segunda-feira, 31 de março de 2014

Revista da Semana (VII)

                                 

Vitória da Direita na França
 

            O presidente François Hollande amargou pesada derrota nas eleições municipais ontem realizadas na França.  Desde muito que o governo socialista de Hollande vem registrando aprovação popular muito baixa, o que agora se reflete no avanço da direita na França, com o antigo partido gaullista, atualmente UMP (União por um Movimento Popular), ganhando na maioria das 150 cidades com mais de nove mil habitantes.

            Também a Frente Nacional, de extrema direita, registra avanços importantes. Presidente da FN desde 2011, Marine Le Pen, filha de Jean-Marie Le Pen, deseja tornar o partido mais palatável para o eleitorado. Passou a negar ser de extrema-direita, e ambiciona tornar-se movimento patriota de direita (sic), que se contraporia aos dois partidos tradicionais, o Socialista, de esquerda moderada, e a conservadora UMP.

             No entender de Marine Le Pen, o bipartidarismo seria coisa do passado. Se o antes xenófobo Front National conseguir passar tal imagem para o eleitorado, superaria a barreira do Parlamento – eleito por voto distrital majoritário e não o proporcional – e formaria bancada bem superior aos dois deputados que tem atualmente.

              Diante do desastre político, é muito pouco provável que François Hollande não mude de Primeiro Ministro. O atual, Jean-Marc Ayrault passa imagem demasiado burocrática, e sem carisma, não somando à declinante popularidade do bloco socialista.

             Por isso, especula-se que Hollande chamaria o Ministro do Interior, Manuel Valls para o Palais Matignon (que é a sede do Primeiro Ministro). Se no Ministério do Interior a passagem de  Valls não se compara, por exemplo, à de Nicolas Sarkozy (cujo discurso o catapultou para a liderança da UMP e a presidência), a maioria de esquerda poderá diminuir, com a saída dos ambientalistas (que se opõem a Valls).

             Por outro lado, em Paris, o Partido Socialista elegeu para a prefeitura (mairie) de Paris, Anne Hidalgo. É a primeira mulher a ser eleita para o cargo.

 
Vitória do partido governista na Turquia 

 
           No que constituiu de certa forma uma surpresa, o AKP (Justiça e Desenvolvimento) logrou vencer nas eleições municipais turcas.  Dada a permanência no poder desse partido islamista moderado há doze anos, pode-se racionalizar o que o levou a coletar 45% dos sufrágios, enquanto a oposição de centro-esquerda (CHP – Partido Republicano do Povo) ligada ao kemalismo obteve 28% das preferências.

           Como o chefe do AKP, Recep Tayyip Erdogan, enfrenta há tempos oposição cerrada da juventude e de forças liberais, a par de sua postura autoritária e pesadas acusações de corrupção (inclusive gravações de conversas telefônicas com o filho que incriminam Erdogan), os totais dos islamistas nas prefeituras dão inesperado novo alento às pretensões de Erdogan de candidatar-se à presidência no pleito de agosto vindouro.

           Se o desgaste sofrido por Erdogan não pode deixar de ser computado, a sua força junto a população interiorana e de menor poder aquisitivo é fator que mantém vivas as  suas ambições presidencialistas.  Como as provas que o inculpam de corrupção passiva são respeitáveis, o seu triunfo, antes havido como certo, ora oscila entre o provável e o possível. Erdogan tem opositores temíveis, inclusive no próprio partido, e na hubris contraída pela longa permanência no comando ele coletou inumeráveis inimigos entre militares, jornalistas, intelectuais e a classe média turca.
          

Apoio popular à Revisão da Anistia

 

         Talvez em função dos trabalhos da Comissão da Verdade, assim como do cinismo que tem caracterizado declarações de ex-militares que confessam abertamente – e alguns mesmo se jactam disso – aumentou a maioria da população que apóia a revisão da Lei de Anistia (com que os militares em 1979 realizaram o que foi considerado uma auto-anistia). 

         Desse modo, agora 46% da população é a favor de anular a norma tal como foi aprovada em 1979, de modo a que possam ser julgadas e presas as pessoas que praticaram tortura, assassinato, sequestro, e outros crimes durante a ditadura militar.

         Os que são contra alterar a lei somam  37%. Nos entrevistados com curso superior, o apoio à revisão é de 52%,  e a taxa de rejeição à medida, de 40%.

         Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, em anos anteriores, votou contra a revisão da Lei da auto-anistia. No entanto, a jurisprudência internacional do direito internacional humanitário pende de forma marcada para a imprescritibilidade dos crimes de tortura e de atentados contra os direitos humanos. Tanto nas cortes europeias, quanto nas latino-americanas essa já constitui a tendência prevalente.

         Crescendo o apoio popular – conforme determinado pelo Datafolha – algum dia chegará ao nosso mais alto tribunal esta visão mais consentânea com a progressão do moderno direito humanitário. Quando ocorrerá esse magno evento, é outra história.

 

(Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo)

Rússia, Poder regional ?

                                

        Engana-se redondamente Barack Obama se pensa haver redimensionado Vladimir Putin ao apodar a Rússia de poder regional. Com efeito, se algo se pode determinar com certeza no que tange ao Senhor do Kremlin é que ele, um realista, não atribui muita importância a classificações.

        A exemplo de outros assim chamados homens fortes que no passado confundiram, por vezes, os seus interlocutores e as potências da época, Putin alterna a agressão e palavras de paz. Sem embargo, se se examinar com atenção a outra face do presidente russo, se verá que com discurso na aparência pacífico, ele persegue e/ou complementa o objetivo já parcialmente alcançado por meios bélicos ou de implícita violência.

        Veja-se, por exemplo, o seu inesperado telefonema para o presidente americano. Em tais circunstâncias, a tendência natural será interpretar a iniciativa como um eventual repensamento do agressor Putin, que estaria buscando uma via pacífica para consertar o imbróglio por ele aprontado.

        Terá sido, acaso, ingenuidade do Ocidente ver na atitude de Putin uma possível abertura?   Não, porque as pessoas e os governos, a quente, tendem a projetar na contraparte o que faria alguém que se pauta por um comportamento dentro das regras não-escritas das relações interestatais. Imagina-se, dessa maneira, que gospodin Putin reavaliou a questão, e, diante da reação ocidental, estaria inclinado a fazer algumas concessões. Argumento supostamente forte em tal sentido seria o fato de ele haver tomado a iniciativa de reatar o contato, o que implicaria, se nos ativermos à interpretação acima exposta, a uma matizada admissão de culpa.

