentirosos e de promessas não-cumpridas (despoluição da baía de Guanabara, entre outras) já constitui prova melancólica de uma realização em que o vazio nos compromissos se encontra com a deterioração da situação fiscal do Rio de Janeiro.
         Muito mais do que o pernicioso jeitinho e o antigo truque de "pra inglês ver" (o hodierno é 'pra americano ver'), está o espírito de tocar obras de qualquer jeito - como a ciclovia na beira da Niemeyer e a total desconexão entre os milionários projetos e as construções feitas de cambulhada - será o espírito prevalecente de que de alguma forma tudo sairá pelo  melhor.
         A Prefeitura de Eduardo Paes, apesar dos tropeços, continua a irradiar otimismo. Por outro lado, a União carece de ter ciência de que a Olimpíada pode ser no Rio de Janeiro, mas o seu êxito ou fracaso repercutirá no Brasil. De toda maneira, a Cidade Maravilhosa atravessa período difícil, com a perda das royalties do petróleo.  E o Brasil, por grande que seja, está representado pelo Rio de Janeiro, que, de algum modo, carece de ser ajudado para cumprir com o compromisso das Olimpíadas.
            O Senhor Prefeito Eduardo Paes é a própria encarnação do êxito olímpico. Tudo vai muito bem, Madame la Marquise. Era o que diziam os círculos da velha nobreza do Reino de França, confiantes em que o descontentamento popular breve seria fenômeno esquecido.
            Em meio ao caos da segurança, com a PM vítima de soez campanha do Tráfico que já colheu cinquenta vítimas, e a administração do Governador interino Francisco Dornelles, Estado do Rio de Janeiro, sem verbas e também de pires na mão, encontrar espaço para otimismo é exercício difícil, que batalha contra um governo estadual que se vê forçado a decretar estado de calamidade pública.
             Na ponte que Município e  Estado atravessam, chuleando que tudo passe depressa, sem entraves e sobretudo sem vexames, a única imagem que me vem à mente é a daquela mulher-símbolo da angústia, no quadro de Edvard Munch, a berrar de boca aberta aquele grito inaudível que ora ameaça golpear-nos os ouvidos...


( Fonte: O  Globo )

Lembranças de meu Tio Adolpho (XXI)

                           

         Adolpho separou-se de minha tia Lucy, sua esposa por quarenta anos, na década de 1990. A data é imprecisa, porque ele simplesmente saíu de casa, e passou a viver com Ana Bentes, com quem já mantinha relacionamento extraconjugal.
         Desde um imprecisado tempo, o casamento com Lucy tinha problemas. O casal começara o namoro em encontro na rua. Ambos formavam um belo par, segundo testemunhas contemporâneas. Lucy, além da personalidade forte, tinha presença, e o rapaz a quem conhecera em logradouro público, era bem parecido. Não lhe faltou a necessária ousadia para aproximar-se na rua - esse antigo cadinho de tantas uniões - da formosa e elegante moça.  Estava escrito, porque naqueles tempos essa dupla só poderia formar-se em tal cenário. Dessarte, a quem a via pública fizera as apresentações, a jovem dupla formalizou no rito civil o casamento, enquanto o matrimônio religioso só pôde ser sagrado na sacristia de igreja católica.
          O jovem casal se unira por amor, e intui-se que a união a princípio não foi fácil, como seria qualquer matrimônio entre um judeu e uma católica, muito antes do Concílio Vaticano II, a partir do qual a Igreja de Papa João XXIII começou a normalizar o difícil relacionamento com os seus irmãos mais velhos.
          Adolpho costumava às vezes apodar Lucy de Ruy Barbosa, com o que supostamente criticava a postura da esposa como que armada de muitas certezas e categóricas assertivas.
          Mas os dois se completaram bem, como é prova a respectiva interação nesses longos anos. Infelizmente, não quiseram ter descendência, mas não está claro quem  seria o responsável determinante dessa decisão.
          Adolpho dizia que Lucy era uma espécie de seu cartão de visitas. Em época preconceituosa, semelhava importante para o casal que agissem conjuntamente nas grandes decisões, como o foi o pedido de Adolpho para que Lucy negociasse com Figueiredo e Golbery a formalização de um canal televisivo para a Manchete.  E assim foi feito.
          Se a família não soube da data exata da ruptura da união de oito lustros, nunca haveria dúvida sobre quem tomara a iniciativa. Foi violenta a negação de Lucy, pois ela simplesmente continuou a agir no edifício Machado de Assis, no apartamento da avenida Atlântica como se a ausência de Adolpho fosse simplesmente acidental. Nesse quadro, minha tia se comportava como se o respectivo cônjuge estivesse por irromper a qualquer momento, vindo do trabalho no Russell, na ampla sala com rasgada vista para a Avenida Atlântica.  
          Dessarte, ela o menciona amiúde - e muita vez com a insinuação de que esteja por aparecer - o que transmite para parte dos eventuais comensais  atmosfera de crescente, quase agressiva irrealidade.
           Além de outros sintomas, as amiudadas, insistentes referências ao cônjuge podiam transmitir a muitos a impressão de que ele estivesse mesmo por chegar a qualquer momento, mas não aos próximos, pois apenas vincava mais o fosso daquela  penosa separação.

