sexta-feira, 31 de maio de 2013

Panorama da Ponte (*)

                                            
O Chavascal Sírio

        Uma insinuação do ditador Bashar al-Assad em entrevista televisiva reforçou suspicácias de que a Rússia já transferiu parte dos misseis S-300 (de alta sofisticação no combate anti-aéreo) para o seu aliado sírio.
        A dita entrevista foi dada ao canal de tevê al Manar do Hezbollah.
        O que disse o bom e grato aliado das milícias do clérigo Hassan Nasrallah ? Antes e esclarecê-lo, semelha oportuno assinalar que o Hezbollah é um movimento xiita libanês, inimigo jurado de Israel, e cuja relevância no contexto da antiga – hoje apenas um quadro na parede – Suiça levantina continua a crescer, por especial gentileza de Teerã e da própria atribulada Síria alauíta.
        Pois o presidente Bashar disse: “Estamos negociando com os russos acerca de muitos tipos de armas. A Rússia está comprometida nesse acordo, que foi assinado anteriormente. Tudo o que foi nele acordado será cumprido, e uma parte deste acordo com a Rússia já foi atendida.”
        Tal fornecimento desse armamento se choca com a pretensa seriedade do governo Putin de agilizar a condução de negociações de paz do regime alauíta sírio com a Liga Rebelde.  A pretensa conferência, a realizar-se em junho em Genebra, foi  aceita de forma aparentemente confiante pelo novo Secretário de Estado John Kerry.
         Há importante batalha em curso na cidade de Qusair, em que o exército sírio, secundado pelo Hezbollah, estaria levando vantagem sobre os rebeldes. Dada as implicações deste centro urbano para a rota de Damasco em termos de provisão de armas, a sua queda para as forças de Bashar sublinharia uma tendência favorável para a ditadura, tendência esta que tem sido reforçada nas últimas semanas.
         Existe clamorosa contradição no apoio determinante ao regime sírio – fornecendo-lhe um sistema de mísseis que é visto como ameaça à própria segurança por Israel -  e dar a impressão de achar-se empenhado numa conferência de paz entre Bashar e a liga rebelde. Não foi por acaso que o ministro do Exterior russo, Sergei Lavrov, apodou de ‘histérica’ a Hillary Clinton,  e ora festeja o novel Secretário de Estado John Kerry. Por quanto tempo tal estado de coisas há de perdurar?
         Pelo visto, dado o usual intercâmbio de informações entre unidades da mesma Administração, não por muito. Em Washington, Caitlin Hayden, a porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, declarou: “ São bem conhecidas nossas preocupações a respeito do continuado apoio da Rússia para o regime sírio por meio de fornecimento de armas e acesso aos bancos russos.”  Nesse sentido, aditou: “Dar armas adicionais para Assad – inclusive sistemas de defesa anti-aérea – só irá prolongar a violência na Síria e criar condições para o favorecimento da desestabilização regional”. 

 
Mais um asteroide passa por perto

        Batizado 1998QE2 o asteroide passará a ‘apenas’ 5,8 milhões de km da Terra, ou cerca de quinze vezes a nossa distância da Lua.
         Esta grande rocha tem um tamanho respeitável, eis que é mais ou menos a metade do asteroide cujo choque com a Terra provocara a extinção dos dinossauros, segundo informa Fernando Roig, astrônomo do Observatório Nacional.
         De acordo com a NASA, a atual aproximação com a Terra será a maior no cenário dos próximos dois séculos.  A passagem dessa rocha deve efetuar-se no correr desta tarde de 31 de maio.
 

 
Robôs armados representam Ameaça ?

          O relator-especial das Nações Unidas sobre Execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Christof Heyns, recomendou ao Conselho de Direitos Humanos que estabeleçam um comitê-executivo (panel) para relatar sobre avanços no desenvolvimento de “autônomas robóticas letais”, com vistas a avaliar se a legislação internacional  é adequada para o controle do uso respectivo.
           No entender do relator se imporia no presente a  moratória global nos testes, produção e emprego de robôs armados que podem selecionar e matar alvos determinados sem controle humano (meu o grifo).
            Segundo informa o Mr. Heyns, nenhum país usa tais armas, mas a tecnologia respectiva já é disponível ou em  breve o será. Nesse contexto, os Estados Unidos, o Reino Unido, Israel e a Coréia do Sul utilizam tecnologias que são vistas como precursoras a sistemas armados com autonomia plena.
           O relator-especial externou a própria preocupação em que desenvolvimentos ulteriores conduzam à  situação que depois seja ‘muito difícil’ reverter.
            Ao examinar tal questão, o observador há de pensar no papel atualmente desempenhado pelos ‘drones’, aviões robô controlados à distância por humanos americanos. Para o amador na matéria,  os ditos ‘drones’ seriam acaso precursores dos ‘robôs letais e autônomos’ ?

 

 
( Fontes:  International Herald Tribune, O Globo on-line ).

 

(*)  ponte, no caso, nada tem a ver com a frase e peça teatral ‘panorama visto da ponte’.  A referência é à prática brasileira e, em especial, carioca de servir-se de feriados e até pontos facultativos para ‘construir’ pontes na semana. No passado, isto se chamava enforcar um dia intermediário entre o feriado e fim de semana (ou começo de semana), para proclamar a dita ‘ponte’. Refletindo tendência hodierna para inventar feriazinhas tem sido um fator não-negligenciável na perda de dias laborais, na decadência econômica da antiga capital, hoje estado da Guanabara, e até em mecanismo de dúbia criatividade para assegurar a vitória em pleitos eleitorais assaz renhidos.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Trapalhada na Economia

