domingo, 31 de julho de 2011

Colcha de Retalhos LXXXVII

Obama e a Crise da Dívida

           O Senador Mitch McConnell, lider da minoria no Senado, declarou que republicanos e democratas estão muito próximos de acordo na questão da solução para a crise da dívida. É dificil determinar se tal avaliação corresponde à realidade, ou se seria caso de ‘otimismo político’ do GOP, que se prestaria posteriormente a testemunho comprobatório da boa fé republicana.
           Enquanto os poderes constituídos se aproximam da vigésima quinta hora, vale dizer, a terça-feira, dois de agosto, parece forçoso reconhecer que, até o momento, a presença do Presidente Barack H. Obama nesse embate tem encolhido bastante, a julgar pela imprensa e os comentários veiculados na mídia.
           O líder histórico do movimento negro americano, Jesse Jackson, nesta sexta-feira lamentou que Obama não haja sido suficientemente duro (tough enough), de forma a permitir que a questão da dívida não avance (tanked).
           Sem embargo, Barack Obama, como protagonista institucional que é, poderia ainda ressurgir perante o povo americano, com a liderança que se espera de um presidente em funções. Não apequenar-se como o seu longínquo antecessor James Buchanan, mas crescer diante do desafio, como Harry Truman e Bill Clinton.
           Para tanto dispõe dos poderes da Emenda 14ª , na seção IV, que lhe habilitariam agir como Truman o fez, estabelecendo por decreto o novo teto da dívida publica. Tal se justificaria pela manifesta incapacidade de que republicanos e democratas no Congresso cheguem a acordo político.
           Por outro lado, a própria vontade política de fazer uso de tal faculdade poderia ser instrumental para trazer à mesa de negociação os dois partidos e as duas Casas do Congresso. Não será renunciando a esse direito – enjeitando, dentre outros, o conselho de Bill Clinton – que o presidente Obama reforçará o seu papel para agilizar uma solução adequada para a crise.
           Se nada neste momento aponta para essa tomada de posição, o presidente não deve esquecer que estaria desperdiçando a oportunidade de resolver a crise, através de demonstração inequívoca de liderança e de determinação. Enquanto houver tempo, a esperança poderá subsistir.
           Se não atender a tal chamado, Barack Obama terá presente que está renunciando a muito mais do que a resposta devida pela atual situação.


O Segundo Aniversário da Censura ao Estado


          O suplemento especial de o Estado de São Paulo deste domingo, trinta e um de julho de 2011, registra o segundo aniversário da imposição da censura judicial, pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), a qualquer informação sobre atividades do empresário Fernando Sarney.
          Desde maio de 2010 o processo está nas mãos do ministro Benedito Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça (havendo o Ministro Luiz Fux se declarado suspeito para o julgamento, por motivo de foro íntimo). O STJ decidirá sobre a competência do juízo, se cabe ao Maranhão ou ao TJ do Distrito Federal.
          Por outro lado, o Supremo deve pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da censura.
          De acordo com o suplemento, toda essa exposta morosidade já diz muito sobre a atitude da justiça quanto a persistência desse fenômeno da censura judicial.
          Decerto, não cabem dúvidas quanto ao peso de tal responsabilidade. No entanto, importa reconhecer que caberia igualmente uma certa introspecção do abuso do recurso à censura judicial.
          Todo o direito, mesmo aquele afiançado pela Constituição de forma tão explícita, como demonstrado nos seus artigos 5º , inciso IX, e 220º , parágrafo 2º, carece de ser defendido e propugnado de modo mais pró-ativo do que vem sendo a comedida e cartorial resposta deste grande jornal, que tanto se assinalou durante o regime ditatorial pela sua resistência à hidra da censura.
          A defesa desse direito, a ser procedida sempre dentro do marco da legalidade, não se pode conformar com a administração burocrática dessa justiça. Se ela foi célere na imposição inconstitucional de uma situação de fato travestida em de direito, por que se deve manter essa postura de franciscana cordura, à vista da acintosa prorrogação de um estado de coisas que configura a denegação de justiça ?



A grave situação em Hama, na Síria.


          Hama, a cidade mártir de Hafez al-Assad, em 1982, volta a assumir papel protagônico na presente sublevação síria contra o regime sucessor de Bashir al-Assad.
          Segundo informes de partícipes, a atual repressão naquela cidade, levada a cabo por um esquadrão de tanques, já terá feito 61 mortos, entre os manifestantes.
          Esse elevado número, no mês de Ramadã (dedicado ao jejum diurno pelos crentes muçulmanos), já sublinha a violência policial, mesmo em um país em que a tolerância das chamadas forças da ordem com grupos de manifestantes desarmados é regularmente desmentida.
          O regime alauíta tem sido favorecido pela inação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em que o veto russo paira sobre qualquer eventual iniciativa tendente a responsabilizar de forma mais efetiva pela sua iterada reincidência na negação dos mais elementares direitos do povo sírio.
          Esse virtual impasse não deveria ser relegado às salas atapetadas do prédio das Nações Unidas. Há uma certa perplexidade quanto à falta de uma cobrança menos discreta e mais incisiva do governo estadunidense acerca dos empecilhos postos por Moscou, acolitado por Beijing, a uma ação  eficaz das Nações Unidas contra a atuação do governo sírio, em claro e descarado desrespeito aos direitos humanos de seus infelizes súditos.
         São sabidas as predileções autoritárias do governo de Vladimir Putin. Nesse momento difícil para o povo sírio, a Secretária de Estado Hillary Clinton, assim como a Embaixadora Susan E. Rice, representante do governo estadunidense no Conselho de Segurança, deveriam tornar para o Kremlin, mais árdua e desgastante a sua ação nos bastidores das Nações Unidas de proteção ao ditador Bashir al-Assad.
         Ao elevar-se a pressão diplomática, a população da Síria será a principal favorecida. Cumpre evitar que o silente apoio de Putin seja cúmplice de um continuado massacre.


( Fontes: Estado de São Paulo, CNN, Politico )

sábado, 30 de julho de 2011

Voo 447 - despreparo dos pilotos ?

           A difícil descoberta da caixa preta do voo 447 da Air France do Rio para Paris traz informações em aparência determinantes para indicar as eventuais responsabilidades da companhia aérea e dos pilotos nas causas do desastre aéreo que vitimou 228 pessoas. De acordo com os procedimentos, o veredito definitivo no que tange à ocorrência será somente pronunciado no início do próximo ano, finda a terceira etapa da avaliação técnica.
           Ao contrário de outras aeronaves na mesma rota, o Airbus a330 da Air France não procurou evitar a turbulência no Atlântico, a primeiro de junho de 2009. Os controles do aparelho estavam com os dois copilotos, visto que o comandante fora descansar em seu beliche.
           A três horas e quarenta de voo, e há dez minutos da saída do comandante, surgiram os primeiros indícios da crise no Airbus da Air France. Ao adentrar área de média turbulência, o piloto automático e as funções de autopropulsão da aeronave pararam de funcionar. O copiloto assumiu o controle manual. A aeronave estava a 38 mil pés de altitude (11.500 m), quando um dos co-pilotos levantou-lhe a ponta dianteira, o que provoca perda de sustentação.
           Ao colocar o nariz do avião para cima, ganhou altitude ( a sete mil pés por minuto, duas vezes o que acontece na decolagem), mas a sua velocidade caíu verticalmente, passando de 275 nós para sessenta, a velocidade mínima a ser identificada pelos computadores de bordo. O sinal de stall (queda por falta de sustentação) soou duas vezes, durante a queda de três minutos e meio.
           Em função dos problemas, os copilotos tentaram por diversas vezes chamar o comandante. Entretanto, os dois copilotos não fizeram qualquer referência à sinalização de stall. Como é uma quebra do procedimento, tudo leva a crer que nenhum dos dois copilotos terá identificado o problema do stall.
           Cerca de um minutos depois, o comandante voltou à cabine. As sinalizações da velocidade da aeronave continuavam a flutuar bastante. A proa da aeronave mostrava dezesseis graus, muito acima dos cinco graus recomendados em elevadas altitudes. No entanto, os pilotos não poderiam sabê-lo, porque tal dado não é disponível na cabine de comando.
           Por outro lado, não houve suficiente intercomunicação entre os três pilotos. Ao levantar-se para descansar, o comandante não dera qualquer instrução operacional para os copilotos. E quando os copilotos tentaram manobras não houve nenhuma repartição de tarefas.
           O relatório provisório evita especulações sobre a causa de nenhum dos três pilotos – cada um com mais de vinte mil horas de voo – ter contestado as medidas tomads pelo piloto no controle do avião. Embora tenha evitado pronunciar-se sobre as indicações de erro humano dos pilotos, o sindicato que representa a maioria dos pilotos da companhia enfatizou ter sido o congelamento dos sensores de velocidade o gatilho inicial para a corrente de reações que se seguiram.
           No Brasil existe determinação para que em voos de longa duração haja dois comandantes e um copiloto na cabine da aeronave. No voo 447 da Air France, havia um comandante e dois copilotos. Obviamente, o comandante terá mais experiência do que o copiloto. Estará, portanto, em melhores condições de enfrentar uma situação emergencial. Escolhendo um comandante e dois copilotos a companhia aérea dá prioridade a questões financeiras sobre as de segurança.
           Outra questão a ser sopesada é se o comandante e os copilotos do voo 447 teriam recebido o treinamento adequado para como proceder ao assumir os controles da aeronave, em uma eventualidade como a enfrentada naquela viagem da Air France.
           Como assinalado, caberá ao exame conclusivo, a ser conhecido em 2012, as observações finais sobre o procedimento dos pilotos e o comportamento do equipamento da aeronave. Será com base nos elementos disponibilizados pela caixa-preta, a par da análise técnica dos peritos, as indicações de falhas humanas e/ou de equipamento, com as consequências sobre as ações em juizo e as eventuais indenizações a serem pagas tanto pela transportadora Air France, quanto pela empresa construtora do Airbus.