           Dado o ritual no Machado de Assis, aquelas cenas me pareciam algo reminiscentes ao que deveria ocorrer com testas coroadas em séculos pretéritos, em que a rainha repudiada pelo soberano mantinha através de seu círculo e  respectivo cerimonial as sombras de uma ilusão, que lhe seria talvez mais penosa se lançada aos feros mastins da impiedosa verdade.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Lembranças de meu Tio Adolpho (XX)

                          


        A segunda novela da Rede Manchete seria grande, em verdade, descomunal êxito. Com efeito, Dona Beja, na interpretação de Maitê Proença, fez muito sucesso, com a história da cortesã de Araxá.  Dada a jovem beleza de Maitê, as cenas de nudez explícita, como o seu desfile em cavalo branco, sacudiram a modorra da tevê, e levaram o Ibope às alturas. Teve 89 capítulos, em texto de Wilson Aguiar e direção de Herval Rossano.
         Com a formosura da protagonista, sintonizar para a Tevê Manchete deixou de ser opção eventual, e o sucesso de público da novela desbancaria a concorrência.
         Nessa primeira década da tevê Manchete, houve outros êxitos, como Tudo ou Nada, de Manoel Carlos e direção de Herval Rossano. Essa foi a primeira novela que chegou à marca de 161 capítulos.
          Por sua vez, com Helena, de Mário Prata, surge Luis Fernando Carvalho, na direção.  Ele voltaria na novela seguinte, Carmen, de Glória Perez, dividindo a direção da novela com José Wilker, em seus 180 capítulos.
          Essa década terminaria com Kananga do Japão, que teve 208 episódios.  Com a autoria de Wilson Aguiar e a direção de Tizuka Yamasaki,  a novela foi inspirada pela vivência boêmia de Adolpho nesse bar da sua mocidade.
          A segunda década foi aberta pela novela Pantanal, com 216 episódios, escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Jayme Monjardim.
          Com o grande, descomunal êxito de Pantanal, Adolpho  vivenciou a realidade de tratar de igual para igual com a Rede Globo. Pantanal conquistou nossa gente pela sua telúrica brasilidade, originalidade extrema e pelo que significava através da ampla penetração em uma terra real, que se tornou  rara, inigualável experiência  para o público brasileiro. Por isso, não havia opção nem possível concorrência com a novela, até que boa,  Rainha da Sucata, na programação da Rede Globo. A diferença era demasiado grande para que o espectador sequer considerasse ver a produção da Globo, diante do fenômeno telúrico que foi Pantanal. A disparidade se afirmou de tal forma que a habitual ambivalência do telespectador não tinha sequer condições de colocar-se.
            Desde fins de março até princípios de dezembro de 1990 Pantanal encanta o Brasil, e a Rede Manchete, com o ibope nas alturas, fez com que a Rede Globo se arrastasse nos baixios dos públicos menores.
             Também o cast de Pantanal foi montado para corresponder à força do desafio. Cassia Kiss é a grande protagonista, com o personagem de Maria Marruá, e a sua filha, Junia Marruá (Cristiana Oliveira) faz o papel de sua vida. Nos papéis masculinos, na segunda parte da trama, avulta a presença do ator Paulo Gorgulho, como José Leôncio.
              Como esses grandes tableaux cênicos - no qual a simples presença constitui menção notável de desempenho numa carreira artística - nele encontramos na primeira e segunda partes José Duarte, Claudio Marzo, Jussara Freire, Enrique Diaz, Ewerton de Castro Sérgio Britto, Marcos Winter, Marcos Palmeira, Andrea Richa, Carolina Ferraz, José de Abreu, Oswaldo Loureiro, Itala Nandi e Nathalia Timberg.
              Nos cinco anos que lhe restaram de vida, Adolpho não viu sucesso equivalente a Pantanal. O fora do comum, o extraordinário convive mal com as novas produções. Se as novelas seguintes - A história de Ana Raio e Zé Trovão - teve 251 capítulos e Amazônia, 162, tampouco as ulteriores - Guerra sem Fim, e 74.5-Uma onda no Ar  - seriam grandes sucessos. Como as grandes árvores na floresta não convivem em sua cercania com outras que se lhes comparem em pujança. Assim como o tamanho descomunal, também o grande sucesso só o será se cercado por realidades que não lhe façam sombra.

              Quando Adolpho Bloch falece na mesa de operação do Hospital da |Beneficência Portuguesa, em São Paulo, em 19 de novembro de 1995, em extrema tentativa da equipe médica de recompor-lhe a válvula mitral, tem ele oitenta e sete  anos, há pouco completados em oito de outubro.

E se Ela escapar? (3)

                                  