                                                   
         Há uma leitura superficial dos dados na economia. O PIB continua a metastizar-se em pibinhos.  Malgrado as previsões, o crescimento nanico persiste, agora com 0,6% no primeiro trimestre, muito aquém das projeções.
         O problema maior continua a ser a indústria, com queda de menos 0,1%. A baixa na indústria ocorreu a despeito da redução de encargos trabalhistas em 56 segmentos e o IPI diminuído para automóveis.
         Mas também o consumo das famílias se reduziu a 0,1%, o que se deve ao repique da inflação e ao menor ritmo de expansão no mercado de trabalho.
         O setor externo teve fraco resultado na balança comercial, ao contrário do costumeiro,eis que sói caracterizar-se por resultados superavitários, que nos habilitam a saldar os déficits do balanço de bens e serviços. Comparadas com o trimestre passado, as exportações caíram 5,7%, enquanto as importações cresceram 7,4%.  Em outras palavras, o setor externo teve participação negativa no PIB. Além disso, tal dívida externa aumenta a necessidade de financiamento externo, que passou para R$ 55,41 bilhões agora, contra R$ 25,86 bilhões no primeiro trimestre de 2012.
        O setor de serviços, com percentual importante em nossa economia, cresceu apenas 0,5%. Aqui também a inflação terá reduzido a competitividade do setor. A única parcela da economia a luzir foi a agropecuária, com 9,7% de crescimento.
        A divulgação dos dados do PIB, mais uma vez decepcionantes, ocorreu junto com a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Em certo aspecto, essa conjunção representou coincidência virtuosa. Os dados do IBGE convenceram os membros do Copom a uma decisão unânime, que foi além da expectativa do mercado.
        O que mostra essa decisão ? Dois aspectos: o fortalecimento do B.C., enfatizado pela respectiva unanimidade; e a necessidade de singularizar o principal perigo no caminho da economia brasileira, i.e., a inflação. Por ser a principal vilã no caminho do crescimento econômico, não há outro jeito, senão combatê-la.
        O governo de Dilma Rousseff acreditara possível ignorar a existência da inflação, apelando para um combate retórico contra a carestia, enquanto ressuscitava velhos preceitos do desenvolvimentismo, como se fossem atalhos para o crescimento econômico.
        Por haver enfeixado a essência dos poderes do Ministério da Fazenda, cujo titular reduziu à patética presença, a Presidenta é a responsável pelo atual situação, com a opacidade das contas públicas, os questionáveis expedientes (capitalizações, contas movimento e um vastíssimo etcetera), a macro-economia submetida ao varejo do voluntarismo, e, por último, mas não com menor importância, a inflação.
        O que o governo de Lula da Silva teve o bom-senso de não mexer, a sua sucessora incorreu na húbris  de sentir-se superior à ortodoxia econômico-financeira, e resolveu quebrar o frasco em que o mau-gênio da carestia fora encerrado.  Sem controle, por não possuir a humildade dos grandes governantes – que, por primeira regra, tem a de não julgar-se donos da verdade – D. Dilma trouxe a inflação de volta.
       O que grandes economistas e notáveis picaretas haviam no passado – muitos ainda vagam pelos grandes espaços do planalto central – considerado possível administrar, e que um grupo de pessoas tinha, ao cabo, sabido exorcizar, a Presidenta resolveu menosprezar, como se o combate à inflação fosse coisa de somenos.
       Agora, pela sua irresponsabilidade, ameaça o Brasil não um velho fantasma, mas revivida criatura.
       Não nos servem ameaças retóricas, nem palavras ocas, de que o dragão se mofa. A aprendiz de feiticeira tem de armar-se de humildade e refazer o dever de casa. Não pensar que sabe tudo, nem acreditar no que lhe dizem os fâmulos e cortesãos. Esses, por ora, podem ser muitos, mas se as coisas continuarem nessa batida, em breve, faltarão as visitas e os ouvidos deferentes.
       A Senhora trouxe de volta quem estava dormindo. Se quer reeleger-se, trate de mandá-lo  para os cafundós, antes que lhe seja demasiado tarde.

 

( Fonte subsidiária :  O  Globo )     

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Pescando em águas turvas ?

                                       
       O Ministro Sergei Lavrov, da Federação Russa, tem mantido relação muito amistosa com  John Kerry, o novel Secretário de Estado, que acaba de suceder à Hillary Clinton.
       É sabido que relações pessoais têm importância bastante relativa no campo da política exterior.  Provoca, por conseguinte, uma certa espécie que o nível do relacionamento entre Rússia e Estados Unidos registre melhora tão acentuada, por força da substituição de Hillary por Kerry nas Relações Exteriores.
       Kerry acedeu à proposta de Lavrov para  conferência de paz em Genebra, com respeito à situação na Síria. A guerra civil nesse país já está no seu terceiro ano e as possibilidades de composição entre a ditadura de Bashar al-Assad e a Liga Rebelde não parecem, para o observador diplomático, assim tão animadoras.
       A par da entrada no conflito do Hezbollah – que seria um desenvolvimento anunciado, dada a dependência estratégica da milícia do clérigo Nasrallah do regime alauíta -, há movimentos no campo que brigam com uma disposição de Bashar para real negociação com os rebeldes.
       Por um lado, depois de longa série de reveses, a causa de al-Assad e de seu exército mostra sinais de contra-ofensiva não apenas tática. Entrementes, a Liga Rebelde, a quem Barack Obama prefere recusar o fornecimento de armas pesadas, enfrenta dificuldades atribuíveis à falta de equipamentos tendentes a pelo menos equilibrar a contenda.
       Agora, a decisão da União Européia de levantar o embargo da remessa de armas para aquela área é sinalização assaz importante. Trocando em miúdos, se a vindoura conferência de paz fracassar, Assad não terá o campo livre para derrotar os rebeldes. É de assinalar-se, a propósito, que até o presente o referido embargo favorecia a Damasco, que nunca deixou de receber a generosa assistência de Moscou e de Teerã.
        Dada a negativa de Washington,  a disposição da U.E. terá o condão de não induzir Putin a pensar que tenha a partida ganha, diante da recusa de Obama em fornecer armas aos rebeldes.  
        A ajuda ocidental se direcionaria para os rebeldes com orientação política em linha mais secular, e evitaria mandar armas para os islamitas radicais da facção Al Nusra, que são apoiados pela Arábia Saudita e o Qatar. Com tal orientação, se atenderia, outrossim, à preocupação da Administração Obama de que as armas dadas aos rebeldes não caiam em mãos da al-Qaida.
         Outro desenvolvimento que tende a expor de forma mais crua o objetivo do Kremlin, está no plano de fornecer ao regime de Bashar al-Assad mísseis de defesa anti-aérea S-300, de alta sofisticação. Consoante o vice de Lavrov, Sergei Ryabkov,  que criticou a decisão da U.E., a instalação desses mísseis seria ‘fator de estabilização’, eis que representaria um deterrente contra eventual intervenção do Ocidente. Sem mencionar expressamente, de novo reponta o temor de  intervenção da OTAN, em um cenário que para Vladimir Putin seria anátema, pois lhe relembraria a queda de Muamar Kaddafi.
                A decisão da U.E. contribui, de certa forma, para aclarar o quadro, na medida em que mostra a contradição entre a alegada disposição russa de ser um corretor honesto (honest broker) na conferência de paz  entre Assad e a Liga Rebelde, e a sua política de fornecimento ininterrupto de armas de todo tipo ao regime alauíta.  Fica ainda mais comovente tal disposição de Moscou em ajudar Bashar, diante da verificação de que essa política continuara, mesmo no período em que os próprios russos encaravam com muito pessimismo as perspectivas de resistência do regime alauíta.

