sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Folhetim de Carnaval

                                  

Dia Triste ou Fim de Farsa?

 
      Gastão, o vomitador, personagem de Henfil, se sentiria turbado pelos comentários em torno do desaparecimento da condenação por quadrilha. O mais engraçado de tudo é que a tal votação, determinada pela questão se valiam ou não os embargos infringentes só foi possível pelo voto anterior do decano Celso de Mello. Pela sua intervenção, os embargos infringentes foram ressuscitados.  Em resultado disso, foram admitidos tais embargos para nova votação a condenação por quadrilha, em que José Dirceu et al. tinham colhido quatro votos.

      O Ministro Celso de Mello, no entanto, apesar de abrir a cancela para os discutíveis embargos, votou como antes pela formação de quadrilha, só que agora se viu em minoria, por força das novas indicações de Dilma...

 
Declaração de Gleisi Hoffmann no Senado

 
       Não foi por acaso que a Presidenta atravessou toda a posse no Supremo de Joaquim Barbosa de cara amuada. Não muito protocolar decerto. Agora a declaração de Gleisi Hoffmann, de volta ao Senado, enquanto se apresta a disputar outra eleição no Paraná, semelha também não pecar por excesso de elegância e habilidade.

       “Ele (Joaquim Barbosa) abre mão da argumentação jurídica e técnica para insinuar que o processo de escolha careça de seriedade e responsabilidade.  Estaria sua indicação também sujeita à suspeição ?”

        Será que a Senadora Hoffmann se esquece que o Presidente Luiz Inacio Lula da Silva foi quem o escolheu, com a oportuna e meritória intenção de guindar um negro para a Suprema Corte, depois de longo e interminável parêntese branco? Pela popularidade do Ministro Barbosa – resultado direto da maneira afirmativa com que agiu como relator da Ação Penal 470 – a indicação de Lula foi um sucesso. Devagar com o andor, Senadora.

 

Declarados réus Rose Noronha e ex-Senador Gilberto Miranda

                
          Por força de denúncia do Ministério Público, aceita pelo Juiz federal Fernando Américo Porto, da 5ª Vara Criminal Federal em São Paulo,  passaram à condição de réus Rosemary Noronha, ex-chefe do gabinete da Presidência em São Paulo, o ex-Senador Gilberto Miranda e o ex-Advogado-geral-adjunto da União, José Weber de Holanda Alves. Também são réus no processo os irmãos Paulo Rodrigues Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) e Rubens Carlos Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e o ex-auditor do TCU Cyonil  Borges.

         O juiz federal determinou, outrossim, o desmembramento do caso em cinco núcleos: “Tecondi-Codesp-TCU”, “Corrupção no TCU”, “Paulo Vieira- MEC”, “Troca de Favores e Quadrilha” e “Corrupção nos Correios”. O juiz Fernando Porto determinou que Rosemary seja ré na ação penal desmembrada que tratará do núcleo “troca de favores e quadrilha”.

          Como se sabe Rose Noronha foi secretária de Lula, de quem é muito próxima, tanto que o acompanhou em inúmeras viagens ao exterior.

 
Acusados na Justiça Cinco Presidentes de Comissão

 
         Presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, o deputado Mario Feitoza  (PMDB-CE) é objeto de investigação por suspeita de crime financeiro. Ele e mais17 pessoas foram acusados após intervenção do Banco Central no Banco Mercantil em 1996, onde exercia o cargo de diretor na área comercial. O caso foi parar no STF, mas voltou para a Justiça do Ceará e para o Ministério Público. Procurado pela Folha, Feitoza disse  que não há nada contra ele e que a “totalidade” dos processos administrativos punitivos abertos pelo BC estão encerrados. “Fui envolvido apenas porque era diretor do banco. Apenas isso. Meu envolvimento em qualquer irregularidade é zero”, disse o deputado Feitoza.

         Presidente da Comissão de Agricultura, Paulo Feijó (PP-RJ) é alvo de ação penal no STF, por conta da operação Sanguessuga. É investigado por corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e irregularidades em licitações. Segundo a denúncia, a empresa Planan vendia ambulâncias superfaturadas para diversas prefeituras. A compra era bancada com recursos de emendas de parlamentares ao Orçamento.  A assessoria do deputado não respondeu aos contatos.

         Eduardo Barbosa (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores, enfrenta no STF um pedido de investigação sobre desvio de recursos públicos. É acusado de ter-se beneficiado com a verba de suas emendas para programa de capacitação para pessoas com deficiência. O inquérito corre em sigilo. A assessoria do congressista disse que é ‘denúncia anônima, infundada e caluniosa’. Segundo o deputado o M.P. ‘pode dar um basta à injustiça’.

         O Deputado Domingos Neto (Pros-CE), presidente da Comissão de Integração Nacional,  é investigado  no STF por crime eleitoral. O deputado nega o envolvimento.

         O Deputado Zequinha Marinho (PSC-PA), a ser confirmado na presidência da Comissão de Legislação Participativa. Acusado de cobrar 5% dos salários dos funcionários do próprio gabinete para o partido. Segundo a assessoria não há irregularidade porque as contribuições eram voluntárias.

 

A primeira reversão em condenação por crime de quadrilha

 
           Em artigo publicado n’O Globo de hoje, 28 de fevereiro, de Ivar A. Hartmann, se mostra que foi uma exceção na jurisprudência do STF a decisão dos Ministros de reverter a condenação por crime de quadrilha, por entender que não havia provas suficientes.

           Levantamento procedido pela Fundação Getúlio Vargas Direito Rio mostra que desde 1988 e até junho do ano passado o Supremo nunca havia revertido uma condenação por crime de quadrilha.

           Assim, 85% do total de tentativas de reverter a condenação sequer foram analisadas pelos ministros, que entenderam não ser correto rever a questão. Em 11% dos casos, o pleito da parte condenada foi efetivamente discutido, mas o Supremo optou por manter a punição. Nos demais casos, a questão foi dada como prejudicada e não houve julgamento.

 
 

(Fontes:  Folha de S. Paulo, O Globo)

Putin e a Ucrânia

                                             

       Como nos tempos do Império Romano, Viktor F. Yanukovych, o decaído presidente da Ucrânia, se refugia na velha metrópole. Escorraçado do país, onde até os membros do próprio partido e antigos beneficiários de seu poder, não mais o reconhecem, Yanukovych teve de fugir às carreiras da capital Kiev e da Ucrânia, como se temesse pela própria vida.
       É segredo de Polichinelo que gospodin Vladimir Vladimirovitch Putin mal o suporta. No passado, o deixava pacientar por longos quartos de hora na antecâmara do Kremlin, e agora a sua queda lhe cria um problemaço, dada a dependência de Kiev do gás russo, a par das estreitas relações econômicas entre a antiga metrópole soviética e a larga ex-república soviética, como o próprio nome do país – Ukrania – que lhe designa a proximidade.