( Fonte: International Herald Tribune )

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Pedra no Meio do Caminho

           O impasse político está aí para quem quer ver. A chamada proposta do Speaker John Boehner, apresentada pela mídia como ‘a solução republicana’ para o problema da elevação do teto da dívida, arrastou-se durante todo o dia de ontem, 28 de julho, em seguidos adiamentos. O GOP, pela circunstância de seu controle da Casa de Representantes, é a razão precípua da existência da questão da dívida. Com efeito, tal decorre da própria escolha oportunística de transformar a necessidade burocrático-orçamentária de reajustar o atual teto de catorze trilhões e trezentos bilhões de dólares. E de que forma tenciona valer-se desse compromisso contábil da União americana ? Ao invés do procedimento administrativo habitual do Congresso, o transforma em oportunidade para extorquir do Executivo estadunidense amplas concessões em termos de programas sociais e de política fiscal.
           Dessarte, para seguir habilitando o Tesouro a continuar atendendo aos respectivos compromissos, não se trepida em criar situação de moratória dos Estados Unidos. Se a causa do eventual calote é artificial, porque não está ligada a uma situação falimentar, como a de outros países (v.g., Argentina), a despeito disso as consequências são reais e até certo ponto imprevisíveis, pelo inusitado do evento. Conquanto não se tenha sublinhado tais características, salta aos olhos o seu caráter irresponsável, por colocar em risco o interesse nacional.
           De forma orwelliana, os republicanos se apresentam como os campeões da responsabilidade fiscal e do orçamento equilibrado. Para equilibrar o orçamento, propõem o corte de programas sociais, enquanto consideram anátema a elevação de tributos. Este é o seu discurso. Na realidade, a práxis é bem diversa. George Bush Jr. recebera de Bill Clinton um orçamento estatal equilibrado, com superavit. Por suas generosas isenções tributárias para os mais riscos, e pelas temerárias guerras em que lançou os Estados Unidos, Bush trouxe de volta a desordem orçamentária, com elevados deficits.
           Agora o GOP – e a sua linha auxiliar do Tea Party – veste os trajes de uma estranha responsabilidade fiscal, talhada à custa de cortes nos programas sociais americanos (Medicare e Medicaid), da farisaica interdição à cobrança de tributos (com o que evita a reposição das taxas devidas pelos mais afluentes), com o que pretende atingir o equilíbrio no orçamento. Se no passado arrebentara com a responsabilidade fiscal que herdara do detestado Bill Clinton, agora deseja implantá-la por emenda constitucional e estipendiada nos sacrifícios dos programas sociais para as camadas mais pobres.
           Voltemos, no entanto, ao presente. A proposta republicana de John Boehner alardeada pela mídia não pôde ser ontem votada pela bancada do GOP. A minoria democrata nada tem a ver com os sucessivos adiamentos do Speaker, que antes passeara com ares de pré-candidato pelos corredores da Câmara. A alegada ‘solução’ para a questão da dívida não está sendo submetida ao voto dos republicanos, porque uma parte deles – em especial os novatos e mais próximos ao Tea Party – julga ainda demasiado moderada a moção de Boehner. Para essa facção de ultra-direita, a moratória é um falso problema.
           Por outro lado, os democratas, que são maioria no Senado, deverão aprovar a sua proposta, que enseja economias mais substanciais para o Tesouro, com a disposição mais equânime dos compromissos fiscais. Sem embargo, nenhum desses dois projetos têm qualquer possibilidade de ser aprovado pela outra Câmara, dada a atual divisão do poder no Congresso estadunidense. Por outro lado, na hipótese improvável de que fosse à sanção presidencial, Barack Obama já asseverou que vetará proposta do Congresso nas linhas aventadas pela Casa de Representantes.
           Coloca-se, por conseguinte, uma situação de impasse. Nas palavras do Presidente, a ultima eleição, ao dividir o controle do Congresso, tornou disfuncional o poder nos Estados Unidos.
           Não haveria, portanto, remédio político para essa crise artificial, criada pelo extremismo da bancada do GOP, que está a reboque da facção do Tea Party ?
           Na verdade, a solução existe e é aquela ensejada pela Emenda 14 à Constituição Americana, na sua seção IV.
           A aludida emenda estipula que a dívida soberana dos Estados Unidos não pode ser contestada. Por isso, o antigo Presidente Bill Clinton recomenda ao atual mandatário que se valha de sua prerrogativa presidencial e que no dia dois de agosto, dada a impossibilidade de uma solução da questão por iniciativa congressual, determine a elevação da dívida por Decreto (Executive order). Clinton não teria dúvidas em agir, dado o óbvio interesse nacional. E acrescenta: que os tribunais, se o julgarem por bem, se disponham a enfrentá-lo.
          Clinton tampouco está sozinho em advogar esse recurso imposto pelas circunstâncias. O representante James Clyburn, o terceiro na hierarquia da Câmara, também advoga a medida, recordando que, no passado, Harry Truman, o 33º Presidente, já se valera da prerrogativa, elevando o teto da dívida, diante da recusa do Congresso (leia-se os republicanos) em providenciá-lo.
          Há outros partidários de que o Presidente Obama recorra à 14ª Emenda, como o Senadora Barbara Boxer (D.-Calif.) e John Carson.
          Como se verifica, por conseguinte, o Presidente Barack Obama não estaria de mãos atadas nessa eventualidade. Colocado diante da incapacidade política de o Congresso submeter-lhe projeto de lei para atender à questão, ele disporia dos meios legais – como o seu antecessor Truman – para cortar este nó Górdio fabricado pelo GOP.
          O problema, no entanto, reside na incapacidade volitiva do 44º Presidente dos Estados Unidos de mostrar a determinação e – porque não dizê-lo ? – a coragem política de valer-se de instrumento constitucional, posto que extraordinário, e atalhar um falso problema por intermédio da única solução restante, em vista da incapacidade de um acordo com o Congresso, em razão de uma situação de fato que não atende aos melhores interesses da União americana.
          Obama, através de seu assessor de imprensa, já se apressara em adiantar que se tratava de opção fora de questão.
          Para quebrar o impasse, entretanto, essa opção não é só real, mas constitucional. Em tal sentido apontam dois predecessores seus: Bill Clinton, o 42º Presidente, e o Vice-Presidente Harry Truman, o sucessor do grande Franklin Delano Roosevelt, que terá tido defeitos, mas nunca o da falta de coragem para assumir as respectivas responsabilidades presidenciais, como evidenciou em várias oportunidades.
          Na verdade, Barack H. Obama não está desprovido de instrumentos para lidar com essa crise. O seu principal adversário no caso está na sua própria recusa de assumir este magno desafio que, como uma grande pedra, se lhe atravessa o caminho, podendo inclusive ser determinante para sua pretensão de um segundo mandato.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Quem deve preocupar-se ?

           O condicionamento ético deve constituir uma preocupação dos partidos ? Diante da singularização do P.R., ao ter os respectivos quadros, com o Ministro Alfredo Nascimento e Luiz Antonio Pagot à frente, exonerados do Ministério dos Transportes e do DNIT, por irregularidades financeiras, conforme assinala o colunista Merval Pereira, de O Globo ‘o PMDB está incomodado com as notícias de que os ministérios ocupados pelo partido não serão investigados porque o governo precida o apoio dos peemedebistas para garantir a governabilidade.’
           A respeito, o vice-presidente da República, Michel Temer – e presidente de fato do PMDB – chegou a esboçar nota pedindo que os órgãos fiscalizadores do governo revelem se existe alguma suspeita de má conduta de algum indicado pelo PMDB em ministérios e órgãos públicos.
           Segundo o colunista, tal exigência poderia parecer confrontação, e por isso a nota foi abortada.
           Não é a primeira vez que as instâncias diretivas do PMDB refugam a confrontação. Acusado pelo Senador Jarbas Vasconcellos (PMDB-PE) de ser partido “sem bandeiras, sem proposta, sem norte” e de que boa parte dos filiados “quer mesmo é corrupção” , em célebre entrevista à VEJA, Temer e a chefia peemedebista preferiram optar pelo silêncio.
           Por outro lado, condicionamentos éticos deveriam ser levados em conta pela Justiça ? A pergunta, que poderia parecer retórica, não o é, como a prática o demonstra. A propósito, o caso do Ministro Antonio Dias Toffoli tem sido objeto de comentários na imprensa. Sua Excelência, a convite do advogado Roberto Podval, compareceu a casamento na ilha de Capri, tendo duas diárias em luxuoso hotel custeadas pelo referido causídico.
           Com relação à celeuma levantada, o Ministro do STF considera que ninguém tem nada a ver com a sua vida privada e que não é amigo íntimo do advogado, podendo, portanto, julgar seus casos.
           É de presumir-se que Podval não veja nada de mais no convite. No entanto, talvez o ministro devesse haver considerado o assunto com mais vagar. Desde a antiguidade clássica cerca-se o exercício do serviço público de cuidados que vão além daqueles aplicados a simples mortais.
           Por outro lado, o Presidente do Supremo, Ministro Cezar Peluso, defende a redução do período de férias dos magistrados. Ao invés dos demais funcionários, os juizes gozam de sessenta dias de férias. Assim como a Resolução do CNJ, estabelecendo atendimento ao público das 9hs às 18hs., de segunda à sexta, que foi suspensa por liminar do novel Ministro Luiz Fux.Essas duas proposições motivaram a intervenção da Associação dos Juizes Federais (AJUFE) e da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). Ambas as entidades de classe se manifestaram contrárias,tanto à proposta de Peluso quanto à do CNJ.
           Para gozar desse privilégio, os juízes alegam que trabalham nas férias. O descanso suplementar evita ‘aposentadorias por invalidez’e ‘perda precoce de vida’. Se não caberia discutir, nem pôr em dúvida tais assertivas, o problema parece ser como explicar o acúmulo de processos e o considerável atraso na administração judiciária. Se os juízes trabalham tanto, como assinalam as entidades da categoria, como interpretar as difusas reclamações contra a morosidade judiciária, assim como a sentida necessidade dos mutirões do Conselho Nacional de Justiça ?


( Fonte: O Globo )

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Censura, até quando ?