       No seu artigo de hoje, Ricardo Noblat pede ao público que Não chore pelo PT.
       Seria o caso de ? Noblat diz em seu artigo hodierno que 'talvez fosse o caso de Lula procurar Dilma para informá-la de que a guerra contra o impeachment acabou, e que ela, ele e o PT foram derrotados.'
        Entrementes, Dilma 'resiste por teimosia.'  Por sua vez, 'Lula está em outra, negociando a salvação da própria pele'. E 'o PT estima suas perdas, que podem ser maiores do que supõe.'
        Segundo o articulista, 'o PT está condenado a perder as eleições municipais de outubro próximo Como poderia ganhar uma eleição presidencial ?'
        E aqui chegamos ao ponto  que mais interessa.  'Como poderia (Dilma) ganhar uma eleição presidencial? De resto, por que o Senado devolverá o poder a Dilma se ela acena com a possibilidade de não governar até o fim do mandato? Não devolverá (meu o grifo).
        Noblat então sugere que Dilma se renda, sem provocar mais danos ao país. Aí, que me perdoe o articulista, mas a Presidenta tem a lógica da própria míope ambição.
         Ela não está nem aí para a herança maldita de onze milhões de desempregados.
          Além disso, a sujeira provocada pelo Partido dos Trabalhadores não para de sair pelas rachaduras.  Dentre a galeria dos partidos mais cruéis com o povo, que tal o PT que é capaz de roubar parte  do salário de funcionários públicos, pensionistas e aposentados endividados ? Essa gente com parcos rendimentos "recorria a empréstimos consignados cujas prestações são descontadas automaticamente em folha de pagamento?"
           Na semana passada, Paulo Bernardo, o altaneiro marido da Senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-ministro do Planejamento do governo Lula e das Comunicações do governo Dilma, "foi preso sob a suspeita de ter sido um dos chefes da organização criminosa que arrecadou entre  2009 e 2015 algo como R$ 100 milhões em propina para financiar o PT e enriquecer seus caciques."
            O empertigado senhor Paulo Bernardo mostrava crescente nervosismo com as possíveis consequências de que de "cada R$ 1 pago mensalmente por um (modesto) servidor público como taxa de gerenciamento de seu empréstimo, não é que R$ 0,70 iam parar nos cofres do PT ?"
            O que dizer, então, de um partido que tem o cinismo de "roubar dinheiro de quem trabalha para ganhá-lo?" É o único que fez isto em Pindorama, e tal só se pode atribuir à louca, cínica confiança de grêmio político que se acredita acima de tudo e de quase todos (salvo, é claro, os caciques, grandes e pequenos da própria associação).



( Fonte:  Coluna de Ricardo Noblat "Não Chore pelo PT" (O Globo) )

domingo, 26 de junho de 2016

Pinga - Fogo

                                        

Outra propina a Aécio?

         A Folha, uma vez mais, estampa com destaque máximo, propina que teria sido dada pelo empreiteiro Léo Pinheiro por obra do centro administrativo de Minas Gerais.
          Segundo noticia a Folha de S. Paulo, o sócio e ex-presidente da OAS pretende relatar à Lava Jato que pagou propina de três milhões de reais a um dos principais auxiliares do então governador de Minas Gerais, Aécio Neves.
           Léo Pinheiro, que negocia delação premiada, diz ter pago o dito 3% sobre o valor do contrato  a Oswaldo Borges da Costa Filho, que passa por ser tesoureiro informal das campanhas eleitorais de Aécio Neves, de 2002 a 2004.
           Acrescenta a Folha que Aécio considera "falsas e absurdas" as declarações de Leo Pinheiro. Acrescentou o Senador por Minas Gerais que a obra em apreço foi conduzida em seu governo com transparência.


Consequências do referendo britânico (1)


             O resultado favorável à saída da UE e as perspectivas que abre de desconstrução do Reino Unido (a primeira ministra da Escócia já quer organizar referendo para voltar a tentar a saída de seu país da união com a Inglaterra) assusta boa parte da população do U.K.  Resultado desse temor está no referendo on-line que pede a reconsideração da decisão. Três milhões de ingleses subscrevem o documento.
        
               Além da acintosa comemoração dos partidos neo-fascistas (como o UKIP), assusta também e não pouco quem viu o resultado com satisfação. O ulterior enfraquecimento do Reino Unido é saudado como desenvolvimento positivo por gospodin Vladimir V. Putin, presidente e autócrata da Federação Russa.  Como esse senhor não prega prego sem estopa, a sua postura de regozijo há de inquietar.



  Consequências do referendo   (2)


                 Surpreende que um país  com a tradição da Inglaterra (pois é nessa parte do Reino Unido que está a chave do problema) tenha escolhido esse Senhor David Cameron como Primeiro Ministro.

                    Dar-se conta de sua mediocridade, não é tarefa das mais difíceis, mesmo para um observador que esteja relativamente afastado dos assuntos internos desse Reino de Sua  Majestade.

                     Dentre as calinadas mais pesadas da história se acha decerto a circunstância de que David Cameron haja preferido ressuscitar a questão do referendo - como se fora problema menor - para ganhar tempo em uma mini-crise de que hoje a grande maioria ignora, e que, não obstante, causou todo esse desastre.

                    Tanta nescidade será mais difícil de igualar no futuro. Por isso é que sugeri a lata de lixo da história - aquela velha recomendação de Leon Trotsky - como o lugar adequado para destinar a Sir Cameron.

                     E a imolação da pobre deputada trabalhista  Jo Cox, brutalmente assassinada por um energúmeno, malgrado todas as homenagens, sessões especiais do Parlamento e demais rapapés  decerto ultra-merecidos,  de que valeu ? Não acham acaso que o riso boçal estampado nos jornais pelo líder do Ukip, Nigel Farage, é mostra bastante expressiva da satisfação (e do nível intelectual) de tais personagens?
 
                      E é toda a direita europeia que se açula e se assanha. Exemplos significativos estão em Marine Le Pen, do Front National,  Nigel Farage, líder do Ukip e o Primeiro Ministro húngaro Viktor Orban, Lider do Fidesz, dito de centro-direita...                    