       Outro complicador nessa questão é a virtual divisão ucraniana entre dois componentes – um ocidental de fala ucraniana,  que olha para a Europa e a U.E., e o outro oriental, próximo da Rússia, tanto no idioma, quanto nas simpatias. A questão decerto se agrava no que tange à Criméa, península do Mar Negro que a URSS, em 1954, adjudicou à república soviética da Ucrânia. Dada a origem da população, não espanta que – quando da derrubada de Yanukovych - repontassem logo distúrbios na Crimea.
      Se o primeiro ministro Dmitri Medvedev não considerou legítimo o novo governo ucraniano, a sua postura reflete certos cuidados, eis que não é o Ministro do Exterior Sergei Lavrov, nem muito menos o Presidente Putin  quem se manifesta. Dessarte, a manifestação de Medvedev, se assinala a importância da questão,  não tem decerto o peso de uma declaração do Presidente, ou de seu preposto Lavrov.

     O que fazer da Ucrânia, com a sua enorme dívida com Moscou? Se repontam intenções intervencionistas – e a provocativa postura do parlamento na Criméa é um sinal em tal direção – Putin, saído do ‘triunfo’ das Olimpíadas de Inverno em Sochi, apresentado como retorno glorioso à época dos certames da URSS – ao analisar-se a movimentação russa devemos atentar  para os dois lados da questão.
    À primeira vista, poderia semelhar um pesadelo para Moscou. Se não foi do dia para a noite – a queda de Yanukovych era fenômeno cujos contornos se tornavam mais marcados, sobretudo nos dias derradeiros – a reviravolta em Kiev retirou a vantagem obtida pelo Kremlin, quando do repentino anúncio pró-União aduaneira, em detrimento do Acordo Comercial com a U.E..  De repente, o presidente filo-russo está na rua da amargura, e todas as fichas colocadas por Moscou resultam em vão.

     Refugiado na antiga metrópole, Yanukovych é uma carta exposta, sobretudo após a descoberta dos ‘tesouros’ deixados pela partida em desabalada carreira.
     Se, por outro lado, a esfinge do KGB não se pronunciou explicitamente, as manobras militares de 150 mil homens do exército russo representam um atroador silêncio. Se a Ucrânia não é a diminuta Ossétia do Sul, que foi ‘arrancada’ à República da Georgia em 2008, tampouco estamos no século XIX, quando essas encenações castrenses, assim como antes o agitar dos escudos e lanças, poderiam desencadear movimentações e acomodações, sob a regra não-escrita da força bruta.

        O novo governo instalado em Kiev é relativamente inexperiente nas atribuições, mas tem estreitas ligações com a nêmesis de Yanukovych, Yulia Timoshenko, que saíu do cárcere político de trinta meses em Kharkov para a praça Maidan, de onde discursou, para um público também provado pelas intempéries da oposição.
       Dessarte, tanto o presidente interino, Olexander Turchynov, quanto o Primeiro Ministro Arseniy Yatseniuk tem experiência político-administrativa, dos tempos em que Yulia era a Primeiro Ministro.

       Por outro lado, se não se descortina nenhum Bismarck à vista para a organização de um Congresso de Berlin (em que completaria a sua obra, que o Kaiser Guilherme II mais tarde, por incompetência política, desfaria), a União Europeia, com a Chanceler Angela Merkel à frente, e os Estados Unidos, com o Secretário de Estado John Kerry, deveriam reunir-se com o Presidente Vladimir Putin, para que saia um acordo em que a independência de Kiev e do povo ucraniano seja preservada, e se construam pontes para a mútua cooperação.

 

(Fontes:  The New York Times;  Folha de S. Paulo; The New York Review)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Que Falta ele vai fazer !

                           

        A operação mitigar as penas do Mensalão (Ação Penal 470), a cargo do governo petista, não é necessariamente imediata, mas funciona através da caneta de D. Dilma, que escolhe a dedo os ministros que caem na compulsória e que integravam a maioria favorável à condenação dos réus denunciados pelo Ministério Público.

        Um dos indícios do subdesenvolvimento do poder legislativo – no caso, o Senado Federal – é o não-exercício de sua prerrogativa de examinar, de maneira séria, as indicações do Poder Executivo. Talvez a mais acachapante (e vergonhosa) demonstração desta omissão está no fato de que em toda a história do exame pela Câmara Alta apenas uma única vez ela deixou de carimbar a proposta presidencial. Precisou que Floriano Peixoto indicasse um médico para o Supremo para que o Senado recusasse...

        A não-recusa das mensagens do Planalto neste aspecto traduz pelo menos dois vícios básicos: (a) o exame perfunctório da proposta, que é, em geral, atendido em um dia, a quarta-feira, o único dia em que as duas câmaras trabalham a pleno vapor; e (b) a disposição para assentir, mesmo que haja dúvidas e até certezas quanto a inadequação do candidato.

        Essa disfunção se reflete tanto na qualidade dos membros, quanto na sua confiabilidade. A Comissão do Senado chega a aceitar eventuais compromissos dos membros propostos, fingindo acreditar na sua validade, uma vez que o interessado haja sido aprovado pelo plenário.

        A timidez do Senado reflete a incapacidade de assumir, em plenitude, as próprias funções. O posto de Ministro do Supremo é demasiado importante para que os candidatos do Executivo sejam aprovados em comissão, após questionamento que nunca se estende além de uma jornada, e costuma dirimir eventuais dúvidas sobre supostos compromissos do candidato.

         Terei orgulho do Senado Federal quando ele cumprir o seu dever constitucional de examinar em profundidade as qualificações e as ideias do candidato a posto vitalício na Corte Suprema. Nada feito de afogadilho  poderá evitar o ingresso de ministros cujos títulos e curriculum vitae não se coadunem com a alta missão que lhes é confiada.

         Esses pensamentos – que desejava fossem introdutórios – se estenderam um pouco além. No entanto, a peripeteia[1] que assistimos na Ação Penal 470 é reflexo da sua extensão. Vários membros que formavam a corte caíram na compulsória, dando ao governo petista a oportunidade de indicar outros juízes que teriam pareceres diversos sobre as condenações.

