quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Egito: Colapso da Autoridade ?

                                         
              O General Abdul-Fattah al-Sisi, que acumula o cargo de  Ministro da Defesa com as de Comandante do Exército, verberou o perigo de ‘colapso do estado’ se as forças políticas  egípcias não se reconciliarem.
              Nas palavras do sucessor do Marechal Mohamed Hussein Tantawi, o comandante da mais forte instituição do estado egípcio, cuja predominância data da derrubada do rei Faruk em 1952: “A continuação do conflito entre diferentes forças políticas e a sua discordância quanto às questões nacionais pode levar ao colapso do Estado e ameaça o futuro das gerações vindouras. Nesse sentido, a tentativa de afetar a estabilidade das instituições estatais é uma questão perigosa que prejudica a segurança nacional do Egito.”
             A turbulência maior, com cerca de 45 mortos, verificou-se na cidade de Port Saïd, na extremidade norte do Canal de Suez. Diante da ineficiência de uma polícia mal-equipada e malpreparada para tais emergências, o recurso do governo foi apelar para o Exército.            
             A duríssima sentença contra os acusados nos distúrbios de partida de futebol com a condenação de 21 torcedores à morte exacerbara a reação do povo de Port Saïd,  que proclamou a sua desobediência civil, não reconhecendo Mohamed Morsi como presidente.
             Na verdade, há dois anos da queda da ditadura trintenal de Hosni Mubarak, a revolta se generaliza no Egito. Os manifestantes da praça Tahrir, os jovens e boa parte da sociedade que se empenhou pela democracia, não se reconhecem no governo da Fraternidade Muçulmana.
             Mohamed Morsi, no entender de boa parte da sociedade egípcia, tem atuado mais como militante da Fraternidade Muçulmana, do que como presidente dos egípcios. Para promulgar uma constituição, que representou um retrocesso no que tange a várias conquistas democráticas, Morsi se serviu de um decreto para sufocar as objeções legais ao projeto constitucional da Fraternidade.
              Ao invés de ratificar os anseios de abertura democrática, Morsi cuidou de implementar uma carta em que as posições islamitas da Fraternidade fossem preservadas.
              Por outro lado, ao mostrar-se mais como militante-mor do partido islâmico, e não como chefe de todos os egípcios, Mohamed Morsi perdeu boa parte da credibilidade que a sua eleição lhe proporcionara.
              O  retrocesso social também atingiu as mulheres, que vêem com preocupação de novo validados os vezos islâmicos da repressão às reivindicações feministas. Nesse sentido, mesmo os avanços na condição da mulher logrados por Suzana Mubarak,  esposa do ditador, tem sido contestados, como se tal fonte bastasse para desqualifica-los, sem qualquer atenção para o mérito da eventual medida .
              A insatisfação do povo não diminui diante das chamadas forças da ordem, que continuam as mesmas. Assim, a detestada polícia de segurança não sofreu expurgos, nem foi responsabilizada pelos crimes da ditadura de Mubarak. Também o judiciário não mudou, e a sua parcialidade diante do movimento revolucionário só acirrou a cólera popular. Assim esta peculiar justiça não só absolvera os acusados da morte de manifestantes pró-liberdade da Praça Tahrir, mas também chegara ao cúmulo de condenar à morte 21 torcedores nos distúrbios futebolísticos de Port Saïd.
            Outras minorias sentem-se ameaçadas. Os coptas desconfiam das intenções do partido islâmico. Morsi tem atuado mais como o militante-mor da Fraternidade, do que como o presidente de todos os egípcios. Para a sociedade daquele país, a revolução de março foi um movimento democrático, e não um instrumento para substituir um domínio autoritário por outro.
            Daí a disposição evidenciada por populares e mulheres, conscientes de que arriscaram a vida para validar sua progressão. Não admitem transformar a derrubada de Mubarak em uma jornada de tolos, em que os hábeis e arregimentados militantes da Fraternidade Muçulmana – que não são exatamente fanáticos pelas conquistas democráticas – surgiriam para garantir que nada essencialmente mude, a não ser a própria sufocante presença à testa do Estado.
            O enfraquecimento de Mohamed Morsi – que tem carecido do Exército para reimplantar uma ordem a seu gosto – pode preparar o caminho para que o hiato do poder da Fraternidade seja breve.

 

( Fontes:  International Herald Tribune,  The New Yorker )

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O Escândalo da Censura Judicial

                                    

         A propósito de reportagem de página inteira de O Globo deste último domingo sob o título “Com censura, juízes afrontam a Constituição”, pude colher notícias e indicações interessantes.
         A tal respeito, o leitor do blog terá em mente que a censura – e sobretudo a judicial – tem sido objeto constante de inquietude e viva preocupação de seu responsável.  Inúmeros artigos foram a ela dedicados. Nesse capítulo, a inconstitucional censura aplicada pelo desembargador Dácio Vieira (TJ/DF) ao jornal “O Estado de São Paulo” e a sua peculiar tramitação colhe decerto a palma em termos de cobertura temática e de apelos no sentido de que o Supremo – depois da oportunidade perdida quando do juízo liminar – avoque a si a matéria para a redação da súmula vinculante.
        A questão da Censura Judicial, se não é  tragédia, nem tampouco comédia, tem muitos traços de farsa, que decerto refletem, com as próprias idiossincrasias, muito do caráter nacional. Como na peça de teatro, se a divulgação do fato provoca muito alarido, geral reprovação, e coléricas expressões de repúdio, com o passar do tempo as reações tendem a amainar, para depois sobrevir o silêncio, que costuma ser o manto do olvido.
        Nesse contexto, teoricamente “O Estado de São Paulo” continua sob censura. Cabe, igualmente, a dúvida se a ação voltará ao Supremo, para que não só a sentença seja afinal proclamada inconstitucional, e o que é muito mais importante forneça a base para a redação de súmula que discipline a questão, tornando sempre mais difícil o recurso à censura judicial.
        Gostaria de concordar com o otimismo do Ministro Ayres Britto, no que tange a tal tipo de censura: “Isso tende a diminuir consideravelmente, na medida em que a decisão do Supremo e a própria compreensão do texto constitucional se tornem mais conhecidas. (...) A liberdade de imprensa ainda incomoda e há setores do Poder Judiciário, felizmente minoritários, refratários à plenitude com que a Constituição aquinhoou a liberdade de imprensa para o mais desembaraçado trânsito das informações, das idéias e das expressões artística, científica e comunicacional.”       
       Britto, enquanto presidente do Supremo Tribunal Federal e, por conseguinte, do Conselho Nacional de Justiça, criou o “Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa”. Conquanto não tenha poderes para impedir a censura judicial, o grupo que o integra vai monitorar casos e discutir o assunto.
       Essa comissão ainda não começou a funcionar. Os seus poderes são reduzidos, eis que o próprio Ayres Britto sublinha que “o fórum  não é de monitoramento das decisões judiciais porque nenhum juiz pode ser patrulhado (meu o grifo). É um fórum de acompanhamento de decisões para ver até que ponto elas são compatíveis com o espírito da decisão do STF. A intenção é fazer congressos, seminários e estimular a discussão do tema nas escolas de magistrados.”
       Com a devida vênia, Senhor Ministro Ayres Britto, concordo em que os magistrados não devam ser patrulhados, mas tampouco se deve admitir que vários deles continuem a reincidir na censura à imprensa. É relevante assinalar que segundo levantamento da Associação Nacional de Jornais (ANJ) em 2012, onze decisões judiciais determinaram censura à imprensa; outros catorze casos foram registrados em 2011; dezesseis, em 2010; dez, em 2009; e seis, em 2008.
        Se o cidadão comum não deve, sob as penas da lei, praticar atos ilegais, não é igualmente de admitir-se que juízes singulares ou tribunais colegiais pratiquem atos inconstitucionais, como é o desrespeito a determinações da Carta magna, como o inciso IX do artigo 5º (relativa à liberdade da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação) e o artigo 220, parágrafo 2º , que veda a censura de natureza política, ideológica e artística. 
         Assim como no caso da democracia em geral, em que a eterna vigilância é indispensável, tampouco no da censura é admissível que se permita, sob o pretexto da autonomia judiciária, perdurem sentenças e despachos manifestamente inconstitucionais e contrários à liberdade de expressão.
         É justo que os juízes tenham liberdade de prolatarem sentenças, mas deve ficar bem claro que esta liberdade está fundada na Constituição e, por conseguinte, não se pode desrespeitar-lhe os preceitos. A autonomia judicial existe dentro da lei e não fora dela. Em consequência, a sentença judicial não pode contrariar a norma constitucional, mesmo se aduzindo estatuto específico, como o da Criança e do Adolescente, assim como matéria biográfica.
         Muitas das decisões judiciais ao arrepio da Constituição ocorrem nos famosos grotões, de que nos fala Tancredo Neves. Há exemplos flagrantes de tais arbitrariedades, como a decisão que proibiu a circulação de jornal caso houvesse reportagem sobre pesquisa de intenção de voto para prefeito de Campo Grande. Ou outra similar, que obrigou a retirada da internet de reportagem sobre investigação do Ministério Público acerca de compra de votos.
         Mas a censura judicial não se limita a tais rincões interioranos. Há exemplo de tais abusos em Vitória e no Rio de Janeiro.
         Autonomia judicial, portanto, não pressupõe que o magistrado esteja acima da lei e da própria Constituição.  E o melhor remédio para tais afrontas à Lei Magna está na Ação Direta de Inconstitucionalidade, assim como na plena divulgação do fato.
         No fim de contas, a celebrada morte da censura pelos constituintes de 1988 foi um exagero à moda nacional,  ou é uma realidade, posto que diferida e combatida ?
         Quem sabe, como toda conquista da liberdade, ela exige um pouco mais de luta e de persistência. E nesse ponto, na presidência de Joaquim Barbosa, careceria de livrar-se das firulas e de aplica-la como se deve.