( Fontes: Folha de S. Paulo, The New York Times, O Globo )

Lembranças de meu Tio Adolpho (XIX)

                         

       Posso agora, sempre contando com a paciência do leitor, rematar o capítulo relativo à chamada ciranda dos bancos.
       Os empréstimos, mais do que necessários, eram indispensáveis para que Adolpho levasse avante o seu projeto de um Bloch Editores não mais amarrado a pequenas realizações editoriais, mas também a vetores na área do audio-visual.
        A inserção de Bloch Editores também no campo da televisão não constituía, por conseguinte, mero plano de agregar mais um veículo às suas organizações. A grandeza dessa iniciativa, se continha algo do projeto inicial de Irmãos Bloch, representou salto de qualidade, algo que se pode cotejar com a atividade anterior, mas que dela difere pelo próprio âmbito, assim como tampouco se confundem as progressões aritmética e geométrica.
        Com efeito, o audio-visual não constituía, no sentir de Adolpho, mera projeção de vaidade. A ambição de Adolpho Bloch não se restringia, por conseguinte, a simples adendo, espécie de me-too (eu também), a acrescentar às realizações e empresas de Bloch Editores.
        Para Adolpho, no campo e parâmetros que atingira, ficar parado equivalia à quase confissão de incapacidade de atingir a dimensão de seus competidores.
         Na verdade, no microcosmo brasileiro, se nominalmente há muitas empresas televisivas, a par da principal, as demais constituem redes-sombra que não têm condições de emparelhar-se, em termos de efetiva concorrência, à organização líder nesse campo.
          Em posição não tão favorável quanto à encontrada pela empresa-líder quando encetara a própria caminhada empresarial, eis que na prática, se esfacelara, com a partida de Assis Chateaubriand, a rede Tupy, ainda embrionária. Sem descontar o aporte Time-Life, não há negar que o desafio - no sentido toynbeeano do termo - para a eventual rede Manchete era de enorme magnitude.  Ela, no entanto, não desencorajaria  um empresário do porte e quilate de Adolpho Bloch.                     
            No entanto, a instituição da Rede Manchete, se teve o selo do regime imperante - o general-presidente na época era João Batista Figueiredo, e seu principal ministro Golbery do Couto e Silva - e há elementos que o confirmem -  não há notícias que de longe  aproximem o apoio recebido pela incipiente Rede Globo através do esquema do Time-Life e do suporte do regime militar (através de financiamentos do BNDES) à concessão de eventuais facilidades de crédito à embrionária Rede Manchete.
           Daí a necessidade da chamada ciranda bancária. Adolpho e suas empresas careciam da assistência dos principais  bancos particulares da época, como o Banco Nacional, de Magalhães Pinto, o Banco Econômico, de Angelo Calmon  de Sá, e outros poucos mais.       

          A Rede Manchete  lançou  sua primeira novela em julho de 1985, Antonio Maria, escrita e dirigida por Geraldo Vietri. O papel título coube ao ator português Sinde Filipe, sendo o último capítulo transmitido a 23 de novembro de 1985. A Rede Globo encontrava, assim, uma concorrente de peso. A Rede Manchete lançaria nos próximos anos dezenove novelas, sendo dezesseis ainda em vida  de Adolpho Bloch. Mas tal será objeto dos próximos blogs.             

sábado, 25 de junho de 2016

De Censura e Magistratura

  
                                       
Ministra do STF defende jornalistas do Paraná


         A recente - e singular - ação conjunta de juízes no Paraná, contra jornalistas paranaenses, a pretexto da divulgação pelo jornal "Gazeta do Povo" pela sua reportagem  que divulgou salários e benefícios por esses magistrados, mereceu oportuna censura da Ministra Carmen Lúcia, no 11° Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo  (Abraji).
           Carmen Lúcia que - em boa hora - será a próxima Presidente do Supremo e do CNJ, sucedendo ao Ministro Ricardo Lewandowski, afirmou nessa oportunidade: "o dever da imprensa não pode ser cerceado de maneira  nenhuma".
           Como se sabe, os magistrados do Paraná chocaram a Nação com uma série de 48 ações instauradas de forma coordenada contra jornalistas da "Gazeta do Povo", motivadas pela circunstância de que as reportagens divulgavam seus salários e benefícios.
           A tal propósito, a magistrada - com o mesmo caráter incisivo com que derrubara a censura de biografias, vergonhosamente vigente por demasiado tempo - afirmou: "Quem está no espaço público tem uma esfera de privacidade diferente de quem está em casa. Dizer quanto o juiz ganha não está no espaço da privacidade. É o cidadão quem paga. Ele tem o direito de saber."

Fora a mordaça do CNJ!

           É de ver-se com grande prazer que em breve a Ministra Carmen Lúcia sucederá à presidência do Supremo Tribunal Federal, no que substituirá o Ministro Ricardo Lewandowski.
           Durante a sua gestão na presidência do Supremo, o Ministro Ricardo Lewandowski orientou tal período pela respectiva discrição. Nesse contexto, ficaria eu assaz surpreso se Sua Excelência se manifestasse - como acaba de fazê-lo a Ministra Carmen Lúcia - contra a ação coordenada por magistrados paranaenses no que toca aos jornalistas que publicaram reportagens sobre os salários e benefícios recebidos por juízes paranaenses.
           Essa surpresa, de resto, não houve nas  inúmeras restrições impostas durante o biênio sob Lewandowski à atuação do Conselho Nacional de Justiça, manietando além disso a ação da respectiva Corregedora.
           