                

( Fonte:  International Herald Tribune )  

Cartas ao Amigo Ausente (VI)


 

                                                       V I

 

        Meu mui prezado Pedro, Amigo e Mestre,

 

         se aos poucos se vai cosendo uma rede de sustentação para a Therezinha – agora a pensão vitalícia já assinada e em vias de publicação-,  tal se deve à rapidez e confiabilidade de um tipo de comunicação que jamais utilizaste, e que trafega na tua detestada e vituperada internet. Graças a esses prosaicos e-mails, que desvirtuaram a epistolografia, se tornou possível desfazer em breve tempo as ameaças que pesavam sobre a tua esposa, vítima da desídia de V.M., da subitaneidade da tua partida, e, se me permites, do teu olvido em assegurar alguma provisão, tanto material quanto logística, para o pendente mas inexorável corte das Parcas. Suprema ironia a de assistir inerme ao pontual auxílio prestado por um dos vetores do novo paradigma, que te encarniçavas em desmerecer e apostrofar, enquanto, triunfante, mostravas o último recorte denigratório desse soez instrumento de perdição e vulgaridade, em que somente divisavas a serventia de baratear, abalar e desfazer a provada cultura do livro.

        Não é hora, contudo, de analisar o teu – perdoe-me – quixotesco combate  contra a informática e a sua coorte de infames sequazes. Falemos, ao invés, das manhãs dominicais no aprazível parque da mansão da Sétima Avenida, sob as sombras esguias dos eucaliptos, no recolhimento do verde espaço intra muros, sem vivalma em torno, apenas tocado de quando em vez pela brisa leve ou pelas esfuziantes corridas dos esquilos da vizinhança.

        Ali construí invisível santuário dedicado à leitura do corpus aristotelicum. Altas levantei as paredes do recesso no domingo ao ar livre, longe de compromissos e de convescotes. Para preservar aquele reduto, recusava convites e eludia programas de última hora, a ponto de levar outro embaixador, que privava da minha confiança, ao desabafo: “no domingo, Mauro, contigo não há jeito de combinar nada !”

       Era verdade. Para defender a nesga de cultura, seria mister manter aquela vigilante perseverança que políticos dizem prestar ao cultivo da tenra plantinha da democracia.

        E o estudo aturado das edições bilingues me insinuou a possibilidade de também aventurar-me pela seara do grego clássico. Retirei de outra esquecida estante a cartilha verde de E.Ragon, a fim de encetar, em tarda idade, o aprendizado da língua de Homero, Tucídides, Demóstenes e de seu contemporâneo Aristóteles.

        Se das obras do Estagirita restaram os tratados e as ðïìíÞìáôá[1],perdendo-se no crivo implacável dos copistas os diálogos da juventude, se os seus escritos primam pelo rigor na exposição e a ênfase na articulação metodológica e sistemática dos diversos temas, não poderiam aspirar – nem é seu propósito – a seguir os caminhos de Platão, em que as qualidades literárias se mesclam à imaginação, na forma discursiva dos trabalhos do discípulo de Sócrates.

        Ao percorrer a longa trilha aristotélica, chegando mesmo a perlustrar escritos apócrifos, como a Retórica a Alexandre e a coleção dos Problemas, a leitura dessa imensa produção, ao invés de saciar-me a sede, me fez ávido de conhecer mais e além, no vasto campo aberto pelo Primeiro Filósofo.

        Te escrevi, então, contando de minhas experiências, mas sobretudo inquirindo dos novos horizontes que se entreviam, e das indispensáveis sinalizações que somente o estudioso me poderia proporcionar.

        Os prazos de nossa correspondência, se não tinham por certo a celeridade dos e-mails, se se faziam aguardar por semanas e semanas, pagavam essa tardança com a moeda das velhas epístolas, em que tanto a forma, quanto a substância mereciam a atenção devida, e assim hoje permanecem, sem a vacuidade apressada, a expressão desalinhada, e a entrecruzada efemeridade das comunicações pela internet.

        Se pressinto em ti um sorriso que interpreta, satisfeito, essas palavras à guisa de tardia concordância com as tuas ideias, não vás confundir a parte pelo todo, nem o reparo formal como absoluta, inapelável condenação.

        Que a discussão desse tema, porém, fique para depois. Ignoremos, por ora, a sua insistência em voltar à baila. Deploro não ter diante dos olhos as tuas cartas dessa época, cheias de conselhos práticos e de indicações livrescas. Eram páginas saídas da alvissareira Olivetti, portadora de informações doutas e seguras, de um saber não de afogadilho, mas colhido com a pertinácia mourejante do pesquisador incansável, do intelectual que não escatimava esforços em examinar uma assertiva, uma hipótese, uma doutrina, sob todos os prismas, mesmo aqueles de que, em princípio, discordasse. E quanto essa atitude já ressumava de aristotélico, só no futuro viria eu a realizá-lo plenamente.

       De todos, o livro que maior relevância teria para a minha formação  no vasto domínio dos estudos aristotélicos foi o de Ingemar Düring. Em viagem ao vizinho México adquiri a bem-cuidada tradução  espanhola, editada pelo Fundo de Cultura Econômica, sob o título “Aristóteles – Apresentação e Interpretação de seu Pensamento”. Comprei-o em livraria próxima ao Zocalo e só mais tarde me aperceberia que do meu exemplar faltava um fascículo, justamente no capítulo relativo à Poética. A solução encontrada – a transmissão por fac-simile das páginas faltantes – se me atendeu a carência momentânea, não semelhava satisfatória no longo prazo. Afinal, continuava incompleto o volume, pois as folhas do fax mais pareciam um remendo, de resto destinado a apagar-se com o tempo. Encomendei, por isso, a edição original alemã – o classicista sueco, desejando partilhar a sua sapiência com um público mais largo, preferira escrevê-lo na língua de I.Bekker e H. Bonitz.

        Dessarte, às minhas leituras filosóficas agreguei o estudo sistemático e diário da Grammaire Grecque, de E.Ragon, na sua edição de 1956. Se a folha de rostro deste manual de 282 páginas registra a data de onze de maio de 2001, portanto já no Rio de Janeiro, no extenso período de inatividade diplomática a que me consignara o então encarregado do Itamaraty, na verdade este volume se transformou no meu quase breviário. Qualquer data que aí figure será enganosa, pois jamais deixou de estar à minha cabeceira, como a minha própria agenda o demonstra.

        Na frase de Mao Zedong -  ou será provérbio chinês ? – a longa marcha começa com um passo. Decerto, assim foi no árduo aprendizado do grego clássico. A princípio, quiçá temeroso de repetir a veleidade parisiense, o encetei em silêncio.  Não o alardeei a quem quer que seja – mesmo com Ana Maria, cuja proximidade impedia desconhecê-lo, as eventuais menções observariam a diretiva da reserva, como se já tivesse internalizada a homérica ákäþò[2].

        Ragon foi o meu guia cotidiano na lenta e dificultosa escalada de montanha que, por vezes, de tão íngreme se me afigurava ínvia e inacessível. Escolhida a vertente do autodidatismo, se tinha a clara noção de que me constituíra como o solitário juiz da empreitada, não me escapavam os obstáculos, as inúmeras pedras no meio do caminho, a que a solidão do esforço gnoseológico me condenava. Tampouco ignorava a carga adicional do início tardio, dos neurônios perdidos em décadas transatas, e, por conseguinte, de não mais dispor da memória dos verdes anos.

