quarta-feira, 31 de julho de 2013

Dilma está em fim de linha ?

                                       
         Dilma Rousseff decifrará o enigma eleitoral e logrará viabilizar a candidatura à reeleição?

         O que se pensava, há meses atrás, fossem favas contadas, as manifestações de junho, a sua confusa e atabalhoada resposta, e a incômoda presença de altos índices  de  inflação – tudo isso junto e misturado bagunçou o quadro, e ao invés da branca tela da quase formalidade do bilhete carimbado para outro quadriênio, irrompe  confuso cenário em que tudo é possível.
         Na dissonância dos erros, a carestia se afigura como o mais grave, mas não é decerto o único. Dilma encontrou a economia relativamente em ordem, porém com Guido Mantega na Fazenda, o continuado aumento dos gastos correntes, o truque das capitalizações tão do agrado de Lula da Silva, e o consequente incremento da dívida bruta, as desonerações fiscais para enfrentar a ‘marolinha’, tudo isso a refletir estado de coisas assaz diverso do prevalente na gestão de Antonio Palocci, com a respectiva exação no respeito ao dever de casa.
          Desde cedo a presidenta julgou que poderia controlar o dragão com declarações bombásticas do tipo ‘não admitirei que a inflação retorne’. Sem embargo, Dilma mostrou pouco discernimento, ao negligenciar nas medidas indispensáveis para manter a carestia sob controle. Dir-se-ía que ela chegara de outro planeta, tão ignara se provou em comportamento a beirar o irresponsável.
          Depois das décadas perdidas na inflação e hiperinflação pelo descontrole dos preços, é espantoso que alguém assuma a presidência e na prática desconheça as medidas elementares que deve tomar para manter a casa em ordem, e sobretudo o que não deve fazer para evitar surtos inflacionários.
           Se Lula da Silva teve juízo bastante de capacitar-se de que o êxito do Plano Real não era  adereço partidário, mas conquista de toda a sociedade, é estarrecedor que a sua pupila, na prática, haja ignorado os avisos de elementar cautela, e, sob o estandarte de  confuso desenvolvimentismo, desembestado no pântano de erros e do voluntarismo dos néscios.
           Nesse sentido, à cata de percentuais mais altos de desenvolvimento, manietou o Banco Central – nosso único fiscal ativo da inflação – não permitindo qualquer elevação de juros. Por outro lado, a sua escolha de ativar o crescimento pelo consumo – a par das desonerações fiscais e do controle de preços da Petrobrás e de outras estatais – trouxe para a economia muita ambiguidade e pouco crescimento. Dentre desse voluntarismo, não tendo os empresários bolas de cristal para saber aonde investir, o resultado não poderia ser outro que o marasmo dos pibinhos.
            Na equipe da Fazenda em que a figura do Ministro se vai tornando mais patética, aumentam os malabarismos fiscais – que como todo remendo só tendem a ressaltar os próprios defeitos. Será que Dilma Rousseff deseja imitar a Cristina Kirchner, que em termos de economia é uma pária internacional? Nesse sentido, como interpretar a gestão de Mantega ao FMI de que ao invés da dívida bruta, se utilizasse no caso brasileiro a dívida líquida? Pensam acaso que o FMI é bobo? Nada espelha mais o vexame fiscal de nosso país que esta pretensão, se me permite a palavra, um tanto torpe, por presumir que o Fundo possa desconhecer das lambanças fiscais da Administração Dilma.
              Junto com a crassa calinada de provocar – por incompetência ou húbris – a disparada da inflação, o governo Dilma tem acumulado erros que agora assomam, ou se tornam verdadeiros elefantes na sala de jantar, agressivos pela própria presença.
              Os ridículos trinta e nove ministros que existem para alicerçar a chamada base de apoio constituem, na verdade, um apêndice terceiro-mundista, a personificação do empreguismo desenfreado, a par de sua ínsita mediocridade.
             A inabilidade de Dilma, o seu menosprezo pelos rituais da política, fizeram com que se abrisse enorme fosso entre a base aliada e o Planalto. Multiplicam-se por falta de diálogo as derrotas da Presidenta, e não há veto seguro, nem Medida Provisória que possa ser blindada por algum inexistente dispositivo.
             Por outro lado, os dois tombos sofridos por Dilma nas pesquisas a fragilizaram bastante.  O PT, atemorizado pela incrível e inesperada probabilidade de que o tão decantado período petista no poder venha a ser nada cerimoniosamente interrompido, lembrou-se nesse brejo das almas de seu nume tutelar. Lula tem adotado a respeito uma atitude política, incentivando rumores de sua candidatura, enquanto reitera inabalável confiança nas perspectivas da pupila em reeleger-se.
             Na recente entrevista da Presidenta a Mônica Bergamo o que mais sofreu foi a lógica e a verdade. A frase que não haverá a volta de Lula, porque Lula nunca saíu é um malabarismo verbal que mais revela do que oculta.  Ao patentear-lhe a subordinação nada republicana, cria mais problemas do que resolve. Se ele está tão vinculado assim, porque tantos erros foram cometidos?  E querer a volta de Lula não significaria reconduzir ao Planalto o responsável por toda a situação? Se Lula errou ao indicar pessoa despreparada, vamos premiá-lo por isso?
             Os fatos nus e crus apontam a vertiginosa caída de Dilma Rousseff.  Essa queda a fragiliza e anima não só os mouros da costa, mas muitos aventureiros de última hora.
             Por outro lado, Dilma parece ter perdido a noção do real e do crível. Ao cabo de sua entrevista a Monica Bergamo disse, como sublinhou Miriam Leitão, que além dos cinco pactos que propôs, iria propor um sexto, o pacto da verdade.
            E numa frase em que a ironia parece transmutar-se em sarcasmo, a colunista de O Globo frisa: “em seguida, disse que a inflação está baixa, a dívida pública está caindo, os gastos estão sob controle, e o déficit da Previdência é pequeno”.
            Diante do aparente despautério presidencial, pergunto-me, com todo o devido respeito, se não hão de crescer  dúvidas sobre o contato com a realidade brasileira da Senhora Presidente da República.

 

(Fontes:  O Globo,  Folha de S. Paulo)