 

 (Fonte:  O Globo )

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O GOP é o partido do Tapetão ?

                                        

          No sistema bipartidário americano, o Partido Republicano se tem marcado na atualidade por identificar-se sempre mais com tendência direitista predominante. Nesse contexto, não vê contradição na defesa dos privilégios das classes mais abastadas.
           Assim, o GOP é um partido de minoria mas não das minorias. Se abraçasse este segundo caminho, teria uma visão abrangente e inclusiva, o que não é absolutamente o caso.
          Ao invés, o Partido Democrata se caracteriza pela defesa das minorias, aquelas autênticas, cujos direitos, muita vez contestados ou dificultados, precisam ser afirmados, restabelecidos e resguardados.
          Nesse sentido, não há deveras qualquer semelhança entre as camadas dos endinheirados, em que milhões (e bilhões !) de dólares podem traduzir-se no exercício de influência (e por conseguinte poder), e os milhões de pessoas que por sexo, raça, origem, condição social e eventual opção lutam diuturnamente por condições existenciais dignas desse nome.
           O presente partido Republicano é, na verdade, o resultado de uma involução. Representa o resultado da aliança entre a corrente evangélica e uma maioria conservadora. Quando o Sul profundo se sentiu traído pela política de direitos civis do sulista Lyndon Johnson, estavam criadas as condições para que a antiga ligação entre o partido democrata e o sul reacionário se desfizesse, e o partido Republicano (o partido de Lincoln !) se tornasse o aliado natural do sul ultra-conservador (o que em outras latitudes se denomina retrógrado ou reacionário).
          A infusão em apreciável escala da carga dita conservadora e militante no GOP teria outra consequência no perfil de sua composição. Dada a própria tendência radical, ela não poderia coexistir com ala moderada da associação. Por isso, a inflexão do GOP para a direita militante teve forçosamente de implicar no abandono das relações de tolerância com os republicanos da corrente moderada. E a consequência dessa postura se espelha hoje no caráter residual da representação moderada, que por métodos diversos tem sido sistematicamente neutralizada e enxotada do Grand Old Party.
        A última eleição mostrou para a direção do Partido Republicano os perigos que as suas atuais alianças podem implicar para a respectiva estratégia de poder. A  ligação com a plutocracia e o velho Sul não mais se traduz em fórmula de resultados confiáveis, dada a crescente conscientização das minorias não-privilegiadas, pelo partido Democrata e notadamente a campanha pró-reeleição de Obama.
        E, sem embargo, a resposta hodierna do Partido Republicano não implica em uma sua eventual abertura para o Povo americano. Com efeito, a escolha do GOP é a de uma agremiação que, por um lado, se apega à sua visão direitista e conservadora, e por outro, através de artifícios e mecanismos sui-generis, se empenha em canalizar a seu proveito a vontade popular.
      Desde muito, é verdade, o GOP recorre a tais meios para prevalecer nos processos eleitorais. Tem tentado criar uma larga rede de empecilhos – v.g., exigência de identificação suplementar de categorias minoritárias (velhos, negros, deficientes físicos, etc.), abolição do sufrágio antecipado, retardamento do processo de votação, etc.
      Como disse o Presidente, o voto não deve ser dificultado e atrasado por filas intermináveis. No estado do Ohio, dada a sua importância para a determinação da eleição, o partido Democrata teve de vencer uma barragem portentosa, que tendia a dificultar e a desencorajar o voto das minorias, que favorecia a Obama.
      Nesse ponto, o que o GOP intenta dificultar se insere na antiga tradição do Sul, em que o voto do negro devia enfrentar os diversos artifícios do obscurantismo, colocados adrede pelas mesas de votação para impossibilitar o maior número possível de votos de afro-americanos.
      Agora, essa estratégia anti-popular do Partido Republicano, com base nas maiorias obtidas em assembleias estaduais (em função da ‘tunda’ de 2010 e do consequente gerrymandering nas eleições para a Câmara de Representantes) parte agora para mais um artifício tendente a desvirtuar a expressão do mandato popular.
      Como se sabe, a eleição para Presidente da República é teoricamente indireta, eis que cada estado elege um número fixo de representantes, correspondente ao último censo. Até o presente, ao candidato vencedor no estado são atribuídos todos os votos eleitorais do estado, o que tem determinado, até o presente, com uma única e clamorosa exceção neste século, que o vencedor do cômputo geral dos votos também o seja na soma dos votos eleitorais.
      Com a sua estratégia anti-povo,  o GOP agora tentará fazer que em determinados estados – nos quais tem maioria na assembleia – se introduza a partilha de eleitores segundo aqueles distritos em que prevalecer este ou aquele partido. A introdução dessa regra em um número substancial de estados, tenderia a distorcer o resultado, de forma que, por exemplo, Mitt Romney poderia ser o vencedor no colégio eleitoral, apesar de derrotado na maioria dos estados, e no voto do conjunto do país.
      Assim como a maioria na Casa de Representantes, hoje nominalmente pertencente ao GOP, não se reflete na proporção de votos atribuídos ao presidente e a seu contendor republicano nos estados respectivos,  o aparente desígnio do Partido Republicano seria o de mudar o cômputo da votação no colégio eleitoral, de forma a que seja eleito o candidato minoritário e nâo aquele sufragado pela maioria do povo americano.
      Se é claro o escopo de tal manobra, há de intuir-se que a democracia americana enfrentaria um grande desafio, se forem levados a termo tais propósitos que visam justamente a contrariar a vontade do Povo Americano.
     Seria um desastroso recuo que sinceramente espero não se materialize.

 

( Fonte: Uma nova estrada, manipulada, para a presidência, de Albert R. Hunt, apud International Herald Tribune) .