         Nada disso ocorreu por acaso. Assim, o núcleo duro do STF logrou no país em que nada é para valer condenar um número importante de políticos e caudatários no caso do Mensalão.

         No entanto, a admissão dos chamados recursos infringentes pelo Ministro Celso de Mello abriu porta para a revisão de algumas penas, inclusive a do crime de formação de quadrilha. Voto de juiz não se discute, mas os recursos infringentes, além de serem resquício de processos do passado, estavam dormentes no Supremo, e para muitos magistrados não se aplicariam em uma única corte, sendo válidos apenas quando o réu tivesse pelo menos quatro votos favoráveis em uma corte inferior, o que lhe permitiria o recurso na superior.  Embora tal não seja o caso, como no Brasil, além da multiplicação dos pães temos igualmente a dos recursos, ei-lo que surgiu no julgamento do Mensalão, e logo pelo voto de Minerva do decano da Corte (que está na maioria dos que condenaram os réus do processo da A.P. 470).

          Não é à toa que o Ministro Joaquim Barbosa tem alto grau de aprovação pela opinião pública. É sempre gratificante deparar alguém que diz o que pensa, máxime nesse grande julgamento, em que tantos no país da impunidade foram parar na cadeia.

          Como se esperava, apesar de todos os rodeios, o Ministro Luis Roberto Barroso votou a favor dos réus. Segundo ele, não houve formação de quadrilha. Ganhou o direito a uma observação do Presidente Joaquim Barbosa: “Agora Vossa Excelência (Barroso) chega aqui com uma fórmula prontinha, proclamando inclusive o resultado do julgamento.(...) Sua decisão não é técnica, é simplesmente política.”

           Antes de ser conduzido ao STF – como recorda Marcelo Coelho – escreveu artigo  que “o julgamento do mensalão (...) era um ‘ponto fora da curva’. Primeiro, porque políticos raramente são condenados no Brasil.Segundo, porque a severidade das penas foi fora do normal. Barroso deu a entender que a corte exagerou para evitar a prescrição. (...) A suposição de Barroso era razoável.  (...) Calculou (então) numa hipótese teórica, a pena ‘real’ que os acusados deveriam receber (...) Concluíu então que o caso da quadrilha estava prescrito. (...) Era contra a condenação, mas não quis repetir a tese mais simples e impopular, de que não houve quadrilha.”

           E a conclusão do artigo de Marcelo Coelho me parece incontestável: “Foi ele (Barroso), na verdade, o ‘ponto fora da curva’. Na prática, dava no mesmo: livram-se os réus do crime de quadrilha. Mas não se livrou Barroso da opinião que de fato tinha a esse respeito.”

           Assim, marcham muitas coisas no Brasil: depressa e de afogadilho, como se a decisão devesse ser tomada logo e a quente (caso do Senado); devagar, muito devagar, com expedientes e recursos, tanto factuais quanto processuais. Em ambos os casos, será sempre o do ponto dentro da curva. Tanto lá, quanto cá se garante que, de alguma forma, o poder se faça respeitar. E malgrado as impressões de mudança – parafraseando  Giuseppe di  Lampedusa[2] – é preciso que tudo mude para que tudo continue como está...    

 

(Fonte: Folha de S. Paulo)       



[1] Vocábulo do grego clássico que significa, entre outros, virar de cabeça para baixo.
[2] Na obra prima ‘O Leopardo’.
 

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Revista da Semana (V)

                                     

Lord Acton e Erdogan

        Lembramos amiúde nesses dias que correm, em que o poder absoluto ou quase dá as mãos à corrupção de célebre frase de Lord Acton: o poder tende a  corromper e o poder absoluto corrompe de forma absoluta.

        Gravação de conversa telefônica supostamente entre o Primeiro Ministro Recep Tayyip Erdogan e o seu filho Bilal os implica em corrupção. No telefonema, os homens (no caso, Erdogan e Bilal) se acordam em entregar o dinheiro (US$ 66 milhões) a um empresário turco e desfazer-se da quantia.

        Como sói acontecer, o primeiro ministro alçou-se nos coturnos da honra ferida:’Este não é um ataque contra mim, mas contra a república da Turquia. Eles estão ouvindo os telefones criptografados do governo – vejam quão baixo chegaram.’

        Pensando que a melhor defesa é o ataque, o governo Erdogan afastou desde dezembro mais de três mil policiais e seiscentos magistrados, que fizeram parte das investigações (a operação anti-corrupção terminou com a prisão dos filhos de três ministros). Erdogan aumentou ainda o controle sobre a Justiça e a internet, o que tem gerado críticas seja da União Europeia, seja de entidades de defesa dos direitos humanos, como a Human Rights Watch.

        Recep Erdogan está há dez anos no poder, e esta é a maior crise com que se defronta. Com fumaças de líder do mundo islâmico, ele controlara o exército – o tradicional fiel da balança na Turquia – e vinha adotando uma linha sempre mais repressora. Em debate, o líder do partido opositor CHP, Kemal Kilicdaroglu, reproduziu a gravação em plenário, aditando que é prova bastante do envolvimento de Erdogan com a corrupção: “Meu conselho a Você, Erdogan: pegue um helicóptero, deixe o país e renuncie. Quem rouba o Estado, não pode continuar como Primeiro-Ministro.”

       Não por acaso, a televisão estatal cortou por diversas vezes, a transmissão do discurso.

        O telefonema também levou às ruas da capital milhares de pessoas, assim como em outros grandes centros urbanos da Turquia. Em Istambul – a Constantinopla do passado grego – outra bala de borracha atingiu um jovem manifestante no olho.

        Ah!, a hipocrisia da polícia no emprego de o que chamam uma arma não-letal, como meio supostamente dissuasivo da nova munição da repressão. Que progresso é este? Entre outros, em São Paulo, nas manifestações do passe-livre, uma repórter da Folha (que estava a serviço) foi atingida por um policial na vista. Dentro do mesmo contexto dos protestos populares, pergunto: Qual é o propósito de cegar um jovem porque se manifesta contra a corrupção de Sua Excelência Recep Tayyip Erdogan?

 
Quinze dias de prisão por crime não-cometido

 
        Todas as vezes que alguém vai parar na cadeia por uma razão absurda – como no caso do homem pobre que fora trancafiado pela justiça por arrancar de uma árvore parte da casca, porque tinha fome, e agora no do ator negro, que ficou duas semanas preso após ter sido acusado por engano pela vítima, será que é só o caso de dizer tudo foi lamentável equívoco ?
         Vinicius Romão de Souza permaneceu detido  por mais de duas semanas sob a acusação de roubo, após haver sido identificado por engano pela vítima do crime.