        Foram momentos, dias e meses difíceis – especialmente aqueles transcorridos na repentina Limoges em que o Itamaraty me havia transformado o Rio de Janeiro – mas ao invés de amarguras e lamúrias, busquei arrimo na empresa para muitos incompreensível. Na apreensão por vezes monótona e fatigante, encontrei o cajado que me ajudaria a manter a autoconfiança e o sentido da travessia.

        Do teu etéreo assento estás a ouvir confidências nunca antes ouvidas. De resto, é mister não confundir as estações. A Guatemala, tão bela na sua diversidade, foi tempo de semeadura. E se as manhãs no parque da embaixada me mostraram a largueza dos horizontes, para deles acercar-me careci da tua mente lúcida, experiente e ilustrada.

        As páginas da maior autoridade em Aristóteles da segunda metade do século XX foram a porta de um mundo até então para mim defeso. E dentre tantas sugestões e conselhos, nessa jornada de estudo da obra e da vida de quem, algo ironicamente segundo os costumes do tempo, Platão cognominaria o Leitor, tal momento ousaria defini-lo com um turning point[3]. E a quem, meu caro Pedro, senão a ti eu devo esta hora e vez ?

        Perlustrar o alentado volume de Düring me familiarizou com muitos especialistas na matéria. A respeito, longe de mim cansar-te com incontáveis citações, logo a quem adquiriu e leu cada um desses autores do século passado ou mesmo da virada dos séculos XIX e XX. Mencionemos apenas von Wilamowitz (cujos esgotados livros debalde persigo), H. Cherniss, W. Jaeger (apesar do viés pró-platônico), F.Nuyens e P.Moraux. Por teu intermédio, Düring não só me apresentaria essas visões complementares e por vezes antagônicas, senão me proporcionaria a oportunidade de relacionar todo o corpus aristotelicum que já lera com a própria apreciação, sua contextualização de acordo com os estudos até a metade dos anos sessenta, e a respectiva interpretação da formação e da evolução doutrinária do Estagirita, máxime no que tange ao mestre Platão e, em particular, à sua teoria das ideias.

        Recordo-me de uma passagem pelo Rio nesses anos guatemaltecos. Não sei se almoçamos no Bar Monteiro ou em algum outro restaurante similar. Atravessavas na época período que eu chamaria de ‘Roberto Marinho’. Por dá cá aquela palha, invectivavas contra o proprietário das Organizações Globo, a quem transferias boa parte da culpa e das mazelas éticas da república. A coisa chegou a tal ponto em que, apesar de não morrer de amores pelo referido senhor, não logrei sopitar a minha discordância com a manifesta singularização da tua raiva em tal personagem.

        Procurei mostrar que deveríamos explorar as causas da crise e não nos perdermos em epifenômenos, como acreditava fosse o caso. E, então, acrescentei qualificação que me apena relembrar. Disse que via nessa atitude conotação pequeno-burguesa, que não fazia justiça ao teu intelecto.

       Suportaste o golpe com elegância. Não manifestarias, de pronto, desagrado, embora mais tarde traísses a marca deixada pela pecha com um que outro dito acerbo. Nesse contexto incluo a retórica pergunta, ao tomar ciência dos meus estudos de grego clássico:

       “Mas Mauro, pensas realmente nessa altura em te tornar um humanista ?”

        Preferi não replicar à descrença implícita na tua frase, que mais me pareceu um desabafo. Primeiro, por ser do meu feitio responder com o silêncio a tal gênero de observação. E, segundo, porque não via proveito em acirrar mais o ambiente.

       Estava certo. O teu temperamento generoso, infenso ao ressentimento, não tardaria em relevar o epíteto. E, não obstante, para qualquer coisa serviria. Nos encontros vindouros, as diatribes contra o patriarca das organizações Globo não teriam mais a ênfase passada.Talvez a mordacidade da expressão, desvelando alguma verdade, haverá pesado no teu ânimo e contribuído para que dele redimensionasses a respectiva relevância. 

        Ainda desses tempos, cabe aditar certos aspectos que foram surgindo, e que se relacionam com as nossas conversas. Nem sempre as reuniões se resumiam à trinca Pedro, Rezende e Mauro. Às vezes, compareciam outros parceiros, que eram por ti saudados com a costumeira efusão. Recordo-me de dois: do teu antigo chefe Areias Neto, que já não estava bem de saúde, e viria a falecer pouco depois; e de um segundo, cujo nome de origem italiana me esqueceu. Devia ser companheiro de juventude da dupla, pois tanto Pedro, quanto Rezende mostravam muita condescendência com as suas atitudes amiúde inconvenientes. Cientes das fraquezas do personagem, ambos cuidaram de advertir-me contra possíveis pedidos de ajuda financeira, com que costumava tentar achacar os incautos. E não é que a tentativa de facada ocorreria ? Ao ouvir o tipo desfiar uma triste estória, me foi menos difícil desvencilhar-me das instâncias do pedinchão.

        Esses participantes extemporâneos nada traziam em termos de contribuição intelectual para as conversas do Bar Monteiro. Não compreendia, por isso, a satisfação que a sua presença provocava na dupla, eis que, por terem o interesse voltado para domínios mais corriqueiros, representavam, no mínimo, um estorvo para que outros tópicos fossem versados.

         Há um terceiro partícipe nesses almoços. Sérgio Paulo Rouanet, colega de turma de Pedro, com quem nunca cruzei. Da nossa relação com esse personagem, tratarei alhures. Basta aqui dizer que terá aparecido em uma ou duas ocasiões. 

        Na década de noventa, os colóquios obedeciam ao seguinte ritual. De passagem pelo Rio, por telegrama te propunha uma ou duas datas para o compromisso. Cuidavas de avisar o Rezende, e o ponto de encontro era o sebo da rua do Carmo. Costumava chegar primeiro, às vezes adentrando o chamado Sebão bem antes da hora aprazada. Em geral, Rezende aparecia em segundo lugar, com o habitual boné, camisa de listas horizontais e a bermuda. Por último, vinhas tu, carregando as bolsas da Leonardo da Vinci, onde levavas as encomendas coletadas naquela livraria, assim como os xerox que nos trazias, e alguma eventual aquisição na Saraiva ou até na Loyola, esta aninhada em duas salas do décimo-sétimo andar do edifício Sisal na avenida Presidente Vargas. Retardatário, agias como se dispusesses ainda de larga parcela de tempo. Percorrias, com olhar minudente, as prateleiras e as mesas que atulhavam o velho e decrépito casarão. Naqueles anos, as pesquisas – ou garimpos, como as designávamos – podiam produzir livros de certa valia. Henrique, que era o nosso atendente, nos dava bons descontos, em preços já convidativos.

       Vale dizer, a propósito, que, com o avanço dos anos, iriamos para o Sebão com o temor de não mais encontrá-lo. Esta sina que, de resto, não é privativa das livrarias do Rio de Janeiro, acabaria por confirmar-se. O senhorio, desejoso de aluguel mais alto, lograria enxotar a cooperativa de empregados dali, para um obscuro refúgio em acanhada loja na Primeiro de Março.