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A Terra da Cuccagna

                 

          Ouvi falar dessa mítica região já faz tempo, quando o meu conhecimento de italiano ainda capengava. Todo dia, no entanto, agradecia à sorte o fato de haver nascido onde se fala o que o poeta chamara de última flor do Lácio, tão bela quanto inculta. Lá estava a contemplar o velho Tibre, com planos de visitar as aldeias e cidadelas do Lácio, e me animava a vantagem que o conhecimento do português me conferia.
           A cada linha dos jornais locais, me surpreendia que, mesmo sem dicionário, pudesse bispar algo daqueles longos e tortuosos parágrafos em língua italiana. Sem embargo, meu caro leitor e eventual passageiro ilustre em participar de experiências,  modestas é verdade, mas não destituídas de interesse, permita-me apresentá-lo a essa terra da Cuccagna que conheci nas verbosas folhas do Messaggero, um jornal romano.
            Ao invés do significado que ía colhendo, com paciência e imaginação, pela leitura, ora difícil, ora suspeitamente fácil, a palavra cuccagna me ficou como um travo na garganta. Que diabos queria dizer ?
            A pesada névoa da ignorância me acompanharia até que chegasse ao trabalho, e buscasse no dicionário o que significava.  O verbete do Zingarelli[1] não me desiludiu: país fabuloso em que reinam delícias do todo gênero.
           Acudiu-me, então, que cuccagna retrata a terra da fartura. O desenho da cornucópia se apresenta como o complemento natural de tal visão.
           Seria, assim, compreensível que pensasse no significado deste tão humano desejo que é o de conhecer paragens e regiões  onde morem a abundância e a felicidade.
           A fartura é uma noção relativa. Quem a tem, ou não mais a procura, ou o faz sem demasiado empenho. Os povos ibéricos nos dão a respeito uma boa ideia. Os conquistadores espanhóis herdaram as imensas riquezas dos impérios asteca e inca. Por sua vez, aos portugueses coube de início a faina de esgotar o pau-brasil das costas da terra da Santa Cruz.
           Mas a gente de São Paulo, nos séculos subsequentes, não quis acreditar em tão cruel diferença na sorte. Em entradas e bandeiras eles se embrenharam pelo imenso interior, na busca teimosa do Eldorado, com a sua prata e esmeraldas. Sem o saber, desceram rios, adentraram selvas e sertões, arrostando fadigas e desafios mil.
           Sob falsas premissas, mostraram do valor da ilusão, que fez com que os bandeirantes devassassem céus e terras ignotas, matas antes impenetráveis e toda espécie de adversidade. Nessa procura da riqueza em míticos reinos mostrariam coragem e determinação, como na expedição de Pedro Teixeira, enviada por Jácome de Noronha, governador do Maranhão que, ao adentrar São Francisco de Quito, após atravessar a Amazônia, causaria estupor e raiva ao Conselho das Indias, no lusco-fusco da União Ibérica.
          Com o denodo da ambição, eles rasgaram plagas imensas e, sem o saber, desenharam com traços portentosos um país-continente, nos grandes espaços que demoram sob a cordilheira do Pacífico.  
            A ilusão pode ser causa de ventura e de satisfação ? Sim, e o Brasil é prova disto.  A gesta dos bandeirantes, enfrentando enormes obstáculos nos sertões desconhecidos, atravessando selvas na busca do Eldorado e das minas de  esmeraldas, lançaria as bases do Tratado de Madri e do uti possidetis. São, entre outras, as bandeiras de  Bartolomeu Bueno, Antonio Raposo Tavares, Fernão Dias Pais, Paschoal M. Cabral, Silva Braga e Manuel de Borba Gato. 
             Se a meta, quando voltada para a descoberta de tesouros e minas, não correspondia à realidade, a grande contribuição das bandeiras saídas de São Paulo estaria no processo que desencadearia.
            Os grandes espaços interioranos rasgariam, dessa maneira, os estreitos confins do tratado de Tordesilhas, e desenhariam as extensões que tão bem nos documentam os livros de Jaime Cortesão sobre ‘Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri’.

 

 
(Fonte:  Jaime Cortesão e obras sobre Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri )



[1] Assim como Larousse é sinônimo de vocabulário na França, Webster nos Estados Unidos, Zingarelli o é na Itália.

A Tragédia de Santa Maria

                                

        A tragédia de Santa Maria vai muito além do espaço confinado de uma boate. No dia seguinte, ela se reflete nos jornalões e na imprensa internacional. Como se para demonstrar que a cancela da morte – a despeito da estúpida ganância da tranca dos seguranças  - está escancarada, os totais de cadáveres não batem.
        Diante do choro de Dilma e da face crispada do filho da terra e governador Tarso Genro, os números continuam a subir: 231, 232 ou 233 ?
       Se os macabros totais diferem, não mudam as causas. Um coquetel maldito em que se misturam indiferença,  leviandade,  descaso e  falta de fiscalização.
       Tudo estava vencido na boate Kiss. Não era só o plano de prevenção e controle de incêndio que estava vencido. Que plano é este que não tem saída de emergência, e no qual o banheiro, por ser confundido como via de escape, se transforma em mais uma mortal armadilha ?
        Que extintores são esses que não funcionam ?
        Que lotações são essas, sem qualquer limite a não ser o da cobiça do estabelecimento ?
        No Brasil, as desgraças são escalonadas por uma sorte madrasta, que joga com os traiçoeiros intervalos e as fiscalizações sempre ausentes.
        Como nos informa a Folha, o incêndio mais letal no Brasil ocorreu no Gran Circo Americano,em 1961, em Niteroi, com 503 mortes. Mas aí estão o edifício Joelma, com 188 mortos, em 1974, as 21 mortes do edifício Andorinha, em 1986 e  as 16 do edifício Andraus, em 1972.
        Também a relação de incêndios em boates pelo mundo afora é matéria para pensar. E os números de vítimas – entre 602 e 160 – gritam por uma maior atenção e responsabilidade, que transparece nos sinistros de Estados Unidos (7), China (1), Argentina (1) e Filipinas (1).
        Não mencionado o incêndio do hotel e boate Vogue, na avenida Princesa Isabel, em Copacabana, em 14 de agosto de 1955, com cinco vítimas fatais, das quais duas se jogaram das sacadas dos quartos.

 
( Fonte:  Folha de S. Paulo )

domingo, 27 de janeiro de 2013

Colcha de Retalhos A.4

                                              

Eleição de Renan em perigo ?
           
         O  Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel,  enviou ao Supremo Tribunal Federal denúncia contra o Senador Renan Calheiros (PMDB-AL) por haver alegadamente submetido notas fiscais frias, na tentativa de negar que as suas despesas com a jornalista Mônica Veloso – com quem teve uma filha – eram pagas por um lobista da empresa Mendes Júnior.
         Como se sabe, desde 2007 o caso tramita no STF, com relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski.  Na época, o episódio levara Renan a renunciar à presidência do Senado, com o que evitou  sua cassação. 
         Diante da reapresentação da denúncia pelo Procurador-Geral, a assessoria de imprensa do Senador, por nota, afirma que a denúncia em apreço “padece de suspeição e possui natureza nitidamente política”. E, a propósito, assinala: “Apesar de se encontrar parada (...) desde fevereiro de 2011, a denúncia foi protocolada exatamente na sexta-feira anterior à eleição para a Presidência do Senado”.
         É, por outro lado, confirmada pela procuradoria a entrega da acusação, que tramita sob segredo de Justiça. Os autos do inquérito estavam com o Procurador Gurgel desde abril de 2011. Segundo a Procuradoria, o intervalo se deve à circunstância de o processo ter milhares de páginas. Acresce o fato de que Roberto Gurgel priorizou a ação penal 470, i.e., o processo do mensalão, no ano passado.
         As aludidas notas fiscais – que seriam frias, de acordo com a imputação  – dizem respeito à venda de bois.
         Sendo relator do processo em tela no STF o Ministro Ricardo Lewandowski  que, no momento acumula a presidência interina do Supremo, a ação cai em mãos já conhecedoras da questão sob litígio. Por ora, no entanto, o segredo de justiça impede a divulgação dos eventuais crimes imputados ao Senador.
        De qualquer forma, é mais uma pedra no caminho do Senador das Alagoas.

