sábado, 30 de abril de 2011

A Inflação e o Mercado Internacional

           Por enquanto, a súbita irrupção da inflação na economia brasileira tem provocado duas espécies de reação. De um lado, as chamadas notícias ruins, que são os índices inflacionários, bem acima das metas do Banco Central e do Ministério da Fazenda, e também nessa faixa, o desempenho da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
           De outra parte, as notícias boas se cingem por ora ao meio ponto percentual – julgado suficiente pelo Copom para controlar a carestia -, às providências da Fazenda no que concerne à contenção do crédito, e, last but not least (por último, mas não por menos), as promessas da Presidente Dilma Rousseff de mobilizar a administração nesse combate. Ontem mesmo,no pronunciamento dedicado ao 1º de maio, Dilma, na sua voz monocórdia, sublinhou que o ‘governo vai jogar duro contra a inflação’.
           Lula já entregou a faixa presidencial faz muito, mas a sua presença, para o bem, e para o mal, continuará a ser sentida em muitos aspectos. Para não ficar tão só nas ruins, na alocução da noite do dia 29 – Getúlio Vargas, que abriu as portas do governo para o fator trabalho, costumava falar em praça pública no dia primeiro de maio – a Presidente se comprometeu a muitos programas – alguns retirados da cartilha do candidato do PSDB – e fez apresentação bastante burocrática das futuras benesses a serem distribuídas. O Presidente Lula, com a sua longa prática política, sabia tornar interessantes os temas de sua apresentação, retendo a atenção do espectador pela hábil dosagem das inflexões do discurso.
           Quanto às más, talvez a abertura irresponsável das cancelas para o nosso familiar dragão haja sido a mais grave. Essa dádiva, um senhor pepino que caíu no colo da sucessora, começa a repontar em muitos cantos. Espera-se que o governo – e nesse conceito sublinho a Presidenta, o Ministro da Fazenda e o Ministro-presidente do Banco Central – cumpra o que dele se espera, não apenas na palavra, mas sobretudo na práxis.
           O noticiário econômico de hoje trata do respingo da inflação na bolsa brasileira, a Bovespa. O seu comportamento foi realmente decepcionante no passado mês de abril, se cotejado com os demais mercados mobiliários do mundo. Nesse mês, a queda foi de 0,48%, considerada a variação do dólar, de acordo com dados da Bloomberg.
           Dessarte, na variação em abril do dólar, para os negativos 0,48% da Bovespa, se contrapõem os dados positivos das bolsas de Frankfurt (11,35%), Paris (7,42%), Londres (6,83%), o Dow Jones de New York (3,98%) e a Nasdaq também de New York (3,32%). Até a bolsa de Tóquio assinala no mês marca superior à nossa (3%), assim como, Cidade do México (2,19%) e Hong Kong (0,96%).
           No que respeita à evolução durante o ano, Frankfurt continua a liderar com 20,39%, Paris se segue com 19,57% e Londres, bem abaixo com 10,24%, as duas bolsas nova-iorquinas (Dow Jones e Nasdaq) com, respectivamente, 10,65% e 8,32%. Na parte de baixo da lista, Hong Kong, com 3,06% e Cidade do México, com 3,02%. A única bolsa com desempenho inferior à brasileira é a de Tóquio, cujos 3,71% negativos têm pesadas razões como justificativa. A nossa performance, de 0,48% positivos, deixa portanto bastante a desejar.
           Por que a atuação da Bovespa vem sendo tão medíocre ? O principal motivo do recuo é a inflação, com o seu súbito avanço e o que promete de efeitos desestabilizadores na economia.
           O Brasil sofreu por muitos anos a estagnação econômica que é um dos principais fenômenos decorrentes da espiral inflacionária. Afetada a moeda no que tem de mais importante que é a promessa de estabilidade no respectivo valor, entramos no que os chineses denominam de tempos interessantes, dada a possível mutabilidade dos principais marcos de referência.
           O investidor foge das incertezas como o diabo da cruz. Surto inflacionário ou a sua ameaça, implicam em medidas de restrição ao crédito e a outras possibilidades heterodoxas. Por isso, se às voltas com altas no custo de vida, a atração do país emergente decresce deveras, eis que os fundos dos inversores hão de preferir o investimento em países desenvolvidos, que não têm pressão inflacionária, e indicam recuperação econômica.
          A valorização do real pode ter aspectos negativos pelos problemas que causa na sua apreciação em relação ao dólar estadunidense. Não obstante, a respectiva estabilidade é uma espécie de fanal que atrai o investidor estrangeiro, à cata de juros mais altos para os seus fundos. Para um país com tendência tão marcada para os balanços de contas correntes deficitárias, tal afluxo constitui verdadeiro maná, poupando a autoridade monetária de negociar o equilíbrio das contas em condições por vezes difíceis e onerosas.
          Agora, com o ingresso em cena de dona Inflação tudo tende a mudar. As correntes que prestigiavam o mercado brasileiro (e a sua bolsa) encetam o caminho inverso, e, de uma hora para outra, de orgulhosos credores passamos à diversa condição de devedores.
          Por conseguinte, em finanças, as boas situações não decorrem de ocos jogos de cena. É necessário fazer o dever de casa e é deste dever de que o mercado internacional, pelos motivos conhecidos, passou a duvidar.
          Por tal razão, o mercado internacional tem os olhos postos em Dilma Rousseff, Guido Mantega e Alexandre Tombini. De suas ações – e não de seus discursos – e resultados objetivos alcançados, dependerá a respectiva reação estrangeira. Se as águas continuarem revoltas, as conversas de nada servirão.