terça-feira, 30 de julho de 2013

Papa Francisco: a Renovação na Igreja

                                  
          Quis o Senhor que a primeira viagem de Papa Francisco tenha sido ao Brasil. Esta nossa terra – que ainda é  o maior país católico do mundo – deveu essa graça à circunstância de que Bento XVI agendara a próxima Jornada Mundial da Juventude para o Rio de Janeiro.
          Mais uma vez o homem põe e Deus dispõe. Quero crer – e não vai aqui nenhum bairrismo – que foi uma boa oportunidade para que Francisco mostrasse que o seu estilo, a sua visão pastoral (o que inclui os respectivos meios) e adumbrasse as principais notas e objetivos de seu ministério. Para tanto, a doutrina – que na essência permanece – admitirá visões mais consentâneas com a pós-modernidade que vivemos. Volta, portanto, o espírito que presidiu o pontificado do Papa do Concílio, santo João XXIII, com as janelas abertas de par em par aos ares dos novos tempos.
          Por muitos e muitos anos, a Igreja viveu sob a sombra do conservadorismo. De certa forma, seria como se tivéssemos de volta o pontificado de Pio XII. Paulo VI completou o Concílio – e nisto está a sua magna obra -, mas levado pela sua hamletiana indecisão, não enfrentou com a mesmo postura joanina os desafios da modernidade. Nem coragem teve de beatificar o Papa do Concílio.
          João Paulo I e seus trinta e poucos dias foi uma esperança cortada de modo abrupto. O Papa do sorriso adumbrou muitos perspectivas, que um destino cruel atalhou.
          Vieram em seguida dois pontífices conservadores – João Paulo II e Bento XVI – que com suas boas intenções arrastaram a Esposa de Cristo para, nas palavras  um tempo pressagas e sem esperança, a um longo inverno.  A frase como bem sabem os que me honram com sua leitura não é minha. É de Karl Rahner, S.J., que seria considerado  o teólogo do Concílio Vaticano II,  e que pertenceu à Companhia de Jesus, como o nosso atual Papa.
          Por primeira vez, a Igreja tem um jesuíta como Sucessor de Pedro.  E não por acaso, este soldado de Cristo escolheu como nome – o que descortina todo um programa de ação – o do seu quiçá maior santo, aquele mais próximo do laicato e da pobreza evangélica.
         A par disso, as similitudes com Papa Giovanni logo apareceram com a evidência quase corriqueira, a ponto de ser sinalizada por pessoas comuns, que viam no seu poder de comunicação e na sua humilde simplicidade sinais demasiado fortes para não serem considerados.
        Que outro Papa terá pedido aos fiéis congregados na Praça São Pedro, na sua primeira mensagem e logo após a ritual proclamação do Cardeal-Diácono, que  rezem por ele ?
         Por outro lado, considero relevante para um pontificado que se assinala promissor, que uma das escolhas de Papa Francisco tenha passado pelo crivo de multidões. Todos nós temos presente o erro das autoridades civis que ensejou a momentânea prisão em um engarrafamento, na Presidente Vargas, da viatura pontifical.
          Em seu nervosismo, devido ao descuido da Prefeitura, chegaram a considerar a hipótese de retirá-lo manu militari para, por assim dizer, colocá-lo a salvo. No entanto, como declarou a posteriori, Francisco não sentiu medo algum nesse instante. Submetido ao contato extremo, todos viram o que isso significava: mais uma oportunidade de homenageá-lo, e de aproximar-lhe o que têm de mais precioso, os próprios filhos, para que os seus infantes dele merecessem a tão desejada bênção.
           O Papa, que disse não conhecer o sentimento do medo, verificou então, naquele momento que tensionava os responsáveis pela segurança, que não errava ao confiar nas multidões. E estas, que são humanas e apreciam não só o respeito senão o prazer do Santo Padre em praticá-las, corresponderam naturalmente à expressão daquela lídima mostra de afeto sem limite.
            Francisco já sinalizara que preferia não ser aprisionado no papamóvel  blindado, porque essa proteção o confina em uma gaiola, na qual não pode tocar nem retribuir o apreço dos fiéis e dos entes queridos que oferecem a ele por um instante  eterno penhor da sua admiração.
            Ora, a Praça de São Pedro é um ambiente cujas dimensões não podem comparar-se aos espaços de uma grande metrópole como o Rio de Janeiro. Não ignoro – e estava mesmo na Via dela Conciliazione – quando ocorreu o inominável sacrilégio contra Papa Wojtyla. Mas eram outros tempos, a mão foi decerto armada por um poder que hoje não mais existe. De toda forma, em logradouro como o abraçado pela colunata de Bramante, nos achamos em espaço que não pode ser cotejado em amplitude àqueles múltiplos de uma grande cidade. Portanto, o Rio de Janeiro confirmou na sua sempre corajosa opção do chamado banho irrestrito na multidão o que Papa Francisco sinalizara com firmeza, diante das reiteradas ponderações da segurança.   
            Como toda personalidade de grande importância – e são poucas na atualidade – Sua Santidade o Papa Francisco requer resmas de considerações, que nos levam a estender-nos. Por isso, antes de interromper os comentários – contando retomá-los adiante – desejaria frisar dois ou três tópicos que me parecem de grande peso e oportunidade.
            Dessarte, se ao Rio de Janeiro coube a alegria de participar no indispensável aprendizado – eis que tudo carece de aprender, e até mesmo a condução da Sé de Pedro – de Sua Santidade, e não só nos banhos de multidão que lhe são tão caros. Na vinda, se não me engano, Papa Francisco se perguntara se havia alguma disposição sobre a concessão de entrevistas, eis que semelhava não ser próprio do Sumo Pontífice concedê-las.
           E não é que o risco de giz desapareceu ,quiçá, pelas areias de Copacabana ? Pois Francisco concedeu no Rio de Janeiro, uma entrevista a repórter de O Globo, e no avião da Alitalia, cercado dos vaticanistas, não é que consentiu em dar outra ?
           Papa Francisco quer mostrar ser um homem do século XXI, na era digital e da internet. O seu papel e importância não se cingem, é certo, a esse avatar, mas ele deve fazer parte do dia-a-dia do Santo Padre. Nos palácios vaticanos, mesmo nas construções mais simples  que sinalizou preferir, a tradição tende a ser onipresente e às vezes constrangedora ou esmagadora.
        Ele tem consciência de que representa muito mais do que a simples modernidade. Ao agraciar o Brasil com a primeira viagem de seu pontificado, atendida  sua condição de natural da Argentina, país tão próximo e com tantos desafios similares àqueles do Brasil, terá sido uma compreensível falta de entendimento da expressão do poder civil que não haja captado na extensão e aprofundamento devido essa memorável homenagem que nos foi prestada, a nós cariocas adotivos ou não, e que o Brasil, pela sua antiga metrópole do Rio de Janeiro tenha dado os primeiros frutos a esta personalidade histórica, que nos rendeu  a suma honra de iniciar em nosso solo pátrio o seu múnus pastoral além das usuais fronteiras da Sé pontifícia e da Itália.
       Há muitas folhas ainda em branco no pontificado de Papa Francisco. Que a sua ação pastoral e doutrinal seja longa e profícua, seguindo as linhas que ora o Santo Padre principia a traçar.
        Apenas uma palavra de cautela. Dentro dos muros vaticanos, de há muito acostumados a uma relativa reclusão, assim como a abertura das janelas na época joanina terá indisposto alguns, não será difícil prever que aquele que deseja renovar se encontrará com muitas vozes a quem aproveita estarem as coisas como estão.
         Como na velha Roma, os harúspices eram chamados para decifrarem as entranhas das pobres vítimas da superstição de então. Habituados aos palácios e às suas pesadas portas, a imprensa tem representantes que se reputam fundos conhecedores dos desvãos e das aulas por que passam não apenas o Pontífice, mas também os Cardeais, com os respectivos séquitos.
          É uma cultura de cruzes ornadas com metais preciosos, que cresceu – malgrado a sua ínsita contradição com o sacro lenho – na atmosfera própria, de muitos segredos e falsos enigmas dos palácios da Corte pontifícia e das inúmeras, todas elas sacras, Congregações vaticanas.
           Pelo acesso que possuem – ou dizem ter – surgiu o grupo dos chamados vaticanistas, expertos em questões inacessíveis para o vulgo. Nesse círculo – como em  tais agrupamentos informais – haverá os bons, os maus e os indiferentes.
           O único que aqui me preocupa é o rótulo que separa e que alegadamente distingue. Por acompanhar os assuntos – e os negócios – da Santa Sé, é difícil aos pássaros mudarem de plumagem. O mistério, o esotérico, será para alguns a ferramenta do mister. Por outro lado, é difícil manter a distância e não se deixar envolver o mensageiro pela mensagem que pensa transmitir, e que pode ser apenas uma secreta arma de que, por trás de vestes e de longas pausas, está a instrumentalizar alguém, à guisa de prestar serviço a uma comunidade imprecisada.
          Como quem disse que temia os gregos, sobretudo quando davam presentes, a prudência sempre necessária ao avaliar-lhes os ditos. Porque será sempre importante determinar se atrás de muito mistério, nada exista de relevante. E nesse grupo, ornado com palavras oriundas de conhecimento, será tarefa árdua verificar o que procede e  verdade é, e o que não o é, sendo tão só arcanas hipóteses para defender causas indefensáveis.
 