       Retornemos, entretanto, à liturgia dos colóquios. Afinal, conseguiria arrastar ‘os meninos’ para o Bar Monteiro, em uma rua da Quitanda sempre mais visitada por odores de fossa. A refeição, servida por simpáticas garçonetes, se cingia à carne assada em fatias, e a pão, também cortado. Pedro e Rezende comiam igualmente maionese de batata, que eu, com as minhas precauções, há muito refugara. Consumíamos dois e até três chopes (o terceiro, de hábito, era partilhado), que acompanhávamos com uma caipirinha. Mais tarde, eu aboliria a caipirinha. Rezende não se contentava com essas doses, a que acrescentava um cálice de Ipioca, uma cachaça amarelada, de que Pedro acedia em sorver um gole.

       Não sei se concordarás comigo, porém aquelas conversas, inda que no calor de ambiente não-refrigerado, possuíam uma desenvoltura e encanto, eu diria mesmo magia, que não mais entreveria na virada do século. Mudara o Natal ou mudáramos nós ? Francamente, não sei. O diálogo fluía, os assuntos repontavam, e a impressão de que ali tratávamos de coisas do espírito, temas relevantes e gratificantes, me ficava muito empós de concluído o encontro marcado. E pairava a lembrança na memória, a ponto de prelibar a vinda de nova oportunidade de discutirmos de tudo um pouco, mas sobretudo de filosofia e de Aristóteles.

      Pedro, eras sem dúvida o maestro daquele desengonçado terceto, em que o setentão Rezende se mantinha em surdina, malgrado interviesse de quando em vez; a mim, cabia então fazer os questionamentos, ensaiar um que outro motivo; e a ti, organizar a discussão, harmonizar as vozes dissonantes, apontar uma direção.

      No limiar das três horas, a trinca se dirigia para o botequim do Terminal Menezes Cortes, onde Pedro, que lá soía chegar à frente, encomendava os três cafezinhos. Não nos demorávamos demasiado, pois te preocupava o horário do ônibus para Petrópolis. Mais um dedo de prosa e soava a hora de mostrar o bilhete ao empregado da viação. Sentavas na dianteira do pullman, na primeira poltrona da janela à direita. E dali, com os teus gestos largos, te despedias dos companheiros de tertúlia.

      Desfeito o elo, Rezende e eu descíamos para a calçada vizinha à praça que margeia a Nilo Peçanha, para separarmo-nos, um rumo às barcas de Niterói, e outro, em direção a um hotel ou residence em Ipanema.   

       Na sexta-feira, dezenove de maio último, a minha viagem de ônibus para Petrópolis começaria na Rodoviária. Em tudo o mais, todavia, não há de ter diferido muito da rotina dos teus percursos. Se pensei que seria mais longa, partilhei do receio que sentias do assalto, essa ocorrência a que se acha exposta, com crescente incidência, a gente honesta que carece do transporte público. Felizmente, nada aconteceu, e então me lembrei do roubo que sofreste em um desses trajetos. E quedou a pergunta se a companhia da ansiedade, com os seus temores e desgastes, não te seria pior do que a própria consumação da violência.

       Com o apreço de sempre e a saudade que cresce como erva daninha,

 

                                                *           *

                                              




[1] notas de classe
[2] Discrição, reserva.
[3] Passagem determinante

Notícias direto do Front

                             
  O Coronavirus

        Na infindável cadeia dos vírus, aparece mais um, que, embora diverso, é da família do “Sars”, enquanto afeta as vias respiratórias.
        Há 40 casos do dito ‘coronavirus’, cerca da metade fatais. Este vírus seria originário da península arábica, aonde se acha a maior parte dos casos.  Estaria na macabra corrente de transmissão de animais para humanos.
        Por enquanto, os casos no Ocidente se concentram na Europa ocidental (França, Alemanha e Reino Unido).


A Confusão na Bolsa Família               

        Com o passar do tempo, se reforça a hipótese da responsabilidade da Caixa na confusão da Bolsa Família.
        Embora a probabilidade de que Dilma atenda à sugestão do pré-candidato Aécio Neves de que peça desculpas pela inepta acusação – feita pela Ministra Maria do Rosario, dos Direitos Humanos de que a oposição estaria por trás dos boatos sobre o programa – tenda para o zero matemático, as investigações da Polícia Federal já determinaram que não existe o número da central de tele-marketing alegadamente responsável pela difusão dos ‘boatos’ .
       Por outro lado, a alta direção da Caixa empurra a responsabilidade para o terceiro escalão. Há setores que pedem a cabeça do presidente da Caixa. De qualquer forma, depois da saraivada de declarações inexatas da alta cúpula do PT, incluída a Presidenta e Nosso Guia, caberia alguma mostra de seriedade e realismo crítico.

 
Reunião do ‘Copom’

       Para hoje está marcada reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central. Na previsão de Alexandre Schwartsman, especialista da Folha em assuntos financeiros, o incremento da taxa Selic seria de 0,5%.  Não obstante, a previsão do mercado de aumento das taxas de juros mais longas poderia ser, no seu entender, “quase que integralmente atribuído à piora da inflação esperada anos à frente. Essa inflação (...) não pode resultar de qualquer choque de curto prazo, mas sim da percepção de um BC cada vez menos comprometido com a meta da inflação.”

       A  conferir.


 D. Dilma perdoa dívida de US$ 900 milhões

        O colunista Elio Gaspari menciona o perdão de dívidas de doze países africanos pela Presidenta Dilma, no montante de US$ 900 milhões.
         Dada a cleptocracia imperante naquele continente – fato mencionado por Gaspari, mas infelizmente já de conhecimento público – semelha questionável que “o engajamento com a África tem um sentido estratégico”.
         As figuras da cleptocracia na África não existiriam sem a cumplicidade do Ocidente. Os exemplos do finado Mobutu, no Zaire, e de outros ainda vivos, como Denis Sassou Nguesso, do Congo-Brazzaville, não projetam exatamente imagem de intemerata austeridade republicana.
         De que serviria perdoar tais ‘dívidas’?  A quem aproveitam esses gestos generosos?