                                                                           ( Fonte: O Globo )

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Questão Palestina

           A reconciliação entre Fatah e Hamas, assinada no Cairo, ao cabo de negociações secretas realizadas por delegações chefiadas, respectivamente, por Azzam al-Ahmed (Fatah) e Moussa Abu Marzouk (Hamas), representa um primeiro e importante passo no caminho da construção de Estado Palestino independente.
           A história das tentativas de solução da questão palestina está marcada por altas esperanças – como a assinatura na pelouse da Casa Branca em setembro de 1993 dos famosos Acordos de Oslo, entre judeus e palestinos – e pesados fracassos, como a derradeira negociação de acordo entre Yasser Arafat e Ehud Barak, mediada in extremis pelo Presidente Clinton em fim de mandato. Com o advento de George Bush junior, as coisas só pioraram, com a provocação de Ariel Sharon e a segunda Intifada, a que seguiu-se o ainda não-esclarecido desaparecimento de cena de Yasser Arafat (11 de novembro de 2004). Depois do assassínio de Yitzhak Rabin (novembro de 1995), o campo da paz em Israel encolheu. À construção do muro e à bantustanização dos territórios palestinos, correspondeu o crescimento da ultra-direita, dos ultra-ortodoxos e da consequente desenvoltura dos colonos em seus assentamentos ilegais nos territórios ocupados por força da dita guerra dos seis dias (junho de 1967).
           Dentro desse quadro, forçoso será reconhecer que nos últimos tempos as perspectivas se hajam tornado sempre mais sombrias, com sucessão de crises e conflagrações. O Oriente Próximo continuou como a fonte inexgotável do conflito, posto que as guerras não se caracterizaram, como no passado, por vitórias israelenses.
          A chamada Segunda Guerra do Líbano, uma extensão das hostilidades árabe-israelenses, durou de doze de julho a 14 de agosto de 2006, concluída com o cessar fogo determinado pela Resolução 1701 do Conselho de Segurança. A maior participação contra Israel foi das forças do Hezbollah, de Hassan Nasrallah. Terminou em impasse, o que na prática foi visto como vitória do Hezbollah.
          Por outro lado, a chamada operação de Gaza, em fins de 2008, na verdade expedição punitiva do Tsahal (exército israelense) contra àquela Faixa sob o domínio do Hamas, se saldou pela destruição bastante extensa das construções de Gaza, e por derrota política de Israel. Houve posteriormente relatório das Nações Unidas, de juiz sul-africano Richard Goldstone, que registrou diversos atentados aos direitos humanos pelo Tsahal, e que até hoje é objeto de controvérsia, pela exacerbada reação ad hominem do governo de Tel-Aviv.
          O acordo político entre o Fatah e o Hamas, assinado a 27 de abril corrente, foi mal-recebido – como seria previsível – pelo governo de Benjamin Netanyahu. Advertiu ao Fatah que a reconciliação entre os grupos palestinos poderia acabar com as perspectivas de conversações de paz.
          Sem meias palavras, no estilo truculento habitual, disse: “A Autoridade Palestina deve escolher entre a paz com Israel ou a paz com o Hamas. Não há possibilidade de subsistir a paz com ambos."