 
Precipitada a morte política de Silvio Berlusconi?

 
       Não está esquecida a dócil saída de cena de Silvio Berlusconi, atolado em escândalos judiciais, e sob atmosfera de desmoralização política. O herói do bunga-bunga cedeu o lugar ao tecnocrata Mario Monti sem levantar muita poeira.
       Sem embargo, o político Berlusconi conhece como ninguém a ojeriza do contribuinte italiano diante dos impostos (le tasse).  Por isso, promete como primeira medida de um gabinete sob sua direção a ab-rogação da taxa sobre a propriedade, que fora restabelecida pelo ministério de Mario Monti.
         Nas pesquisas para as próximas eleições gerais, o centro-esquerda lidera, com 38% dos votos, seguido pelo partido de Berlusconi, com 27%,  e o de Monti, com 14%.
         Não é à toa que através dos anos – e mais notadamente no melancólico cerrar de cortinas da última vez – que o óbito político de Silvio Berlusconi tem sido noticiado. O problema está – para empregar uma caracterização de Mark Twain – no relativo exagero com que esse desenvolvimento é  descrito pela mídia...

 
Diderot e o Panteão


            O Presidente François Hollande indicou que pretende acolher no Panteão o filósofo Denis Diderot.  Em outubro de 2013, o autor de “Jacques o Fatalista” completaria trezentos anos.
            Se politicamente a influência do enciclopedista tenha sido menor do que a de Jean-Jacques Rousseau e Voltaire, a sua presença na última morada de La République terá sido retardada por motivos religiosos, eis que a sua negação de Deus – ao contrário do deísmo de Rousseau e Voltaire – tende a ser interpretada como a razão que lhe barrou o caminho do reconhecimento oficial.
            A presença cultural de Diderot – sobretudo pelo seu trabalho com a edição e a publicação da Enciclopédia – já constitui título bastante, dada a sua identificação com o que representou o Iluminismo, na história da progressão da Humanidade.
            Há grandes contribuintes – Voltaire, Montesquieu, Rousseau - para tal monumento da cultura que é a Enciclopédia (1751-1766), mas os fundamentos deste vetor do Iluminismo estão com os editores Diderot e D’Alembert.
           De todos os pensadores do Iluminismo francês, Jean-Jacques Rousseau foi o mais perseguido.  Cidadão de Genebra, seria por ela renegado  até a morte. A  estátua em honra do filho dileto viria depois. Por sua vez, Montesquieu ficaria nas guardadas alturas da separação dos poderes, enquanto Voltaire, com suas muitas faces, lutaria pela liberdade de expressão e a tolerância religiosa.
           Por uma série de circunstâncias, Diderot soube manter-se em outro plano. Moderno e simpático, sua discrição lhe assegurou trânsito que o aproximou de personagens difíceis e muita vez contrapostos.  

           

( Fontes:  Folha de S. Paulo, International Herald Tribune )a

sábado, 26 de janeiro de 2013

Rescaldo de Fim de Semana

                                      

O aluguel da miséria

         A matéria da Folha não é só indicativa da miséria indígena, mas também da benigna negligência da Funai.  Como se reporta, parte da comunidade é contra o ‘aluguel’ de terras da reserva para a exploração ilegal de madeira.
         Os empresários madeireiros pagam quinze reais pelo metro cúbico da madeira que é depois revendida por em torno de mil reais. Por vezes, compõem esse embuste a oferta de aparelhos eletrônicos, bebidas e até prostitutas.
        As áreas mais desmatadas incluem Lagoa Comprida e Cana Brava/Guajajara, ambas no Maranhão, com 27,6% e 15,3% de desmate, e Anambé, no Pará, com 13,5%. Seguem-se, nessa melancólica lista da explotação da miséria, ainda o Maranhão, o inconteste campeão da bolsa-família, com o Alto Turiaçu (8 % desmatado) e Vale do Guaporé (6,8%) e Pirineus de Souza (3,9%), ambos no Mato Grosso.
        No supracitado Anambé, o aluguel parcial de território acabou por transformar-se em perda de controle da área.  Em Moju, a 266 km de Belém, o pouco controle indígena sobre o terreno foi perdido, a ponto de que o posto da Funai no local teve de ser abandonado, quando um funcionário foi ameaçado por madeireiro.

 

De novo, a praça Tahrir

        É digna de nota a rapidez do desencanto das multidões que derrubaram há dois anos a ditadura trintenal de Hosni Mubarak.
        A história está cheia de revoluções de que o sangue de seus mártires adubou o terreno para a entrada em cena de oportunistas e até mesmo de deslavados adversários  dos ideais que levaram à queda do tirano da vez.
       Veja o ilustre passageiro o que ora sucede na milenar terra que é uma dádiva do Nilo. Escorada na Fraternidade Muçulmana, essa sociedade surgida para redimir a terra egípcia de longo cativeiro ideológico e que se tornou a ancestral dos movimentos islamitas em todas as Arábias, o velho partido alcançou o objetivo desde muito perseguido.
        Logrou fazer eleger o próprio militante Mohamed Morsi presidente do Egito. E, malgrado fale de democracia, os seus frutos são outros, com uma constituição que escarnece dos ideais e dos propósitos da campanha que levou à derribada de Mubarak.
        Se os manifestantes da praça Tahrir continuam os mesmos, os que mudam são seus opositores no poder. Depois da junta militar do marechal Tantawi, a eleição de Morsi trouxe de volta  o que já parecia banido.Portanto tudo permanece como dantes.
       Os ideais dos manifestantes serviram para abrir o caminho ao preposto da Fraternidade Muçulmana para empolgar o mando. No entanto, a sensação da mesmice e da revolução traída os leva de volta para a antiga praça, aonde lhes toca chocar-se com as antigas forças da ordem, que agora defendem a outros senhores.
        De  certa forma, a incessante batalha continua.  Tampouco difere o vasto cenário e o exército de combatentes por uma liberdade tão arisca, quanto inatingível na aparência.
        Do outro lado, as legiões da repressão vestem o mesmo uniforme de antes. A única variável está na entidade símbolo que ora assume a direção da interminável guerra.
        Como se vê, repete-se o sovado dito. Tudo muda para que tudo continue como  antes.

 

( Fontes:  Folha de S. Paulo,  International Herald Tribune )

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Já é Campanha ?