          Formado em psicologia, Souza fez parte do elenco da novela ‘Lado a Lado’, da Rede Globo, e trabalhava como vendedor em um shopping da zona norte do Rio.

          A 25 de fevereiro, a copeira Dalva da Costa, vítima do crime e que havia identificado Souza, retratou-se em novo depoimento. No roubo que sofreu, foram levados celular, a bolsa com documentos, cartões de banco, dez reais e um bilhete único.

          Segundo o delegado Niandro Lima, a prisão por roubo foi um ‘equívoco’, mas que não houve má-fé da vítima.  Dalva declarou que cogitara de recuar da identificação já no dia seguinte ao crime, mas que não tinha dinheiro da passagem para a delegacia. Para o amigo de Vinicius, o psicólogo Bernardo Roxo, Vinicius foi vítima de racismo. Segundo ele, em um país onde ninguém é preso, é muito estranho um inocente ir parar na cadeia. O caso teria sido uma sucessão de erros, desde a identificação feita sem a comparação com suspeitos que tivessem o mesmo biótipo de Vinicius.

          A severidade, no entanto, contra Vinicius Romão ainda não se desfez de todo. O Tribunal de Justiça, segundo noticia a Folha, concedeu a liberdade provisória após a polícia reconhecer a falha – e em resposta a pedido protocolado pelo advogado três dias após a prisão. No entanto, pela decisão do TJ, apesar de liberado, Souza ainda terá de se apresentar à Justiça para informar e justificar suas atividades, não podendo ausentar-se do Rio.  Nesse sentido, deverá ir mensalmente ao fórum e não pode sair do Rio. É de esperar-se que tais formalidades – por se tratar de um inocente – sejam prontamente dispensadas.

          Vinicius já está livre, saindo com o pai da Casa de Detenção ‘Patrícia Acioli’, em São Gonçalo. Ainda devem ser apurados o comportamento do policial que, acompanhando a vítima, foi instrumental na determinação da alegada identificação do ‘assaltante’.  Também seria investigado o comportamento do delegado de plantão, William Lourenço Bezerra. 

 

Jovem repreendido espanca professor

 
         O professor de educação física Lucas Silva Lopes Xavier, de 28 anos, foi espancado por dois jovens na noite do último domingo, no shopping Pier 21, em bairro nobre de Brasília.
         O ‘erro’ do professor foi haver solicitado a Yago Ferreira da Silva, de 21 anos, e ao companheiro deste, Matheus Rodrigues, 20 anos, para que não urinassem fora do banheiro. Os dois já tinham consumido muito álcool e ficaram irritados com a solicitação do professor.

          Yago partiu para a agressão. Quando Xavier já estava caído, desmaiado, Matheus se associou ao amigo para dar socos e pontapés na vítima indefesa.

           Segundo a delegada Mabel Correia, no depoimento Yago não demonstrou arrependimento, apenas preocupação com a situação legal (ele não é reu primário, eis que já fora condenado em 2011, por roubo). Agora estuda educação física, pois faz curso de formação para segurança. Consoante a delegada ‘pessoas próximas  indicam que o estudante não  tem controle sobre sua agressividade e comportamento explosivo.’

           Por força da agressão sofrida, o professor Xavier teve traumatismo craniano e a mandíbula quebrada em duas partes. Três coágulos se formaram  no cérebro da vítima, que está com os movimentos do lado esquerdo paralisados. Tudo isso por ter solicitado de Yago que utilizasse o banheiro para as suas necessidades.          

 

 
(Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo,  O Globo on-line)

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Diário da Mídia (VIII)

                                        

Dilma: Venezuela é diferente da Ucrânia

 
       Há decerto muitas diferenças entre a Ucrânia e a Venezuela. O que preocupa é que, sob o lulo-petismo, o Brasil tenha abandonado a diplomacia de estado para adotar a de partido. Os governos são passageiros e não é prudente escolher lados a médio prazo, e mais ainda em países vizinhos. Identificar-se com uma das partes tenderá a complicar o futuro. Ou acaso pensam que Nicolas Maduro, com a sua incompetência, vai durar tanto quanto Chávez?  
      Além disso, confrange que se instrumentalize uma organização – que até cláusula democrática tem – para censurar (ações criminosas) a oposição.

      O que salvou a Ucrânia  é que o governo Yanukovych não dispunha nem da metade do poder manipulado pelo chavismo na Venezuela. Permitiria, acaso, Maduro que a oposição ficasse meses a fio em praça central de Caracas, em permanente manifestação pela renúncia do presidente?
      Não se vá esquecer tampouco que mesmo com Hugo Chávez a situação econômica e social estivesse muito boa. Além da violência, o desabastecimento já começara, assim como os apagões. Por outro lado, não é igualmente de hoje o sucateamento  da estatal do petróleo venezuelano, o que limitava a recepção de divisas (a Venezuela é, na prática, uma monocultura).

      Se, contudo, no presente o povo venezuelano tenha saudades de Chávez, é um indicativo forte de quanto a situação se deteriorou. Quando não se tem muito a perder e as coisas vão de mal a pior, as manifestações anti-Maduro e anti-chavismo tem no desespero .um aliciador temível, que não pode ser arrastado a nenhum tribunal do regime. Por que ele não mente e está em toda parte, a sua mensagem não poderia ser mais subversiva e contaminante...

 
Ceticismo das colunas econômicas

        Dados os antecedentes, poderia ser outra a reação de economistas ? Assim, Vinicius Torres Freire resume na Folha a atitude do chamado Mercado: Me Engana que eu gosto. Logo depois dos rumores sobre o certo rebaixamento do Brasil por uma agência de Wall Street, a administração fazendária brasileira – aquela que Lula declarou estar com o prazo de validade vencido – veio a público anunciar que pretende poupar uma boa parcela dos dinheiros que pensa arrecadar em 2014. Dados os antecedentes – e a circunstância não-atenuante de estarmos em ano eleitoral – a credibilidade da assertiva, como diria um velho mestre meu, tende para zero.

       O superávit fiscal de 2013 contou com alguns ganhos una tantum (que só acontecem uma vez), e além disso mais tarde vieram a lume outros detalhes que mais entram no capítulo dos malabarismos fiscais.