        Daí, a boa repercussão do referido telefonema, fundada apenas em premissas retiradas tão só da mente a quem visa a comunicação de Putin. Nesse contexto, a personalidade autoritária de Vladimir Putin tem diversos exemplos na história recente. Quem não se recorda dos gestos conciliatórios – que tanto animavam os pacifistas – tomados por Adolf Hitler, v.g., tão logo após realizar um ato de força, com que os propósitos posteriores se achavam em frontal contradição ? O agressor que se apresenta como a parte ofendida e, não obstante, insinua genéricas disposições de paz, não constitui, no figurino do imperialismo, nada de novo. Trata-se tão só de um aparente recuo – que visa a vesti-lo de boas intenções – e cujo precípuo desígnio será ganhar tempo, para voltar, em futuro por ele determinado, com novos reclamos.

         Assim, Putin colheu a deixa de Obama de que se deve recorrer à diplomacia. Telefona, ex-abrupto, para a sua contraparte americana, a quem terá agradado, como é natural, a iniciativa, máxime por provir da parte com culpa no cartório. Putin, o ex-agente da KGB, que preza manter suas cartas bem junto do peito no jogo de poker de altas apostas, terá sido vago quanto às questões a serem discutidas, mas enfatiza a concordância com a tese do homólogo de privilegiar a diplomacia.   

         O americano imputa essa postura à suposta necessidade de Putin de camuflar o alegado erro da anexação da Criméia, motivo pelo qual o russo elogia o método propugnado por Obama. Sob tal suposição, que paira no ar como os aviões de Aporelli, o presidente estadunidense concorda com a proposta de Vladimir de entregar aos diplomatas a incumbência de resolver a questão.

           A linguagem será necessariamente vaga, porque o escopo de Putin é como se diz vulgarmente passar gato por lebre. Nada é muito especificado, e os dois concordam em atribuir aos seus ministros do exterior a missão de deslindar a questão.

          É humano, volto a dizê-lo, que Barack Obama tenha concordado na reunião entre John Kerry, o seu Secretário de Estado, e Sergei Lavrov, o eterno Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa. No entanto, marcada e realizada a reunião em Paris, ontem dia trinta, eis que se verifica que o intuito do presidente Putin não tem a ver com a sua agressão e ulterior anexação – dentro de ‘modelo’ que muitos pensavam superado, em um mundo dos pacta sunt servanda (os tratados devem ser cumpridos) – mas com outra aplicação da diplomacia, voltada esta para a Ucrânia!

          Com tropas na fronteira, Putin agora pensa em valer-se da interveniência diplomática para fazer avançar a causa das populações no oriente da Ucrânia, que são em maioria de fala russa. Depois de apoderar-se da Crimeia, e de todos os navios de guerra ucranianos que lá encontrou, Vladimir Putin quer valer-se da diplomacia para intervir nos assuntos internos do governo de Kiev, a que pede, a princípio com os punhos de renda do mister, tenha o devido juízo para federalizar aquelas regiões habitadas por gente de fala russa.

          Ignoro por ora qual terá sido a reação do Secretário de Estado Kerry quando inteirado da real motivação da reunião. Se assentiu à discussão, o que me parece pouco provável, abriu ainda mais a porta para a progressão das intenções de gospodin Putin.

          Enquanto o Ocidente e os Estados Unidos de Barack Obama não se conscientizarem de que estão tratando com um realista à antiga, cortado nos moldes do figurino imperialista – e que se lixa de meras designações como ‘poder regional’ -, e que só entenderá a linguagem da firmeza, vamos continuar a assistir a reprise do filme sobre os atos de força seguidos de lânguidos e ôcos gestos de afirmação de uma estranha paz.  

         Como é sempre bom lembrar que os cenários e as armas mudam, porém os homens nem tanto, vale repetir a afirmação de Virgílio na Eneida: Timeo Danaos et dona ferentes (tenho medo dos gregos sobretudo quando dão presentes). Como se vê, desde a guerra de Tróia as armas mudaram, mas não os homens.

 

( Fonte: The New York Times )

domingo, 30 de março de 2014

Colcha de Retalhos B 12

                           

A Comissão da Verdade e a Democracia
 
            Já tem sido objeto desta coluna o quanto difere a reação do estamento político brasileiro no que concerne ao antigo regime militar e  seu legado,  comparada com a de nossos irmãos sul-americanos, notadamente Argentina e Chile. Se a reação no segundo desses países foi mais difícil, dada a maneira da implantação da cruenta ditadura do general Augusto Pinochet, com o tempo as medidas contra os abusos militares  se têm reforçado, como se assinalam na Argentina, desde o Presidente Alfonsin com a sua energia e sobretudo coragem. Daí resulta reação civil e democrática muito mais resoluta.  

           Consoante referido no Folhetim de Fim de Semana, a nota Silêncio dos Militares, relativa à oportuna entrevista de Maria Celina D’Araujo à Folha de S. Paulo, que lança incômoda luz sobre a excessiva cautela da elite dirigente.  No episódio da demissão  do Ministro da Defesa José Viegas, pelo então presidente, devido ao fato  de ter desejado, como lhe era facultado, demitir o Comandante do Exército, por ato de insubordinação. Maria Celina atribui a singular decisão do Presidente Lula da Silva ao seu temor reverencial dos militares.
            Pouquíssimos presidentes na nossa história republicana tiveram a firmeza e a coragem de Epitácio Pessoa (exerceu o cargo de 1919-1922). Começou por designar dois civis para as duas pastas militares da época (Marinha e Exército), e fez frente ,com autoridade republicana, a diversas tentativas revolucionárias no seu agitado triênio. A tal hombridade não estavam os generais e almirantes acostumados desde a quartelada de Deodoro da Fonseca, quando foi derrubada, nas palavras de estadista argentino, a única república sul-americana.