                                              
          De  um lado, a alocução de Dilma Rousseff, que anuncia na TV queda de 18% na conta de luz dos particulares, e de até 32% para o setor produtivo (indústria, agricultura, comércio e serviços). Os percentuais são maiores do que os divulgados em setembro, também em rede nacional, e o prazo de vigência antecipado em treze dias.
         Se a frequência das aparições na TV começa a ser notada, críticas da oposição e da imprensa elevaram o próprio diapasão. Miriam Leitão na sua coluna assinala que a mensagem de Dilma seria reminiscente do princípio usado na propaganda oficial do governo Medici, que confunde crítica, ou análise que contrarie o discurso oficial, com falta de amor à pátria.
         Por sua vez, segundo nota assinada pelo presidente do PSDB,  o governo do PT ultrapassa “um limite perigoso para a sobrevivência da jovem democracia brasileira” e desqualifica “os brasileiros que ousam discordar de seu governo”.
        Para Sérgio Guerra, há uma “agressiva utilização do poder público em favor de uma candidatura e de um partido político”. Nesse sentido, frisa que a presidente se serve de rede nacional de rádio e TV “sob pretexto de anunciar, mais uma vez, a redução do valor das contas de luz, já prometida (...) há quatro meses e alardeada em milionária campanha televisiva paga pelos contribuintes”.
        Como o Tesouro vai bancar tal dispêndio ? Consoante refere a Folha, em manchete, o desconto na luz será pago com dívida do Paraguai. O desembolso previsto seria de R$ 8,5 bilhões em 2013.  Para cobri-lo, a União utilizaria receitas de Itaipu, pois há dívida pendente do Paraguai, no montante de US$ 15 bilhões.
       Uma das possibilidades volta a ser a inserção desse “crédito” para o BNDES. Para tanto, a fórmula seria os recebíveis futuros para esse Banco, com o que se anota uma participação crescente do BNDES em tais mecanismos (a exemplo de o que ocorre com as ‘capitalizações’ amiúde utilizadas no segundo mandato de Lula da Silva).
       Como se verifica acima, o governo Dilma Rousseff atuará não só para reduzir o dispêndio dos particulares, senão do próprio setor produtivo. Um ponto a ser esclarecido quanto a esses 32% à conta do Tesouro, é a sua definição. À primeira vista, tal aporte poderia ser questionado na Organização Internacional do Comércio como se fora eventual subsídio, com os litígios subsequentes.
       No contexto, e dada a heterodoxia dos mecanismos desenvoltamente utilizados pela gestão Dilma-Mantega das finanças brasileiras, o continuado recurso à inserção na contabilidade oficial do BNDES não mais desperta a atenção que deveria.
      Por outro lado - e esta é uma triste característica do governo Dilma Rousseff – os índices da inflação continuam em alta. Na salada dos índices, o IPCA-15, prévia da inflação oficial do país, teve alta de 0,88% em janeiro, ficando acima dos 0,69% de dezembro, consoante o IBGE.
     Essa alta inquietante não é decerto para celebrar. Foi a maior do mês desde 2003, quando chegara a 1,98% (era o primeiro ano do governo Lula, e o mercado ainda temia uma recaída da carestia sob a nova administração petista).  Já em doze meses, a inflação ficou em 6,02%, portanto acima dos 5,78% dos 12 meses imediatamente anteriores.  
        Como se verifica, a alça dos preços fica assim mais longe do centro da meta de IPCA do governo, que é de 4,5%.  Já em janeiro de 2012, a taxa fora de 0,65%.
        No governo Dilma, o centro da meta da inflação tem sido rotineiramente ultrapassado pelo seu extremo superior. Na luta contra o dragão, o Banco Central e o seu comitê de política monetária (Copom) não mostram a disposição anterior, ainda que matizada, de alguma autonomia no controle das contas.
        Qualquer ilusão nesse sentido foi de pronto dissipada no início do governo Dilma Rousseff, com a nova administração do Banco. Malgrado a elevação das taxas, não há indícios de que o BC recorra à taxa Selic na luta anti-inflacionária. Tampouco o sistema de metas semelha funcionar.
       No paraíso do micro-gerenciamento de D. Dilma, a pergunta que não quer calar é se haverá espaço para um combate crível ao dragão, cuja hedionda presença os brasileiros (e brasileiras) principiam a sentir em toda parte.

       Será que o Plano Real vai também virar retrato na parede ?

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )          

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Palpite Infeliz ?


         O Primeiro Ministro David Cameron afinal pronunciou o seu já tristemente famoso discurso. Depois de muitos adiamentos, preferiu fazê-lo em Londres e não em Amsterdam, em que se conformaria ao costume inglês de falar no velho continente sobre a política europeia de Londres.
         O general Charles de Gaulle em 1963, valendo-se do cenário inusitado da conferência de imprensa no Palácio do Eliseu, vetara a pretensão britânica de integrar a então Comunidade Econômica Europeia. E como se o primeiro não fosse insuficiente, denegaria seja o pedido do conservador Primeiro Ministro Harold MacMillan, quanto o do sucessor trabalhista, Harold Wilson, em 1967.
         Os argumentos ostensivos do general seriam a insularidade da Álbion, as suas ligações com os Estados Unidos (cavalo de Tróia) e o pouco empenho na construção europeia. Se hoje a segunda razão deve ser redimensionada – o próprio Barack Obama procurou dissuadir Cameron de reabrir a caixa da opção europeia – não há negar que o ceticismo de de Gaulle quanto ao comprometimento inglês não perdeu a respectiva atualidade.
        Por cerca de dez anos, o Reino Unido teve de contentar-se com a aliança dos países que haviam preferido os mais frouxos laços do livre comércio aos desígnios de integração da Comunidade Econômica Europeia. Muitos daqueles que estavam de fora acabariam por ser acolhidos pelo que evolveria para a união de Bruxelas.
       Por fim, com Edward (Ted) Heath no lugar de MacMillan  - e de Gaulle saído do governo e entrado na História – o Reino Unido logra o colimado objetivo, ingressando na CEE em janeiro de 1973.
       São quarenta anos de permanência na atual União Europeia. Posto que esse extenso período não haja cimentado um comprometimento com características continentais, o decurso do tempo  constitui um fato cuja relevância se impõe, eis que superou de certa forma a lideranças idiossincráticas, como a da própria Margareth Thatcher.
       Em 1975, a adesão britânica à Comunidade Européia fora ratificada em plebiscito, no qual o ‘sim’ superou com folga o ‘não’.  Hoje, a parcela dos euro-céticos aumentou deveras, a ponto de justificar o aparecimento de partido que busca catalisar os alegados prejuízos com a participação na União Europeia. Pela sua cultura insular e os preconceitos relativos aos ‘continentais’, não é estranhável que os ingleses tenham certa reticência aos demais povos europeus, com os franceses e alemães à frente.
       Com efeito, certos característicos continentais desagradam sobremaneira uma população que, se muito aprecia as breves estadas em resorts europeus talhados para todos os gostos e bolsas (o sentimento dos locais nem sempre é recíproco). Já vai longe o tempo, no entanto, em que Britannia reinava sobre as águas, e mudava de alianças na Europa conforme ditasse o interesse de Sua Majestade e a inconstante fortuna do poder territorial.
       A despeito da volubilidade do deus Cronos – e se o brilho da antiga metrópole onde o sol nunca se punha ainda persiste em práticas, veleidades e  costumes – longe estará o tempo do brilho imperial, que começou a ofuscar-se quando a Europa da belle époque se lançou no desatino das trincheiras e das carnificinas da Grande Guerra. Aqui, no entanto, não é o lugar de ocupar-se da equívoca linguagem de Lord Edward Grey, Secretário do Exterior em julho de 1914, mas sim da persistência de uma ilusão insular em grande parte do povo inglês.
        Neste ponto sensível entra a liderança – ou, talvez melhor, a falta de – do presente Primeiro Ministro. A sua proposta de convocar um referendo sobre a participação do Reino Unido na União Europeia é um contrassenso político, mais um erro garrafal do que propriamente um crime, como observara Fouché, acerca do assassínio, a mando de Napoleão, do Duque  d’Enghien, em 1804.
       O alegado oportunismo de Cameron – ao procurar controlar o movimento anti-europeu que cresceria no seu partido e fora dele – peca por um princípio básico de política, que é o de não submeter-se a incógnitas e a correntes sobre as quais não se tem controle. Ao colocar este grilhão nos pés do próprio governo – marcar para 2017 a data do referendo sobre a permanência (ou não!) do Reino Unido  na União Europeia – David Cameron introduz uma desnecessária condicionante na respectiva agenda, pela qual pouco avisadamente ele renuncia a uma das regras básicas da boa governança, que é a de manter a indispensável reserva acerca de seus desígnios.
       Através deste auto-condicionamento, Cameron não só se compromete a forças a que ele não pode ambicionar o domínio, mas também – e de forma não menos grave – põe sob o signo da incerteza, o que até o presente ninguém poderia contestar, i.e., a regra pacta sunt servanda (os acordos devem ser obedecidos).   
       Há muitos outros particulares que recomendariam a David Cameron a elementar  prudência que homólogos seus mais avisados teriam presente. Não careceram conselhos ao Primeiro Ministro de Sua Majestade, tanto de chefes de executivo estrangeiros, quanto de companheiros ingleses – como sem dúvida o seu alterno, o liberal Nick Clegg – muito provavelmente  lhe terão estendido.
       Se preferiu atar-se a compromissos que demoram no futuro – ignorando os pareceres de seus iguais, muitos dos quais de maior peso e experiência -  ele corre o risco de entregar a própria sorte – e o que é muito mais grave – a de seu país, a condicionantes em que prevalece o corcel da paixão sobre aquele da razão.
      E se o mecanismo infernal por ele montado funcionar da maneira temida, Cameron, como tantos no passado, não terá outrem a inculpar que a si mesmo.