 
( Fontes: Rede Globo, O Globo, Folha de S. Paulo )       

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A ensanguentada democracia norte-africana

                            
            Em dois países de importância capital para o surgimento da chamada primavera árabe a democracia está ameaçada. Na Tunisia, a ameaça se configura por série de assassinatos, que se caracterizam pela eliminação de líderes da oposição. Como se verifica, o método de singularizar aqueles que se opõem à islamização radical é um processo de crueldade hedionda, pois os islamitas radicais pretender implementar o respectivo projeto de forma sinistramente tópica. Matam apenas os políticos mais destacados no campo chamado liberal.
            É uma pesada ironia que o país a viabilizar, com o sacrifício do verdureiro Mohamed Bouazizi, a queda da corrupta ditadura de Ben Ali, e o início da dita Primavera Árabe, apresente um quadro tão pouco promissor no campo da proteção dos direitos mínimos da coletividade. Essa ironia, de resto, se transforma em sarcasmo com o surgimento do partido islâmico dito moderado Ennahda, que tem intentado restringir os direitos das mulheres, existentes na Tunísia desde o patriarca da independência Habib Bourguiba. Assim, seja por má-fé, seja por incompetência político-administrativa, extremistas islâmicos, do corte da al-Qaida, permanecem livres para realizar os seus crimes.
             A revolta popular se viu exacerbada pela aparente licença para matar dada a homicidas de uma célula jihadista da notória al-Qaida, que não só torna pública a resolução do assassínio, que sói ser precedido pela sua divulgação – à guisa de intimidação do grupo ou partido selecionado para ter executado o chefe respectivo.
             A suspeitada conivência do gabinete da Ennahda tem causado muitas demonstrações e protestos de parte de um povo que se vê privado dos próprios líderes, pela ação dos exterminadores da al-Qaida. Foi assim em fevereiro último, com a morte do político moderado Chokri Belaid,  e agora de Mohamed Brahmi, também liberal e o líder da oposição ao Ennahda. Brahmi, um político respeitado, foi abatido diante de sua residência, e à vista da mulher, e dos filhos, nesta quinta-feira, 25 de julho.
              A reação da população foi muito forte, com diversos protestos populares, dispersos a gás lacrimogêneo pela polícia. Houve uma greve geral decretada pela principal união sindical.
              O aspecto mais inquietante do crime é que o governo não ignora quem seja o assassino, que é Boubakr Hakim, um radical jihadista que já estava implicado na morte de Belaid. Segundo o Ministro do Interior, Lotfi Ben Jeddou, o matador seria o mesmo porque os tiros partiram da mesma pistola automática. Infelizmente, o alegado fato de saber quem matara Belaid não foi instrumental para que Hakim fosse detido. Ao contrário, pela incapacidade das autoridades (ou pior) continuou livre para levar adiante o seu projeto macabro.
              Por sua vez, no Egito milenar, após o golpe militar contra o presidente Morsi, da Fraternidade Muçulmana, tudo leva a crer que se reforce a antiga tendência prevalente na terra dos Faraós. Com efeito,  desde a derrubada do rei Faruk em 1954, o Egito tinha estado sob o tacão de uma série de ditadores castrenses – notadamente Nasser, Sadat e Mubarak. Com a revolta da praça Tahrir se iniciou o que se augurava fosse um processo democrático.
                No entanto, seja a Fraternidade Muçulmana, seja o seu candidato e eventual presidente, não favoreceram um projeto de governo para toda a sociedade egípcia, e não apenas para benefício do vasto contingente islâmico da Fraternidade.
                A par de sua ineficiência em combater a inflação, por uma série de medidas – como através de decreto em que buscou enfeixar todos os poderes, em seguida a aprovação da nova Constituição de forma pouco democrática, e por último a sua incapacidade em apresentar-se como um líder de todos os egípcios – o presidente Morsi reduziu, de alguma maneira, a duração de seu governo a um ano.
                A princípio a intervenção dos militares – com exceção da Fraternidade, que apóia Morsi – foi bem recebida pela maioria do povo. No entanto, apesar de haver nomeado um governo provisório, o alto comando vem transmitindo com progressiva intensidade a impressão de que quem realmente manda naquela milenar terra, que Heródoto chamou dádiva do Nilo, continua sendo o militar, ora representado pelo Comandante em chefe, General Abdul-Fattah el-Sisi.
                 Por quanto tempo el-Sisi ficará no poder é uma questão em aberto. O último comandante militar, que era vice de outro militar (Anuar Sadat) ficou como presidente por cerca de trinta anos. O seu nome é Hosni Mubarak.
                 A violência, sem embargo, preocupa e muito. Nos últimos distúrbios, respondendo às pedras lançadas pelos partidários do presidente deposto (e preso) Morsi, a resposta dos militares foi à bala, e houve 72 mortos. É conhecida a dificuldade que os militares têm em lidar com a oposição. O balanço dessa ‘operação’ já mostra que a turma fardada nada aprendeu com as manifestações da praça Tahrir.  É difícil imaginar que o general el-Sisi logrará cimentar o próprio poder com uma tal dificuldade em lidar com a pressão das  oposições.
 

 
( Fontes:  New Yorker, International Herald Tribune, Folha de S. Paulo )      

Até breve, Papa Francisco

                                    
        A visita ao Brasil  de Papa Francisco terminou como começou. Na alegria do povo, que o recebeu carinhosamente desde o primeiro dia, pois a nossa gente o acolheu com enorme entusiasmo, dada não só a envolvente simpatia do Santo Padre, assim como o seu genuíno prazer em estar com os fiéis.

        Alguma imprensa estrangeira confundiu com populismo a sua decisão de ignorar as barreiras da segurança e do medo. Como pode delas carecer quem tem gosto em estar com os fiéis, como se recebesse a cada um, não do alto de um pedestal, ou por trás de janela à prova de balas, mas como o pastor que cuida, preza e respeita a cada ovelha ?

        Nada mais natural do que a postura de Papa Francisco. Quando atravessa a praia de Copacabana, a pé ou de papa-móvel, quando visita as moradas humildes na favela da Varginha, ele será o mesmo, ou talvez ainda mais afetuoso, do que quando recebe as visitas dos fiéis da aristocracia e do poder.