 
O  Improviso na  Gestão Dilma  Rousseff

 
            Já estamos pagando, mas pagaremos no futuro um preço ainda maior pela improvisação, que é a característica central da Administração Dilma em termos de economia.
            Assim, como mostra Miriam Leitão na sua coluna, a economia brasileira está cheia  de artificialismos e gambiarras. Nesse sentido, a reportagem do “Valor” mostra como medida errada pode provocar inúmeros desequilíbrios.

            Espanta que um governo do PT tanto contribua para desestabilizar a Petrobrás, que é um ícone do capitalismo estatal e que mereceria melhor tratamento do lulo-petismo (ou será que caberia no caso dilmo-petismo?).

            Assim, o uso da Petrobrás para controlar na marra a inflação teve os seguintes resultados que certamente não estavam previstos: (a) reduziu os impostos que a estatal recolhe ao Tesouro Nacional; (b) elevou o seu nível de endividamento a uma faixa perigosa; (c) abriu um rombo nas contas externas (aumentando as importações de combustível no país que Lula declarara auto-suficiente), e assim agravando o déficit na balança comercial; e (d) enfraqueceu o etanol, eis que diminuiu o incentivo para o cultivo da cana de açúcar, diante de diferença negligenciável entre  gasolina importada e o álcool.

             Outra coisa que está desorganizando a economia e, em especial, o setor de energia é  a utilização crescente de preços administrados. O objetivo do governo é o de evitar que a inflação suba. Não se pode, é óbvio discutir tal propósito. Ninguém deseja que a inflação suba. O que está errado é o recurso a preços administrados. Esse mecanismo tem fôlego curto. Não se combate o dragão com preços e tarifas artificialmente baixos.

             Comemoramos vinte anos de Plano Real. E, no entanto, o lulo-petismo continua a considerá-lo um programa de partido oposicionista. Não lhe aplica princípios básicos e ainda por cima procede à uma desestabilização da lei da responsabilidade fiscal. Não surpreende, portanto, que a expectativa do índice de preços para 2014 continue alta: anda em torno de 6%

 

(Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo)  

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Dilma ou Lula ?

                                           

       A persistente onda dos boatos na imprensa e as eventuais reuniões de parlamentares inquietos decorrem dos difusos temores de que Dilma Rousseff ponha em risco o domínio petista no Planalto.
       Tudo começou quando as intenções de voto de Dilma despencaram ao ensejo das manifestações de junho de 2013, no movimento do passe livre. Sacudidas pela queda nas pesquisas da ‘mulher do Lula’, perigosamente na casa dos trinta, a vasta caterva (PT, PMDB e a infindável sopa de letras dos partidos da ‘base aliada’) dos que se acreditavam ameaçados da participação no festim do poder trataram de arranjar um outro cabeça de chave que lhes desse mais tranquilidade.

       Que o nome de Lula repontasse de imediato, não há de surpreender. Ao contrário da aterrorizante possibilidade da loteria do segundo turno, as prévias de Nosso Guia sempre deram uma invejável segurança aos companheiros. Decidir a eleição já no primeiro turno era o grande trunfo de Lula da Silva.
      Até hoje essa ‘conspiração’ ainda persiste. Convidado, Lula ouve tudo com muita atenção, mas sempre recomenda aos nervosos correligionários que fechem com Dilma.

      Alguma coisa, no entanto, faz continuar tais reuniões. Muitos desses companheiros não desistem. É estranho que sintam algo no ar que como dizia Aporelly, o Barão de Itararé, não são os aviões de carreira, e que os induz a promover esses jantares políticos.
      E, no entanto, tudo parece sob controle. Dentre os candidatos, somente têm condições de forçar um segundo turno, aqueles nomes como Marina Silva e José Serra que não lograram (nem possivelmente lograrão) serem candidatos de grandes partidos, nem parecem ter condição de se tornarem cabeças de chave.

      Posto que já se saiba o essencial das razões que decretaram o não-reconhecimento pelo TSE da Rede de Sustentabilidade, só a história dirá tudo o que interessa, mas, para variar, tarde demais. Tampouco parece provável que Eduardo Campos, do PSB – que, por ora patina em baixos percentuais - tenha alguma intenção de ceder o lugar a Marina.
      No PSDB Aécio Neves colhe o que semeou na eleição passada. Fez com Serra o que seu avô Tancredo jamais recomendaria. Por contingências da política, os dois continuam sob a mesma legenda. Mas em termos de progressões futuras, é difícil pensar em condições que sacudam a postulação de Aécio do marasmo em que se debate. E alguém acaso veria Serra ajudando a quem o teria cristianizado em Minas?

     Por último, essa estranha sugestão de Lula da Silva quanto a recomendar a Dilma a mudança da política econômica. No seu entender, a atual equipe econômica – consoante noticia a Folha – está com o prazo de “validade vencido” e precisa ser renovada.
      Interessante. Mas para o meu modesto entender, não faz muito sentido. Trocar ou não a equipe econômica não fará muito diferença, porque estilo e orientação estão associados à Dilma Rousseff. Para que haja mudança de política econômica, a equipe é dispensável, porque cumpre ordens.  A responsável sempre foi Dilma.

       Dessa maneira, se o governo do PT quer mesmo mudar de política econômica, o caminho das pedras será outro.

       Tenha-se presente, porém, que de acordo com a sua postura, e ‘dizendo confiar na reeleição de sua ex-ministra, Lula tem afastado qualquer possibilidade de disputar a Presidência’. Dir-se-ía que o presidente Lula encarnou Getúlio Vargas, e o da melhor vindima.
         Não é comovente?

 

(Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo, VEJA)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Folhetim

                                             

Dito da Semana

Um avião não é feito pra cair, mas ele sazonalmente cai. O que não se pode dizer é que ele todo ano tem que cair. Assim é o sistema elétrico brasileiro.

(Edison Lobão, Ministro das Minas e Energia)

 

Vistoria da Semana

O ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil (SAC), Moreira Franco, informou que as obras do Aeroporto de Fortaleza não ficariam prontas antes da Copa ! Não se tratará porém de um módulo operacional provisório (MOP), o conhecido ‘ puxadinho’ como, por engano, o Ministro declarou. Será um módulo pré-moldado e revestido de lona. O MOP é de alvenaria.
Quanto ao Galeão, o presidente da Infraero, Gustavo do Vale, disse que a nova concessionária do aeroporto do Galeão será responsável pelas obras dos setores B e C, do terminal 1, que não estarão prontas antes da Copa. No entanto, a Infraero arcará com os custos das intervenções.