          Antes de analisar essa peculiar posição introdutória do governo de Tel-Aviv, carecemos de entender melhor o que significa o acordo do Cairo, e o que pode implicar para a questão palestina.
          O entendimento Fatah-Hamas prevê a formação de um governo interino e a convocação, dentro do prazo de um ano, para eleições, que serão mediadas por tribunal eleitoral. Foram igualmente acertadas a reativação do Conselho Legislativo Palestino, a libertação recíproca de prisioneiros, e a entrada do Hamas na Organização para a Libertação da Palestina, a organização-quadro, que é dominada pelo Fatah.
          Dado o status de ‘terrorista’ do Hamas – assim considerado por Israel, Estados Unidos e países europeus – coloca-se, de início, a dificuldade de tratar com entidade de que participa formação carimbada como ‘terrorista’ pelos governos dos países acima citados.
          Tendo presente a situação ora atravessada pelos palestinos, diante dos contínuos avanços em seus territórios de assentamentos de colonos – cujo caráter ilegal não tem sido até o presente suficiente para determinar reversões dessas invasões, assim como do acosso implacável das comunidades árabe-palestinas, a que as colônias de judeus muitos deles emigrantes dos Estados Unidos buscam desalojar – os países que realmente desejam a paz só podem encarar favoravelmente a composição havida entre Hamas e Fatah.
          Dados os precedentes e os muitos nós que precisam ser desatados, o realismo pragmático tem de presidir aos prognósticos quanto ao futuro deste acordo. Mahmoud Abbas, a figura de proa da Autoridade Palestina, rebateu as críticas de Netanyahu contra o entendimento.
          Abbas já demonstrara antes o desejo de ir a Gaza – que está sob controle do Hamas – para encontrar-se com Ismail Haniya, o líder do governo de Gaza, em resposta a  convite deste último para encetar as negociações da união.
          É discutível qual será o papel da diplomacia americana nesta inesperada evolução das relações Fatah-Hamas. Salta aos olhos que, diante da fraqueza palestina e do desequilíbrio nas suas relações com Israel, marcadas por um confinamento crescente do povo palestino, a composição entre Abbas e Haniya é um desenvolvimento necessário e positivo para a causa palestina.
          Será imprescindível que o Departamento de Estado demonstre o necessário profissionalismo para não ficar a reboque da intransigência de Netanyahu. No entanto, desde os anos Nixon – Kissinger, Israel, o estado-cliente, mantem grande autonomia com relação a Washington. Muita vez, por motivos políticos, inclusive de caráter interno estadunidense, as Administrações sucessivas se vêem obrigadas a chancelar posições – de um Estado supostamente dependente - que não aprovara a princípio.
          O futuro dirá como vai reagir a Administração Obama a essa abertura na questão médio-oriental, ensejada por um entendimento ainda incipiente de duas facções até a véspera inimigas. Hamas e Fatah sabem que não tem escolha senão por intermédio de sua união para enfrentar Israel.
          O porvir deste acordo lógico, assim como a posição eventual dos Estados Unidos colocam questões determinantes que no momento só se podem responder com um inshallah (oxalá). A causa da Paz apenas progredirá se houver respostas satisfatórias e construtivas a tais quesitos.