        O povo não é bobo, nem tolo, e logo descobre quem realmente não só o respeita, mas tem o afeto sincero que não se encerra apenas em nosso hino. Por isso, malgrado as advertências das autoridades que vêem nos populares antes a ameaça do número e dos indizíveis perigos que pensam perscrutar nas massas, Papa Francisco, com o seu dom das gentes, e a sua vocação missioneira, a eles se entrega com a confiança do bom pastor.

        Por isso, se a visita do sucessor de Pedro foi um rosário de alegrias, ensinamentos e fundas, sentidas emoções – como no abraço ao mais humilde de seus fiéis, e nas palavras e bênção dadas a Oscar, que, de joelhos, lhe pedia a intercessão na própria luta – a extemporânea moldura lhe seria dada pelas cerimônias oficiais de recepção e despedida ao Sumo Pontífice.

        A maior parte da gente presente nessas ocasiões que a convenção reserva ao oficialismo tem apenas vagos traços em comum com o povo em geral. Muita segurança caracteriza tais encenações, e Papa Francisco semelha conformar-se a tais por vezes longos momentos, para que as convenções do poder sejam respeitadas.

        A Presidente Dilma – que apareceu, igualmente, na Missa de Envio da Cruzada Mundial da Juventude, com os vizinhos Cristina Kirchner e Evo Morales – resolveu não comparecer à despedida.  À chegada, ela recebeu o Papa Francisco, mas no seu extenso e despropositado discurso mostrou o que todos sabemos. Por motivos ideológicos, ela é uma estranha à festa popular que consagrou o Santo Padre. Faz parte de um outro mundo, e por isso não se conecta com o Vigário de Cristo. Ela pode ir, se instada por assessores, à catedral de Aparecida, para tentar angariar votos na hora decisiva das urnas. No entanto, basta deparar-lhe o jeito canhestro e a falta de qualquer sensibilidade com a gente brasileira que não precisou de guias para conectar-se, admirar e curtir o estar com Francisco, essa grande dádiva que o Espírito Santo ora reservou para a Igreja.

        Por isso no erro  de não despedir o Santo Padre – com o que seria o eco oficial da transbordante recepção que o povo brasileiro de Deus, em amoroso, comovente entusiasmo, ofereceu  ao Bom Pastor  - D. Dilma de certo modo colaborou com o bota-fora protocolar.  O Vice Presidente Michel Temer, com o seu jeitão empertigado, soube encontrar palavras que tinham o sangue do afetuoso apreço e respeito que aqui recebeu o Pontífice em cada rua, em cada praça, nos imensos auditórios e na praia de Copacabana, sem meias palavras, com a força da natureza – que até exagerou um pouco na chuva e no frio -  mas quiçá quem sabe terá sido a forma de Deus manifestar o quanto tudo que é natural e espontâneo convive com alegria com o nosso Papa Francisco.

 

( Fonte subsidiária:  Rede Globo )

domingo, 28 de julho de 2013

Colcha de Retalhos A 27

                                  
 O Escândalo de Santa Maria
     
           Passados seis meses, os quatro principais acusados já foram há algum tempo condicionalmente liberados pela justiça, através de decisão em segunda instância (desembargadores). Deveriam tê-los mantido mais tempo atrás das grades, não só em respeito aos 242 mortos pelo criminoso incêndio da boate Kiss, senão para que se evite a sua fuga do país, a qual, dada a proximidade das fronteiras, e a sua permeabilidade nessa região ensejam possibilidades para tanto assaz concretas.
           Por outro lado, o Prefeito Cesar Schirmer (PMDB) voltou atrás da promessa feita de pagar todos os valores gastos pelas famílias com a tragédia, independentemente de a prefeitura ser responsabilizada ou não pelo incêndio.
           Em termos de promessas, feitas quando do desastre da boate, por governo federal, estadual e municipal, nenhuma delas foi honrada por Dilma Rousseff, Tarso Genro e Cesar Schirmer.
           Além da óbvia responsabilidade dos governos estadual e municipal, em termos de licenças do local e de oportunas vistorias (inclusive no que tange aos bombeiros), causa estranheza que o prefeito Schirmer, trocou as promessas anteriores pela seguinte lapidar frase: “Não recebemos recursos federais, e eu não vou pagar enterro para rico, é claro que não. Não havia compromisso.”
            A juventude universitária de Santa Maria merece melhor sorte e mais respeito. Não se fala somente dos mortos pela irresponsabilidade de que são acusados os quatro réus do processo criminal: os dois sócios-proprietários Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor  do grupo musical, Luciano Bonilha Leão (todos acusados de homicídio doloso qualificado).
             A par dos 242 mortos, é forçoso considerar a questão dos sobreviventes, sobretudo as vítimas cuja convalescença se estendeu por meses e meses a fio (há pouco teve  alta a última paciente submetida a tratamento intensivo por mais de cinco meses).
              Será que os responsáveis pela tragédia, e as autoridades referidas têm idéia não só do sofrimento desses jovens, mas também do que significam as lesões sofridas e o que podem implicar em termos de cerceamento de atividades na existência de moças e rapazes que pensavam ter uma vida sem peias nem cuidados pela frente ?
 

O  deboche da propaganda política obrigatória   

 
             A chamada propaganda política obrigatória – que de gratuita não tem nada  - constitui um aborrecido incômodo para os telespectadores. É um escândalo que os congressistas legislem em causa própria e tenham nos últimos anos causado um incremento em proporção geométrica para a pulverização partidária que se apossou do país.
             O Supremo Tribunal Federal em uma de suas mais mal-avisadas sentenças considerou inconstitucional a limitação da representação dos partidos. Tinha sido desejo do legislador manter o número de partidos dentro dos parâmetros do bom senso. A exemplo de sólidas democracias – como na Alemanha – perdem a licença partidária as agremiações que não obtiverem mais de 5% dos sufrágios.
             A lei que o Supremo fulminou como inconstitucional era muito mais modesta do que a germânica. O resultado é a atual multiplicação do absurdo. Para tudo existe o limite do bom senso. Assegurar a representação das diversas ideologias é um mandamento que deve igualmente respeitar os limites do ridículo.
             Além dos grandes partidos, temos uma infinidade de outros que apenas representam a si próprios, além de disporem da oportunidade de uma janela eleitoral no chamado horário gratuito. Muitos desses partidos são convenientes legendas de aluguel.
             De uns tempos para cá, algum luminar de Brasília terá julgado oportuno multiplicar a presença desses senhores na telinha e nas nossas casas em aparições em geral constrangedoras pela pobreza das ideias e das propostas.
             Temos a cada quatro anos a sárcina de aguentar os candidatos nanicos a presidente e a governador. Pergunto-me qual o escopo dessa patacoada.
              E agora que resolveram invadir o horário nobre longe da época consignada para a propaganda eleitoral, não é que todos sem exceção – tanto os grandes, quanto os médios e os nanicos - aderiram aos objetivos e programas das passeatas de junho?
             Será que essa demonstração de cinismo generalizado – ou alguém pensará que os partidos no poder, ou os menores, que ambicionam vereanças e prefeituras - tem alguma intenção de abraçar os princípios e os objetivos dos jovens de junho ?
              Ao vê-los na telinha, eu não posso deixar de recordar-me do personagem de Henfil – Gastão o vomitador.  Quanto ele vomitaria se o traço veraz de Henfil estivesse ainda entre nós?!