A informativa notícia de O Globo tem interessante foto com um meio-sorridente Moreira Franco e o que se presume seja Gustavo do Vale. Por trás ambiente modernoso e um tanto confuso, que seguramente deva ser de um dos terminais do aeroporto do Galeão (que ainda vai ficar melhor do que o Charles de Gaulle – quando não se sabe)

 

Ainda o Comunicado Oficial do Mercosul

 
Dilma não comentou sobre as manifestações na Venezuela por considerá-las uma questão interna do país. (No entanto), a diplomacia brasileira é criticada por ter apoiado uma nota do Mercosul que chamou de “ações criminosas” as manifestações da oposição venezuelana.

Dá pra entender ?  

 

Dona Dilma vai ao Vaticano

 

Desta feita, Dilma Rousseff preferiu submeter-se à modéstia de alojar-se em nossa embaixada em Roma. Como temos duas, o Palácio Pamphilj (Quirinal) e Palácio Caetani (Vaticano) em que  quarto real terá ficado ? O palpite é o da Praça Navona, que é mais espaçoso e próprio nacional, embora tecnicamente a missão competente para recebê-la é a da Santa Sé, isto é o Palácio Caetani... D.Dilma foi a Roma também para oferecer ao Papa Francisco uma malha da seleção autografada por Pelé e também para que assista os jogos da Argentina na Copa... No dia seguinte, voltou ao Vaticano, para assistir a sagração de dom Orani Tempesta como Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro.  A solenidade foi linda, comentou a presidente.

 

Jogos Olímpicos de Inverno, em Sochi

 
Antes de se derramar em elogios à organização e ao sucesso dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Sochi, na Federação Russa, e entoar loas ao grande êxito obtido pelo Presidente Vladimir Putin,  paremos um minuto para o seguinte: O grupo Pussy Riot chegou a Sochi no domingo passado, e suas integrantes foram detidas por várias vezes desde então.

No episódio de ontem, o grupo Pussy Riot foi atacado  por homens uniformizados (polícia informal para os jogos) com chicotes e gás lacrimogêneos, desta vez a 30km de Sochi. E, no entanto, o grupo só queria cantar “Putin nos ensinará a amar a Pátria”. 

Não dá pra entender. O objetivo de tudo não era elogiar o grande presidente Vladimir Putin? Porque então atacar o grupo – onde estavam Nadezhda Tolokonnikova e Maria Alekhina, que foram libertadas da prisão agora em dezembro – com spray de pimenta e chicotes ?

 

Prisão de Leopoldo López

 

Por decisão da juíza Raleyns Tovar Guillén, o acusado Leopoldo López foi transferido para outra sede (a Prisão Militar de Ramo Verde, em Los Teques) eis que, ao ver da juíza, não havia segurança suficiente no Palacio de Justicia. Um dos advogados de López estranhou: Nunca vimos o Palácio da Justiça tão protegido... A Juíza Guillén deverá definir se López continuará preso ou se aguardará a sentença em liberdade. Dada a independência da justiça na terra de Maduro, não há muito suspense sobre a decisão da juíza.

A MUD ( Mesa da Unidade Democrática) convocou para o sábado outra marcha para cobrar o desarmamento dos coletivos, acusados de responsabilidade em pelo menos quatro da cinco mortes ocorridas até hoje, inclusive a da miss Génesis Carmona.

Interessante, não? O comunicado do Mercosul verbera a oposição por ações criminosas... mas e os coletivos armados por Nicolas Maduro, como ficam ?

 

(Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo)

 

 

 

 

 

 

 

Colcha de Retalhos B 7

 
                                 
Vitória da revolução na Ucrânia                                

 
       Viktor F. Yanukovych encontra-se em Kharkiv, na Ucrânia oriental, próxima da fronteira com a Rússia. Afirmando que seu carro foi alvejado, e falando em russo – o idioma legal do país é o ucraniano – Yanukovych se declarou vítima de um complot, de banditismo e de ‘golpe de estado’. Asseverou que não pretende deixar o país. Por outro lado, indicou que seguirá para o sul da Ucrania, em área próxima à Crimeia, onde a maioria da população tem simpatias pela Rússia e o russo é a língua franca. Por sua vez, os governadores das províncias orientais adotaram resolução em que resistem às determinações do Parlamento, que destituíu,  por trezentos votos a favor, e cento e cinquenta contra, Viktor F. Yanukovych da presidência.  Assinale-se que tal maioria, por ser de dois terços da assembleia, elimina qualquer possibilidade de veto parlamentar. Para a presidência do Parlamento, nesta fase pós-Yanukovych, foi eleito Oleksander Turchynov, antigo Primeiro Ministro, e próximo de Yulia Timoshenko 

        A 21 de fevereiro, ainda presidente da Ucrânia. Hoje, destituído do cargo, todo o  esquema de poder de Yanukovych caiu como um castelo de cartas. Assinale-se, por oportuno, que Viktor Yanukovych passou a ter o dúbio laurel de haver sido por duas vezes escorraçado por seus compatriotas do Palácio Presidencial (na primeira vez, pela chamada Revolução Laranja, em 2004/2005).  Tanto o Palácio, quanto a Residência oficial foram abandonados, e estão hoje sob os cuidados de milícias armadas. A Polícia de Choque – que tanto mal fez aos manifestantes – sumiu, enquanto a outra polícia coopera com os revolucionários. As atitudes de Yanukovych – homem estreitamente ligado à Federação Russa e que nesta hora fala russo ao invés de ucraniano – não são de bom augúrio para a Ucrânia, eis que a Rússia vê com desconfiança o desenlace da crise. Muito dependerá da firmeza da nova aliança nacional, inclusive no que tange a trazer de volta ao aprisco os governadores mais arredios da parte oriental (dita pró-Rússia) do país.

         Se se especulara a princípio que o ex-presidente Yanukovych,  sentindo desfazer-se o próprio esquema de sustentação, teria tentado refugiar-se na Rússia – e que existiria mesmo esquema de fuga propiciado pelo governo de Vladimir Putin – esta carta do deposto presidente reflete a influência do Kremlin, ora perdida com a queda de Yanukovych. Não é de esquecer-se que tudo começou com a repentina troca de alianças por Yanukovych, que, às vésperas da assinatura do Acordo de Cooperação com a União Europeia, em Vilnius, na Lituânia,  de forma inopinada e mesmo ofensiva enjeitou o dito Acordo e indicou a sua intenção de subscrever compromisso com o Kremlin, pela qual iria aderir à União Aduaneira, impingida por Vladimir Putin aos seus vizinhos e ex-repúblicas da defunta União Soviética.