           Sob a Ministra Carmen Lúcia - quem não terá presente a sua posição contra a censura nas biografias, longo tempo tolerada - não tenho decerto dúvidas de que tanto no CNJ, se afastarão as restrições de índole burocrática do período Lewandowski, assim como a postura corporativa que vê na ação propositiva do CNJ uma ameaça para a judicatura, quando a índole desse órgão proposto pelo Ministro Jobim é a de modernizar e afastar o vezo corporativo nos juizados de primeira e segunda instância, que tanto emperra a modernização e a democratização de nossos juízes.



( Fonte:  O  Globo )

Colcha de Retalhos D 27

                             
Vexame olímpico ?

           Segundo noticiou ontem a Rede Globo e hoje o New York Times,  o laboratório instalado pela autoridade olímpica brasileira para testar eventual doping dos atletas participantes nas Olimpíadas do Rio de Janeiro foi fechado pelo organismo internacional encarregado.
          A razão aventada foi que o citado laboratório anti-doping - que testaria todos os atletas participantes no próximo grande evento internacional - não atenderia às prescripções ora vigentes.
          Em resposta, a autoridade brasileira declarou que se tratava de um equívoco, e que um contato com o organismo internacional sanaria as dúvidas eventualmente existentes.
          A verificar...

Vexame nacional ?

           O antigo jogador Romário - que começou sua carreira futebolística no Vasco da Gama - sempre se assinalou pela respectiva astúcia e esperteza no seu campo de atuação.
          Por força de sua personalidade, Romário manteve posição em que, se se podia por vezes discordar da respectiva linha de ação, não se poderia decerto pôr em dúvida a respectiva inteligência e objetividade, quer na defesa dos interesses dos jogadores, quer agora na votação do impeachment de Dilma Rousseff.
          Por isso, Romário tem feito boa carreira política, tanto como Deputado pelo PSB, quanto agora como Senador representando o Rio de Janeiro. Nessa última eleição ele venceu sem maiores dificuldades o veterano político e ex-prefeito do Rio, Cesar Maia.
           Romário tem sido incluído ultimamente entre os "indecisos" no voto a respeito da confirmação do impeachment para a Presidente Dilma Rousseff.
            No entanto, a coisa não para aí. Corre o boato - que espero não seja de boa fonte - que Romário estaria ativamente considerando a hipótese de pedir licença, para que assuma o seu suplente, João Batista Lemos, que é do PCdoB!
            Quero crer que isto não seja verdade. Primeiro, porque vai contra a reconhecida inteligência de Romário, que estaria, ao fazer essa prá lá de dúbia jogada, desmoralizando-se ao prestar-se a tal lance, em que ele pretextaria uma desculpa qualquer e entregaria o voto a seu suplente,  um parlamentar do PCdoB, que todos sabemos  caudatário do PT, o que implicaria em mais um voto para que a incrível Dilma Rousseff volte à Presidência.
              Há gestos, meu caro Romário, que marcam uma pessoa e mostram o seu caráter. Você tem a oportunidade de mostrar ao que veio, reiterando o voto a favor do impeachment de Dilma.
              Mas se prefere dar um tiro no pé, você estará desmoralizado como político: a) primeiro, porque recorre a um pedido de licença que cheira mal;)
              b) segundo, porque fazendo assim, V. não engana ninguém, pois está apenas cedendo a faca para que outrem golpeie o Presidente interino...



( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )







































                                        De  Censura e Magistratura
                               
Ministra do STF defende jornalistas do Paraná
          A recente - e singular - ação conjunta de juízes no Paraná, contra jornalistas paranaenses, a pretexto da divulgação pelo jornal "Gazeta do Povo" pela sua reportagem  que divulgou salários e benefícios por esses magistrados, mereceu oportuna censura da Ministra Carmen Lúcia, no 11° Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo  (Abraji).
           Carmen Lúcia que - em boa hora - será a próxima Presidente do Supremo e do CNJ, sucedendo ao Ministro Ricardo Lewandowski, afirmou nessa oportunidade: "o dever da imprensa não pode ser cerceado de maneira  nenhuma".
           Como se sabe, os magistrados do Paraná chocaram a Nação com uma série de 48 ações instauradas de forma coordenada contra jornalistas da "Gazeta do Povo", motivadas pela circunstância de que as reportagens divulgavam seus salários e benefícios.
           A tal propósito, a magistrada - com o mesmo caráter incisivo com que derrubara a censura de biografias, vergonhosamente vigente por demasiado tempo - afirmou: "Quem está no espaço público tem uma esfera de privacidade diferente de quem está em casa. Dizer quanto o juiz ganha não está no espaço da privacidade. É o cidadão quem paga. Ele tem o direito de saber."

Fora a mordaça do CNJ!

           É de ver-se com grande prazer que em breve a Ministra Carmen Lúcia sucederá à presidência do Supremo Tribunal Federal, no que substituirá o Ministro Ricardo Lewandowski.
           Durante a sua gestão na presidência do Supremo, o Ministro Ricardo Lewandowski orientou tal período pela respectiva discrição. Nesse contexto, ficaria eu assaz surpreso se Sua Excelência se manifestasse - como acaba de fazê-lo a Ministra Carmen Lúcia - contra a ação coordenada por magistrados paranaenses no que toca aos jornalistas que publicaram reportagens sobre os salários e benefícios recebidos por juízes paranaenses.
           Essa surpresa, de resto, não houve nas  inúmeras restrições impostas durante o biênio sob Lewandowski à atuação do Conselho Nacional de Justiça, manietando além disso a ação da respectiva Corregedora.
           