            Para que o estamento dirigente e o poder civil ganhem confiança e o necessário brio, em atitude de que Luiz Inácio Lula da Silva, quando presidente, nos deu o anti-exemplo, como acima evidenciado.  Que tal se Câmara e Senado reconhecerem esse atraso lamentável, e começarem a propedêutica caminhada aprovando emenda constitucional à Constituição Cidadã para que nenhuma obra pública – federal, estadual e municipal – possa levar o nome de presidente não-constitucionalmente eleito.
             Por fraqueza, negligência ou incúria encontramos por esses Brasis afora, e em especial nas suas capitais, demasiados logradouros e obras que homenageiam  militares que se apossaram do poder por via de golpes ou de eleições indiretas e ilegais. Para que atitudes como as de Lula, com o seu temor reverencial possam ser varridas, é mais do que tempo de o Congresso e a elite dirigente fazerem honra às respectivas responsabilidades.

 

A Entrevista de Barack Obama

 
             Foi concedida a David Remnick, diretor da revista New Yorker, entrevista exclusiva do Presidente Barack Obama[1] que se estendeu por viagem dominical do Air Force 1 (avião presidencial) a estados do Pacífico, e que terminou em Washington.       

            Dentre os tópicos versados, Remnick menciona a sua visita (no último verão boreal) ao maior campo de refugiados sírio na Jordânia, quando colheu de muitos deslocados pelo conflito expressões de raiva e consternação pela inação dos Estados Unidos.
           Em conversação posterior, Remnick assinala que perguntou a Obama “se ele se sente perseguido (haunted) pela Síria”. A esse respeito, após frisar que raramente cai a máscara de seu equilíbrio, nesse momento expressão de indignação cruzou o seu semblante. “Eu me sinto assombrado (haunted) pelo que aconteceu, mas não sou assombrado por minha decisão de não engajar os Estados Unidos em outra guerra médio-oriental. É muito difícil imaginar um cenário  em que nosso envolvimento na Síria  teria levado a um resultado melhor, a menos que estivéssemos dispostos  a empreender esforço similar em tamanho e escopo ao que empreendemos no Iraque.”

          Como se sabe, Obama deve em grande parte a sua vitória nas primárias democratas contra Hillary Clinton à sua firme posição contrária à ruinosa guerra do Iraque. A nomination[2] de Hillary, havida antes como certa, ficou no caminho, pelo seu voto favorável à guerra contra Saddam Hussein.

          São compreensíveis, portanto, as razões de Obama para não embarcar em novo conflito. No entanto, ao final do primeiro mandato, ele recebera de parte das mais importantes autoridades no campo da Defesa a recomendação de armar e treinar grupos selecionados de rebeldes sírios. Sem embargo, Obama rejeitou essa sugestão de Hillary Clinton (Secretária do Exterior), Leon Panetta (Departamento da Defesa) e do general David Petraeus, da CIA. No Congresso, teria o apoio do Senador republicano John McCain.

          Na época, o ditador Bashar al-Assad estava em clara desvantagem na guerra civil. Falava-se, inclusive, na iminência de sua queda e fuga, e as implicações do Tribunal Penal Internacional (TPI). Como já vimos este filme, a negativa de Obama resultou na total inação estadunidense, de que resultaram os profusos agradecimentos de Putin, Khamenev (Irã) e Nasrallah (milícia do Hezbollah), sem falar do próprio ditador sírio. O alegado substituto proposto da conferência de paz em Genebra teve o roteiro peculiar dessas reuniões internacionais. Atualmente, a situação sanitária  (V.  poliomielite) e humana (com enormes campos de refugiados), a par da militar (com a reação de al-Assad) e o incremento da participação islâmica radical, todas se afiguram deploráveis. O mais penoso foi o enfraquecimento da Liga Rebelde, que antes estaria próxima da vitória.

             Nesse contexto, o principal erro de Barack Obama foi recusar qualquer ajuda. Recusou a proposta do establishment  da Defesa americana, que propunha um modo flexível de ajudar a Liga Rebelde. Ao negar de plano qualquer auxílio, Obama ficou responsável não só pelo incremento do atoleiro sírio, senão pela reação do campo do ditador. Não surpreenderá, portanto, que demonstre irritação quando colocado diante do subsequente caos na Síria.

 

Paulo Francis e a Petrobrás

 
           Carlos Heitor Cony, de sua coluna semanal na Folha, relembra, com muita oportunidade, a morte de Paulo Francis e  suas causas imediatas.

            Já me ocupei deste assunto no blog, a propósito do excelente documentário de Nelson Hoineff. No seu capítulo final, temos o quadro veraz de uma tragédia anunciada.
            Paulo Francis foi imprudente ao fazer acusação genérica “ao pessoal da cúpula da Petrobrás, que estaria enriquecendo por conta de negócios criminosos relativos à compra de equipamentos na área do petróleo.”

            A propósito, não surpreende que a nota de Cony coloque  em cinco parágrafos  o que é útil e pertinente para o entendimento do leitor. Não foi por acaso, no entanto, que o processo contra ele foi movido no foro de New York. Nesse lance, os diretores da Petrobrás exigiriam dele a sua libra de carne. Valeram-se do poder da estatal para transferi-lo para a justiça americana, como se o programa da Manhattan Connection, falado em português e dirigido para a Rede Globo no Brasil, tivesse algo a ver com os Estados Unidos.
            Como referi, a esse quadro deve ser acrescentada a pairante indiferença do então Presidente, que no depoimento filmado até se pergunta se o diretor da Petrobrás teria retirado a denúncia.

            A angústia provocada pela astronômica indenização a ser cobrada de Paulo Francis pelos advogados nova-iorquinos, contratados pela Petrobrás, completou o cruel trabalho. O coração de Paulo Francis sucumbiu ao stress brutal, mal-atendido (erro de diagnóstico) que foi por médico brasileiro radicado nos States.  

            Na sua cerimônia do adeus para Paulo Francis, o filme de Hoineff ‘Caro Francis’ nos ajuda a entender melhor a impaciência do retratado com a mediocridade humana. Afinal, morreu por causa dela.
 

O Velho Truque do GOP
           
  
             O Partido Republicano é daqueles que não morre de amores pelo Povo. Quando assume o poder, por ora no âmbito estadual [3], logo cuida de dificultar o acesso do povo (leia-se os menos favorecidos, afro-americanos, idosos, latinos, etc.) aos locais de votação. Nesse contexto, estão muitos vivos na memória as infindáveis filas nas seções eleitorais da Flórida e de Ohio, filas essas criadas pelas dificuldades burocráticas impostas às massas que desejavam sufragar políticos que defendam as suas reivindicações.