 
A visita de Papa Francisco ao Rio (1)

 
               No New York Times o correspondente Simon Romero se refere ao toque populista do Santo Padre.  Com essa expressão, de forma um tanto canhestra o diário americano deseja aludir aos contatos de Papa Francisco com favela carioca, além de suas observações em que condena a corrupção, a desigualdade e a pobreza.
               Em contexto latino-americano, o populismo é o contrário dessa franca postura do Pontífice. Os populistas – e o termo em geral se aplica a políticos – são em geral desonestos e tentam ganhar as boas graças do povo não através de medidas que contribuam para a real melhoria de sua situação, e sim por meio de artifícios e de falsas vantagens. Tal era, por exemplo, a prática de Adhemar de Barros, que foi governador de São Paulo e concorreu várias vezes à presidência da república.
               Dizer que o Papa tem um toque populista na visita à favela é uma expressão incorreta e preconceituosa, eis que colocá-lo no mesmo nível da atual safra populista e neo-populista (a pulular na América Latina) não poderia estar mais longe da verdade, eis que o propósito de Francisco é de conscientizar os moradores desses espaços marginalizados, e não de engabelá-los, como é a prática de tais políticos.

 
A visita de Papa Francisco (2)

 
                  Acompanharam a missa de envio da Jornada Mundial da Juventude três presidentes da América do Sul.  Em uma tribuna reservada a altas autoridades, na praia de Copacabana, assistiram à cerimônia religiosa, as Presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner (Argentina), e o Presidente Evo Morales (Bolívia).
                 Foi anunciado pelo Sumo Pontífice que a próxima Jornada será em Cracóvia, na Polônia, o que representa ulterior homenagem a Papa Wojtyla (João Paulo II) que deverá ser canonizado no final do ano. 
                 A partida do Papa, ao cabo de uma presença marcante na cidade do Rio de Janeiro, deverá ser no fim dessa última jornada, em que Sua Santidade cumpriu um programa bastante intenso e muito exitoso. Tal se deve notadamente a seu carisma, sua extrema simpatia e simplicidade, com que conquistou não só os cariocas, mas as multidões que participaram dos vários eventos que lhe assinalaram a visita.
 

 
Perderá o sono o presidente Yanukovytch, da Ucrânia ?

               Sofre por acaso o presidente Viktor Yanukovytch algum desgaste político maior pela condenação política infligida por dócil justiça à líder da oposição na Ucrânia Yulia Timoshenko (sete anos de prisão !) ?
               Na verdade, a cínica perseguição política à Timoshenko -  que ora padece em ignoto hospital-carcerário na cidade interiorana de Kharkov – não parece causar, na opinião pública mundial muitos problemas ao seu algoz.
               As eventuais notícias aparecem raramente na imprensa internacional, e de forma brutal refletem a benévola negligência dispensada ao escandaloso tratamento inflingido à antiga Primeira Ministra da Ucrânia. Agora, se espreme  uma nota do fiscal de direitos humanos das Nações Unidas, sediado em Genebra, que censura as condenações na Ucrânia e no Tadjikistão “como motivadas politicamente”, e manda que ambas essas repúblicas (que antes faziam parte da defunta URSS) cuidam que os juízes sejam imparciais.                  
              Se Yanukovytch semelha pronto a pagar o preço de ter congelado o pedido de relação especial com a União Européia, não há outras ondas de porte que tenham condições de fazê-lo mudar de ideia, e de cessar com o iniquo tratamento dispensado à Timoshenko.  Diante do fogo brando que tem recebido a grave infração à democracia e aos direitos humanos, o tratamento dado à Timoshenko tem correspondido aos  cínicos cálculos políticos do tirano Yanukovytch.
               Dado o sofrimento de Yulia Timoshenko, e a inarredável circunstância de que sofreu injusta condenação pela ameaça democrática que representa para o virtual ditador de Kiev, não seria o caso de submeter-lhe a indicação para o Nobel da Paz, a ser considerado pela Comissão de Oslo ?  

 
O veredito da Alta Corte de Direitos Humanos sobre Khodorkovsky          

 
              De um certa forma, as altas expectativas colocadas sobre os juízos da Corte Européia de Direitos Humanos muitas vezes não correspondem à realidade.
                Não é novela de Dickens, romancista inglês do século dezenove, mas pode apresentar algumas semelhanças. Em tal sentido, a Corte Européia de Direitos Humanos, de Estrasburgo, tarda muito em pronunciar-se – o que salga demasiado a conta em honorários advocatícios – e nem sempre a resposta que dá às partes que a ela recorrem, por se sentirem defraudadas pela justiça nacional, lhe enche  as  medidas.
                 Quanto ao primeiro processo (de 2005) – que lhe determinou a perda da sua grande empresa petrolífera – a Corte de Estrasburgo baixou sentença que na melhor das hipóteses seria considerada ambígua para com a colocação de Mikhail B. Khodorkovsky (que até hoje está atrás das grades, por ter a primeira condenação oportunamente estendida em recente ulterior sentença) de que toda a ação judicial contra o então magnata movida pelo governo russo, de crimes de fraude e de evasão fiscal, teria sido na verdade de motivação política.
                 Com efeito, a Alta Corte de Direitos Humanos sentenciou que não foram encontradas provas que apoiassem a causa de Khodorkovsky (e do co-autor Platon A. Lebedev).  Não obstante tal veredito, a Corte assinalou que “ alguns funcionários governamentais tinham suas próprias razões  para levarem avante a acusação das Partes”.     
                  De toda maneira, os juízes concluíram que “uma mera suspeita de  que as autoridades  tenham se valido de seus poderes  para propósitos ulteriores não era suficiente para provar a violação”  (do artigo da lei europeia que protege os cidadãos da perseguição política).
                  Como se verifica, a sentença da Corte Européia de Estrasburgo é uma vitória para  Vladimir Putin, que na visão da mídia desencadeou a ação contra Khodorkovsky por que este empresário estaria financiando a oposição.

 

(Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, International Herald Tribune, Globo on-line )     