           Cícero precisou, para convencer o Senado romano da culpa de Catilina, de quatro discursos de veemente acusação. Somente após completar a série de o que a posteridade denominaria catilinárias pôde o Consul Marco Tulio Cicero desbaratar dentro da lei a conspiração de Lucio Sergio Catilina.
           Se a par da eloquência oratória no latim clássico, as catilinárias ganhariam a imortalidade em verbete dos dicionários, como designação de imprecação ou acusação violenta contra alguém, que me permita o leitor parafrasear o célebre intróito da primeira oração de Cícero contra o trêfego patrício Catilina.
           Se se entende a impaciência de Cícero diante das maquinações de Catilina, como se há de interpretar essa servidão voluntária da Justiça no que tange ao reinado da Censura ? O ensaio de La Boétie nos fala da aceitação tácita da tirania pelo povo. Submissão análoga no que tange à censura vem sendo evidenciada por juízes, desembargadores e até tribunais.
           Com efeito, através de artifícios vários a opinião pública tem sido defrontada com sentenças que, se afastarmos os acréscimos da argumentação casuísta, vão contra os artigos 5º inciso IX e 220º parágrafo 2º.
           Terei quiçá cansado os leitores deste blog com referências a uma censura judicial que não mais reponta somente nos grotões e distritos interioranos da república – onde sói imperar o arbítrio de coronéis – senão no próprio Distrito Federal, onde sentença inconstitucional de um desembargador continua a viger, como se as cláusulas pétreas fossem apenas figuras de expressão e não conquistas da sociedade.
           Não pretendo reportar-me aqui a essa causa da censura ao Estado de São Paulo, que estranhamente persiste pela pertinácia de uns e a apatia de outros. Sem embargo, a omissão do Supremo Tribunal Federal em não dar sequência à sua sentença – fundada no parecer do Ministro Ayres Britto – contra a Lei de imprensa da ditadura, tem permitido que a espúria planta da censura judicial continue a crescer.
           Os constituintes de outubro de 1988 tinham acreditado que, assim como a tortura, também a censura fora consignada à lata de lixo da História. Ledo engano, porque a hidra encontraria, uma vez arrefecido o entusiasmo inicial, muitos modos e artimanhas para eludir e contornar a proibição constitucional.
           Se não é o momento de relatar-lhe a proliferação – e não mais restrita aos confins da república -, cabe perguntar : porque as entidades responsáveis e/ou diretamente atingidas pela censura não impetram ação direta de inconstitucionalidade perante o STF, para que essa Corte afinal nos conceda a desejada Súmula Vinculante.
           Por sentença da juíza Katerine Nygaard e por liminar da desembargadora Gilda Maria Dias Carrapatoso, determinou-se o recolhimento da cópia para ‘avaliação’ da longa-metragem “A Serbian filmTerror sem limites”. O propósito dos autores da ação (liderados pelo DEM-RJ) é o de evitar a sua exibição, sob a alegação de que incitaria à pedofilia. Se existe película que pelo seu caráter rebarbativo semelha provocar os limites dos guardiães da pública decência será este filme pela dubiedade e contumácia nas escolhas. As medidas que requer, no entanto, não são as de uma censura inconstitucional, mas a sua extrema limitação a público maior de idade, que esteja plenamente informado dos excessos nele veiculados. Para tanto, não se carece do veneno da censura: basta aplicar o máximo na classificação etária.
           A provocação de uma obra espúria não deverá jamais motivar o mal maior. Se a censura em nosso país reluta em confinar-se nos arquivos dos historiadores, não é hora de combater uma mazela oportunista com remédios inconstitucionais. Basta valer-se das medicinas do bom senso. Que veja tal filme quem tem idade para tanto. Se o fará em demonstração de condenação à censura, estará ingerindo amarga poção, mas será de mais valia, a despeito da espúria qualidade da prova, do que recorrer a outros meios, que estão ao arrepio da Lei Maior.



( Fonte subsidiária: O Globo, página Opinião)

terça-feira, 26 de julho de 2011

Dívida: Desastre Anunciado ?

           À medida que o prazo fatal se aproxima e, a despeito das repetidas reuniões entre democratas e republicanos, não existe sobre a mesa de negociações perspectiva concreta de acordo.
           Aqui não mais cabem menções ao desaparecimento do espírito bipartidário. Há uma falta maior, que concerne à carência de responsabilidade nacional. Ontem à noite, o Presidente Barack Obama fez apelo televisado para que se chegue a entendimento a fim de evitar o pior.
           Nunca os Estados Unidos estiveram tão perto da moratória. Obama assinalou, a propósito, que os eleitores podem ter votado por um governo dividido, mas jamais por um governo disfuncional.
           As próprias pesquisas de opinião espelham tal juízo. Dois terços dos consultados, concordam em que os republicanos não agiram com responsabilidade, ao atrelar um compromisso internacional dos Estados Unidos à consecução de objetivos políticos da plataforma do GOP.
           O discurso de John Boehner, o Speaker da Câmara de Representantes, não acena com disposição à solução de compromisso, ao bater nas teclas do equilíbrio orçamentário, e da não elevação de tributos. A tônica de suas palavras volta a alinhar-se com a maioria intransigente de sua bancada. Temeroso da reação da linha do Tea Party, Boehner já recuara de entendimento com Obama, no que tange a solução abrangente da questão.
           A própria popularidade de Obama, depois da súbita elevação por causa do êxito da operação contra Osama bin Laden, evidencia a contaminação pela crise, posto que ainda 52% da opinião reconheça estar o presidente agindo com responsabilidade nesta crise da dívida. Nesse contexto, cerca de 30% dos eleitores culpam Obama.
           Republicanos mais calejados têm externado sua inquietação com as eventuais consequências para o partido. Foram eles assistentes do filme em que jogada parecida de Newt Gingrich contra o Presidente Bill Clinton fora rejeitada pelo eleitorado, com perdas substanciais para o GOP.
           Em 1995 não se chegou à beira do abismo financeiro, como agora ameaça ocorrer.
           Não haverá retórica, por mais hábil que seja, capaz de toldar para o público a realidade factual, que é a da precípua responsabilidade do Partido Republicano em criar para a nação estadunidense esta crise da moratória. Ao tornar a elevação do teto da dívida pública refém de condicionamentos doutrinários, em outras palavras, ao praticar tentativa de extorsão política para alcançar objetivo determinado, sem preocupar-se com as graves consequências nacionais a serem precipitadas, o GOP, por mais hábil e confusionista que seja na retórica empregada, não logrará eludir a respectiva e pesada responsabilidade perante o povo americano.
          Tampouco se pode neste momento aquilatar plenamente os graves efeitos da crise a ser deflagrada, que alguns equiparam àquela de 2008. Ora, causar tal estrago à economia nacional e internacional por escopo sectário será assinar confissão de irresponsabilidade e de irretratável falta de espírito público.
          A uma semana da data-limite, o tempo se afigura exíguo para que o desastre não venha a acontecer. Se há sempre a esperança de que as últimas horas despertem um sentido de composição e de conciliação, que não só o interesse do país exige, o reduzido prazo e sobretudo a disposição intransigente de uma das partes semelham atravessar-se no caminho do bom senso.


( Fonte: CNN)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Notícias do Front (IV)

Será o Real forte o único vilão ?

           A valorização do real, além de atrair inversões estrangeiras de capital especulativo, tem outras consequências para a economia brasileira. A sua apreciação perante outras divisas torna não só menos dispendiosas as viagens ao exterior, como encarece os preços internos para o turista estrangeiro. O efeito imediato dessa disparidade é o déficit no turismo, que tem dupla cara: aumentam as despesas, com o incremento das viagens de brasileiros além fronteiras, a par de encolherem os ganhos com a vinda de estrangeiros.
           Também aqui o real é o principal suspeito do desequilíbrio na balança do turismo, eis que gastamos mais visitando, entre outros, Europa e Estados Unidos, ao passo que as correntes alienígenas – já tendo de despender mais com passagens pela diferença a maior com relação às rotas no Atlântico Norte – aqui gastam menos, assustadas por diárias e cotações mais caras.
           O real forte, no entanto, tem um legado ainda mais nocivo. Notícia estampada na Folha de hoje assinala que a indústria brasileira foi a única, entre treze nações ditas emergentes, a apresentar encolhimento no mês passado.
          A apreciação do real não prejudica apenas as exportações. Também afeta a capacidade da indústria nacional de arrostar a concorrência estrangeira, notadamente a chinesa, no mercado interno.
          O pior de tal tendência é que uma situação passageira pode ter consequências mais sérias, ao constituir um fator indutivo da desindustrialização. Dessarte, se o câmbio valorizado limita o crescimento, o que dizer do sobrevalorizado, como se apresenta a posição do real sob o influxo constante de dólares depreciados em relação à nossa moeda ?
          No que tange às economias emergentes, a nossa produção industrial é a que teve menor crescimento (excluída a África do Sul). Patinamos nos 2,7% (maio de 2011 em relação a maio de 2010), enquanto as alças de China (13,3%), Turquia (8%), Índia (5,6%) e Argentina (6,3%) lançam luzes comparativas pouco favoráveis ao desempenho de nossa indústria.
          Acresce notar que o real pesado ou forte não está sozinho para produzir esse quadro sombrio. Também merecem serem incluídas com o necessário grifo as contribuições avantajadas da alta carga tributária, do excesso burocrático, sem falar das falhas na infraestrutura de transportes e portuária.
          Por outro lado, seja assinalado que se as indústrias estão definhando, o agro-negócio aumenta, incentivado pelo atual boom nas cotações das commodities. Garantimos, portanto, o perfil mais para colonial da nossa produção... Isso sem falar dos prejuízos no meio ambiente, com a perda substancial de uma grande riqueza natural, que são (ou foram ?) as nossas florestas...
          É bem verdade que tudo isso pode ser intriga da oposição, como me diz uma fonte, que já foi considerada para o galardão da motosserra de ouro...