               Por outro lado, não faz muito, a Suprema Corte (ainda dominada pela corrente conservadora) resolveu com simples penada apagar uma das maiores conquistas democráticas no sentido de submeter os estados sulistas à revisão de suas leis com propósitos antidemocráticos (dificultar o acesso de negros aos postos de votação, por exemplo). Sob o lábil pretexto de que agora o Sul é democrático, foi dispensada a dita revisão.

                Por causa dessa gentileza do Supremo (a maior e impar delas foi decerto a eleição de Bush Júnior pela interrupção da contagem de votos na Flórida que daria o sufrágio indireto daquele estado a Al Gore), vários estados sulistas já estão atualizando as suas leis eleitorais. Nesse contexto, os nervosos republicanos nos estados do Sul (em que a alternância no poder é uma potencial realidade) já preparam leizinhas para dificultar o voto das perigosas minorias.

               Assim, em nove estados, vemos de novo proliferar essa legislação odienta e antidemocrática: além da Carolina do Norte e do Arkansas, no Sul, cabe sinalizar Dakota do Norte, Ohio, Wisconsin, Indiana, Nebraska, Tennessee e Virginia.

 

(Fontes: The New Yorker; Documentário ‘Caro Francis’; Folha de S. Paulo; O Globo; The New York Times)



[1] Entrevista publicada a 27 de janeiro de 2014.
[2] Designação pelo Partido Democrata como candidata à Presidência.
[3] No plano federal, por enquanto, o seu desígnio tem sido contra-arrestado.  Mas o GOP tem muitas ideias nefastas a respeito.

sábado, 29 de março de 2014

O Telefonema de Putin


                                    
       Vladimir Putin telefonou para o Presidente Barack Obama. A chamada foi de iniciativa do presidente russo, e Obama a respondeu em Ryadh, na Arábia Saudita, onde se encontrava.

       Talvez o mais importante do evento seja o telefonema em si. De parte americana, se sublinhou a preocupação com os movimentos de tropa russos na fronteira da Ucrânia oriental, assim como o mal-estar internacional com a anexação ilegal da Crimeia; e de parte russa, a comunicação teria surgido com problemas na Ucrânia e a questão da Transnistria, pequeno país que se recusa a se tornar parte da Moldávia, e cuja única via de contato com a Federação Russa é através da Ucrânia (há um remanescente de tropa de paz russa na Transnistria).

       Segundo transpirou, Barack teria acedido à sugestão de Putin de que a questão em tela seja discutida pelas principais autoridades diplomáticas dos dois países.

       À primeira reação favorável – baseada na presunção de que o presidente russo tenha sentido que a reação do Ocidente – e os consequentes eventuais prejuízos para Moscou – haja sido maior de o que antevia.  Sem embargo, há muita desconfiança com respeito ao que está por trás do telefonema.  Muitos pensam que seja tão só um movimento de flanco, mais preocupado em ganhar tempo e deixar a poeira baixar, do que propriamente um arrependimento de gospodin Putin.

       Não só os precedentes em seu comportamento, quanto a entusiástica acolhida pela nação russa  da tomada da Crimeia, levam muitos a encarar com suspeição o telefonema e o que estaria por trás dele. Não obstante a incerteza, é encarado  de forma positiva que a divergência esteja sendo confiada aos diplomatas. Teria sido, de resto, sob tal premissa que Putin chamara Obama, ao ser inteirado de que o presidente americano favorecia a via diplomática para a eventual solução da questão.

      Demonstrando, por fim, que dão alta prioridade à questão, o Ministro do Exterior russo, Sergei V. Lavrov acertou com seu colega americano, o Secretário de Estado John Kerry, a primeira reunião em Paris, já para este domingo trinta de março.

     Desejando criar expectativa favorável, Lavrov disse que a Rússia e os Estados Unidos e seus aliados ocidentais já estariam estreitando suas diferenças com vistas a uma solução política e diplomática para a crise provocada pela recente anexação da Crimeia pela Federação Russa.

 

 

(Fonte: The New York Times)

sexta-feira, 28 de março de 2014

Eduardo Campos e Marina Silva


                           
        Muito esperados pelo público, os dez minutos da propaganda politica obrigatória não corresponderam ao que se anunciara na imprensa e que a experiência de ambos faria presumir. Colunista que vira projeção antecipada, falou de ambiência intimista na dupla candidata do PSB.

        Aguardava-se algo mais enfático e preciso. Quiçá as cobranças tenham sido maiores pelo que se antecipava da mensagem.

        A par de alguns momentos de E. Campos em que se referia a um quadro desalentador, parece-me que faltaram à transmissão palavras mais candentes e mais objetivas. Às compartilhadas avaliações, faltou a verve e sobretudo o acúmen do discurso de oposição.

        De certa maneira, as palavras genéricas se perderam em vasto e indefinido areal. Houve momentos que passaram como se nunca tivessem vindo.

        A própria direção cuidou de envolver as falas dos dois candidatos em um manto de penumbra, conjugado com estranhas faixas amarelas.

       Como no célebre dito, nós que queríamos mais luz e quiçá a claridade incômoda e penetrante da oposição, fomos apresentados a um palco de sombras, em que duas figuras trocavam frases comedidas que não sacudiam de um certo invasivo torpor o perplexo assistente.

        Passou a hora da academia política. O Brasil grita pelo descalabro da verdade e não carece de compostas conversas de compadres.

 
(Fonte:  Rede Globo)

quinta-feira, 27 de março de 2014

Pif - Paf (III)

                                        

    A Missão da Unasul em Caracas

 
            A explosão do descontentamento popular na Venezuela a partir de 4 de fevereiro registra saldo de trinta e seis mortos, e mais de quatrocentos detidos. A missão de Ministros do Exterior da Unasul – de que participa o Ministro Figueiredo – reuniu-se com o presidente Nicolás Maduro e o que é inusitado, encetou um diálogo com a oposição.