sábado, 27 de julho de 2013

Os Três NÃO

                                                 
        De certa forma, tudo começou em São Paulo, com o movimento do passe livre, no mês de junho. Os políticos – tanto na Paulicéia, quanto no Rio, para não dizer nos palácios do faz-de-conta, em Brasília – estavam noutra, na alegre arrogância de um poder que não acredita dever satisfação ao Povo, salvo a pontual e quadrienal farra das urnas.
        Vivendo nas delícias do mundo corporativista e nefelibata das aras palacianas, suas excelências se julgavam acima do bem e do mal, e para tanto lhes serviam as notas entoadas pelos burocratas e arapongas a seu serviço.
         Daí a descrença das primeiras horas e as ríspidas negativas que brotavam do pântano chapa-branca. Para quem só está acostumado com armações, como não reagir daquela maneira, como se muxoxos de menosprezo bastassem para a gentalha.
        Não percamos tempo, no entanto, com a reação dos diversos postes e do bando político. Bem cedo, eles se dariam conta de que era mister engolir as próprias ilusões e cair na real.
        Como todo movimento contestatório que irrompe no momento certo, ele se espraia com os cruéis caprichos do fogaréu nos campos maltratados por longos meses de estiagem. Assim, não é que repontou no lotado estádio Mané Garrincha, construído sob os padrões Fifa, a vaia para Dona Dilma ?
        Assim, de São Paulo, com escala em Brasília, o despertar chegou ao Rio de Janeiro, e da antiga Corte se espraiou, como se fosse um coro grego, por todos os cantos desses Brasis, com seus pontuais clamores e reclamos, todos adornados do verde e amarelo do Ipiranga, acrescentadas as fundas queixas da sofrida gente dos municípios.
        O segundo não caminharia para o Leblon, onde demora o governador Sérgio Cabral. A despeito da empáfia, o inegociável aumento do preço das passagens, logo desapareceu diante de força mais alta que se alevantava. Para Cabral também chegara a hora. Por causa das viagens a Paris, da turma do lenço, dos alegres vôos de helicóptero com cachorrinho et al., pela decrepitude do metrô, da negligenciada saúde nos hospitais (que Gabeira não pôde visitar por injunção da justiça), e de um vastíssimo etcetera chegara a hora de outra prestação de contas, muito diferente da blindagem amiga das comissões parlamentares de Brasília.  
        O terceiro não nos aconteceu quase por acaso. Tudo começou com uma renúncia imprevista de um papa muito letrado é verdade, mas um tanto dissociado da realidade. Se tivesse continuado no sólio pontifício, as Jornadas não teriam a repercussão que ora tem, e se adequariam ao nome latino dado ao vasto campo de Guaratiba.
        O colégio cardinalício nos trouxe agradável surpresa, e em tal momento houve realmente motivo o magno gáudio da ritual frase do cardeal diácono. Papa Francisco, pelo nome, pela simpatia e simplicidade, pela firmeza, e pela nova abertura de janelas, nos recorda o seu distante predecessor João XXIII.
         A esse pontífice argentino, que fala português com sotaque portenho, tanto a turma do palácio,quanto e sobretudo o povão, já entronizamos no coração. A espontaneidade dos braços estendidos, dos acenos frementes, dos bebês entregues na autenticidade da ansiada bênção, não se explicam apenas nos seus mergulhos na multidão, e nem na própria simplicidade.
        Pois Francisco não visita apenas a pontual favela, mas trata aquela gente com respeito, e reclama para eles não só a frágil pacificação, mas condições de trabalho e de ambiência que lhes respeitem a respectiva dignidade. Ao valorizar aquele pessoal humilde e trabalhador, ele repete o que fazia em Buenos Aires e em Roma.
        Nós católicos temos de saudar com alegria o não de Papa Francisco, que se estende às drogas e à corrupção. Para a idade, se alguns colecionam rancores, há um emprego mais proveitoso. O também jesuíta Padre Karl Rahner, o  teólogo do Concílio e o maior do século passado, não teve a ventura de vivenciar o fim do inverno na Igreja.
         A nós, que não temos a erudição desse grande teólogo, Papa Francisco vem trazer a alegria de uma Igreja que volta à planície, e onde o Santo João XXIII – a quem, para nossa felicidade, o atual Pontífice tanto se parece – voltará a sentir-se em casa.
  

 
( Fonte subsidiária:  Rede Globo )       

sexta-feira, 26 de julho de 2013

A Lama do 'Campus Fidei'

                                
          Tornou-se inevitável a transferência da programação antes prevista para  Guaratiba. Por força contingencial, e de repente, a Praia de Copacabana passou a concentrar todos os multitudinários eventos da visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro.
         Toda a terra despejada no imenso descampado da Zona Oeste – denominado pelo Arcebispo D. Orani Tempesta Campus Fidei (Campo da Fé) com o assentimento do Papa Bento XVI – veio a transformar-se em lodaçal, por causa das chuvas contínuas que caíram sobre o Rio de Janeiro nestes últimos dias.
         No enorme espaço se levantou um palco de 75 metros de largura, com quinze postos médicos, 4.400 banheiros químicos e 52 torres de som (Cf. O Globo). Os peregrinos seriam distribuídos em lotes. Esse campo, uma vez terminado, acomodaria sem maiores atropelos cerca de dois  milhões e meio  de pessoas.  A área é, portanto, mais ampla do que o local ‘Quatro Ventos’, nas cercanias de Madri,  utilizado na última Jornada Mundial da Juventude , que abrigaria um milhão e meio.
         Todo o considerável investimento na preparação do terreno  - dificultada decerto por situar-se em um manguezal – exigiu substancial investimento pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,  investimento este até o momento não revelado pela autoridade competente.
         Por força da concentração pluviométrica destes últimos dias, o lamaçal resultante afastou qualquer possibilidade de utilização de Guaratiba na programação das cerimônias da Jornada. Dessarte, foi literalmente por água abaixo a programação no Campus Fidei ideada pelo Arcebispo do Rio de Janeiro.
         De qualquer forma, o cotejo com a Praia de Copacabana coloca questões muito pertinentes.  O afastamento de Guaratiba, a longa caminhada que se fazia necessária para alcançar o sítio em questão, sem referir a pesada inversão de fundos que um terreno não só ermo, mas também exigindo inversões vultosas para adequá-lo a receber a prevista multidão (sem falar nas demais construções para o altar) - tudo isso semelha indicar que a praia de Copacabana, com suas belezas naturais, fornece  local muito mais apropriado. Evitar-se-ia, assim, a duplicação de dispêndios, ensejando a nossa Princezinha do Mar o sítio para a colocação do altar-mor e o espaço para multidão de fiéis entre um milhão e meio e dois milhões. Não há comparação, de resto, em termos de facilidade de acesso entre  Copacabana e as lonjuras de Guaratiba.
         Para um homem simples como o Papa Francisco, não há negar que tais condições seriam mais do que satisfatórias. De certa forma, o desperdício com o Campus Fidei já se observara. Inesperada foi a intervenção de São Pedro, que inviabilizou a utilização de Guaratiba. A Prefeitura do Rio de Janeiro investiu para este último local literalmente a fundo perdido.  Não sei se saberemos um dia qual foi este montante.
         Volta-se para Copacabana e as instalações lá existentes. Com o benefício da avaliação a posteriori, se afigura que a criação – em área erma e imprópria (manguezal) – de um sítio alternativo para as instalações da praia de Copacabana implicam em questionável duplicação de despesas, sobretudo se se levar em conta a dificuldade de acesso do terreno de Guaratiba.
          A tal propósito, releva assinalar quão o transporte por ônibus tem sido tão pouco cooperante. Em várias oportunidades, esse transporte coletivo pela sua escassez  representou mais um obstáculo para os peregrinos da Jornada Mundial da Juventude.
         O metrô, cujo estado lastimável é bem conhecido dos seus usuários – ou, se formos mais precisos, daqueles constrangidos à sua utilização – tem confirmado, com abundância de incidentes (constrangedoras panes elétricas, longas filas, o consequente atropelo e desconforto), o que já seria de esperar.
         Diante do exemplo dado pelas críticas condições de um metrô de terceiro mundo, cabe a pergunta quanto ao seu comportamento nos dois magnos eventos programados para o Rio (Copa do Mundo e Olimpíadas).  Por causa do desmazelo prevalente e geral atraso – o que se reflete em serviço precário – como é possível acreditar que a sua qualidade tenha um salto  tecnológico ?  No metrô de Atenas realizado por motivo das Olimpíadas, além da limpeza e da boa manutenção das estações, o usuário é informado por sinalizadores eletrônicos das próximas composições esperadas (em geral, três). Além disso, os vagões são modernos e os trens não atrasam. Alguma semelhança com o daqui, implantado estranhamente em linha única, o que torna o sistema assaz vulnerável a qualquer incidente ou acidente, e à consequente suspensão do serviço ?
         Não é necessário ser adivinho para prever que o Rio de Janeiro terá mais problemas com a visita do Papa nos dias finais do programa.
         Além do desserviço do metrô (foro estadual), comparecem igualmente os ônibus e os táxis (competência municipal).  É estranhável que os ônibus – acostumados a circularem vazios entre fins de manhã e princípios de tarde  - se assinalem, quando mais precisados pelos peregrinos,  pela sua reduzidíssima disponibilidade. Por outro lado, em outro serviço regulado pela Prefeitura de Eduardo Paes, há preocupante incidência de taxis em que o preço para o transporte é estabelecido no “tiro”, vale dizer na marra, sem nenhuma relação com o que o passageiro local paga pelo uso desta condução.
          Como a exploração pelo taxista reveste nestes casos características selvagens, caberia a sugestão de montar-se campanha de informação de parte das autoridades municipais para inteirar os peregrinos de seus direitos. A par de números de telefones (fixos e celulares) de fácil acesso, a viabilidade da denúncia possibilitaria tanto a repressão da prática criminosa, quanto mostrar para o motorista candidato a infrator que o seu deslize pode custar-lhe caro, além de dar ao usuário-peregrino a possibilidade de ser indenizado no montante em que a cobrança foi claramente abusiva.