(Fonte: International Herald Tribune e Folha de S.Paulo)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um Desastre Anunciado ?

         Acumulam-se os indícios de que a tão decantada modernização do Código Florestal vá ocorrer e a legislação a ser aprovada pelo Congresso não será exatamente o renovado instrumento que a mídia se tem prestado, por vezes, a noticiar de forma tão pressurosa e unilateral.
         Senão vejamos. A preparação do ‘novo’ Código Florestal foi entregue aos cuidados do Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Os leitores do blog estão sobejamente inteirados de o que implicam o comportamento, as alianças e as declarações de tal congressista, antes assinalado por peculiar projeto contrário ao emprego de ‘estrangeirismos’ no vernáculo (além de outras iniciativas nessa idiossincrática faixa).
         Quanto ao Deputado Rebelo, ninguém mais pode alimentar dúvidas quanto à sua equanimidade. Tem o apoio da Frente Ruralista, o que lhe terá aproveitado para a reeleição a deputado, no passado sempre empresa difícil.
         Seja dito desde logo que tal é um direito que assiste ao deputado Rebelo. Pode costurar as alianças e apoios que melhor lhe parecerem . O problema começa a surgir quando desta parceria com os ruralistas desenvolveu-se seu trabalho como ‘relator’ do projeto do novo Código Florestal. Ele o elaborou como mimosa cria – e tal se entende, seja pelo aporte de sufrágios em três de outubro, seja pela desenvoltura com que Sua Excelência tem sido acolhido por grandes veículos de comunicação, ensejando-lhe preciosa oportunidade de transmitir a sua ‘visão’ de um novo Código Florestal . O deputado Rebelo cuidou de colher a opinião de muita gente, embora tenha tratado de evitar a oitiva de especialistas em ambientalismo, sobretudo de qualquer doutor ou mestre em matéria ecológica.
         Nesse contexto, chegou mesmo de forma descarada a dizer que consultara funcionário da Câmara com conhecimento em matéria correlata. Foi o único com laços científicos em cerca de setenta audiências públicas promovidas pelo deputado.
         Ora, nesse contexto, é mais do que oportuno citar o que afirmou o Subsecretário-geral das Nações Unidas, Achim Steiner, em visita ao Brasil.
         No entender de Steiner é positivo o Brasil discutir melhorias no código. Avisou, no entanto, que o mundo irá julgar a decisão que o Congresso tomar com base nos efeitos que ela possa causar na ‘produtividade das florestas’. A esse propósito, disse Steiner que a alteração dos limites das matas ciliares tem que ser discutida conforme o que recomenda a ciência.
         “Temos que usar o melhor conhecimento científico disponível para determinar o impacto que as mudanças propostas trarão. Elas reduzirão futuramente os serviços e funções desses ecossistemas ? Elas trarão impacto econômico e ecológico ? As mudanças se justificam sob essas perspectivas ? (...) A única coisa que eu espero que não aconteça com o Código Florestal é que ele não reduza o comprometimento do Brasil de manter a produtividade de suas florestas e ecossistemas.”
          Para que se aquilate a importância da advertência formulada pelo alto funcionário internacional ao Brasil, deve-se ter presente a sua necessidade de utilizar linguagem comedida, em que as perguntas não prejulguem a posição do Congresso, mas timbrem em pedir a atenção para o que está aqui em jogo.
          Comprova-se que o relator do projeto não mostrou qualquer interesse em dialogar com a ciência ambiental e preferiu manter a embarcação junto a litoral, para ele seguro, de antigos conceitos e antigas ideias (compartilhadas por seu aliados ruralistas). Qualquer leitor que esteja interessado não em vantagens deste ou daquele grupo, mas na preservação de nossos recursos naturais, na prevenção ou no controle de catástrofes de origem climática, e no desenvolvimento sustentável da floresta (e outros biomas) e as atividades agro-pecuárias, há de convir que aqui existe perigosa contradição.