           Os líderes oposicionistas se mostram inclinados a dialogar com o governo, desde que cesse a onda de prisões e de violência. A Mesa de Unidade Democrática (MUD) se disporia a discutir sobre a situação, desde que haja um mínimo de compreensão e respeito democrático.
 

    Dilma despenca nas pesquisas
       

        Por força dos temores sobre a economia e os escândalos na Petrobrás, a pesquisa Ibope, encomendada pela CNI, mostra um quadro que não difere muito daquele que sucedeu às passeatas de junho, iniciadas em São Paulo.

         Assim, Dilma cai de 43% a 36%. Na verdade, as avaliações de bom ou regular se confundem, enquanto o péssimo está com 27%.

         A série de notícias ruins das duas últimas semanas – escândalo na Petrobrás, resposta açodada da Presidenta que só contribuíu para trazer a crise para dentro do próprio Palácio do Planalto, a nota ruím da economia, que nos faz revisitar patamares que pensávamos superados,  e indicações de que podem vir outras mais – tudo isso misturado tornou possível aprovações de CPIs que pelos frios números das maiorias chapa-branca pareceria algo inviável.

       Eduardo Campos vê decerto as suas chances melhorarem, e nesse contexto o PSB turbina a oposição. No Senado, o cenário é tal que Renan Calheiros já fala da necessidade  de ativar a CPI.      

     
        O saqueio da economia ucraniana 

      
          Gospodin Vladimir Putin realmente exagerou desta feita. Além de sua violenta baixada de nível, reintroduzindo nas relações internacionais o desrespeito dos tratados e a atmosfera da selva, em que o forte pode tudo, e ao fraco apenas resta a tíbia esperança de que os maus ventos dos corsários e piratas – que se pensava criaturas do passado – venham a desaparecer.

          Como a Rússia dispõe de fontes de energia e gás, as reações na Europa Ocidental se cingem por ora a uma prudente e cuidada linguagem diplomática, que em muitos rincões se confunde com o silêncio.

         Por enquanto, a pena mais gravosa para Putin foi o cancelamento da reunião do G-8 (hoje G-7) em Sochi. Ser chamado de potência regional não creio incomode muito ao Senhor do Kremlin. Por ora, antes que eventuais consequências negativas de seu desrespeito das relações externas, além da quebra de confiança na norma internacional, venham a ter  repercussões negativas para o povo russo, Putin pode encenar as suas fantasias de homem forte.

          Infelizmente, o ex-KGB Vladimir Putin se acredita acima do bem e do mal. Mais uma vez, por cair nesse tipo de comportamento, o presidente russo acredita poder banhar-se no êxtase da  popularidade  dos senhores da guerra.

          A espada, como ornamento, pode até compor a figura marcial. Como eventuais ídolos seus terão experimentado, o sortilégio tende a dissipar-se rápido, uma vez desembainhada.  

 

(Fontes: O Globo on-line, Folha de S. Paulo)

quarta-feira, 26 de março de 2014

Trincheiras da Liberdade B 5

                                    

Exclusão da Rússia

 
       Convocadas de urgência por Barack Obama – que parece ter acordado de seu torpor – as potências reunidas na Holanda decidiram excluir do G-8 [1](que passa a ser G-7) a Rússia, por comportamento não conforme aos princípios que orientam o Grupo.

       A Rússia estava há quinze anos no G-8, mas o seu profissional Ministro do Exterior, Sergei Lavrov, não viu problema na decisão: ‘se nossos parceiros ocidentais acreditam que esse formato está esgotado, não fazemos questão (dele)’.

       Dentro do festival Sochi, promovido por Vladimir Putin – o maior certâmen havia sido os Jogos Olímpicos de Inverno – esse centro invernal no Cáucaso não mais sediará, portanto, a reunião das principais potências, dado o cancelamento do encontro em Sochi.

       O afastamento da Federação Russa do grupo é faca de dois gumes. Se funciona como ‘punição’ pelo comportamento não-conforme ao direito internacional e aos tratados firmados do regime Putin, a reunião regular poderia ser cenário para discussões informais que tenderiam a dar via de escape para as tensões.

       Por outro lado, conforme referido anteriormente pelo blog, a Assessora de Segurança Nacional  Susan E. Rice anunciara uma reavaliação das relações com a Rússia pelos Estados Unidos.

       Não foram poucas as críticas dos dois principais partidos estadunidenses quanto à negligência de Obama no que tange às questões europeias (leia-se Síria e Ucrânia). A respeito, tem sido objeto de não poucas censuras a atitude de retraimento de Obama, não só quanto ao Ditador Bashar al-Assad, senão no que tange a gospodin Putin.

       A conversa com o então presidente Dmitri Medvedev representa marco importante. Captado por microfone deixado operante por descuido – o que seria uma espécie de ‘testemunha acidental da história’ -  Obama disse que oportunamente (depois das eleições presidenciais de 2012) cuidaria de desativar o escudo anti-míssil na Europa, que era um dos pontos de atrito de Putin com o Ocidente. Animado pela boa nova, Medvedev disse que se daria pressa em transmiti-la para Vladimir (que logo reassumiu a presidência).

      A interpretação de muitos é que esse escudo representava deterrente importante no que tange a Moscou, e que Vladimir Putin, uma vez reeleito para a presidência (no caso, uma formalidade) começou a tirar as deduções que a seu talante cabiam no que respeita às relações com o Ocidente (e o tratamento dos países considerados na sua suposta esfera de influência).

      Obama, na reunião da Holanda, não omitiu alfinetada em Moscou, a que denominou de ‘poder regional’.  

      Sem embargo, para Kiev – que acaba de assinar o acordo com a  União Europeia, acordo esse rejeitado na vigésima-quinta hora pelo então presidente Viktor Yanukovich, em favor da União Aduaneira proposta pelo Kremlin – a movimentação das tropas russas na sua fronteira oriental com a Rússia constitui motivo de grande apreensão, mormente após a tomada ilegal da Criméia.

 
 A Democracia Venezuelana

 
       Dois acontecimentos, um dos quais farsesco, refletem a real situação na Venezuela e a conveniência de acompanhar, com cautela e isenção, a evolução política naquele país.