           Só poderá ser proveitosa para a Cidade Maravilhosa a imagem de simplicidade, sem a burocracia do gênero, que faça respeitar os direitos do estrangeiro. Tal eficiência costuma render mais visitas no futuro.   

 

( Fonte:  O Globo )

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Papa Francisco e o Latim

         
         Muitas coisas têm sido ditas a respeito do Papa Francisco. Diante da surpresa de sua eleição pelos cardeais, certos comentários foram alimentados por antigos rancores, e por isso, para satisfazer a sede da imprensa pelo dúbio – talvez pelo desconforto que sinta diante da percepção espontânea do povo – tratou de vestir velhas suspicácias  como se fossem certezas.
         Pelo que faz e por sua proximidade com a massa dos fiéis, Papa Francisco me recorda – e não só a mim – Papa Giovanni, a quem acaba de determinar a próxima canonização. No longo pontificado de João Paulo II, por muito a ordem da Cúria era de não incentivar o culto popular a esse santo homem. Por isso – e não é a primeira vez que  o menciono – as freirinhas tratavam de retirar-lhe da tumba, na cripta vaticana, as flores trazidas pelos fiéis. Tais singelas homenagens – trazidas por gente de toda extração – que cresciam como as flores do campo em torno do despojado jazigo de Papa Roncalli.  Já na sepultura de Pio XII havia uma solitária rosa, em receptáculo de cristal, o que lhe traía a origem, muito diversa do anônimo culto devotado ao Papa do Concílio.
         A pobreza de sua família camponesa não é piedosa ficção. Ela está para todos verem nas austeras paredes da morada  em Sotto il Monte. Perguntado sobre a surpresa que João XXIII, a quem pensaram escolher como Papa de transição, um prelado disse o espanto posterior não existiria se tivessem atentado para o seu procedimento anterior. Saudado como um velho conservador, desde a sua indicação por Papa Paccelli para núncio em Paris, em período difícil, com a caça às feiticeiras do imediato pós-guerra, Monsenhor Roncalli continuaria surpreendendo àqueles que lhe haviam em baixa conta.
        Recordei-me dessa presteza na leve censura de Frei Betto – a sutil volta ao latim na liturgia da Igreja – a ser empregado na bênção final por Papa Francisco. O latim, como instrumento, faz parte da história milenar da Igreja, o que a singulariza no que tange às tantas manifestações e heresias que deixou pelo caminho.
       Há que distinguir entre forma e conteúdo. Se por vezes aquela cresce ao ponto de sufocar ou deturpar o sentido, é preciso ter presente que uma eventual homenagem ao latim não prejulga um pontificado. Que alguém tão carismático e comunicativo, julgue oportuno valer-se da antiga e sacra língua, de que se valeu a Igreja de Cristo em boa parte de sua jornada, é ao mesmo tempo uma homenagem e um aceno a toda comunidade cristã.
       Não se irá considerar o Gaudet Mater Ecclesia – o júbilo da Igreja nossa mãe – palavras que marcam o discurso em latim de Papa Giovanni, na solene abertura do Concílio Vaticano II. E a sacra língua do Lácio, que “serviu amiúde a Igreja para condenar os erros com a máxima severidade, ora, ao contrário a Esposa de Cristo prefere utilizar a medicina da misericórdia, ao invés daquela da severidade”. A onze de outubro de 1962, na basílica de São Pedro, perante os bispos do Concílio, procedentes de todo o mundo,  João XXIII lhes indicava assim o novo caminho a percorrer.
       Mas ali estava a própria sinalização, que indicaria a rota a seguir, em que cabe a imagem joanina da abertura das janelas, por muito tempo cerradas aos novos tempos.    Ele não terminaria o Concílio, eis que iria falecer no ano seguinte, a três de junho de 1963.
     Não confundamos contingências ocasionais – como por exemplo o mau tempo que vem perseguindo a Jornada Mundial da Juventude – com traços mais perenes e animadores.
     De toda parte e de todo o mundo, os jovens acorreram ao chamado de Francisco. Pela sua simplicidade e – porque não dizer ? – coragem, o Papa Francisco se comunica com as multidões e com a juventude de uma forma muito mais participativa do que as hieráticas cerimônias realizadas por seus antecessores.
     Em um tempo no qual a segurança está habituada a prevalecer com seus férreos ditames,  o Santo Padre mostra que o seu abraço aos fiéis não é simples figura de retórica, mas se corporifica em gestos simples e humanos – um abraço, uma benção e um beijo em um bebê oferecido por um pai ou uma mãe – que assinalam portentosa presença, que se nega a curvar-se diante de injunções da autoridade civil.
     Como pastor, Francisco nos acostuma a conviver com a integralidade dessa sua entrega ao povo de Deus. Todos nós temos presente o que isso significa nos dias que correm.
     Como o grande santo da Igreja a quem homenageou, Francisco abre os braços com confiança e grande simpatia ao povo de Deus. Não se escuda por trás de vetos ou exclusões, com a alegre entrega que caracterizou a seu não tão distante predecessor.
     Rezemos com ele e por ele. É a grande dádiva que nos proporcionou o Conclave. Não confundamos a árvore com a floresta.      

  

 Fontes: Enchiridion Vaticanum 1 – Documenti Ufficiali del Concilio Vaticano II  (1962- 1965);  - Annuario Pontificio  1988.         

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Diário da Mídia (III)

                                              
Os embargos infringentes

 
          A Ministra aposentada do Supremo, Ellen Gracie, nos brinda com  artigo na página de opinião de O Globo que estava faltando aparecer. Em declarações anteriores, a Ministra Eliana Calmon mostrara que os tão falados embargos infringentes, havidos como a tábua de salvação da turma do Mensalão, não se aplicam ao STF, por se relacionarem a votações não-unânimes em cortes inferiores. Dessarte, como o Supremo poderia aplicá-los se o julgamento, dada a competência exclusiva, se restringiu apenas àquela Corte ?