           Sob a Ministra Carmen Lúcia - quem não terá presente a sua posição contra a censura nas biografias, longo tempo tolerada - não tenho decerto dúvidas de que tanto no CNJ, se afastarão as restrições de índole burocrática do período Lewandowski, assim como a postura corporativa que vê na ação propositiva do CNJ uma ameaça para a judicatura, quando a índole desse órgão proposto pelo Ministro Jobim é a de modernizar e afastar o vezo corporativo nos juizados de primeira e segunda instância, que tanto emperra a modernização e a democratização de nossos juízes.



sexta-feira, 24 de junho de 2016

Pedestres em perigo !

                                 

         Por todos esses anos, o senhor Eduardo Paes, Prefeito reeleito da mui leal e heróica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, vem dispensando com olímpica indiferença aquela segurança de que devem dispor os atribulados moradores da que será em breve a sede das Olimpíadas do Rio. Essa atitude de menosprezo do Senhor Prefeito concerne notadamente à segurança dos transeuntes nas calçadas cariocas.
         Esse espaço, reservado em terras civilizadas, de forma exclusiva aos pedestres, vê-se ora invadido pela sanhuda e apressada travessia de um sem-número de ciclistas, seja em bicicletas tradicionais ou motorizadas, seja em triciclos encarregados de transportar artigos de supermercados, quitandas e até de armazéns.
         São em geral jovens os que pedalam esses biciclos ou triciclos, e por isso se julgam senhores do pedaço, e nele fazem todo tipo de manobra, com que pensam contornar a para eles incômoda presença de transeuntes.
         Como é próprio da idade, eles sequer cogitam dos eventuais riscos para toda a gente que antes se acreditava a salvo em uma calçada.
         Tenho notado nos últimos tempos - dada a total falta de qualquer controle ou de intervenção de guardas municipais - que a desenvoltura desses elementos tem crescido, assim como o desrespeito pela presença dos pedestres, membros do grupo de pessoas para as quais são construídas em exclusividade as calçadas. Pois no circuito Elizabeth Arden, tais indivíduos sequer carecem de qualquer instrução específica. Os ciclistas sabem que devem usar o capacete apropriado para esse veículo, respeitar nas ruas as mãos respectivas, parar nos sinais vermelhos, e se conformar aos apitos dos guardas municipais.
          Nada disso em Pindorama parece para valer. Se há ciclovias, eles não respeitam as direções respectivas, se há semáforos eles tampouco atentam para eles, como se fossem aparelhos que valem para os pedestres e os carros, mas não para os ciclistas.
          As antigas calçadas, antes santuários para os pedestres, as babás e as crianças, hoje constituem espaço de deus-dará de que se servem, agressivos e apressados, esses ciclistas que se esbaldam nesse pandemônio, como se ele fora construído apenas para   seu deleite ...
          Não a inépcia - pois esta presumiria alguma presença - mas a total ausência da prefeitura, através de seus agentes, é a causa de toda essa impetuosa invasão do espaço alheio.  
         A impressão que alguém poderia ter é de que o senhor prefeito Eduardo Paes sempre  nutriu  olímpico menosprezo pela segurança dos transeuntes. Apesar da ameaça dos ciclistas que invadiram as calçadas, semelha não dar-se conta do risco colocado por essa crescente, afoita presença num espaço  reservado,  em terras civilizadas exclusivamente aos pedestres. Justiça lhe seja feita, pois até o momento se pode nutrir a impressão de que teria olímpico menosprezo para com a segurança dos pedestres. Sem embargo, além do magno evento das Olimpíadas - que trará multidões de turistas vindos do Circuito Elizabeth Arden, assim como de outras destinações menos prestigiosas, mas com igual ideia de o que fazem jus em matéria de segurança viária - o arrogante ou ignorante desrespeito dessas regras que servem para garantir a segurança dos pedestres (e preservar a cidade olímpica do vexame de um acidente provocado por essa atmosfera de vale-tudo) não é nada difícil de ser evitado, passando a impor-se doravante a todos os seres humanos, nacionais ou estrangeiros a aplicação da salutar lei do respeito ao pedestre.
           Bastaria exercitar e habilitar os guardas-municipais para fiscalizarem o trânsito das bicicletas nos seus locais previstos, dando a turistas e todo o público humano que caminha por calçadas a desejável segurança.
           No futuro, a autoridade que tivesse consciência do risco que corre ao convidar tantos estranhos indefesos a essa Cidade que para alguns parece sem lei, eu gostaria de lembrar que, para as pessoas que se dispõem a prestar exame de motorista, o manual do DETRAN recorda que o ciclista também está sujeito a obedecer todas as leis do trânsito. Isso seria muito bom, porque nos preservaria a todos, tanto nas calçadas (que é espaço a eles defeso), quanto no respeitar as mãos e os sinais do trânsito. Esse respeito, por ora, inexiste: ou será que alguém viu algum ciclista que respeite rigorosamente - como lhe determina o tal manual editado pelo Detran - as leis do trânsito, inclusive as mãos das ruas, os sinais e o escambau?

              O Senhor Prefeito pode dizer até que é praga, mas eu discordo: já pensaram no benefício que teriam os pedestres cariocas se algum visitante estrangeiro aqui chegado para assistir aos famosos jogos olímpicos, sofresse algum acidente, por menor que seja, pelas  rodas de algum trêfego ciclista? Pois, pelas regras locais, só  então as autoridades de Pindorama se dariam consciência do permanente risco a que estão submetidos os mui sofredores  habitantes dessas paragens!?