Desastre em Trem Chinês de Alta Velocidade


          Como se sabe, a República Popular da China, no seu esforço de superação, tem procurado desenvolver-se no ramo de trens de alta velocidade, para tanto louvando-se no exemplo de outros países como o Japão e a França.
          No entanto, acontecimento recente lançou algumas dúvidas sobre as medidas de segurança porventura adotadas pelas autoridades chinesas.
          Na noite de sábado passado, consoante noticia a imprensa – descrevendo como espetacular o acidente, o que se afigura pelo menos dúbio, se tivermos presente o ponto de vista dos passageiros – houve grave acidente na região de Xinhua, perto da cidade de Wenzhou.
          Por perda de energia motriz um trem-bala chinês foi abalroado – na saída de um túnel – por outra composição. Em consequência seis vagões descarrilaram e pelo menos três se despencaram de um viaduto. Registram-se trinta e cinco mortes e duzentos e dez passageiros feridos.
          Embora o Brasil se ache em estágio um tanto atrasado nessa área – o que, em certos aspectos, não parece de todo mau – seria relevante que as autoridades nacionais competentes levassem em consideração tais perigos adicionais.
          Afinal, nossa terra sente-se mais à vontade com o trenzinho caipira e similares, do que com a tecnologia envolvida pelos trens de altíssima velocidade.
          Na China, a opinião pública não semelha muito satisfeita com o acidente e sobretudo as medidas de salvamento. Posto que o Presidente Hu Jintao haja definido tais providências como prioridade nacional, e despachado para o local o ministro das ferrovias, Sheng Guanzu, blogueiros ficaram enraivecidos com as prioridades efetivamente adotadas. Vagões sinistrados foram fotografados em processo de serem enterrados, o que causou perplexidade (uma menina de quatro anos foi descoberta inconsciente em um dos carros descarrilados). As autoridades explicaram que, dada a alta e sensível tecnologia empregada, impunha-se que as características do trem não ficassem expostas (possivelmente aos olhos de observadores mal-intencionados).



( Fontes: Folha de S. Paulo e International Herald Tribune)

domingo, 24 de julho de 2011

Colcha de Retalhos LXXXVI

A Operação Grécia

            O segundo salvamento da Grécia teria de vir através da Chanceler Angela Merkel com a assistência de Nicolas Sarkozy. A cúpula da União Europeia foi uma vez mais precedida pela reunião franco-germânica. Esse virtual diretório da U.E. é uma realidade factual, que se sobrepõe às assembleias pan-europeias. Se há relação de interdependência, inexistem dúvidas acerca da ordem dos fatores, que se desrespeitada irá alterar – e inviabilizar – o produto.
            No ritual que cabe à parte devedora, o Primeiro Ministro grego, Giorgos Papandreou foi mantido na ignorância que compete aos postulantes. Até a noite de quinta-feira 21, a delegação helênica desconhecia se do encontro Merkel-Sarkozy viria a fumaça branca da afirmação, ou a negra da recusa.
            Como a dívida grega equivale a 140 % do PIB, há muitas dúvidas quanto à possibilidade de pagamento. A perspectiva desastrosa do calote, com o efeito bomba no restante do continente, terá sido o maior estímulo para a renegociação da dívida, com juros reduzidos e prazos prorrogados.
            Nesse novo acordo europeu para atender a crise helênica, todas as partes tiveram que fazer concessões. O crescente ônus para a Alemanha, como a mais forte economia, com as crises financeiras de Grécia, Irlanda e Portugal – além da má situação de economias bem maiores como Itália e Espanha – tem acarretado a irritação de seu eleitorado com a Chanceler. No entanto, dado o comprometimento histórico de Berlin com a união europeia, essa relação tende a ser ambígua, na medida em que o eleitor espera da Merkel que trabalhe por uma Europa forte, a par de reduzir os gastos alemães com essa criatura, prestações essas que não são necessariamente compatíveis.
            A solução negociada inclui uma certa participação dos bancos credores, na medida em que a dívida foi prorrogada com juros flexibilizados. Garantias como a inserção em empréstimos de bens físicos (edifícios, terrenos e companhias) a título de colaterais, foram consideradas ofensivas pela delegação helênica e retiradas do texto.
           Por outro lado, o Banco Central Europeu, ainda sob a direção de Jean-Claude Trichet, logrou aumentar a disciplina na área do euro. Nesse sentido, a responsabilidade de apoiar a Grécia caberá primariamente aos países europeus. A Chanceler teve de concordar com substancial reforço e expansão do Fundo de salvação regional – i.e., a Entidade Europeia de Estabilidade Financeira (EFSF) – que foi autorizado a comprar títulos da dívida soberana em mercados secundários e do Banco Central Europeu. Se o BCE não encerrou formalmente o seu programa de intervenção no mercado de obrigações, o acordo acima representa um êxito para o Banco Central de Trichet, ao ficar desobrigado dessa tarefa pela EFSF e, por conseguinte, dos países membros.


O Terror no Paraíso

           O morticínio na Noruega – cerca de noventa pessoas abatidas por um carro bomba no centro de Oslo e um atirador aparentemente isolado na ilha de Utoya, próxima da capital – levantou a suspeita de eventual participação de rede islâmica.
           Essa reação quase automatizada da mídia uma vez mais não foi confirmada. Quando literalmente estourou o atentado de Oklahoma – em que o americano Timothy McVeigh matou 168 pessoas e feriu outras 700 – o finado ensaísta Edward W. Said, radicado em Nova York, mas de origem palestina, recebeu dezenas de telefonemas de jornalistas americanos, feitos na presunção de que ele poderia trazer algum elemento para aclarar os eventuais responsáveis, havidos por essas fontes como árabes ou islâmicos.
           Compreende-se a sensação de desconforto do então professor de Universidade de Columbia. No entanto, essa reação simplista vem sendo contrariada por episódios como o da afluente e bem-comportada Noruega, em que um branco de olhos azuis com o nome de Anders Behring Breivik dava vazão em programais sociais da internet à sua revolta contra o multiculturalismo que a seu ver ameaçava o Reino norueguês.
           Esse tipo de revolta ou de raiva inexplicável nos usuais padrões de conduta tem vários e inquietantes exemplos em diversos países (como se verificou recentemente, tampouco o Brasil está excluído de tal tipo de comportamento associal). À primeira vista, recordam aquele proverbial raio que fulmina alguém a esmo, partindo da serenidade de um céu azul.
           Hoje se encontra esse gênero de manifestação de violenta e letal explosão de um turvo inconformismo nos cenários mais diversos. Em geral, parte de solitários que desejam despejar sobre conglomerados associados a lugares que, a seu juízo, lhes trouxeram humilhação ou rejeição o produto de uma indignação malcompreendida.
          Por vezes, a raiva de setores lumpen da sociedade se empenha em voltar-se contra os supostos responsáveis pelo seu fracasso individual ou coletivo. O infeliz candidato a alvo será sempre o integrante de uma minoria. Nesse jogo macabro, o ‘objetivo’ ou o bode expiatório tem preocupante característica camaleônica, no sentido em que esta posição havida como pouco invejável pode ser assumida por qualquer um, desde que caia na roleta do preconceito em uma situação que por conjunção infeliz de fatores de repente se transfigure em de excessiva e negativa potencialidade contrária.


A Revolução Árabe Democrática


             O conflito líbio se arrasta. Os rebeldes da Liga, se a sua revolução entra no sexto mês, e o respectivo Conselho tem o reconhecimento de mais de trinta países, não são capazes de transmitir, por enquanto, a sensação de uma força irresistível contra os remanescentes feudos da Jamayria do Coronel Muammar Kaddafi.
             Se dispõem dos bombardeios da OTAN e se tal ajuda lhes foi instrumental para deter a reação de Tripoli, não tem sido por ora suficiente seja para desequilibrar irremediavelmente o conflito, seja para coagir Kaddafi e sua clique a retirar-se de cena.
             O ânimo das forças rebeldes persiste, mas a sua coordenação e maior eficácia em termos de armamentos continuam a fazer falta.
             Nesse sentido, o enfrentamento na Líbia, malgrado a sua ocasional letalidade, se assinala pela baixa intensidade, característica essa que parece mais favorecer aos redutos do statu quo. Semelha, à primeira vista, uma contradição, atendidos os progressos realizados pela causa.
             Mas se Kaddafi foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional, o próprio Presidente do Sudão General Omar al-Bashir terá todos os elementos para tranquilizar o coronel sobre a eventual periculosidade de tal situação.
             Por outro lado, a virtual estagnação na frente não é compensada, ou modificada por ganhos de apoio no exterior.
             Na Síria, o regime de Bashar al-Assad goza do apoio da Federação Russa. Moscou não deseja perder o seu aliado, e por isso inviabiliza qualquer resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que possa criar reais dificuldades para a tirania da família Assad.
             Até o presente, esse veto implícito russo não lhe tem provocado muito desgaste de parte do State Department, que estaria evitando até o momento posições mais afirmativas, tendentes a abalar a imobilidade moscovita, ou, pelo menos, a torná-la mais onerosa em termos de imagem.
             No terreno, continua a rejeição da maioria da população ao regime alauíta. No entanto, falta por ora um apoio mais determinante e com consequências materiais mais efetivos, para respaldar a sublevação.
             Não há dúvidas sobre a impopularidade de Bashar al-Assad e de sua constelação. Sem embargo, existe um limite claro para a permanência de espírito de confrontação, que é o da perspectiva de possibilidade de sucesso. Nesse tipo de regime, que não sofre limitações de caráter ético, a pressão popular tem de encontrar um outro apoio que pareça aos sublevados convincente em termos de probabilidade de afetar a resistência do ditador.
            Se ao invés, o deserto virtual em matéria de ajuda pareça inamovível (situação iraniana, em que a revolta contra o esbulho da reeleição de Ahmadinejad não teve qualquer apoio externo), o levante não terá condições de prosseguir indefinidamente.