       O Presidente Nicolás Maduro anunciou a prisão de três generais da Força Aérea que estariam conspirando contra o estado democrático chavista. Se há consistência ou não nesta grave acusação, os fatos não deixarão de demonstrá-lo. Com as iniciativas do governo chavista voltadas agora para a repressão de conspiratas militares, a situação naquele país não será das mais tranquilas, o que é direta decorrência da funda e sólida incompetência do sucessor do Comandante Hugo Chávez.

      Por outro lado, o presidente da Assembléia Nacional da Venezuela, sem trocadilho nos vem com uma descabelada decisão. Com efeito, Diosdado Cabello de sua curul assemblear anunciou que a deputada da oposição Maria Corina Machado perdera o  mandato e está proibida de entrar no recinto da Assembléia!

     A ‘motivação’ dessa  ilegal resolução – há um procedimento legal para as cassações de mandato, que obviamente não se coaduna com a intempestiva, sponte sua determinação de Cabello – está em que a deputada aceitou o papel de representante suplente do Panamá, e solicitou o direito à palavra em sessão da OEA nesta sexta-feira.  Dada a impossibilidade até agora de a OEA ouvir relato da oposição sobre a situação na Venezuela (com grandes protestos populares contra o governo Maduro desde o início de fevereiro), o Panamá cedeu lugar na sua delegação para que a OEA fosse inteirada.

       Sem embargo, os representantes dos países-membros na OEA, por maioria de votos, aprovaram (22 votos a favor, três contrários e nove abstenções) a moção da delegação venezuelana de que fosse retirado da agenda o ítem dedicado à análise da situação no país. Dessarte, o corajoso empenho da deputada foi preventivamente calado. Cabello – que não se pejou de cassar o mandato da deputada, posto que para tanto não dispusesse de qualquer base legal – mostrou, a contrario sensu, qual é a verdadeira situação na pobre Venezuela.  Para os distúrbios que,  apesar de tudo, continuam – para os surdos de tanto ouvirem – há macabro balanço de 36 mortos desde 12 de fevereiro.
       Será que disse algo a propósito o saltitante passarinho que aparecera na campanha no ombro do caminhoneiro Maduro?...

 

(Fontes:  The New York Times,  Folha de S. Paulo, O  Globo)    




[1] Formado por Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Japão.

terça-feira, 25 de março de 2014

A Trapalhona

                               

        Vendo onde o Governo de sua pupila está indo parar, será que Lula pensa em que talvez se haja precipitado, ao indicar alguém para sucedê-lo que no seu quarto de ano mandato tem bagagem tão pouco convincente ?
       Os erros e os escândalos se acumulam. É bem verdade que entre esses não há nenhum que sequer chegue perto do mensalão, quando o medo de Nosso Guia de ser levado de roldão pela crise não era mais hipótese acadêmica, como o próprio comportamento de D. Marisa, ao obter passaporte italiano, não deixa qualquer dúvida.

       O problema com Dilma Rousseff está na sua entrada em ano eleitoral com um punhado de problemas que já são de bom tamanho.

       Ela trouxe a inflação de volta. Entra mês, sai mês, a taxa média está sempre batendo no teto, o que traz para o convívio diário a  incômoda presença do Dragão. Se os surtos inquietantes foram contidos, a dificuldade está em que a economia se descobre sempre próxima do teto, o que traz nefastas consequências com a sopa dos índices, e o consequente vezo dos incrementos embutidos numa expectativa de viés sempre em alta.

      O Plano Real corre o risco de virar definitivamente retrato na parede, porque não se descortina ou competência, ou vontade de pôr a economia em ritmo menos subfebril de o que se assinala até agora, entra ano, sai ano.

      Nesse contexto, o anúncio do rebaixamento da economia brasileira até que  surpreendeu, mas por outros motivos. Contudo, o entorno de certa maneira frisa o relativo descrédito da corrente administração econômico-financeira.  A nota mais salgada saíu há menos de duas semanas de reunião entre representantes da Standard & Poor’s e o Ministro Guido Mantega, que apresentara coleção de dados novos à consideração da Agência.

      Apesar da barretada e do nível do mensageiro, a expectativa de que a queda ficasse para depois das eleições logo se esfumou. Com esse balde de água fria, o desempenho econômico do governo Dilma Rousseff se descobre com o aval de Wall Street ainda mais fragilizado nos debates das próximas eleições.

        Encerra-se, assim, uma década de elevações da nota brasileira pelas agências de classificação de risco.  E por mais voltas que se busque dar para minimizar a queda, o flanco fica em aberto.      

        Estamos agora dependurados no último ítem de investimento (BBB-). O abismo do junk (lixo) seria a próxima parada. Não há mais qualquer faixa que dele nos separe.

     Como sublinha Miriam Leitão não foi surpresa a decisão da Standard & Poor’s. Ao invés de procurar reverter a tendência, consoante frisa a colunista, “o governo ignorou todos os alertas e insistiu em manobras para manipular as contas públicas, em vez de corrigi-las.”

     No passado, o nosso PIB crescia e havia a expectativa de progressão. Passamos para uma outra faixa, aquela da turma de trás, que apesar da poeira semelha não ganhar muita experiência.

      De nada valera o aviso dado pela Standard & Poor em seis de junho do ano passado, quando a classificação brasileira foi posta pela agência em perspectiva negativa.

     Infelizmente, não está na natureza da administração de Dilma Rousseff não tratar sem artifícios fiscais as eventuais dificuldades. As nossas contas, com tantos truques, perderam boa parte de sua credibilidade. O pior na ingenuidade (para não dizer outra coisa) de parte das manipulações fiscais. A par de criar ambiente desfavorável, elas não enganam a ninguém.

       Tampouco é firula acadêmica o rebaixamento da nota.  As notas atribuídas pelas agências impactam igualmente o custo da dívida de empresas e países, porque os juros sobem. Quanto pior a imagem do país, mais alto pagará em juros, o que funciona como a mais valia do risco acrescido.  Por outro lado, quanto melhor a classificação, menos tenderá a ser o dispêndio com os juros.  Não é um bom negócio, portanto, para os empresários se partem para as chamadas captações. Esse eufemismo para a tomada de empréstimos será, doravante, de gosto mais salgado.

      Por outro lado, a rebaixa tem um efeito genérico e desmoralizante sobre a economia  atingida em geral. Se o viés passa a ser negativo, decresce o interesse, diminuem os IEDs (investimento econômico direto), sem falar de inversões mais duráveis. Se aumentam os investimentos especulativos, dada a sua volatilidade, não representa aporte confiável para um país que se debate nos andares debaixo da economia internacional.  