          Malgrado os diversos e abundantes indícios dados pelo relator do projeto quanto à sua falta de isenção, qualquer observador, com um mínimo de interesse e de honestidade intelectual, verá profusos sinais de que abundam as más intenções, os erros crassos no projeto de Código Florestal, de que ora se propala a votação sem consenso.
          De início, a tímida e displicente coordenação realizada pelo Ministro Antonio Palocci, a mando, suponho, da Presidenta Dilma Rousseff (que já se olvidou de seus votos ambientalistas, formulados sob o toque ameaçador do segundo turno, e que ambicionavam atrair gorda parcela dos sufrágios de Marina Silva).
          Com efeito, falou-se a princípio de um substitutivo. Em seguida, por força talvez da fraqueza política da Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e do pouco interesse da coligação governamental no tema, o assunto evoluíu para a discussão sobre pontos específicos,  que, na ausência de um timoneiro firme, permitiu que ministros da mesma administração se digladiassem. Agiram, no caso, como senhores feudais, tratando dos próprios súditos e conveniências, sem que uma voz que respondesse pelo interesse nacional os organizasse e lhes desse coerência de governo.
          Se a consequência dessa benigna negligência foi absurda ou lógica, depende de quem ouvirmos. Se escutarmos quem prioriza a causa ambiental e não interesses demagógicos, será forçoso rotular como absurdo colaborar com a feitura de tal legislação que apresenta efeitos potencialmente desastrosos para a devastação ambiental e a aceleração de tragédias como na região serrana fluminense.
         Cresce, por conseguinte, o espanto e o assombro em continuar confiando o projeto de código aos cuidados do deputado Rebelo, que se arroga, a cada passo, direitos que não tem, de manter ou de modificar esse ou aquele ítem. Que lógica é essa que entrega tal arbítrio a um deputado isolado, brandindo autoridade que não tem, para pôr e dispor do futuro de nosso meio ambiente ?
         Por toda parte,nessas mal-costuradas defesas ambientais, repontam falhas inquietantes: assim, segundo nos relata Miriam Leitão, o grande frigorífico Fribol não tem meios de saber se a carne que comercializa provém de criadores que respeitam a lei ou são desmatadores contumazes.
         Não ambiciono cansar o leitor com a discriminação das inúmeras emendas danosas a que se propõe o projeto sob a zelosa guarda de Aldo Rebelo. Se perguntarmos aos legisladores de Santa Catarina o porquê das devastações que as suas bondades ensejaram aos cultivadores agrícolas, eles dirão que é a fatalidade divina (não entro aqui na questão das causas que explicam a persistência de forma inconstitucional da validade do código estadual catarinense ). Na convergência urbana e rural, serão invocadas as mesmas causas divinas para a tragédia da Região Serrana Fluminense ? E na urbana, construir obras públicas no morro do Bumba, igualmente se deve a hecatombe a tais conjunções obscuras de fatores insondáveis ?
         Dilma Rousseff foi escolhida por Lula da Silva para sucedê-lo por suas capacidades gerenciais. Tais méritos, no entanto, não são setorializados. Supõe-se que o seu interesse sobrevoe o problema nacional. Permitir que surja do ventre legislativo, por míopes interesses ruralistas, aleijumes do gênero do novo projeto de Código Florestal, acalentado por Rebelo, não seria, conforme o dito célebre, apenas um crime, mas também costituiria garrafal e fatídico erro, que lhe comprometeria os ambiciosos propósitos da empresa presidencial.