Cameron e a lata de lixo da História

                             

        A imprudência do Primeiro Ministro David Cameron parece ter-lhe  selado o próprio destino político e, por infelicidade do antigo Reino Unido, também a sua permanência na União Europeia.
        Com o seu rictus característico - em momentos de tensão - com o lábio superior comprimido pelo inferior, diante do púlpito montado junto à simbólica porta do 10, Downing Street, Cameron já anunciou a próxima renúncia, golpeado por  crise de que foi o principal criador.
        Com grande leviandade, Cameron para contornar uma crise menor, anunciara a convocação de referendo sobre a permanência ou não na U.E. Essa falta de prudência, conjugada com  má avaliação dos riscos envolvidos, seriam a perda de David Cameron.
        Tampouco foi pequena a diferença entre o Brexit (apontando a saída da U.E.) e o Remain (a permanência).  Além de ser marcada pela estúpida imolação de ainda jovem deputada trabalhista, Jo Cox, as consequências da dilaceração de união de 43 anos se apresentam a desencadear-se sobre a incapacidade política de Cameron, que já é reflexo da decadência como poder político e econômico do Reino Unido, condição que reponta desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
        O insularismo inglês, e a sua condição de Grande Potência, desapareceu no século XX, como decorrência das duas Grandes Guerras no Continente europeu, que projetaria, após 1945, um mundo com duas superpotências, i.e., os Estados Unidos e a União Soviética. As antigas européias, a França e a Inglaterra receberam prêmios de consolação, com afirmação de potência que não mais correspondia à realidade. Por sua vez, a inclusão da China representou, por um tempo, uma sinalização de potência futura.
          O século XXI nos mostra a Rússia em processo de recuperação, embora a sua potencialidade por ora esteja mais na audácia de Putin, do que na realidade fática. A União Européia continua um fato econômico, sob a liderança de Alemanha parcialmente recuperada da insânia hitlerista.
           A miopia de David Cameron ainda não produziu todos os efeitos negativos que a estúpida decisão de brincar uma vez mais com o referendo torna possível (Tony Blair convocara outro similar, em 2006, em que logrou vencer, mantendo a permanência do Reino Unido na União Européia). Como a Escócia - que recentemente tentou a via independentista - sufragou no referendo de ontem a permanência na U.E., semelha muito provável que o velho reino de Maria Stuart tente uma vez mais sua separação da Inglaterra. Também na Irlanda do Norte, prevaleceu o sufrágio em favor da permanência na organização de Bruxelas.
              Cameron já é um morto-vivo político, eis que o seu sucessor - que semelha ser Boris Johnson -  está com a própria candidatura nas ruas.
               Não surpreende que os movimentos de extrema-direita - como o de Marine Le Pen, na França - já se assanhem com a perspectiva de projetos análogos, posto que semelhe difícil que os povos europeus como o francês se entusiasmem com tais anacronismos.
                Quanto ao redimensionamento do Reino Unido - com a ulterior ameaça das defecções escocesa e da Irlanda do Norte - a precipitação cambial da libra esterlina diz bastante do nervosismo do mercado quanto às novas perspectivas que a falta de visão política (para não dizer sólida mediocridade) de  David Cameron tornou, de súbito,  uma triste e, na aparência, irremediável consequência.


( Fontes: The New York Times, O Globo, Lev Trotsky )                   

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Lembranças de meu Tio Adolpho (XVIII)

                      