 

( Fontes:  Folha de S. Paulo,  O  Globo,  CNN )

terça-feira, 28 de maio de 2013

A Fábrica de Crises


       O poder legislativo está dividido nos Estados Unidos, como é do conhecimento geral. Também não se ignora que o controle da Câmara de Representantes pelo Partido Republicano, decorrência do primeiro biênio de Barack Obama – em que faltou maior comunicação entre a Casa Branca e a opinião pública – não pôde ser recuperado no pleito de 2012 pelos democratas pelo extenso gerrymandering[1] no redesenho dos distritos eleitorais para deputados, realidade esta confirmada de que os representantes do GOP para a Câmara logravam a reeleição mesmo em estados onde os percentuais dos sufrágios favoreciam a Barack Obama (e, em muitos casos, aos candidatos democratas a Senador, cuja eleição é igualmente decidida por todo o estado, e não pelos distritos para os representantes, redesenhados adrede).
       Em outras palavras, na Câmara preside o Speaker John Boehner (OH/Rep),  enquanto no Senado, o líder da maioria é um democrata, o Senador Harry Reid, de Nevada (quem preside o Senado, e tem voto de Minerva, é o Vice-Presidente Joe Biden).
       Não estranha, portanto, que as investigações contra a Administração Obama partam da Câmara,  em que o GOP ainda domina, posto que a ala de ultradireita do Tea Party haja perdido muitos representantes em 2012.
      Os republicanos da Câmara, além de barrar qualquer medida de interesse nacional, se promovida pelos democratas, constituem a base para eventuais investidas contra o governo Obama. Como assinalei em blogs anteriores, essas questões são três: a do ataque por terroristas à missão em Benghazi, na Líbia, em que foi assassinado o embaixador americano; a do alegado exame mais aprofundado de grupos conservadores pelo IRS (Serviço da Receita Interna); e a apreensão de listas de chamadas telefônicas da Associated Press(AP) pelo Departamento de Justiça, por suspeita de vazamentos para a imprensa de questões de segurança nacional.
     Constitucionalmente, o impeachment de um presidente é votado pela Câmara, mas o afastamento definitivo será decidido pelo Senado, presidido pelo Juiz-Chefe do Supremo, como foi no caso de Bill Clinton. Este mesmo exemplo tem induzido os republicanos, que em geral não se assinalam pela moderação, a uma maior contenção. A sua cautela se deve à citada experiência anterior, em que o facciosismo manifestado contra Clinton teve más consequências junto ao eleitorado para os seus mais zelosos algozes. Será por essa razão que os chefes dos Comitês da Câmara, todos do GOP, se tem evidenciado ultra-cautelosos na condução dos interrogatórios das testemunhas convocadas (em geral, autoridades democratas).
     A mais antiga dessas questões é a de Benghazi, e até o momento a água desse moinho não tem aproveitado muito ao GOP.  Em todas elas, ao contrário de revista brasileira – que ‘apoiou’ Mitt Romney e agora levanta sombrios augúrios acerca da presidência Obama – a tropa do GOP não conseguiu desvendar nenhuma responsabilidade do 44º presidente.
         Talvez o inquérito mais delicado parece ser aquele concernente ao Serviço de Renda Interna (o equivalente americana da Receita Federal), que teria examinado (‘targeted’) grupos conservadores em investigação mais aprofundada (uma espécie de malha fina).
          Lois Lerner, alta funcionária do IRS, que fora intimada pelo Comitê da Câmara de Supervisão e Reforma governamental, negou peremptoriamente ter dado falsas informações ao Congresso.  Após haver reiterado que houvesse enganado (‘misled’) a Câmara no testemunho anterior, valeu-se de um preceito constitucional – a quinta emenda – que lhe dá o direito de não responder a interrogatório que possa vir a prejudicá-la.
          A presidência da Comissão tentou demovê-la de sua postura. A senhora Lerner se manteve irredutível, para irritação de membros da dita Comissão, que desejavam questioná-la sobre tópicos de sua deposição anterior.
          O que o GOP deseja apurar seria a participação de autoridades superiores, e até mesmo a Casa Branca, para um exame mais minucioso dos rendimentos de grupos conservadores (e próximos do Partido Republicano).  No entanto, até o momento tais intentos têm sido infrutíferos, como de resto afirmou o então comissário do IRS, Douglas Shulman – indicado para o posto por George W. Bush – sublinhando não ter recebido em tal sentido seja instruções do departamento do Tesouro, seja da própria Casa Branca.
          Sem embargo, deputados de ambos os partidos ficaram descontentes com a decisão da Sra. Lerner de não testemunhar.  Em tal contexto, se as testemunhas se negassem a responder aos quesitos, um promotor especial, do tipo Watergate, poderia vir a ser designado, segundo o deputado democrata, Stephen Lynch (Mass.). Ao fazerem tais observações, os políticos – e, em especial, os democratas – têm presente a imagem de Kenn Starr, o promotor especial que tudo fez para derrubar o presidente Bill Clinton. Apesar de ter sido quiçá o malogro judicial mais dispendioso aos cofres públicos da história americana, Kenn Starr deixou marcas indeléveis do alcance da ação desse gênero de promotor especial.

   

        
(Fontes:  International Herald Tribune,  VEJA )



[1] O gerrymandering surgiu no estado de Massachusetts, no século XIX, e é o redesenhamento do distrito eleitoral com o escopo fraudulento de favorecer um partido determinado, em detrimento do outro. A cada recenseamento decenal, os distritos devem ser redesenhados pelo legislativo estadual, no caso de o Estado tenha variação na respectiva população, que determine ou o aumento de sua representação na Câmara federal, ou a diminuição.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Rescaldo da Semana

                                           
O claro enigma da Bolsa Família

            Mais uma vez,  Ricardo Noblat, pela sua coluna semanal em O Globo das 2as. feiras, dá lição prática de jornalismo investigativo e, por conseguinte, desmistificador. Depois da apressada atribuição do ‘boato’ pela Ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, à central de notícias da oposição, seguiram-se os juízos da hierarquia petista: ‘desumano e criminoso’ (Dilma), ação praticada por ‘gente do mal’ (Lula da Silva), ‘manobra orquestrada’ (José Eduardo Cardozo-ministro da Justiça), e ‘terrorismo eleitoral’ (Ruy Falcão, presidente do PT).
            Tangidos por ameaça do desconhecido,  os hierarcas petistas e seus subalternos, tentaram a saída do ‘mau olhado’, para mais tarde engolirem a própria saliva, ao se darem conta de que toda a confusão se originara da respectiva cozinha.
            As estórias da carochinha breve, no entanto, cederam o lugar à realidade. Nas palavras de Noblat, não passaria de “má gestão embrulhada em mentiras”.  Seria responsável, nas palavras de dois gerentes regionais da Caixa Econômica Federal,  um erro no sistema de pagamento “pela liberação do dinheiro em desacordo com o calendário”.
             O gerente Hélio Duranti, do Maranhão (que é o estado campeão da Bolsa Família) precisou: “Os boatos surgiram após um atraso no pagamento do benefício ocorrido em todo o país. A situação foi normalizada, mas muita gente procurou os caixas eletrônicos ao mesmo tempo, e o dinheiro acabou.”
             Por toda a passada semana, a Caixa negou que tivesse mexido no calendário de pagamento. Até que na sexta feira, a dona de casa Diana dos Santos disse à Folha ter ido na semana anterior ao caixa eletrônico sacar os R$ 32 da Bolsa Família relativo a abril, e encontrou também disponíveis os R$ 32 de maio.  A senhora dos Santos é beneficiária da Bolsa há anos e nunca recebera antecipadamente. A suposição natural é que outros beneficiários se deram conta da modificação e “avisaram aos conhecidos, e virou essa confusão.” Ainda nas palavras do gerente Duranti: “Quem não encontrou (o dinheiro) ficou revoltado e quebrou os caixas.”
            Com o vazamento de o que ocorrera na realidade, a direção da Caixa tentou outra maquiagem. “A Caixa Econômica Federal esclarece que vem realizando diversas melhorias no Cadastro de Informações Sociais.” Nas palavras de Noblat, não tendo avisado a  ninguém “(ela) não explica como uma operação dessas melhora seu Cadastro de Informações Sociais”.
            A burocracia costuma ter desculpa para tudo, e em especial para os próprios erros. Não inova muito, porém. Como na fábula de La Fontaine, a argumentação do cordeiro não tem valor para o lobo: “se (o culpado) não foi seu pai, foi seu avô.”
 