(Fontes: International Herald Tribune, Veja, O Globo)

sábado, 23 de julho de 2011

Dívida: sem acordo todos perdem

           Há um aspecto em toda essa crise política americana que não pode ser esquecido. Não elevar o teto da dívida não é questão de somenos, suscetível de ser instrumentalizada por qualquer das partes.
           O fato de o Partido Republicano haver decidido tornar essa providência que mantém o estado de solvência das finanças estadunidenses objeto contencioso e, por conseguinte, pendente de negociação entre as partes, já diz muito sobre a deterioração das relações políticas, e da falência do bipartidarismo.
           Acresce notar, como agravante, que a tentativa de extorsão política é realizada sobre matéria de interesse geral da comunidade nacional. Na hipótese de falta de acordo, as consequências já descritas pelos especialistas são nefastas e terríveis, e tenderão a ter sérios efeitos sobre as finanças nacionais e internacionais. Nessa hipótese, não se pode mesmo excluir que sobrevenha crise financeira internacional, nos moldes da desencadeada pela falência do Banco Lehman Brothers, em setembro de 2008.
           Daí vem a referência ao suposto enlouquecimento do Partido Republicano, mencionada neste blog a  propósito de coluna do Prêmio Nobel Paul Krugman sobre tal postura do GOP.
           Não é a primeira vez que os republicanos fazem uso deste recurso. Se em 1995, Newt Gingrich não tirou proveito político do expediente, em 2011 as atuais perspectivas, com pouco mais de uma semana até o vencimento em dois de agosto, são pelo menos inquietantes.
           Com o recuo do Speaker John Boehner, e as suas recriminações ao Presidente Barack Obama – culpado de intentar elevar os impostos -, as negociações, conduzidas pela Presidência, voltam ao alto mar.
           Nos dias anteriores, um animado presidente viera à sala de imprensa para assinalar a possibilidade de entendimento a partir de projeto elaborado por uma dita gangue dos seis no Senado. O acordo esboçado por três senadores democratas e três republicanos, na verdade, constituía pouco mais de um esboço, e exigiria detalhamento que a exiguidade do prazo e a tramitação por duas câmaras faria questionável o sucesso antes da data limite de dois de agosto.
           Surgiu outro aspecto ligado a esse anteprojeto no Senado, que levantou questionamentos. Houve quem considerasse o endosso de Obama, máxime em fase ainda preliminar, como prejudicial à tentativa de compromisso. Dentro da contenciosa atmosfera, teria sido visto como no mínimo prematuro.
           A posição do Presidente vem merecendo críticas e não só do lado do GOP. O partido democrata é o defensor dos programas Medicare (para idosos) e Medicaid (para os pobres). Daí, a especial atenção às minorias dada pelos democratas que é característica fundamental desse partido. Provoca, por isso, crescente perplexidade e censuras de parte de deputados da base democrata a alegada disposição de Barack Obama em admitir cortes nesses programas, os quais fariam que pobres, negros e idosos arcassem com substancial parcela de cortes impostos pelos republicanos para agilizar o desejado acordo bipartidário.
           A recusa republicana em elevar os tributos – mesmo em rubricas em que, na verdade, equivaleriam ao restabelecimento a níveis anteriores (como no caso da baixa determinada por Bush jr. para os mais ricos) – dificulta qualquer perspectiva de acordo, porque não é equilibrado nem justo que não se recorra a qualquer incremento de impostos.
           Obama terá subestimado o peso para o seu partido dos programas sociais. Ao aceitar colocar na mesa garantias do Medicare e Medicaid, admitiu que conquistas históricas do próprio partido possam ser objeto de negociação. Por isso, a sua posição nas pesquisas, depois de avaliações favoráveis decorrentes da irresponsabilidade do GOP, voltou a cair. Essa queda se deve notadamente ao desagrado dos eleitores liberais-progressistas, diante da aceitação pelo presidente de trazer para o cesto de concessões as vantagens obtidas por camadas menos favorecidas, como negros e idosos.
           Entramos praticamente na reta final das negociações de um grande acordo. Há um detalhe, porém. Ao aproximarmo-nos da vigésima quinta hora, nenhum grande acordo paira no horizonte. Não obstante, a proximidade da data e as suas desastrosas implicações, tendem a manter viva a chama de um entendimento de ultimíssima hora, que contrarie os prognósticos pessimistas.
           O instinto de sobrevivência não se limita aos democratas, liberais e progressistas. Ele também existe nos republicanos, conservadores e, quem sabe, membros do Tea Party.
           A par de alguma solução mágica de última hora, no entanto, a passagem do tempo será determinante para tornar um final aceitável e até uma arrumação questionável (muddling through) cada vez menos provável. E nesse jogo, nas condições presentes, não haveria ganhadores.


(Fonte subsidiária: CNN)

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Justiça Demasiado Rápida

           A presteza não é atributo que caracterize, em geral, a justiça. Se há queixas contra a sua lentidão, o que acaba de verificar-se no Equador tende a indicar que o excesso de rapidez não constitui um pressuposto de liberdade e de equidade para a fundamentação da sentença.
           A sombra de Chávez não trouxe o autoritarismo para o Equador. Como os demais países sul-americanos, a história daquela nação andina está marcada por hiatos de exceção, seja fardada ou não.
           Rafael Correa se diferencia, no entanto, de seus antecessores, por associar-se à corrente subcontinental do neopopulismo chavista, com traços autoritários. País pequeno, imprensado entre Colômbia e Peru, o Equador buscou no passado aproximar-se de estados não-limítrofes, no intento de contrabalançar as eventuais desvantagens geopolíticas.
           Hoje partícipe da Alba – a liga bolivariana estipendiada por Hugo Chávez – Rafael Correa pode falar grosso com os adversários políticos. A sua suposta força dissimula fraquezas latentes, como a evidenciada no episódio em que esteve sob assédio por mais de doze horas, até que unidade policial pudesse livrá-lo da incômoda e constrangedora situação.
           O Equador é um país pobre, a despeito de sua descoberta petrolífera. Na população, de maioria indígena, existe uma camada de origem hispânica que tem exercido o poder. No passado, como agora, tribunos como Velasco Ibarra procuraram representar tal maioria. Os seus governos foram sempre efêmeros, na medida em que podiam contrariar também ao exército, outro centro de poder.
           Ora, os tempos seriam diversos. No entanto, o golpe costuma adaptar-se às formalidades prevalentes, vestindo-se da adequada roupagem para atender aos reclamos das usanças do momento.
           A truculência de Rafael Correa, como Anteu, procura revigorar-se nas práticas autoritárias da terra andina. Se é um travestimento de justiça denegar ao réu a apresentação de provas, a par da súbita assunção do processo pelo juiz Juan Paredes, toda a questão se tinge de cores caricatas na parte conclusiva. Com efeito, Paredes teria consumido 33 horas para assumir o caso, realizar a audiência, estudar os autos de cinco mil páginas e escrever sentença de 156 laudas.
           Será forçoso reconhecer que o réu, o jornalista acusado de calúnia, Emilio Palacio – junto com os donos do jornal “El Universo”, Carlos Pérez, César Pérez e Nicolás Pérez – condenado, em primeira instância, a três anos de prisão e pagamento de multa de US$ 40 milhões, foi tratado em circunstâncias que o inserem em práticas judiciais de estampo ditatorial, similares aos tribunais da Bielorrússia e quejandos.
           Tampouco o presidente Correa está satisfeito. Ele quer receber a sua libra de carne por inteiro, e por isso exige que a multa volte aos oitenta milhões da sua demanda inicial.
           Para os réus, existe a possibilidade de outras três instâncias para que a sentença passe em julgado. Nas condições da atual, com a caricata rapidez dos trabalhos, e a sede do tribunal cercada por força policial, a isenção e a aparência de liberdade são difíceis de localizar, e muito menos de serem aferradas pela defesa.
          Como predecessores seus, Rafael Correa confunde divergência de opinião com dissensão e subversão política. Desagrada-lhe a crítica e sonha com a calma de suas ovelhas. Na sua intolerante violência o animam as melífluas ilusões que compartilha com cada homem forte da infeliz América latina.


(Fonte subsidiária: O Globo )

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A Hidra da Censura

           A hidra da censura tem muitos avatares na América do Sul. No Equador, dentro do modelo chavista, o presidente Rafael Correa, através de uma queixa crime, leva ao limite o acosso da imprensa pela ação contra o jornal El Universo. Acusado pela coluna editorial do diário de que houvesse ordenado as forças de segurança abrirem fogo em hospital cheio de civis, o presidente equatoriano exige o pagamento de oitenta milhões de dólares de danos, a serem pagos por El Universo e os jornalistas responsáveis, além da imposição de penas de três anos de prisão aos diretores do jornal e ao antigo responsável editorial.
           Nesta sexta-feira, dia 22 de julho, um juiz singular deverá pronunciar a sentença. Além de a mídia estar impedida de acompanhar o julgamento, segundo um dos advogados dos réus, El Universo não teve oportunidade de apresentar plenamente a respectiva defesa.
           Semelhando caracterizar a atmosfera de intimidação a cercar o processo judicial, a acossada diretoria do jornal ofereceu ao Senhor Presidente a oportunidade de imprimir em suas páginas, na forma e no lugar por ele requeridos, uma correção da nota editorial antes publicada por El Universo.
           Não impressionado pelo recuo do jornal, e dentro de sua orientação de estabelecer “um precedente”, Rafael Correa rejeitou a oferta.
           Seguindo o exemplo de seu modelo, o caudilho Hugo Chávez, o presidente do Equador avança no propósito de sufocar as opiniões discrepantes, com vistas a instaurar a docilidade da imprensa e da mídia em geral a ‘el señor Presidente’.
           Contemplando tal estado de coisas, será possível afirmar que felizmente essas coisas não acontecem no Brasil, em que a censura está vedada pelo artigos 5º , inciso nono e 220, parágrafo 2º ?
           Se o espírito da sociedade civil correspondia a tal realidade, na época da promulgação da Constituição, com o não à censura afirmado taxativamente pelo então Ministro da Justiça, Fernando Lyra, cumpre reconhecer que o passar dos anos não reforçou, nem consolidou esta negativa que vinha, como o brado de Tortura, nunca mais, da rejeição às práticas da ditadura, dos infectos porões às praças silenciosas.
           É voz corrente que a hidra da censura, no Brasil, se vale da toga judicial. Essa prática não se cinge à lugarejos interioranos e aos grotões, onde por vezes mal chega a igualdade dos cidadãos e de seus direitos.
           Se prevalece o sentir do constituinte de outubro de 1988, como no magistral parecer do Ministro Ayres Britto, que levou à derrubada da lei de imprensa da ditadura militar, infelizmente persistem notas dissonantes à cláusula pétrea da Constituição que, valendo-se de camaleônicas metamorfoses, intentam disfarçar o arrocho ao livre pensamento nos alvos trajes de legalidade democrática.
           No capítulo, a censura ao Estado de São Paulo nos fornece vários exemplos de tais modulações. A par desta censura, imposta há 720 dias pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), atendendo a recurso do empresário Fernando Sarney, cuja tramitação envolveu até passagem pelo Supremo – que, em dia não memorável, preferiu não conhecer da liminar impetrada pelo jornal, seguindo o parecer do relator, o Ministro Cezar Peluso, a que aderiram outros cinco ministros – hoje se acha em um virtual limbo jurídico.
          Com efeito, o Estado, através de seu advogado, sustentou a sua preferência ao TJ-DF pelo prosseguimento da ação (de que o empresário F.Sarney pedira a desistência a 18 de dezembro de 2009), “a fim de que ela tenha o mérito julgado”.
          A partir de então, à falta de qualquer resposta do Tribunal de Justiça, o jornal paulista tem consignado, de forma quase notarial, em página interna da respectiva edição diária, a imposta censura e o tempo de sua duração.
          Diante de tal situação de fato,em que se permita a uma sentença de manifesta inconstitucionalidade perdurar por quase dois anos causa estranhável assombro. Como explicar a atitude do jornal e de sua banca advocatícia ? Se desde 29 de janeiro de 2010 o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira apresentara ao TJ-DF a manifestação acima referida, quanto tempo se passará no aguardo de uma resposta ?
          Em verdade, o atroador silêncio não é apenas da Justiça. A ele se associa a mutismo da mídia. Ou será que dentro de poucos dias, tudo há de mudar, quando se completarem dois anos da triste efeméride ?