        Bem sabemos no que deu esse gesto canhestro.  Começaram em novembro as manifestações de protesto na Praça Maidan, que apesar de toda a resistência e repressão só cresceram durante os meses seguintes, dada a pertinácia das manifestações e a sua negação de acatar a brutal tentativa do presidente em contrariar a escolha do povo pela Europa Ocidental.

       Viktor Yanukovych subestimou a importância para os ucranianos de um acordo de associação com Bruxelas, e as oportunidades que abriria para a Ucrânia, como o demonstrara a vizinha Polônia. O seu erro de julgamento lhe seria fatal, eis que os manifestantes se apossaram do centro da cidade em fins de novembro, e desde então todo o equilibrismo do presidente, e as suas repetidas tentativas de virar a página, não tiveram êxito.

         De uma posição de fraqueza, os manifestantes pela respectiva resolução viraram pedra no caminho de Yanukovych. Na sua última tentativa de desfazer-se da multidão que se apossara da Praça da Independência – e de outros edifícios públicos – o presidente erraria feio, ao apelar para atiradores chamados de elite e munição letal, para um banho de sangue, com cerca de oitenta mortos.

          Afinal veio a intervenção política europeia  - que, entrementes, tardara demasiado na vocalização do apoio ao povo ucraniano - na pessoa dos ministros do exterior da França, da Alemanha e da Polônia.  O presidente cedeu e a situação se transformou rapidamente. Como primeira peça a cair, o  ministro do Interior Vitaly Zakharchenko foi exonerado por decreto do Parlamento, por sua responsabilidade pelo massacre da véspera.

          O progressivo e já acelerado enfraquecimento de Yanukovych leva a que muitos deputados do Partido das Regiões – a base política do Presidente –  abandonem o navio presidencial. Assim, o processo revolucionário retira significado de concessões anteriores de Yanukovych (volta da Constituição de 2004, com a redução dos poderes presidenciais), que se tornam irremediavelmente defasadas. Daí, na dinâmica do esvaziamento do presidente, sucedeu-se o decreto parlamentar determinando a libertação de sua principal adversária política, a quem Yanukovych lograra fazer condenar a sete anos de prisão.

          Terá sido a gota d’água para Viktor F. Yanukovych.  A  própria Russia – que há pouco ainda fazia declarações arrogantes em apoio ao fiel aliado, por intermédio do Primeiro Ministro Dmitri Medvedev – preferiu não associar-se ao acordo em que o presidente mantinha o cargo, posto que diminuído. Tampouco nesse pós-Yanukovych não está esclarecido ainda o que houve em termos da fuga do ex-presidente para a sua protetora, a Federação Russa. Terá falhado o esquema de transporte a cargo da Rússia? De qualquer forma, de presidente da Ucrânia ei-lo refugiado em Kharkiv, com o palácio já ocupado, nos seus principais pontos, pelas forças revolucionárias.

              Entrementes, Yulia Timoshenko, liberta do hospital penitenciário na manhã deste sábado, ressurge como a verdadeira nêmesis que é de Viktor F. Yanukovych. A Tymoshenko, alquebrada e demonstrando saúde precária – não é brincadeira arrostar as prisões da Ucrânia, após o processo encomendado e dentro das ignóbeis normas do judicialismo político, da marca de Vladimir Putin, em que a política da trança camponesa foi condenada, como Jacó, a sete anos de prisão.

               Apesar de que a Alta Corte Europeia de Direitos Humanos pronunciara como politicamente motivada a condenação da Timoshenko, e malgrado todo o empenho da autoridade comunitária e da própria Chanceler Angela Merkel, em retirar do lazareto de Kharkov a prisioneira, para tratamento da coluna, Yanukovych nunca mostrou grandeza.Seu currículo registra duas prisões na juventude por assalto .Sempre optou por eludir as intercessões,  prometendo considerá-las. Na verdade, as colocava na gaveta, movido sobretudo pelo seu temor de  enfrentá-la em novas eleições.

               Nada mais simbólico, portanto, da inelutável vitória da justiça, que o fato de a multidão de manifestantes na Praça da Independência em Kiev ouvir e aplaudir o discurso da afinal liberta, Yulia Timoshenko,  por fim  fora da iníqua prisão. No pedestal do monumento de Maidan, a voz continua firme, mas não se pode deixar de notar que ela está em cadeira de rodas, os cabelos não estão tão louros quanto antes, e a fisionomia mais que o cansaço marca os intermináveis dias de um cárcere duro e impiedoso, com o tratamento deficiente a alguém que tem problemas na coluna, problemas esses que o atraso e a falta de apoio médico terão decerto agravado.

             Nem todos os circunstantes seriam seus partidários, mas as condições em que se dava a sua presença, toda a injustiça e iniquidade que a própria fisionomia não pode ocultar, junto com a férrea vontade, ela não pode deixar de significar tanto a firmeza inabalável de sua disposição, quanto a fragilidade que Yanukovych não logrou quebrar. Não surpreende, decerto, que seja calorosamente acolhida por aquele público duro e empedernido não só pela intempérie, como pela longa batalha contra o tirano Yanukovych. Não surpreendem tampouco os gritos de Yulia, Yulia!  Enquanto  ela faz conhecer a seus compatriotas  a  intenção de concorrer no pleito a ser organizado em função da exoneração do Presidente revel, de que o Parlamento da Ucrânia votara a destituição.      

              Grande parte das maquinações de Yanukovych buscavam obstaculizar o avanço de sua adversária política. Para tanto, não teve quaisquer escrúpulos em montar um juízo politicamente motivado para mantê-la nas masmorras do interior da Ucrânia, de modo a que a Timoshenko não pudesse pôr em perigo os seus planos de reeleição.

               A sua atuação política relembra a de um corredor que cuida sempre pelo espelho retrovisor da posição de sua rival.  Apesar de dizer o contrário, Yanukovych jamais pensaria em libertá-la e por causa disso contrariou, entre outros, a Angela Merkel.

               Ao encetar a sua fuga – que evoca, de certa maneira, a tentativa de Luís XVI de partir com a família real no caminho de Varennes (onde o esperava destacamento do exército austríaco) para escapar da Convenção e de sua situação de rei não mais absoluto – Viktor Yanukovych terá pensado acaso na peripeteia de ver-se transformado em fugitivo, enquanto a sua nêmesis, Yulia Timoshenko, está de volta a Kiev, para disputar pelo voto do Povo a presidência da república? 