Problemas da Infanta Cristina             

             O juiz José Castro, da justiça espanhola, abriu investigação nas declarações de renda da Princesa Cristina, consorte do novel Duque de Palma de Mallorca, Iñaki Urdangarin. Arrastada pelas transações suspeitas do cônjuge através da respectiva fundação, a filha do Rei Juan Carlos e da Rainha Sofia, é suspeita de evasão de impostos, por eventual cumplicidade com o marido. A acusação de sonegação de imposto e de lavagem de dinheiro abrange o período de 2007 a 2010.
            Prossegue, por conseguinte, o inferno astral de Sua Majestade Juan Carlos I, da Casa dos Bourbon de Espanha, iniciado com a famigerada caçada aos elefantes em Botswana, em abril de 2012. Transferido, de urgência, para ser operado em clínica espanhola, aí começaria a colher os amargos frutos de sua insensata empresa.


Endurecerá a China com a aliada Coréia do Norte ?

            O novel líder chinês,  Xi Jinping,  comunicou ao representante de Kim Jong-un,  novo supremo líder da República Democrática Popular da Coréia, Vice-Marechal  Choe Ryong-hae, sem meias palavras, que o seu país deveria retornar incontinenti às negociações diplomáticas estabelecidas para livrarem a Coréia do Norte das armas nucleares.
             A ascendência da RPC sobre a Coréia do Norte sofre, no entanto, dos percalços das relações entre países extremamente desiguais. Sempre à beira da incapacidade de alimentar a respectiva população – já houve inúmeras fomes no país, com considerável extermínio demográfico -, a Coréia da Norte vive de crises  políticas artificiais, possivelmente urdidas pelo respectivo Kim no comando com vistas ao reforço do respectivo poder.
             Desde 2008 que a RDPC abandonou, motu proprio, as negociações hexapartites para a sua desnuclearização,  o complexo mecanismo da dependência de Pyongiang de Beijing mostra, pari passu, as suas limitações. Semelha difícil que o jovem Kim desnuclearize o respectivo país, pelas diversas implicações envolvidas, a começar pelo alegado prestígio e as repercussões que possa ter na continuidade da singular dinastia comunista.          

 
Conflito Sírio: aspectos contraditórios

              Há temores de que a conferência de paz prevista para junho próximo para a solução da guerra civil na Síria não se concretize. O novo Secretário de Estado John Kerry evidencia mais confiança no parceiro russo do que a sua antecessora Hillary Clinton, que chegou a ser chamada de histérica pelo soturno Sergei Lavrov, o Ministro (permanente) do Exterior da Federação Russa.
              Como o Kremlin tem sido um comovente aliado do regime alauíta de Bashar al-Assad, com profusas entregas de armas e fundos para a causa do sucessor de Hafez al-Assad, certas dúvidas quanto à inteireza da disposição de gospodin Vladimir Putin em criar condições para solução mista e conciliatória ao problema sírio semelham, senão ontologicamente, pelo menos diplomaticamente válidas.
             Por outro lado, os companheiros xiitas do Hezbollah se tem empenhado valerosamente ao lado dos alauítas de Damasco. Se há tênues cercanias entre os credos respectivos, maiores são os condicionamentos da sobrevivência política, ameaçada para o clérigo Nasrallah se o bom Bashar cair, inviabilizando as sustentadas remessas (armamentistas e outras) de Teerã para a milícia Hezbolllah. 
              Não terá sido, dessarte, por acaso, que dois mísseis caíram em subúrbios de Beirute, controlados pelo Hezbollah.  Conquanto a liderança rebelde afirme nada ter a ver com o lamentável acidente, há suspeitas de que a iniciativa seja de outra ala de chefes rebeldes, que estão um tanto irritados com o apoio – em artilharia e infantaria – dado pelo movimento do Hezbollah às ações militares do governo sírio.
               Essa escalada da guerra civil, que se estenderia a áreas do Líbano, tende a acirrar os ânimos e reforçar  temores sobre  eventual regionalização da conflagração, que de guerra civil na Síria, se alargaria para as áreas circunvizinhas, atingindo não só o Líbano, mas aos confins de Turquia e  Jordânia.
               Nesse contexto, a radicalização do Hezbollah – o qual confrontado com possível queda de Bashar – só teria a saída do quanto pior melhor, dadas as sombrias implicações da queda de al-Assad, com o fechamento do canal de fornecimentos para a milícia de Nasrallah dos regimes xiitas do Leste (Iraque e sobretudo Irã), que lhe asseguram a sobrevivência em hostil mar  sunita.

 

( Fontes:  O  Globo e coluna R. Noblat, International Herald Tribune )   