 

( Fontes subsidiárias: CNN, International Herald Tribune, O Globo ) 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Viajando na Crise

         A Carnificina argelina

          O ataque à usina da empresa Sonatrach na localidade de In Amenas foi afinal objeto de conferência de imprensa. O primeiro ministro Abdelmalek Sellal fez exposição televisiva sobre a incursão terrorista em que morreram 37 refens estrangeiros e foram abatidos 29 militantes.
          Segundo Sellal a investida – procedente do Mali, mas que entrara no Saara argelino através da fronteira líbia – se apossara do sítio em protesto contra a intervenção francesa em favor do regime legal de Bamako.
          De acordo com o Primeiro Ministro,  havia 790 operários na usina, inclusive 134 estrangeiros de 26 nacionalidades. No sábado o confronto chegara ao fim, com o assalto pelos argelinos do último reduto dos terroristas no sítio de refino.
          Embora as autoridades argelinas se mostrassem céticas acerca da participação de nacionais daquele país no bando terrorista, o primeiro ministro assinalou que o cabecilha, Bencheneb Mohamed Amine, era argelino. Os atacantes seriam provenientes do Egito, Mali, Níger, Mauritânia, Tunisia e Canadá.  O governo de Ottawa indicou que está investigando a respeito.
          As vítimas eram nacionais dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Japão e Filipinas. Há informes conflitantes sobre o número de mortos : haveria três americanos mortos e, em igual número, britânicos. Quanto aos japoneses, sete estão mortos, e mais três tem destino incerto. Entre os filipinos há seis reféns mortos e quatro desaparecidos.    
          Por fim, há referência a um refém de nacionalidade portuguesa. Não ficou, no entanto, esclarecido se está entre os sobreviventes.
 

A  Eleição na Baixa-Saxônia

          O pleito para o novo governo regional terminou no photochart, mas o resultado seguiu tropeços anteriores da aliança cristã-democrata (CDU) com os liberais democratas (FDP) em Baden Wurtenberg (2011), Renânia do Norte-Westphalia, e Schleswig-Holstein (maio de 2012)
          A escrita na parede não pressagia bons augúrios para o próximo setembro, em que Angela Merkel tentará manter a maioria no Bundestag para um terceiro mandato. A líder cristã-democrata continua como a mais popular, e o seu partido mantém a precedência sobre os sociais-democratas.
          Posto que o líder do SPD, Peer Steinbrück tenha cometido uma série de gafes (disse que a Merkel se prevalecia do bônus-mulher) e esteja atrás da Chanceler nas pesquisas, o peso desta vantagem em um regime parlamentarista não é o mesmo de um presidencialista. Por outro lado, o problema da coalizão está nos liberais democratas e no seu líder, Philipp Rösler.  Por isso, Angela Merkel não exclui a possibilidade de reviver a grande aliança, no caso de que a SPD e os Verdes não logrem maioria para formar o novo gabinete.
          A Merkel teme que nacionalmente se repita o acontecido na Baixa Saxônia. Por apenas uma cadeira, a SPD e os Verdes lograram a maioria nesse estado. Assinale-se que a CDU foi a agremiação mais votada, mas o fraco desempenho do partido liberal tornou possível o triunfo da esquerda.
         Outra consequência negativa da eleição na Baixa Saxônia está no fato em que deu a maioria no Bundesrat (Conselho Federal) à oposição, o que tenderá a criar dificuldades para o gabinete da Merkel em determinadas legislações.
         Faltam ainda nove meses para as eleições federais, porém a repetição de vitórias da esquerda SPD e dos verdes é decerto um mau presságio para os cristãos democratas. Contudo, a popularidade de Angela Merkel – matizada pela crise e a retração econômica na Alemanha – e a força da CDU/CSU não tem sido bastantes para superar a crise dos liberais democratas (FDP) e a sua frágil liderança.

 
O Discurso Adiado

         Por um incôngruo acúmulo de motivos – cuja validade é variável – o Primeiro Ministro de Sua Majestade Britànica, David Cameron, vem adiando por repetidas vezes um muito anunciado discurso sobre a Europa.
          A oração estava remarcada para a sexta-feira, 18 de janeiro, mas a crise dos reféns na Argélia levou Cameron a mais uma postergação. A intervenção será em Amsterdã, na Holanda, consoante velha tradição inglesa de usar cidades do Continente para pronunciamentos sobre a questão europeia.
         Como se sabe, malgrado tentativas de líderes europeus como a Chanceler Angela Merkel, há uma inegável deriva na posição do Primeiro Ministro no que concerne à União Europeia.
         Esquecido do grande esforço de predecessores seus em assegurar a presença do Reino Unido nos diversos avatares da União Europeia, Cameron se tem deixado influenciar de forma crescente pela onda de impopularidade votada por parte do eleitorado britânico a Bruxelas.
         Ainda que o impacto da alocução, tantas vezes anunciada, e outras tantas diferida, perdeu um pouco de sua novidade, a postura de Cameron preocupa aqueles com maior conhecimento na matéria de que uma vez retirado do frasco será um pouco árduo recolocar o interesse inglês nos seus devidos termos.
         Com a ligeireza que trata um tema de tal magnitude, o Primeiro Ministro ora avisa que a sua advertência quanto à possibilidade de deixar a União Europeia pode talvez incluir a promessa de um referendo sobre o relacionamento de Londres com Bruxelas.
         Malgrado os conselhos de Barack Obama, Cameron semelha estar em condições de ditar termos às instâncias de Bruxelas. Não tendo o estofo de um Tony Blair – que enfrentou com sucesso o referendo sobre a Europa – Cameron deseja repetir a prova do ordálio.  Não sopesando a questão como deveria, avança em terreno minado, e ainda se acredita em condições de fazer ameaças a Bruxelas.
        Dadas as características do personagem, Cameron seria a própria personificação da improvidência. O pior é que o Primeiro Ministro de Sua Majestade pode ter, para sua desgraça, os votos atendidos.