       Talvez esse tenha sido o erro mais pesado e ameaçador da impetuosa economista Dilma Rousseff. Não se pode nunca esquecer que a economia depende em grande medida da confiança na gestora.

       A grande ironia disso tudo estaria quem sabe na circunstância de que Lula da Silva foi procurar na sua chefa de gabinete uma gerentona para o Brasil. Pensou em termos administrativos eis que, enquanto Presidente, muito dependeu da atuação de Dilma no nível administrativo. No político, pensava ele.

       Como grande eleitor, Lula conseguiu o feito, que é negado a tantos presidentes, vale dizer, eleger o próprio sucessor. O único problema terá sido que se esqueceu de constituir um elemento indispensável para o sucesso da fórmula. Deu-nos uma gerente, quando o Brasil carece de um pouco mais.

 

(Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )

segunda-feira, 24 de março de 2014

Folhetim de Fim de Semana

                                    

Os oito anos de Mantega

 
       O Ministro Guido Mantega aparece contente na foto. Em breve, completará oito anos como Ministro da Fazenda. Nas contas da imprensa, como logo alcançará  Pedro Malan, que ficou dois mandatos sob FHC, ele passará a ser considerado como o Ministro da Fazenda mais longevo. Epa! E o Artur da Souza Costa[1], que foi Ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, como fica? Os áulicos de plantão já vieram com a fórmula: Mantega é o ministro de mais longa permanência em regime democrático.
       Já sob tal aspecto, o critério é dúbio. Regime democrático? O que tem isso a ver com o peixe, se pensarmos que Ministros da Fazenda não são eleitos, mas bem demissíveis ad nutum...

        O que isto significa? Mais um truque dentre os muitos que Mantega tem aplicado ou permitido no seu longo ministério, a começar pelas capitalizações que tanto foram do gosto de Lula da Silva?
        Mantega tem presença afirmativa nas finanças do Brasil? A Presidenta segue as suas recomendações ou será que é o contrário?  Mantega, nesse octênio, tem acompanhado as pegadas firmes de seu antecessor Palocci?  Ele inspira confiança, ou não? A sua liderança na Fazenda tem sido incontrastável ou não? Ofusca a todos os demais, ou admite que cometas, como Arno Augustin, façam suas aparições ?

        Por fim, como Mantega vem sido avaliado externa e internamente?  Excluindo o Economist, tem recebido elogios pela firmeza e transparência?  E o que tem contribuído para a avaliação das finanças brasileiras sob o mando – e põe mando nisso! – de  Dilma Rousseff ?

 

 Silêncio dos Militares ?

 
         Depois do mutismo oficial, da atitude obsequiosa, beirando o servil, do poder civil, é importante para o Brasil que alguém como Maria Celina D’Araujo venha manifestar-se sobre a atitude das Forças Armadas.

        Reporto-me à entrevista na Folha deste domingo.  As suas palavras são de grande relevância, sobretudo em país onde a classe política e o poder civil tem atitude de extrema cautela com a instituição militar,  postura  que não fica nada bem no retrato. Se compararmos com outros países sul-americanos – a Argentina, por exemplo – a postura de nossos líderes democráticos eleitos tem sido de cautela excessiva, como vemos de resto nos resultados práticos: ao contrário daquele país, algum militar de alta patente foi condenado e serviu pena na prisão?

         A sua análise da relação dos militares em geral me parece lapidar. E no obsequioso mutismo prevalente, não poderia ser mais oportuna.

         Há muitas coisas importantes no seu depoimento a assinalar.  Frisemos algumas: “Hoje as Forças Armadas exercem poder de veto no Brasil, porque têm a capacidade de impedir que informações venham a público. Quando um ator político tem poder de veto, não há democracia.”

Na América do Sul, somos o único país em que ninguém foi responsabilizado individualmente pelos crimes da ditadura. O Estado assumiu a culpa e pronto. Nossa Anistia foi uma autoanistia, os militares perdoaram a si mesmos. Isso aconteceu em lugares como Chile e Argentina, mas depois as pessoas foram julgadas”

O Governo Lula foi um retrocesso muito grande. Veja a demissão de José Viegas do Ministério da Defesa (em 2004). O General Francisco Albuquerque, comandante do Exército, fez um manifesto defendendo o golpe de 1964 sem consultar o Ministro, seu chefe. Era uma dupla irregularidade, porque militar não pode fazer manifestação política e houve quebra de hierarquia, mas Lula demitiu o Ministro e manteve o comandante no cargo.

“Depois, o Tarso Genro (ministro da Justiça) declarou que era favorável a rever a Lei da Anistia para que os militares respondessem por crimes contra a Humanidade. O que o Lula disse ? ‘Não se toca mais neste assunto.’ Ele tinha uma atitude reverencial com as Forças Armadas.”

 

(Fontes: O Globo,  Folha de S. Paulo)        



[1] Foi Ministro da Fazenda do Presidente Getúlio Vargas de 24 de julho de 1934 a 29 de outubro de 1945.

domingo, 23 de março de 2014

Colcha de Retalhos B 11

                              

Tiro no Pé                     

              A  versão muitas vezes sobrepuja o fato em si. O tiro no pé é (ou não é) uma declaração do ex-Presidente Lula sobre a atitude, ou melhor, o rompante da Presidenta, ao decidir escrever do próprio punho uma nota oficial sobre a questão da compra da refinaria de Pasadena. Depois de avalizar a compra da refinaria como chefe do Conselho de Administração, Dilma decide não mais continuar a dar apoio à posição oficial da Petrobrás de que o negócio parecia bom com as informações do mercado naquela época.
              Se o ex-Presidente Lula usou ou não a  expressão ‘tiro no pé’ e se, inclusive, a desmentiu oficialmente, a questão vista nas suas implicações torna irrelevante ser ou não de sua autoria, levados em conta os efeitos práticos para sua pupila.