          No entanto, a análise da Ministra Ellen Gracie preenche uma clara lacuna e mostra de forma irretorquível que os ditos “embargos infringentes, por meio dos quais se pretende o rejulgamento da Ação Penal  nr.  470, são letra morta no Regimento Interno do Supremo”.
          Apesar de tentativas em contrário, intervém na tramitação das ações judiciais na atualidade brasileira uma marcada tendência de esgotar não apenas os recursos cabíveis, mas a própria lógica jurídica no matagal do recursismo, em que de forma pretextuosa os advogados – que nisso podem merecer o apodo de leguleios – esgrimem todo tipo de argumentação supostamente legal, com o único escopo de procrastinar o trânsito em julgado da sentença, e assim manter a ficção jurídica de que o juízo ainda admite recurso.

           O artigo da Ministra Ellen Gracie não poderia ser mais oportuno, pois dá oportunidade a que soe claro e inequívoco, o que os industriosos advogados que defendem os réus do Mensalão ora se esmeram, na desesperada tentativa de postergar ainda mais a conclusão desse longo e democrático processo. Ao retirar de arca embolorada e esquecida, ei-los de novo em cena, a portar-se como se ouvissem os clarins e o galopar da carga de cavalaria que reputam salvadora, mas que não passa de arremetida sem base nem propósito.
           É hora, senhores, de pôr um fim a esta Ação Penal 470. Viremos a página, como deseja a sociedade brasileira. Afinal, como nos recorda a Ministra Ellen Gracie, ficou magistralmente estabelecido pelo hoje decano do Supremo, o Ministro Celso de Mello em julgamento que data de cinco de setembro de 1995 não caberem embargos infringentes nas ações penais originárias, “pois esse tipo de recurso só é oponível a acórdão proferido em apelação ou em recurso em sentido estrito.”

           Com a ajuda da Ministra Ellen  Gracie, viremos a página, senhores. Para a Nação brasileira, é mais do que tempo.         

 
Sinal Amarelo nas Contas Externas

 
          As contas do Brasil preocupam. A balança comercial, apesar da desvalorização do real (que barateia as nossas exportações e encarece as importações) não forneceu saldo suficiente para equilibrar o balanço de contas correntes, que apresentou um déficit de US$ 43,5 bilhões. 
           Sem embargo, se registrou uma entrada líquida de US$ 50 bilhões  (composto de investimento estrangeiro direto – IED, investimentos em carteira e outros investimentos), o que nos deu um saldo no balanço de pagamentos de US$ 6,3 bilhões.

           A desvalorização do real não reduziu a gastança no exterior (no semestre, US$ 12,3 bilhões). Embora o movimento turístico de estrangeiros tenha aumentado, os gastos no semestre são de US$ 3,5 bilhões. A própria Copa das Confederações não teve influência sensível, eis que o gasto dos turistas em nosso país foi no mês de junho inferior ao do ano passado (US$ 462 milhões para US$ 471 milhões).
           Com a queda do real, se espera uma recuperação na balança comercial em 2014.

           Todavia, se a balança comercial – que é o nosso forte histórico – continuar a apresentar saldos débeis,  que não compensam os déficits na balança de contas correntes, a situação pode complicar-se no ano próximo se as inversões tipo IED e outras remessas, relativas a investimentos na bolsa se enfraquecerem. Nesse caso, ao proceder-se o acerto de contas do balanço de pagamento ao final do ano, o balanço só seria zerado com retirada de nossas reservas em divisas.

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )

O Desserviço do Metrô e a Corrupção

                          
         Os usuários do Metrô no Rio de Janeiro enfrentam diariamente um transporte de massa que é deficiente e malconservado, sendo isso desconfortável e pouco confiável em termos de horário e de mínima prestação de serviço.
        O ingresso nas composições do metrô já evidencia a sua péssima conservação, a vetustez da maioria dos vagões, e a consequente má-aparência do equipamento. A impressão tanto para o usuário que tenha alguma referência a serviço digno desse nome, quanto a sua comparação com sistemas de transporte em outras cidades e países, será a de um metrô sem conservação adequada.
       Tal juízo não se reporta apenas aos trens, mas também às estações. A falta de cuidado – que vai até a negligência em termos de limpeza - é outro sintoma de agressiva desatenção para com os direitos do usuário.
       O movimento do passe-livre surgiu em São Paulo, embora ironicamente seja difícil imaginar um serviço mais ineficiente e desrespeitoso do público do que o metrô no Rio de Janeiro. Com vagões que até goteiras têm, sem inspetores que tratem de educar um público muita vez marcadamente ignaro ou então displicente no que tange a regras mínimas de atenção seja com as mulheres, seja com os idosos (os vagões destinados ao público feminino são invadidos por homens, na maioria jovens; e os assentos reservados a idosos, grávidas e deficientes físicos são ocupados por gente válida, que com desfaçatez ou ignorância os consideram disponíveis); e a falta de qualquer respeito a normas de convivência constitui um dos sintomas da anomia que prevalece no metrô carioca.
       Por isso, a pane de ontem (mais de duas horas de interrupção no serviço !) na provisão de energia ao metrô só chamou a atenção por coincidir com a Jornada Mundial da Juventude. A anomia no metrô  é praga cotidiana que não deveria ser enfrentada pelo carioca, se houvesse um mínimo respeito ao usuário. Esse serviço sofre da precariedade sistêmica por sua dependência do governo do Estado.  Por uma dessas idiossincrasias que infelizmente nos infernizam a existência: como o serviço de bondes de Santa Teresa depende da Secretaria de Transportes do Estado – recordam-se da censura que o Secretário Júlio Lopes (PP) fez ao motorneiro que morreu por causa de bonde desgovernado, na tentativa de evitar o desastre para os passageiros ? – o mesmo ocorre com o metrô.
        O prestígio do Governador Sérgio Cabral, como se verifica pelo acosso de que padece até na sua residência, na Zona Sul do Rio de Janeiro, sofre deveras em consequência. É espantoso que se estabeleça um transporte de massas como o metrô do Rio de Janeiro, que não é confiável, nem oferece migalhas de eventual conforto aos usuários. Até me parece útil que estrangeiros venham a enfrentar o descalabro diário que faz parte do cotidiano do carioca. Por coletar impostos e taxas mil, não é favor da autoridade – seja estadual ou municipal – que dê atenção e mantenha em ordem os serviços de transporte coletivos.
        Além de dúbia regularidade e frequentes suspensões de serviço – como a de duas horas de ontem – o metrô não oferece conforto, nem uma boa informação (é usual em outros metrôs estrangeiros que o público seja informado dos tempos de chegada das três próximas composições). Como esperar que isto aqui aconteça, em um serviço sem segurança e respeito pelos direitos dos usuários ?
        Diante desse quadro dantesco, algumas pessoas podem até suspeitar – é difícil imaginar o porquê – de que a corrupção seja uma das principais causas da falência do metrô em suas prestações mínimas que em outras plagas são apanágio desse transporte (segurança, limpeza e pontualidade no serviço).
        Por que será que o transporte público no Brasil deva ser desrespeitoso com o usuário? Para corrigir esta situação, a concessionária do serviço deveria instruir o passageiro a respeitar regras básicas de convívio, assim como assegurar-lhe transporte  digno e confortável. O ambiente e a ordem prevalentes já são meio caminho andado para elevar a qualidade do serviço.

 

( Fonte:  O Globo )