(Fonte subsidiária: O Estado de São Paulo)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O Problema Político

           Que exista um problema político em nosso país, pode parecer uma dessas afirmações feitas por virtual desconhecido em auditório repleto. Após o pigarrear de um dos membros da mesa, e a troca indefinivel de olhares entre outros, não há reação perceptível no público, que permanece distante.
           Que opções se atribuirá à assistência ? Será alienação, indiferença ou cinismo ? Então, não terá ela condições de julgar e acha preferível não participar, ou se encastela em visão cética e ao mesmo tempo debochada da realidade ?
           Em todos esses estados de espírito se nos depara a inação, como traço básico de uma atitude.
           O Brasil é um país gigante, por sua própria natureza. Conceito que parece genérico, a ponto de estar no hino nacional.
           Não obstante, se afigura discutível que os nossos antepassados o vissem como se nos apresenta hoje.
           A criatura atual sofre de uma das deformações que acometem entidades do seu tamanho. A inchação pode parecer à distância robustez, mas qualquer exame perfunctório lhe determina o caráter mórbido.
           A insensibilidade acompanha esse gigantismo. Não é só o ministério que ganha dimensões absurdas, sem conexão com a realidade.
           O mais grave não está aí, neste número ridículo de trinta e nove ministros. Pois tal inchação não é fenômeno isolado, que se cinja ao Poder Executivo Federal.
           Alastrou-se por toda a parte. Tudo leva a crer que o processo de fragmentação do Pará será implementado em breve, com o aumento de mais dois estados, e o mínimo de mais oito deputados e três senadores, por unidade federativa.
           Sem falar nas assembleias legislativas e governanças estaduais, que se multiplicam, sob o olhar conivente de Câmara e Senado. E alguém há de pensar que o processo para nisto ?
           Assim, os presentes e atuantes 513 deputados vão aumentar, posto que o número demográfico não cresce em totais absolutos. Também será o caso do Senado, com o acréscimo de seis outros senadores, para os novos estados. Teremos então, ao invés de 81 senadores, oitenta e sete ! O que contribuirá para incrementar ainda mais o funcionalismo de Câmara e Senado, com os seus padrões salariais que humilham tanta gente, a cujas atividades não correspondem remunerações comparáveis.
           Pois essa multiplicação administrativa da burocracia dos três poderes não é uma assombração. Constitui fenômeno generalizado no que tange à distribuição de benefícios extraordinários à casta singularizada. Encontradiça sobretudo em nível estadual, com a criação de pensões de privilégio a altos representantes, a título de ex-governanças. O número de apaniguados torna-se ainda mais deplorável por incluir personalidades antes assinaladas pela postura ética.
          Esse mesmo relativismo com respeito à distinção entre fazenda pública e finanças privadas se alastra por todos esses brasis, como o vemos nos programas da tevê, no desvio das dotações de educação e saúde, por tantas prefeituras que não se cingem aos grotões de que nos falava Tancredo Neves. E o que impressiona será a desenvoltura e a arrogância com que atuam esses prefeitos, secretários municipais e vereadores, a apoderarem-se das verbas da merenda escolar ou da assistência a flagelados (como na catástrofe da serra fluminense).
          Exceções sempre existirão, mas a proliferação de exemplos nos transmite a incômoda impressão de que toda essa gente – a exemplo do Ministério dos Transportes e alhures – encara a corrupção como a missão precípua do posto a que acedeu, não importa se pelo voto, ou por indicação política.
          À medida em que os episódios se acumulam – quem não se lembra no piparote quase negligente nos três mil reais de propina ao dirigente partidário nos correios (e que deu a largada ao juízo do mensalão) – a revolta do povo tende a cansar-se, não fora a monótona repetição de comportamento idiossincrático, e que se distingue da rotina de cada um, na planície sem privilégios e com muito trabalho.
          Tudo isso, se não justifica, decerto explica o silêncio ou a inação daqueles que já se cansaram com o espetáculo. Talvez isto mude no futuro. Por ora, há enorme distância entre a festança de poucos e o dia-a-dia dos muitos. Tudo isso regado com os fundos extraídos por eficientíssima máquina de arrecadação, talvez uma das poucas coisas que realmente funcionem neste país. Já quanto à eficácia no retorno da carga dos tributos...


(Fonte subsidiária: Folha de S. Paulo )

terça-feira, 19 de julho de 2011

Que desenvolvimento para o Brasil ?

           Fazer parte dos BRICs e ser saudado como país emergente não nos deve fazer esquecer os desafios que temos por diante Tomemos, por exemplo, a balança comercial. Dependendo de como a vejamos, ela pode ser objeto de satisfação, e igualmente de preocupação.
           Tradicionalmente, ela é o aspecto positivo em nossas operações com o exterior, na medida em que nos possibilitou, no passado, saldos bastante amplos que favorecem resultados positivos no balanço de transações correntes.
           No entanto, certos aspectos negativos ou continuam a prevalecer, ou se têm acentuado nos últimos anos. E tais características não são de molde a que nos entreguemos ao fácil triunfalismo da inexorável emergência.
           Em termos de composição da balança comercial, persiste a predominância das commodities, i.e. matérias primas, sobre as manufaturas. Nada contra o agronegócio, mas sim contra o traço permanente da pauta de exportações, em que os produtos de base (soja, carne, café, minérios, etc.) sejam os carros-chefe.
           Além de o mercado internacional de commodities ser propenso a flutuações pronunciadas – o atual boom não é garantia para o futuro – a circunstância de termos uma proporção inferior na produção de produtos industriais e mais ainda naqueles de alta tecnologia, além de não nos trazer a mais-valia do trabalho especializado nas vendas, nos atrela a um dos estigmas do subdesenvolvimento, vale dizer uma pauta de exportações marcada pelo sobrepeso dos produtos de base, aqueles de mais baixo teor agregado de mão-de-obra.
           Como poderemos pretender ascender a mais altos patamares na potência industrial e tecnológica, se ainda atrelamos o nosso carro à característica marcante dos países menos desenvolvidos, vale dizer, a dependência em uma pauta de vendas historicamente voltada para as matérias primas ? E não entraremos aqui na questão do desmate e da perda de recursos naturais,posto que devamos tê-los presente pois a pujança do agronegócio pode ter esses pés de barro.
           Dessarte, a despeito de todo o oba-oba da máquina governamental, por ora estamos defrontados com uma constante que nos acompanha desde os tempos da colônia: plus ça change, plus c’est la même chose (por mais que isto mude, continua a ser a mesma coisa).
           A par da falta de investimentos pelo governo, seja no incentivo ao estudo e ao aperfeiçoamento em ciência e tecnologia, seja na infraestrutura básica plurissetorial, ao invés de sua ênfase no assistencialismo e no incremento dos gastos correntes, carecemos de ter presente que a atual apreciação do real na verdade é um presente de grego se ambicionamos efetivamente mudar esta realidade.
           O real sobrevalorizado em relação ao dólar estadunidense é uma fábrica diferente das tradicionais. Além de incentivar o turismo para o exterior, e de aumentar, portanto, o desequilíbrio no balanço de invisíveis, favorece notadamente a compra de bens de capital e de consumo do exterior, em prejuízo dos nacionais.
           Tornar o produto externo mais barato, não só nos ‘presenteia’ com balanços negativos em termos de bens de capital e de consumo durável, mas também – e o que é mais grave – estimula a desindustrialização em nosso parque fabril.
           O Brasil é um país-continente, dotado de pletora de recursos naturais. No entanto, nos deixamos embalar pela lisonja de acrônimos (como o de BRICs), e temos uma propensão a abusar do aspecto extrativo e agrícola de nossa potencialidade, enquanto descuramos de investimentos, não só em educação, saúde e saneamento, senão em base industrial multifacetada, incluindo a alta tecnologia. Esta última é o degrau indispensável do verdadeiro desenvolvimento, de um país que não deveria estar a venda, mas que deseja ser senhor da respectiva grandeza.
           Se há um real projeto de progresso e desenvolvimento em nosso país, ele não passa por um país que é superavitário em matérias primas, e deficitário em bens de capital e de consumo durável.
           E se este projeto nacional deseja realmente transformar-se em realidade, ele não pode omitir-se na educação e no desenvolvimento de parque industrial de alta tecnologia, que tenha vocação de grandeza comparável ao agronegócio.
           O Brasil, além de não estar à venda, não deve ser precipuamente a sede benfazeja de sucursais estrangeiras. Sem nos desfazer da tradicional hospitalidade, cumpre não esquecer o que é praticado através do Atlântico. O desenvolvimento carece de ter sempre presente o seu caráter nacional. Que, numa relação equilibrada, não deve jamais ficar a reboque de interesses de outras economias.