domingo, 26 de maio de 2013

Colcha de Retalhos A 18

                         
A onda de estupros no Rio

           O fenômeno tem demasiada força mediática para ser desdenhado. Apesar do fragor do estupro na jovem indiana, em ônibus de Nova Delhi,  com memorável reação da opinião pública – que de algum modo quebrou a maligna negligência dos poderes estabelecidos na União Indiana -, a série de violências sexuais em ônibus e vans no Rio de Janeiro despertou ondas de protestos assaz mais comedidas.
           O correspondente do New York Times faz, a propósito, uma avaliação desta onda de ataques sexuais em transportes coletivos na Cidade Maravilhosa, futura sede das Olimpíadas em 2016.
          Em seu artigo, S. Romero fala de diversos estupros. Nesse contexto, é embaraçoso assinalar que apenas após uma estudante americana de 21 anos ser estuprada (e seu companheiro golpeado com barra de metal)é que as autoridades reagiram, prendendo o bando que já tinha, na semana anterior, igualmente violentado uma operária brasileira.  A omissão  da polícia põe a nu um incômodo fato: se não tivesse ocorrido com turista estrangeira (ainda por cima americana) ou com alguém de família importante, a possibilidade de que as forças da ordem investigassem com empenho e seriedade o caso seria bastante baixa. Sem embargo, uma vez informada das ocorrências (uma no Rio e outra em Niterói), a Chefe da Polícia Civil, Delegada Marta Rocha, demitiu as duas delegadas (das delegacias de proteção à mulher, em Niteroi e no Rio de Janeiro) por não haver tomado nenhuma providência, apesar das queixas registradas pelas vítimas.
           A própria brasileira, estuprada na semana anterior, afirmou com toda propriedade: “Infelizmente, tinha de acontecer com ela antes que alguém se dispusesse a me ajudar”.  E se ao invés da indiferença com a violência praticada contra uma simples trabalhadora, a polícia tivesse agido como deveria, o vexame internacional da estuprada pelo bando na van (e as violências contra o acompanhante masculino) poderiam muito bem ser evitadas.
            Há tempos atrás,  desequilibrado sexual estuprara uma jovem menor, em banco traseiro de  ônibus.  Embora o perpetrador tenha sido detido, fica a impressão de que o cenário terá implicado em efeito demonstrativo para potencial – e marginal - faixa de transgressores.  Para consternação de muitos - e desconforto das autoridades que pensam nos grandes eventos marcados para a chamada Cidade Maravilhosa – os estupros se tem repetido em ônibus, por mais incôngrua que se afigure a localização. Em um dos últimos, o homem violentou a mulher enquanto apontava o revólver para a cabeça dela. Ulteriormente, descobriu-se que o indivíduo ainda era de menor quando praticou o ato, e por isso a mídia tratou de borrar a fisionomia do estuprador, enfatizando a um tempo a sua conformidade com a lei ( Estatuto da Criança e do Adolescente), e o inevitável ceticismo quanto às consequências efetivas no quadro da legislação.
            Na realidade, malgrado ainda haja defensores desse Estatuto, uma série de brutais assassinatos, cometidos por de menores às vésperas de perder a prerrogativa de matar quase impunemente, ocorreram nas últimas semanas, com ênfase em São Paulo.
            Há exigência da sociedade civil para a adequação da tal maioridade penal, que poderia pelo menos ser baixada para os dezesseis anos (levado em conta que, nesta idade, os adolescentes já podem votar para presidente da república).  Tudo depende, no entanto, de que a coisa não esfrie e não volte para as ditas medidas para inglês ver. Como, por exemplo, os vagões do metrô exclusivos para mulheres. Basta frequentar tal transporte de massa, para verificar que os ditos vagões, embora existentes, são de mentirinha. Muitos homens se aproveitam da falta de medidas efetivas do controle  na aplicação, para desrespeitá-la na maior tranquilidade...  
           E aí ressurge o velho problema da nacionalidade, a que me tenho referido tantas vezes. Dentro do dito vezo das ordenações filipinas, a lei brasileira cobre uma grande pluralidade de situações e de fatos havidos como delituosos.  A questão está como asseverou grande revista estrangeira– desafortunadamente com alguma propriedade – que somos terra de muitas leis que, em grande parte, não são aplicadas...

 
A Pacificação do Complexo do Alemão é pra valer ?



           Nesta semana, o Complexo do Alemão, antes apresentado como a jóia na coroa da política de pacificação das favelas no Rio de Janeiro, mostrou desenvolvimentos inquietantes, que põem em dúvida o êxito da política a cargo do Secretário José Mariano Beltrame, da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro.
           Encetada na Comunidade Dona Marta, em Botafogo, a política de pacificação teve o seu ápice mediático na tomada do Complexo do Alemão, com a ajuda das forças armadas (que, de resto, permaneceram no controle do policiamento até há pouco).
          A tomada do Alemão teve dois pontos de maior atenção: o hasteamento da bandeira na presença do próprio Governador Sérgio Cabral e a debandada maciça de mais de trezentos homens com participação no tráfico.
          A elevação do pavilhão nacional contraposta à dos bandidos sublinhou uma contradição: a existência de  área, de que se celebrava a retomada pelo poder estatal, e a correria dos traficantes, que se deixava escapar.
         Apesar de episódios isolados, a contestação do tráfico somente reapareceu com força no recente episódio do fechamento forçado do comércio no Alemão, como expressão de luto pela morte de um traficante.  Depois da propaganda acerca da absorção do Complexo do Alemão pelo poder público – com direito inclusive a cenário de novela – que a ameaça do tráfico volte a ser obedecida constitui um sinal amarelo de que, na melhor das hipóteses, muito resta a ser feito para atingir a autêntica pacificação.
        Malgrado as desculpas das autoridades, mais um tiroteio marcou ironicamente a corrida Desafio da Paz, no mesmo Complexo do Alemão.  Ocorrido neste domingo, obrigou muitos dos participantes ou a se esconderem atrás de carros, ou a abandonarem a prova.   
 

A ‘Eleição’ presidencial Iraniana



        Não há dúvidas sobre a existência de autêntica democracia no regime iraniano. O seu caráter teocrático, já sublinhado desde a assunção do Imã Khomeini, em 1979, após a queda da ditadura do Xá  Reza Pahlevi, torna-se cada vez mais acentuado. A escolha de Mahmoud Ahmadinejad não decorreu de eleição popular, na verdade, mas sim da intervenção do Líder Máximo, Ali Khamenei, declarando a fraudulenta derrota dos candidatos Mir Hossein Moussavi e Mehdi Kerroubi, e a vitória de Ahmadinejad. Tal desrespeito à vontade do povo iraniano, provocou o movimento verde, que foi esmagado pelos guardas revolucionários e os basij (milícia islâmica).  A estúpida morte da  jovem Neda simbolizaria os inúmeros  iranianos vitimados pela repressão, muitos deles condenados por tribunais de exceção.
                 Hoje, estão silenciados os dois principais candidatos (Moussavi e o clérigo Kerroubi), que se acham em prisão domiciliar.
     O próprio processo de apresentação de candidaturas corresponde a um simulacro de um sistema dominado pelo estamento dos ayatollahs, com o apoio da onipresente Guarda Revolucionária (as Forças Armadas iranianas), as quais além de suas funções de segurança, tem crescente projeção econômica.
     Dessa maneira, o controle do presidente – de resto subalterno ao Líder Máximo – passa por crivos sucessivos, de maneira a que não subsistam ‘riscos’ de que o povo possa apontar alguém que venha a representar um eventual desafio à camarilha teocrática.
      Assim, o processo de pré-seleção decretou a eliminação de Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, um ex-presidente, e de Esfandiar Rahim Mashaei, cuja principal mácula reside no fato de ser muito próximo do atual presidente Ahmadinejad (que após ser na prática designado por Khameini, desentendeu-se com o Líder Máximo).
      Oito pré-candidatos, todos estreitamente ligados ao sistema, foram aprovados pelo Conselho dos Guardiães (designados por Khamenei). Rafsanjani e Mashaei teriam recorrido – tudo depende da decisão final do Líder Máximo – e, nesse sentido, o ex-presidente teria alguma chance de figurar na lista de candidatos aprovados.
      Dados os precedentes, subsistem muito poucas dúvidas de quem seja o principal eleitor de um processo caracterizado pela fraude institucionalizada.

 

( Fontes:  O  Globo;  International Herald Tribune )