              Dilma paga o preço de haver respondido sem pedir nem esperar os necessários e indispensáveis conselhos. Em peculiar ironia, a circunstância de haver acoimado os relatórios favoráveis à compra de ‘técnica e juridicamente falhos’, trouxe, consoante a opinião de gregos e troianos, para dentro do Palácio do Planalto um problema que era da alçada da Petrobrás.
               Nesse episódio – em que as consequências foram imediatas e de grande transparência – Dilma Rousseff agiu conforme o próprio temperamento e mesmo instinto. Terá sido prejudicada no passado por não colher a opinião e o parecer de políticos e especialistas. Agiu como sempre faz, julgando poder prescindir ex-vi do cargo que ocupa dos juízos e das avaliações de expertos nos diversos temas.  A minha imagem, tantas vezes repetida, carece de ser dita uma vez mais: por acreditar que a árvore mais alta e frondosa na floresta prescinde do aporte de outras menores, Dilma sequer terá cogitado da conveniência e oportunidade de passar a respectiva opinião na peneira de pessoas com experiência em questões do gênero.

                Não é possível determinar se este ato falho terá consequências políticas.  A probabilidade é, no entanto, grande.

 

A Ucrânia e a Timoshenko 

 
                Até a queda de Viktor Yanukovitch, sobre a Ucrânia pairavam dois líderes, um no palácio, outro na cadeia. Yulia Timoshenko fora condenada há mais de dois anos por um julgamento arranjado e motivado politicamente. Não havia dúvidas até a sua libertação, devida essencialmente ao afastamento de seu algoz em Kiev, que a Timoshenko fora condenada por julgamento arranjado, a la Putin. A própria Corte Européia dos Direitos Humanos emitira veredicto que expunha a motivação política da condenação.

                Posto em fuga pela insurreição da praça Maidan, a razão do iniquo confinamento da líder da oposição desaparecia, enquanto o campo de Yanukovitch debandava e assumia o poder o lado adverso, aí incluído o Primeiro Ministro Arseniy Yatsenyuk, bastante próximo da Timoshenko.

                  Vinda de prisão hospitalar, forçada a uma cadeira de rodas, não hesitou em vir até o centro da revolução, aonde discursou para a multidão, que a recebeu da forma que lhe era devida.

                  Com o seu arqui-rival banido, o passado da Timoshenko – que a jogou no cárcere, apesar de um juízo encomendado – viria agora reclamar a sua libra de carne quanto à sua atuação no governo.  De certo modo, os aplausos em Maidan pareciam o lastro de uma acrescida desconfiança. Como se todos os políticos não diferissem na sua postura quando no poder.

                  Yulia Timoshenko, eventual cadeirante, disse então: ‘Como político, eu me arrependo. Até hoje, os políticos não foram dignos de vocês.’

                   Brutalmente afastada da política, a Timoshenko, ao contrário de outros, recebeu um áspero e mesmo cruel tratamento, menos pelos seus defeitos, do que por suas qualidades.

                   Confinada em um lazareto do interior da Ucrânia, sem tratamento médico digno desse nome, ela se descobre agora acusada das mesmas faltas de quem a fez condenar, posto que a punição tenha sido motivada menos por seus defeitos, do que por suas qualidades e a ameaça potencial que colocava para o rival.

                   Decaído agora Yanukovitch, os colunistas lhe redescobrem o passado, que se antes servira para submetê-la a um julgamento em que estava de antemão condenada, teve o prazo de validade reforçado, na medida em que volta a colocá-la em posição de desvantagem.

                   Quando deparo essa súbita orquestração, em que a Timoshenko é colocada no mesmo cesto que Yanukovitch, por colunistas americanos como experiência na Rússia e redondezas, como David Remnick (do New Yorker) e Steven Erlanger (do New York Times), pergunto-me da serventia de tais medidas para Vladimir Putin, que, segundo acusações de corajosos opositores, se serve de ambas com muita desenvoltura.

                   Nesse contexto, é de recordar-se a exigência dos diplomatas alemães da república de Weimar, que reivindicavam a Gleichberechtigung (igualdade de direitos) para a Alemanha derrota do entre-guerras. Se o Ocidente vitorioso os tivesse ouvido, quem sabe a história seria diferente, e líderes ultra-radicais como Adolf Hitler não houvessem prosperado para a desgraça da Humanidade.

                   A comparação pode ser válida até certo ponto. É sempre bom ter presente o contexto e quais as alternativas disponíveis.     

 

 O Modelo UPP                         

                  
                   Às vésperas da chegada de tropas federais, a Polícia Militar ocupa seis favelas dominadas pela facção criminosa que planejou os recentes ataques às UPPs. Tudo se iniciara em Manguinhos, em investida contra a UPP acionada do cárcere. Assim, desde a noite de sexta-feira policiais da elite da PM, o BOPE ocupam o Parque União e a Nova Holanda, no Complexo da Maré.

                    A PM também tomou os morros do Chapadão, em Costa Barros, do Juramento  e Juramentinho, em Vicente de Carvalho, e a favela Para-Pedro, no Colégio. Ontem, mais um PM foi morto, em uma perseguição na Zona Oeste.

                    Segundo a PM, essa ocupação seria uma forma de preparar a cidade para a chegada de homens da Força Nacional e das Forças Armadas, que são aguardados nos próximos dias.

                    O modelo UPP, do secretário José Mariano Beltrame, pode ser contestado, mas até o momento não há substitutos à vista. Os seus críticos – que se ligariam ao passado da chamada cidade partida -  apresentam censuras e reparos, mas não um outro modelo com credibilidade. 

                     A vinda do reforço da Força Nacional deve ser, no entanto, encarado como um auxílio temporário. As Forças Armadas e o BOPE puseram para correr os trezentos bandidos do Alemão, mas como a sua utilização – no que tange às FFAA e a Força Nacional – tem prazo, a PM tem de reforçar-se tanto através do comportamento de seus integrantes, que precisam ser mais solidários com as comunidades defendidas. Atitudes como a dos três PMs que colocaram uma vítima baleada na mala do carro – e a arrastaram por um tempo (o que só foi visível graças ao celular de um motorista) – não são admissíveis.

                   Uma P.M. integrada com a comunidade não teme líderes comunitários, porque a sua consonância  com o pessoal da favela, se efetiva e real, torna, das duas uma, ou supérflua a sua intervenção, ou incriminatória de sua eventual ligação com o tráfico.

 

(Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo, The New York Times, New Yorker)