( Fonte subsidiária: O Globo )

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Seleção sem Alma

           Seria justo comparar o comportamento do scratch uruguaio com o brasileiro ? Contra a seleção argentina, em sua própria casa, a equipe uruguaia mostrou responsabilidade e determinação. Apesar de prejudicada pela expulsão de um jogador, o Uruguai exibiu uma disposição que unida à coordenação técnica pode suprir a inferioridade numérica.
           O empate por um a um, ao cabo do tempo regulamentar e da prorrogação, correspondeu a uma efetiva igualdade na partida.
           Nos pênaltis, a mesma resolução refletiria a sua vontade de vencer. Ali estava a garra uruguaia que na simbólica data de dezesseis de julho – para nós infausta – prevalecia uma vez mais, contra uma equipe de melhores valores individuais, que jogava com o apoio de sua torcida.
           Alguma semelhança com a partida do dia seguinte, entre Brasil e Paraguai ? Se as más condições do campo davam ao encontro um ar de segunda divisão, o ineficaz predomínio do time brasileiro só contribuíu para realçar a inépcia dos jogadores em converterem. Apesar das dimensões do arco guarani, o goleiro parecia ocupar todo o espaço, diante da incapacidade dos brasileiros em fazer um único e solitário gol, que bastaria para dar efetiva personalidade àquela pressão tão contínua quanto patética.
           Nos pênaltis, não foi diferente. De acordo com características que já evidenciara sobejamente nos jogos precedentes, o técnico Mano Menezes, à medida em que a partida se encaminhava para o terrível encontro com a sorte, cuidou de reforçar a defesa da seleção.
           Retirou do time os melhores valores ofensivos (Neymar, Ganso, Pato). Dessarte, quando soou a hora da verdade, alinhou como batedores Elano, Thiago Silva, André Santos, Fred e Robinho. Com exceção do último, lá estavam jogadores de defesa e um reserva no ataque. Representavam acaso o pentacampeão mundial ? Ao invés dos argentinos, que fizeram bater por primeiro Lionel Messi, Mano optou por Elano.
           Se o vexame foi histórico, pela incapacidade de fazer um único gol, quem pode dizer que a equipe canarinho foi perseguida pela sorte ? Na verdade, ela repetiu a sua ineficácia no tempo regulamentar, como se houvesse desaprendido de fazer aquilo que na sua ausência torna as melhores atuações um autêntico e penoso fracasso.
           Pelo seu caráter errático, pela falta de liderança que na seleção se traduziu por um amontoado de jogadas individualistas que não tinham personalidade e muito menos garra, o tempo reservado aos pênaltis apenas espelhou o desencontro técnico e a incompetência singular de realizar o que dá sentido a uma equipe. Toda a preponderância territorial – a exemplo da evidenciada durante o jogo e a prorrogação – de nada valerá se a ele não corresponder um único tento, por isolado que seja.
           E quem não sabe marcar durante o jogo, como há de mudar e tornar-se artilheiro na hora da verdade dos pênaltis ?
           Aqueles jogadores medíocres que completariam a mediocridade na partida, no torneio e que era a emanação de o que o técnico poderia transmitir, aqueles autômatos que corriam para bater na bola já imbuídos da certeza do malogro, terão alguma coisa a ver com as seleções do passado ? Falta-lhes a alma, a personalidade e o orgulho da camisa.
           Após aceitar os termos impostos pela compacta resistência paraguaia, simbolizada na sentida impotência em vencer o guardião guarani, quem haveria de duvidar que, nos pênaltis, seria diferente ?
           Não reconheci na seleção, nos jogadores e no técnico, qualquer traço que os inserisse em uma linhagem que é única no mundo.
           Senhor Ricardo Teixeira,
           o Brasil não pode continuar a entoar loas ao passado, ao vê-lo não só desmentido, senão escarnecido pelas atuações presentes.
           Precisamos, no futuro, reencontrar a verdadeira cara da seleção. Por isso, é indispensável encontrar alguém que saiba dar a nossos jogadores o orgulho pela camiseta com as cinco estrelas. Que lá não foram cosidas por acaso.

domingo, 17 de julho de 2011

O Partido Republicano Enlouqueceu ?

           A última coluna de Paul Krugman não mais tem dúvida sobre a atitude do GOP. Como não considerar demente um partido que não só faz chantagem com a obrigação legal de o Congresso aprovar o aumento do teto da dívida pública, mas também encara sem pestanejar a possibilidade de que tal venha realmente a ocorrer, com todas as consequências previstas pelos economistas não só sobre a economia dos Estados Unidos, senão acerca do surgimento de uma crise mundial.
           Na verdade, a situação nas bancadas republicanas na Câmara de Representantes (onde tem a maioria), e no Senado (onde é minoria), à medida que a data fatal se aproxima, não se afigura tão coesa quanto muitos desejariam acreditar.
           Os mais antigos, a exemplo dos líderes respectivos – John A. Boehner, o Speaker, e Mitch McConnell, o líder da minoria no Senado – vêem com preocupação a intransigência das bases e sobretudo da ala extremista do Tea Party.
           McConnell recorda-se do que aconteceu em 1995, quando Newt Gingrich tentou uma jogada semelhante contra o Presidente Bill Clinton. A opinião pública americana castigou os republicanos pelo seu doutrinarismo, que aparentavam não se inquietar com os efeitos desastrosos de sua rigidez política. Mitch McConnell também não é favorável ao aumento dos impostos, e não se opõe a uma emenda constitucional que estabeleça a obrigatoriedade de um orçamento equilibrado, em que receitas e despesas sejam equiparadas.
           No entanto, assim como o Speaker John Boehner, por ter um pouco mais de experiência que os exaltados partidários do movimento Tea Party, além de outros membros do GOP que dizem professar a mesma fé em não aumentar tributos, McConnell não levaria tais princípios a extremos, ainda que em princípio não discorde deles.
           Na verdade, os veteranos temem que o partido venha a sofrer a mesma sorte que lhe coube, quando tentou chantagear Bill Clinton e os democratas, valendo-se do prazo para a elevação do teto da dívida pública de então. O democrata de Arkansas, a despeito do promotor especial Ken Starr, logrou reeleger-se, batendo a Bob Dole com facilidade.
           O povo americano soube, no cipoal da política, distinguir entre quem tinha mais seriedade, e não lançaria a economia americana nos baixios de uma gestão irresponsável, em que a sociedade ficaria refém das temerárias manobras dos partidários de Newt Gingrich.
           Com toda a austeridade financeira professada pelos republicanos, foram os democratas que no segundo mandato de Bill Clinton terminariam o exercício, em que o orçamento produziu saldo positivo. Eleito – segundo muitos pela Suprema Corte, em discutível sentença – George W. Bush, malgrado ser presidente minoritário (a eleição americana é decidida por colégio eleitoral. No cômputo do voto popular, perdeu por cerca de quinhentos mil votos para Albert Gore Jr.), não trepidou em jogar os EUA em dois conflitos. Com as consideráveis despesas acarretadas, lá se foi o superavit orçamentário de Clinton, sucedendo-se pesados déficits, agravados ulteriormente pelas generosas exceções tributárias abertas para os mais ricos contribuintes.
          Barack H.Obama tem procurado aparecer não como o chefe dos democratas, e sim erigir-se enquanto presidente, cobrando sacrifícios de ambas as partes, tanto de seu partido quanto dos republicanos.
          Se restrições podem ser feitas a tal postura, na medida em que os eventuais sacrifícios se referem às classes menos aquinhoadas, de que o Partido Democrata costuma ser o defensor, e não aos chamados gatos gordos (fat cats), de quem o GOP é o tradicional paladino, Obama terá alguma razão em assumir uma postura presidencial, voltada para o bem da Nação e não condicionada pelas supostas mesquinharias de política interna.
         Quiçá a consciência dos efeitos deletérios de posições principistas e alienadas dos interesses do povo americano – como é a atitude da maioria republicana que faz pouco do calote na dívida e de suas consequências tanto nacionais, quanto mundiais – somada à seriedade evidenciada pelo Presidente Obama, que não trepidaria em cortar aqui e ali algum privilégio apanágio de seu partido, serão os fatores determinantes das apreensões de Mitch McConnell e de outros mais, apreensões estas que nada têm de doutrinárias, eis que se alimentam igualmente da pragmática do conhecimento.
         Barack Obama vem realizando na Casa Branca reuniões quase diárias com as lideranças dos dois partidos. Tampouco tem escatimado esforços em acorrer a uma série de entrevistas coletivas para os correspondentes acreditados junto à presidência. Tem apresentados os seus argumentos com a fluência, abertura e coerência que lhe conferem os conhecidos dotes na arte do discurso.
        Essa habilidade não há de obscurecer-lhe a vontade de chegar a um acordo com os republicanos, em benefício do interesse nacional. Boehner recuou da proposta presidencial de quatro trilhões de dólares, que não fosse apenas um entendimento ad hoc, mas que atendesse aos interesses da comunidade em geral, com cortes de privilégios que não se cingiriam à cantilena republicana que só quer ouvir falar de concessões dos democratas, e nada de mais impostos (neste cesto está a preservação dos cortes de Bush Jr. para os mais ricos).
        O problema da liderança republicana – reporto-me a Mitch McConnell e John McCain, no Senado, e a John Boehner, na Casa de Representantes – é que, malgrado terem mais juízo, semelham não possuir os votos necessários para produzir proposta legislativa que viabilize o entendimento nessas linhas não ditadas pelo sectarismo da ala extremista do Tea Party.
       Nesse contexto, é simbólica a posição do líder da maioria na Câmara (i.e., o segundo da bancada, depois do Speaker) Eric Cantor. Não hesita em debater com o Presidente, ao defender as posições duras, caras à maioria da bancada republicana – que acredita estar atendendo ao ‘mandato’ da última eleição intermediária de 2010 – e contrárias pela sua rigidez à perspectiva de uma negociação política. Embora o que ocorra no salão presidencial da Casa Branca seja protegido pelo sigilo, consoante a imprensa o líder Eric Cantor costuma gabar-se de suas intervenções contra Obama, na linha da bancada.
       Com o passar dos dias, cresce a preocupação entre os credores dos Estados Unidos, i.e., os detentores das obrigações do Tesouro Americano, que até o presente configuravam o dito risco zero. A China, como o maior credor (títulos no valor de um trilhão e cento e cinquenta e três bilhões de dólares) já manifestou o seu interesse em que o problema seja satisfatoriamente resolvido. Compreende-se a sua posição, alicerçada ainda mais pela parcela da riqueza nacional que estaria, senão ameaçada, pelo menos atingida pela falta de bom senso de representantes políticos americanos.
       Vale dizer, aliás, que o Brasil também está nessa companhia, eis que, de trás da RPC, do Japão e do Reino Unido, surge, para surpresa de muitos, o Brasil, com uma parcela de duzentos e sete bilhões de dólares.
       No atual momento, a medida que o prazo fatal de dois de agosto se aproxima, e se a proposta de Mitch McConnell – que delegaria ao Presidente elevar o limite da dívida até depois das eleições de 2012, sem aprovação prévia de grandes cortes nas despesas orçamentárias – não for ratificada pelo Congresso – o que semelha ser o mais provável -, uma das soluções aventadas seria a tentativa do Presidente obter da Corte Suprema, que, com base na 14ª Emenda à Constituição americana, o calote da dívida pública seja considerado inconstitucional.
      Essa alternativa de obter pela justiça o que o Congresso não estaria em condições de dar não tem recebido muita atenção na imprensa americana.Tal se deve a muitas razões, entre as quais que seria empresa arriscada, de resultado incerto, dado o caráter conservador (i.e., próximo das posições republicanas) da atual maioria na Corte Suprema. Por outro lado, embora o recurso à Corte implicasse em fiar-se numa caixa de surpresas, ele não pode ser ignorado, em situação próxima do desespero.
      Não obstante, o próprio líder da maioria no Senado, o democrata Harry Reid, veio a público para aconselhar o presidente a não valer-se da 14ª Emenda para resolver a questão da dívida.
      Pelo que se verifica, a despeito dos esforços de Obama, dos democratas e de suas contrapartes republicanas não cegadas por uma postura maniqueísta, a ansiada solução – vista a partir do presidente do Federal Reserve Bank, Ben Bernanke, e de todos que tenham um mínimo de sanidade – ainda não se configura no horizonte.
      A esperança – que sói ser a última a abandonar todos os conciliábulos, inclusive os políticos – ainda está presente, a animar quem queira promover um acordo e não o diktat dos animosos integrantes do Tea Party e das bancadas do GOP, a seu reboque.


(Fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo)

sábado, 16 de julho de 2011

Está no limite o modelo brasileiro ?

           Se não há dúvidas do resultado dos anos Lula que, ao deixar o cargo, levara o Brasil a crescer em ritmo asiático (7,5 % ao ano), as próprias características do sucesso colocam inúmeras incertezas quanto às perspectivas futuras.
           Ajudado pela valorização nas cotações internacionais dos produtos primários – uma das mais importantes categorias, senão a principal, de nossas exportações - o Brasil não se valeu dessa oportunidade de melhora de 30% nos termos de intercâmbio, para reduzir a dívida e estimular a poupança, preferindo gastar em importações.
           Tal exemplo não é o primeiro em nosso comércio internacional. Durante o governo Dutra (1946-1950), o país também desperdiçara ocasião de valer-se de modo produtivo do substancial saldo acumulado pela forçada restrição no comércio internacional causada pela Segunda Guerra Mundial. Então o que se havia amealhado foi queimado em explosão consumista.
           Como se assinala, ao nos valermos do saldo extra para o dispêndio em importações, e enjeitando a poupança que poderia ensejar investimentos em infraestrutura e indústrias de bens de capital, a consequência é o deficit na conta corrente de 2,3% do PIB. Se a brecha resultante é financiada por investidores externos, o real fortalecido acarreta a queda na competitividade da indústria, com os efeitos que se nos deparam.
           A alça no valor relativo do real em relação do dólar, além de tornar as nossas exportações mais caras e, portanto, menos competitivas, também contribui para tornar o produto estrangeiro mais barato para o adquirente brasileiro.
           Como efeito secundário desses fatores negativos, há um incentivo para a desindustrialização brasileira – eis que o concorrente alienígena fica mais barato - a par de reforçar o refluxo para o agro-negócio e outras exportações de commodities (produtos de base). A única condição para que esse modelo persista será a manutenção do boom nessas transações, de que obviamente não há garantias. Para a permanência dessas condições favoráveis, a posição dos produtores constitui apenas uma das causas determinantes, entre muitas outras, de um mercado que historicamente se afigura muito mais exposto às variações pronunciadas do que o dos bens com muito mais alto valor agregado industrial e tecnológico.

                                                                    *
           No contexto da evolução das contas públicas, se o comportamento do superavit primário (anterior ao pagamento dos juros da dívida) no corrente ano, conforme referido neste blog, é tranquilo (superavit acumulado até maio em 3,29% do PIB, e portanto acima da meta de 2,9% fixada para todo o ano de 2011), tal infelizmente não é o quadro previsto para 2012.
           As despesas estimadas para o ano próximo incluem o aumento no salário mínimo. Considerado restrito o incremento do mínimo em 2011, está marcada para 2012, uma correção maior. Dadas as despesas atreladas ao salário mínimo (previdência social, seguro desemprego e lei orgânica de assistência social), cabe a pergunta do interesse macro-econômico em onerar o Tesouro com a elevação política do mínimo. Nessa rubrica, teríamos impacto de R$23 bilhões.
           O aumento do funcionalismo, notadamente o reajuste dos militares, e ainda pressões por incrementos no Poder Judiciário são orçadas em despesas extras de R$ 20,6 bilhões. Por fim, os dispêndios com os precatórios, que se elevam a R$ 7,5 bilhões.
           O total geral é, por conseguinte, de R$ 51,1 bilhões. A propósito, a matéria de O Globo recorda que tal montante corresponde a quatro vezes a dotação alocada à Bolsa Família.
           Por conta dessa sobrecarga, os técnicos do governo comunicaram ao Congresso Nacional que planejam abater até R$ 25 bilhões da meta do ano que vem – de 3,1% do PIB – por conta de despesas como o reajuste do salário mínimo e do funcionalismo.
           Não só essas despesas a maior em cerca de R$ 50 bilhões representam um desafio para o fechamento das contas do ano vindouro. No ano passado, o Tesouro recorreu ao artifício de abater os investimentos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Outro problema serão as pressões inflacionárias, criadas com as estripulias fiscais dos últimos anos do governo Lula. Não é segredo para ninguém que incrementos substanciais no salário mínimo, a par dos aumentos ao funcionalismo só tenderão a reforçar essa corrente.
           Tudo isso monta um quadro que, seja no aspecto externo, seja no interno, não pode ser vislumbrado com otimismo.


( Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )

sexta-feira, 15 de julho de 2011

UNE e Oposição

           No passado anterior ao golpe militar de 1964, a sede da UNE – prédio de três ou quatro andares na Praia do Flamengo – era um centro temido pelos governos da época, pois nos seus salões e salas de reunião não havia lugar para o situacionismo.
           A juventude estava na vanguarda dos movimentos de reivindicação e de protesto. Os próprios governos democráticos pré-revolucionários viam tal atitude com a naturalidade que associa o jovem com o inconformismo e sobretudo a negação do oficialismo, na medida em que é modelo de sociedade que as novas gerações encaram como símbolo do velho regime.
           Se alguém desejasse auscultar aquilo que o regime democrático da Constituição de 1946 de alguma forma se opunha ou buscava sufocar, este alguém poderia ler na fachada acinzentada da UNE o que dizia o palimpsesto da vanguarda estudantil. Nas expostas faixas tinham guarida as aspirações da esquerda, na medida em que abraçassem as ideias por vezes radicais, mas sempre generosas e contundentes, que fervilhavam nos espaços buliçosos da construção ocupada pelo movimento estudantil.
           O reflexo contestatório que sentimos na frase do inconformismo hispano-americano – Hay gobierno ? Soy contra ! – ali também pairava, na oposição da nova geração ao statu quo, assemelhado à injustiça, sempre representando o adversário a ser combatido.
           Com a chamada redentora, as coisas mudariam rapidamente para movimento estudantil e UNE. Perderam a sede, acometida por um incêndio cuja origem não carecia de muita explicação.
           Se a oposição era a reação natural de associação de jovens no que concerne ao regime militar, a perseguição a esse agrupamento dito  subversivo seria a contrapartida também provável da ditadura. O paroxismo dessa repressão se refletiria na operação castrense contra o congresso forçosamente clandestino promovido pela UNE em Ibiúna, em outubro de 1968.
           A atual UNE nada tem a ver com a sua antecessora. Não é mais oposição, e sim criatura do petismo. Por mais que o seu padrinho, Luiz Inácio Lula da Silva, intente afastar-lhe o carimbo de chapa-branca, a designação cai tristemente como uma luva para a associação que ostenta o mesmo nome do passado.
           Se então era sinônimo de independência do movimento, hoje a UNE virou uma sucursal do governo petista. É de fácil determinação esta sua filiação política. Bastaria, se dúvidas houvesse, arrolar os patrocinadores do corrente evento. Lá estão, além da Petrobrás, Eletrobrás-Eletrosul e Caixa Econômica Federal, cinco ministérios na lista : Turismo, Esporte, Saúde, Educação e Transportes.
           Lula e Haddad entoaram loas à entidade. No caso do ex-presidente, elas vieram recheadas de ataques à imprensa – o que deve ser assinalado en passant, porque desafortunadamente e de uns tempos para cá, é tônica recorrente nos seus discursos.
           Por outro lado, a luta desta UNE em livrar-se do apodo de chapa-branca será empresa sem esperança. Com efeito, o discurso da negação envolve aos defensores da tese como a túnica de Nesso.
           Na negação, tantas vezes repetida, está freudianamente embutido o reconhecimento de sua condição oficialista.


( Fonte: O Globo )