 
( Fonte: International Herald Tribune )

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O Discurso do Segundo Mandato


         A ocasião foi saudada por muitos com regozijo e expectativa. Por isso, o comparecimento maciço – o maior público para a posse de um presidente reeleito. Se a multidão de 2009 constituíra uma ocasião única, com o simbolismo envolvido, e o anseio da prometida mudança, a relevância desta segunda posse está gravada para muito além nas fisionomias dos dignitários que são os interlocutores imediatos do  Presidente Barack H. Obama.
         De um lado, os semblantes crispados da oposição republicana, que vê com desconforto a permanência de um presidente democrata, a quem o líder da minoria no Senado, Mitch McConnell rogara confinar ao limbo dos malogrados mandatários de um só mandato. Mais do que a sombra da derrota de seis de novembro p.p., se desenha nos rostos das autoridades do GOP, com o Speaker John Boehner à frente, a certeza de ter pela frente um contendor fortalecido, que tem contas a prestar mais à posteridade do que ao eleitorado estadunidense.
         Que a festa era de Obama e do Partido Democrata, tal podia verificar-se não só pela efusão de seus correligionários, grandes e pequenos, senão por contraídas presenças e talvez não menos reveladoras ausências, como a do ex-presidente George W.Bush.
        Nesse contexto, o discurso do presidente Obama será visto como a teia em que se articulam os grandes propósitos e os pequenos, porém reveladores gestos, que estão na base de uma grande aliança, fundada em liberalismo generoso e progressista.
        De início, a grandeza de uma pequena mas significativa promessa. Não mais permitir que o direito de voto seja cobrado em longas esperas.
        Também a expressão de compromissos maiores – que já tardaram demasiado – no campo do meio ambiente, em que não mais cabem dúvidas da ciência, com o empenho de uma luta contra tal desafio: ‘vamos responder à ameaça das mudanças climáticas, cientes de que deixar de fazê-lo seria trair nossos filhos e as gerações futuras’.
        A visão liberal como condicionante da realidade americana: ‘nós o povo declaramos hoje que a mais evidente das verdades – que somos todos criados iguais – é a estrela que ainda nos guia; assim como guiou nossos antepassados em Seneca Falls (direitos das mulheres), Selma (direitos civis) e Stonewall (direitos dos gays)’.
        Acenou também para atitude mais humana no que tange à imigração: ‘nossa jornada não estará completa enquanto não encontrarmos uma maneira melhor de receber os imigrantes jovens e esforçados que ainda enxergam a América como terra de oportunidades’.  Aludiu também às providências necessárias no campo da segurança e das armas: ‘nossa jornada só estará completa quando todos nossos filhos, desde as ruas de Detroit até as montanhas da Apalachia e as ruelas silenciosas de Newtown (cidadezinha de Connecticut, em que atirador solitário matou 26 pessoas, inclusive 20 crianças), souberem que são cuidados, amados e que serão sempre protegidos contra perigos’.
       Obama contestou a visão simplista de que os ‘ compromissos assumidos (...) através do Medicare, do Medicaid e da Previdência Social, não enfraquecem nossa iniciativa: eles nos fortalecem, e não nos convertem em nação de tomadores’.  O Presidente, cuja principal realização do primeiro mandato foi a Lei da Assistência Sanitária Custeável, que teve a constitucionalidade confirmada pela Suprema Corte, contradita  aqui a interpretação referida pelo candidato republicano  em Boca Ratón dos famosos 47% dependentes  do governo.
          Por fim, se ainda é cedo para desenhar os contornos do segundo mandato de Obama, não resta dúvida de que Washington terá um presidente mais experiente e mais independente das condicionalidades políticas.  Os republicanos não podem mais contar com as visões otimistas do presidente quanto ao espírito bipartidista. Têm pela frente um mandatário com menos ilusões, de certa forma endurecido pelos embates com o sectarismo do GOP. Nesse sentido, Barack Obama criticou de forma expressiva a hierarquia ideológica do Partido Republicano: “Não podemos confundir absolutismo como princípio, ou substituir espetáculo por política, ou ainda aceitar xingamentos como um debate fundamentado.”
          Nesse quadro, armados do conhecimento presente que subjaz nas motivações das corporações políticas, a visão da assistência das principais autoridades nos há de desvelar restrições e condicionamentos, a par de disposições presentes, na luta entre situação e oposição, que decerto não se restringe aos limites do anel rodoviário em que costuma mais forte assinalar-se.
          Que a leitura da posteridade nos dê uma visão positiva de realização dos propósitos da segunda Administração Obama.

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, CNN )

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O que fazer do Congresso ?


                               

                                          
             A mudança do Rio de Janeiro para Brasília, com as múltiplas concessões dadas pelo Executivo ao Legislativo, não só em termos pecuniários e de abonos, mas também em matéria de frequência, constituem apenas uma parte das causas perversas que deram aos congressistas uma postura afastada da realidade nacional.
             Com efeito, observar um horário anômalo como o prevalente em Brasília – em que a única jornada de presença integral será a quarta-feira – é montar uma geringonça que não terá condições de executar um trabalho sério na ampla gama de atividades exigidas pelas comissões e o plenário das duas câmaras.
             O outro elemento essencial cuja falta determinou a presente disfunção congressual está na ausência de opinião pública atuante, como existia no Rio de Janeiro, e marcou virtual desaparecimento nos primeiros anos de uma capital fantasma, em que muitos dos componentes de um núcleo de comando federativo se mostravam arredios à necessidade de rumarem para o poeirento centro governativo.
             Se a população brasiliense cresceu, o regime militar amordaçou o Congresso, e, por conseguinte, o eventual incentivo do povo ir para as galerias de um poder que se sentia agrilhoado.
             A democracia voltaria, mas com ela não veio a consueta participação popular, para seguir de mais perto as decisões de Câmara e Senado.  E a falta da pressão da sociedade civil, tão presente no Palácio Tiradentes – quando a Câmara estava no Rio – assim como no Monroe, no caso do Senado Federal, deixaria Suas Excelências em enganoso vazio  de opinião pública. Induzido por esse vácuo da expressão e do sentir do Povo soberano, não é de surpreender o crescimento do corporativismo legislativo, como se as bancadas se bastassem a si mesmas, sem qualquer manifestação mais próxima da sociedade civil.
             Nesse contexto de omissão do seu dever legislativo – ao reduzir a semana laboral à quarta-feira, com o adendo da chegada (terça) e da partida (quinta) – compreende-se o seu enorme atraso em atender às demandas do respectivo eleitorado, atraso este que não será superado pela chamada judicialização (que é a assunção pelo judiciário, através do STF, de funções específicas de Câmara e Senado). Forçado pelas circunstâncias,  esse aporte será apenas um remendo, que  não terá condições de satisfazer o progressivo – e cumulativo -  atraso na função precípua do poder legislativo.
            Dentro desse quadro, é inteligível – posto que inadmissível – a adequação dos serviços do pessoal técnico e administrativo a esse peculiar horário dos representantes do Povo e dos Estados.  Estabelecer a assinatura do ponto às quinze horas de cada dia útil, sob a desculpa capenga da dificuldade dos funcionários chegarem antes, não convence ninguém, mas reflete os padrões de trabalho do órgão legislativo.Em tal contexto, chega a ser risível a suposta exigência de cumprimento da carga horária. É um mundo artificial e de privilégio que persiste pela prevalência de uma atmosfera que nada tem a ver com a realidade vivida pelo povo brasileiro. Nesse aspecto, essa podridão do Congresso – que o torna um ambiente sui-generis – enquanto perdurar não só afronta ao Povo brasileiro, senão tristemente explica o peso negativo de instituições que não atendem à respectiva missão. Não há dúvida de que elas trazem embutidas nas  próprias condições, o mecanismo que precipitará a sua eventual correção.
            Estaria no interesse da sociedade civil e de seu órgão legislativo, que o retorno deste ao cumprimento de suas funções plenas se faça por iniciativa de parlamentares que intuam o desafio e as suas implicações. Parece improvável, no entanto, que tal possa ocorrer nas condições presentes, sem a provocação e o aguilhoamento de um movimento popular digno desse nome.
           As perspectivas para uma promissora reviravolta se afiguram no próximo biênio tendentes a  grande negatividade. O que se pode esperar de uma Câmara de Deputados e de um Senado Federal sob as presidências de dois peemedebistas como o Deputado Henrique Alves e o Senador Renan Calheiros ?
           Quanto ao primeiro, reportagem da Folha aponta para o fato de que ele dobrou o respectivo patrimônio em quatro anos. No que tange a Renan, envolvido em escândalos antigos e novos,  semelha destinado à presidência do Senado – a que, no passado, renunciara para evitar a cassação.
          A par disso, a liderança da bancada do PMDB estaria para ser atribuída ao deputado Eduardo Cunha (RJ), o que suscita preocupações da própria Presidente da República, Dilma Rousseff.
           O Senador Jarbas Vasconcellos, em sua famosa entrevista à VEJA, de 18 de fevereiro de 2009, dissera que “boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção”. No que respeita a Renan Calheiros, Jarbas disse que “ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido.”   Que dizer então para presidir o Senado ?
           Estranhamente, a direção peemedebista optara na época por não contestar a seu correligionário.
           O Senador João Capiberibe (PSB/AP), divulgou carta em que ataca a candidatura de Renan.   Por sua vez, o movimento Xô Corrupção detona na internet a postulação do líder peemedebista.  E o Senador Randolfe Rodrigues ( PSOL – AP), com o apoio de Cristovam Buarque (PDT-DF) pretende colocar o seu nome na liça.
            E agora, José ?     