               É justo, portanto, que a Timoshenko encarne a nêmesis para Viktor Yanukovych.  No futuro, ela há de superar essa circunstância contingente. Mas no momento, não poderia haver mensagem mais alvissareira, em se falando da força da justiça e da fraqueza do mal.

 
  
Repressão na Venezuela

 
        Ao contrário da laudatória Argentina de Cristina Kirchner, o governo Dilma Rousseff  tem mantido alguma distância do governo Nicolas Maduro, evitando adentrar questões internas da Venezuela. O único escorregão foi assinar embaixo do comunicado do Mercosul que verberou ações criminosas da Oposição. Não à toa esse cochilo causou mal-estar em diplomatas brasileiros.

        O líder oposicionista Leopoldo López continua preso. A justiça venezuelana, que é um braço do chavismo, decretou-lhe a prisão preventiva por 45 dias. Por sua vez, o também chavista Ministério Público já preparou o libelo com pena de dez anos de prisão. A severidade na Justiça quando só funciona em um sentido é mais do que sinal, e sim confirmação do caráter meta-ditatorial do regime. Quanto três aos manifestantes mortos pelos ignóbeis colectivos chavistas – que não passam de milícias estipendiadas pelo Estado – nenhuma palavra e nenhuma ação (sequer a da jovem miss estupidamente abatida com um tiro na cabeça).  Que se deseje penalizar uma ação política – além das dúbias acusações sobre o seu pretenso envolvimento – já fornece pesado indício da melancólica realidade nas condições do debate político na Venezuela, assim como do endurecimento do regime.

        Querer negar gasolina à oposição é ainda descer mais o nível. O que Maduro deveria fazer é governar em atmosfera de liberdade e de defesa do direito de opinião. Desejar sufocá-lo por medidas como negação de autorização para importar papel de imprensa – além de atenazar os veículos de opinião – mostra que o regime atual está mais preocupado em arrochar o diálogo e a expressão de opiniões divergentes, do que manter fachadas democráticas.

        Prevalecer-se do poder constituído para sufocar a liberdade da oposição nada tem a ver com democracia. Em se tratando de governo canhestro e violento, a coisa deve piorar ainda mais, porque as causas das divergências continuam (desabastecimento, inflação galopante, violência dos coletivos chavistas, etc.etc.) e não será por negar-lhes a existência e partir para a intimidação generalizada que tais problemas sóem ser resolvidos.

        Uma das eficiências do regime chavista está na construção de um aparato repressor que visa à manutenção, pela violência, fraude ou ambas misturadas, do próprio monstrengo que o coronel Hugo Chávez Frias deixou como legado para a Venezuela. Isso explica a prepotência de Maduro. Não sendo comparável ao antecessor  em termos de capacidade política de lidar com os desafios presentes, fica mais fácil de entender a institucionalização da fraude, que serviria como espécie de sistema de segurança para a manutenção do chavismo.

         Apesar de dominarem o Judiciário, o Ministério Público, e, por via das apurações (no velho estilo mexicano) assegurar o predomínio no Executivo e Legislativo,  o zeloso aparato chavista confunde oposição com subversão.

          É lamentável que o fanal da democracia na América do Sul – em época na qual pululavam as ditaduras militares – desde o governo de Romulo Betancourt tenha aos poucos decaído e permitido, por força do viagismo de Carlos Andrés Perez e a corrupção, que o chavismo tenha grassado, a princípio com uma linha democrática (até o recall foi permitido), para com o passar do tempo enrijecer as artérias na demagogia e no cripto-militarismo bolivariano de Hugo Chávez.

             Mas a famosa dúvida de Garcia Marquez ao ver afastar-se o ainda jovem Hugo Chávez no tarmac de aeroporto – será possível que vire outro caudilho latino-americano?– infelizmente foi corroborado pela história, com o detalhe suplementar de que o seu sucessor designado deixou de lado as qualidades de Chávez para aplicar apenas a violência institucional, tudo decerto soprado pelo saltitante passarinho que o benjamin (e ex-caminhoneiro) levava no ombro...

             Diante de tamanha e tão sólida incompetência político-administrativa, a pergunta que ronda tanto a cúpula dos velhos chavistas, quanto da atribulada oposição, é o  que terá visto no compañero Maduro o comandante Hugo Chávez Frias. Ou terá sido apenas o último chiste do Caudillo, para assim mostrar o respectivo menosprezo pela alta hierarquia do chavismo...  

 
Paradoxos do ‘Mais Médicos’



       Vejo com tristeza que o Governo Dilma tenha uma relação cada vez mais comprometedora com o regime dos irmãos Castro. As concessões que Havana tem feito à democracia e ao respeito dos direitos humanos são risíveis. Na verdade, por arrogância e senil obstinação os irmãos Castro não mais tentam encobrir-lhe as feições. Seria, assim, como se se dispusessem a colocar à visitação pública, na sala principal, o próprio retrato de Dorian Gray.

        É preciso ter essa relação ambígua com Cuba e as fantasias quanto ao caráter redentor da dita Revolução – alimentadas à distância, enquanto batalhavam no Brasil com os parcos meios disponíveis contra o tacão do regime militar – para reputar factível a aplicação no Brasil, face à nossa Constituição de 5 de outubro de 1988, de um programa de pretensa cooperação técnica, nos tristes moldes do acordo negociado com Cuba – que é inserido com modalidades específicas, que lhe abastardam e desfiguram o caráter, no programa geral, destinado a médicos estrangeiros (mas não os cubanos) Mais Médicos.

         A etiologia desse delito contra a democracia – que me pergunto como subsiste em um país que se crê regido pela Constituição Cidadã – nós a devemos a mestre Ives Gandra da Silva Martins, conforme lapidar artigo publicado na Folha de S. Paulo, a dezessete de fevereiro corrente. Sob o título “O neoescravagismo cubano”, ele põe a nu as odientas características dessa reintrodução, sob chancela oficial, da servidão humana no Brasil.

         A pergunta que fica no ar – por ora sem resposta – é a de por que tal inconstitucional abominação tem a existência permitida e aplicada. Há corporações formalmente encarregadas desse mister, e existem na Constituição e legislação brasileira  os meios e modos para varrer essa assombração da ditadura cubana no Brasil.

          Ou será que a vocação brasileira no regime petista de admiração sem fronteiras à ilha do Caribe  passe também a arremedar  a Venezuela et al., na sua recepção servil à  assistência técnica cubana ?   

 

(Fonte:  Folha de S. Paulo, The New  York Times, O Globo on-line)