        No começo do blog anterior, reportei-me à ciranda dos bancos a que o tio Adolpho se via forçado a realizar, direta decorrência de seu projeto de desenvolver Gráficos Bloch, a ponto de tornar a designação longínquo sinal de o que tinha sido o ponto de partida das Organizações Bloch.
        Não era por cega ambição que Adolpho seguira e implementara tal projeto.  Preocupava-se com a criação de organização ampla, que não se limitasse apenas às revistas, como Manchete, Fatos & Fotos, e tantas outras voltadas a um público específico.
        Entregando o projeto da sede das Organizações Bloch - a que a antiga localização na Frei Caneca não mais satisfazia - ao arquiteto Oscar Niemeyer apontava para compromisso não só com a qualidade, mas também com projeto que transcendesse os limites até então provincianos do setor editorial.
         Para financiar tais iniciativas, Adolpho não podia dormir sobre os louros até então logrados. Sua ambição o empurrava para limites e objetivos mais altos, que colocassem o Brasil em níveis até então apenas arranhados, como sói acontecer na Terra da Santa Cruz, como nos escreve Frei Vicente do Salvador, no exemplo dos caranguejos a arranharem as costas do Brasil.
           Como não o motivaria a audácia de Juscelino Kubitschek, disposto a criar  a realidade de um Brasil por fim disposto a cumprir o mandamento de levar o próprio governo para o centro deste país-continente? Além de libertar-se dos velhos liames do litoral, seguir os passos dos bandeirantes não seria apenas aventura vazia, mas empresa voltada a despertar o nosso vastíssimo interior, escassamente populado, e cuja gente carecia de ser integrada ao projeto de um verdadeiro Brasil-continente.
           Pela sua natureza, Adolpho acolheu não só com prazer, mas também com entusiasmo, o governo novo de JK, que saía do ramerrame provinciano, e procedia em um quinquênio o seu programa de metas, que Juscelino ultimaria na sua meta-síntese, a nova Capital.
           Ao preferir atender ao chamado de quem se tornaria mais tarde seu amigo, Adolpho Bloch seguia prazerosamente a própria inclinação. E a sua ânsia de libertar-se das vistas acanhadas do provincianismo se reflete não só na construção dos dois edifícios-sede na antiga praia do Russell, mas sobretudo no sonho que tais projetos do arquiteto Oscar Niemeyer ensejavam tornar realidade.  Reporto-me às melhores condições de trabalho não só para o grupo editorial, mas também um novo ninho que abrigasse outra férvida ambição de Adolpho.
              Para o meu tio, nenhum projeto editorial no fim do século XX poderia admitir a lacuna de não adentrar a senda da televisão.
              Gráficos Bloch chegara um pouco tarde nesse campo, mas o que aí realizou em relativamente tão exíguo tempo nos faz hoje deplorar-lhe a forçada ausência. Mas disso trataremos oportunamente.
               Volto, no entanto, à questão que já adumbro nessa série sobre a magnitude do esforço e a consequente necessidade de financiá-lo.
                Daí, a ciranda bancária. Os prazos dos empréstimos exigindo repetidas renovações. Tudo isso implicando em esforço de financiamento que um contador conservador consideraria além de o que fazia prudente e necessário.
                 Adolpho sempre se voltara para os Bancos, e tinha com eles relação que oscilava entre a cordialidade e eventuais tensões, vindas dos objetivos a serem cumpridos, e das metas por vezes havidas como demasiado ambiciosas.
                  Desde o tempo de Gráficos Bloch, na Frei Caneca, em que  os irmãos Bloch - Boris, Arnaldo e Adolpho - empreendiam os primeiros passos, surge a cooperação com o Banco do Brasil.  Nesta fase, em que Adolpho ainda desempenha papel júnior, quadros desse grande banco estatal estão presentes na sede da Frei Caneca. E alguns deles passarão a atuar na organização, nessa fase embrionária de Bloch Editores. Menino ainda, eu os via nos acanhados escritórios dessa firma, que aos poucos engatinhava para as revistas especializadas, e que mais tarde se transformaria em Bloch Editores.

                    Mas a presença de funcionários do Banco do Brasil já indica a intenção dos irmãos Bloch de valer-se de financiamento para a eventual transformação do grupo. E será disso que me ocuparei no próximo blog.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O referendo no Reino Unido

                                   


         Por estranho que pareça, o Primeiro Ministro David Cameron foi, como os leitores desta coluna talvez se recordarão, quem teve a ideia de propor fosse submetida a referendum (mais uma vez!) a permanência do Reino Unido na União Européia.
         Digo que é estranho porque Cameron deseja hoje passar por partidário da permanência. Nenhum  Primeiro Ministro em sã mente pensaria em levantar tal questão,  se fosse defensor da presença do Reino Unido na U.E.
        Primo, pela longa luta de Londres para ingressar  no Mercado Comum Europeu (a organização que antecedeu a U.E.), e as peripécias dramáticas desse esforço. Da primeira vez, como se sabe, a tentativa inglesa fora barrada por famosa conferência de imprensa do General Charles de Gaulle.
        Secondo, o ingresso do Reino Unido só se daria anos mais tarde, sob o governo de Ted Heath (primeiro ministro conservador), quando de Gaulle já desaparecera do quadro. Mais adiante, no gabinete de Tony Blair, que é  do Labor Party (partido dos trabalhadores), já tinha havido referendo que levou à confirmação da presença inglesa.
       Terzo, não é só minha impressão, mas Cameron nunca demonstrou muito zelo na defesa da permanência em Bruxelas.  A sua inepta ideia de brincar com fogo o levou a prometer colocar sob referendo a proposta da saída ou não de Reino Unido da União Européia. Cameron hoje se declara adepto da U.E., mas a maneira com que procedeu, pensando instrumentalizar a questão de Bruxelas como um jeito de ganhar tempo só mostra a respectiva irresponsabilidade (além de induzir à dúvida se realmente este senhor é adepto da permanência na organização de Bruxelas).
         Jo Cox,  jovem e meritória deputada trabalhista,  foi brutalmente assassinada por um energúmeno, pelo simples motivo de apoiar a permanência do Reino Unido em Bruxelas.
        Agora se defrontam partidários da permanência - entre eles o próprio Cameron, não obstante haver criado o problema, apesar de dizer-se pró-Bruxelas - e os partidários do Brexit.  Muitas censuras tem sido feitas a Cameron, por dizer-se favorável a Bruxelas, e não trepidar em levantar essa questão (ele declara que jamais pensara que a saída da Inglaterra fosse ameaçada pelo referendo).
          Se o voto de amanhã for favorável ao Brexit, duas coisas deverão ocorrer.  Cameron será o bode expiatório (e desta feita merecerá a responsabilização e a consequente perda do poder), ou,  por um quase-milagre, mais uma vez o Reino Unido sobreviverá aos desejos insensatos de sair da Comunidade Europeia. Sem embargo, isto não salvará Cameron de enfrentar problemas, porque a sua liderança tenderá a ser contestada, inclusive por fazer o Reino Unido correr desnecessariamente o considerável risco de sair da UE, o que, se efetivado, terá consequências assaz negativas para a respectiva economia.   


( Fonte:  The New York Times )