 

(Fonte:  Folha de S. Paulo , VEJA)

domingo, 20 de janeiro de 2013

Colcha de Retalhos A. 3

                                        

Problemas sucessórios ?

            A ambição humana é um fator perene para o enfraquecimento dos regimes e de seus esquemas de sustentação. O que ora sucede no arraial do PT pode não ser corroborado por desenvolvimentos futuros, mas quem, diante dos indícios, ousará negar a possível anunciada evolução ?
           A despeito da grave doença por ele afrontada, e os efeitos colaterais que lhe afetaram por um tempo o dom da oratória, o ex-presidente Lula da Silva tem dado ultimamente sinais de que não exclui o projeto de seu regresso ao palácio do Planalto.
           Não é somente a estranha sessão de diretrizes ao pupilo Fernando Haddad e altos funcionários, a metafórica libra de carne com que Lula cobrou a vitoriosa indicação para a prefeitura paulistana. A discrição do ex-ministro da Educação não terá logrado ocultar de todo o claro desconforto causado pela iniciativa do Líder máximo.
          A esse quadro se ajunta nota de Elio Gaspari, acerca de conversa entre Nosso Guia e a presidenta, em Paris. Teria ficado a impressão, segundo o jornalista, de que Lula ‘está preparando o bote para pedir a cadeira de volta. Se pedir, levará.’

 

Pra que servem as prefeituras ?

           Em blog recente ocupei-me desse assunto, tornado candente pelo inusitado comportamento de prefeitos, como se fossem redivivos donatários de capitanias.
            Recentes reportagens televisivas continuam a mostrar que há falta de controle nesse campo, com manifesto prejuízo para os municípios e, em particular, para os respectivos munícipes.
             O que notadamente assombra são os altos salários que, por cortesia das câmaras de vereadores, se atribuem os prefeitos, remunerações bastante superiores às do Rio de Janeiro para Eduardo Paes. Tem-se a impressão de que as ditas municipalidades são a terra da fartura, sem quaisquer calamidades, como as periódicas inundações, a ubíqua falta de saneamento básico, o ultra-deficiente atendimento hospitalar, etc.etc.
            Se somarmos o peso da folha de pagamentos da administração de Duque de Caxias, com absurdos vencimentos, não é só gritante o desvio de recursos para esses novos marajás, mas também o que cobram em termos de condições sub-humanas de existência da população.
            Há parcas exceções para esses aproveitadores quadrienais da coisa pública  a que se associam os respectivos apaniguados.
            Duas perguntas que não querem calar: Por que não parecem existir autênticos fiscais desse descalabro, nem leis que inviabilizem esse enxame de abusos de que padecem, com atávica paciência, comunidades inteiras ?  E se porventura existem, por que não as aplicam ?
          Acaso essa gente sofrida não dispensaria de bom grado as rituais visitas de turno, ao ensejo das calamidades, de altos e altíssimos chefes do poder estatal ? E se recebessem ao invés o benefício da atenção que a sua condição social e os impostos que pagam faz por merecer ?

 
Afinal, o déficit é real ou não ?

 
           Se atentarmos para o discurso da oposição republicana, há de parecer inegável a necessidade de cortar o déficit, que motiva a atuação da Câmara de Representantes, o atual bastião do rigorismo orçamentário.
           Dessa forma, a última concessão da maioria do GOP na câmara baixa deve ser recebida pelo que efetivamente vale. Diante de seu crescente isolamento, e não querendo pagar o ônus do gridlock (paralisia), a Câmara acena com uma elevação a termo do teto da dívida, que num esquema similar àquele do fiscal cliff tornaria tais concessões pendentes de uma negociação ulterior para a redução do demonizado déficit orçamentário.
         Há fundadas suspeitas de que essa zelosa advocacia da austeridade almeja o corte dos déficits através de reduções em programas sociais, como o Medicare, Medicaid e Social Security. São antigas bestas fera republicanas como Paul Ryan (que, enquanto perdia como vice de Mitt Romney, logrou reeleger-se como deputado e manter a presidência da comissão de Orçamento), que desejam equilibrar as contas públicas, cortando os programas de auxílio a pobres e idosos (que estão dentre os beneficiários dos 47% das ‘vítimas’ inculpadas pela fala do candidato derrotado).    
       Nesse sentido, é muito oportuna a leitura do artigo do Prêmio Nobel Paul KrugmanDéficit minguante’. Há muitas imprecisões quanto ao bicho-papão do déficit. A primeira delas é que parte do déficit resulta da recessão e consequente menor arrecadação de impostos pelo Estado. Com a reativação da economia, essa parte do déficit desaparece.
        Por outro lado, não tem cabimento preocupar-se com déficits futuros. Não é só de um ministro de general-presidente que dizia ‘ que o futuro a Deus pertence’.  Assim, os déficits da década de vinte ficarão por conta das autoridades desse tempo, ainda mais porque, como os ventos, também mudam as condições da economia e, por conseguinte, a base de eventuais predições.
       Krugman, por outro lado, redimensiona o déficit, que no seu entender não é tão grande quanto as carpideiras de plantão o asseveram.

       
Para o segundo mandato, um novo Obama ?

 
       A posse, com o juramento e o discurso correspondentes, está marcada para a segunda-feira, 21 de janeiro, nas escadarias do Capitólio. O afluxo de público se afigura imprevisível, mas semelha pouco provável que a enorme multidão de quatro anos atrás se repita.
       Nesse contexto, órgãos de imprensa apregoam que tomará posse um novo Barack H. Obama. Continuará a ser o 44º presidente dos Estados Unidos, no exercício agora do segundo e final mandato, exatamente aquele mandato que os republicanos, com o Senador Mitch McConnell à frente, se haviam proposto inviabilizar. Infelizmente para eles, Obama não será  presidente de um só mandato.
        O que cabe ora perguntar é se Obama será diferente daquele eleito em 2008. Sem dúvida, o presidente não é o mesmo que motivara tantas expectativas em 2009. Quatro anos de administração não o deixaram sem marcas, mas tampouco terá desperdiçado a experiência política acumulada nesses anos de Casa Branca.
       Não vou incomodar o leitor com citações já conhecidas, que marcam o estilo das pessoas e a sua eventual capacidade de mudar.
       Por outro lado, o segundo mandato demarca um terreno em que grandes expectativas não estão livres de tropeçarem em magros resultados, a despeito da relativa autonomia de não mais depender da própria reeleição (embora no meio do caminho lhe espere a eleição intermediária, que pode fragilizá-lo no Congresso).
       Façamos confiança na deusa Fortuna e nos seus eventuais caprichos. Quanto a metamorfoses no comportamento de um novo Obama, vamos deixa-las para os prognósticos dos jornalistas de plantão.

 

(Fontes:  Folha de S. Paulo, O Globo,  Rede Globo, International Herald Tribune)