                                                                                ( Fonte: O Globo )

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Falta de Vergonha

           É difícil deixar passar em branca nuvem o que ora acontece no Senado Federal. Depois dos escândalos dos chamados atos secretos e da crise da presidência de José Sarney, voltamos a ser confrontados por comportamentos e iniciativas que não mais tem o condão de surpreender-nos ou até revoltar-nos.
           A reação do cidadão só pode ser a do cansaço extremo, misturada àquela surda cólera que se experimenta diante de fatos abomináveis sobre os quais a experiência semelha dar-nos a dantesca advertência do abandono de qualquer esperança.
           O Senado é o que é. Será ele a cara da Nação ? O que fizemos para merecer as afrontas com que nos mimoseia ?
           Quando o povo brasileiro logrou fazer aprovar a Lei da Ficha Limpa por um Congresso a princípio reticente, poder-se-ia imaginar que um juiz recém-nomeado para o Supremo iniciaria a sua trajetória mandando para a geladeira a lei complementar nr. 135? Na sua crônica ‘De que lado está a Justiça ?’, Ferreira Gullar nos lembra verdades que precisam ser ditas: “Não pode o princípio jurídico formal sobrepor-se à realidade dos fatos, como ocorreu recentemente com a Lei da Ficha Limpa.Políticos notoriamente corruptos foram beneficiados por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, tão discutível que a metade dos ministros daquela corte se opunha a ela.”
           Mas voltemos ao Senado que, em breve, receberá reforços que pensávamos afastados para sempre daquele singular colégio. Como discutível aperitivo das notícias hoje veiculadas, o Senador Roberto Requião arrancou o gravador das mãos de um reporter e, ainda por cima, cuidou de apagar o que dissera acerca da absurda pensão que recebe como ex-governador. E, como se tal fosse pouco, foi à tribuna para exprobar o jornalista com a ridícula acusação de bullying.
           O Senado, com as suas centenas de diretores e com o mágico ponto, anunciado num dia e no outro já desmoralizado, nos vem agora com Conselho de Ética que bem representa o atual nível dessa assembleia. Na companhia de suplentes e de ex-suplentes – que representam unidades federativas sem haver recebido um voto sequer – o espanto e a consternação com a composição do alegado Conselho de Ética é uma consequência de situação determinada. O subtítulo do cabeçalho de O Globo já nos diz quase tudo: 8 respondem a processos no Supremo dos quinze parlamentares que formam a comissão encarregada de velar pela ética na dita Câmara Alta.
           Não obstante, se são indicados pelos partidos Renan Calheiros, Gim Argello, Valdir Raupp e Lobão Filho, entre muitos outros, duas questões vêm à mente: haveria possibilidade de dar outra feição àquele Conselho ? E se tal não for factível, a abolição do Senado não mereceria ser objeto de referendo pela Nação ?

                                               ( Fonte: O Globo )

Melhora no Superávit Fiscal

        Ao contrário dos resultados negativos no ano anterior, o Governo central (Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central) registrou um superávit fiscal primário acumulado (economia para o pagamento dos juros da dívida), nos três primeiros meses do ano, de R$ 25,5 bilhões. Tal valor (de janeiro a março de 2011) já supera a meta marcada para o primeiro quadrimestre, orçada em R$ 22,9 bilhões. Assinale-se que, em março, a economia para o pagamento de juros da dívida montou a R$ 9,134 bilhões, o segundo melhor resultado para o mês desde março de 2008, quando foi de R$ 10,606 bilhões. Em março de 2010, ano de eleições, registrou-se déficit de R$4,533 bilhões.
        Dado o desafio do combate à inflação – ontem a Presidente veio a público para manifestar a sua preocupação com a carestia e o compromisso da mobilização do governo nesse sentido (V. também o blog Dilma e a Inflação, de 25 do corrente) – o Ministro Guido Mantega, intento em demonstrar a seriedade do comprometimento com a austeridade fiscal e a redução dos gastos públicos, antecipou a revelação dos números oficiais, a cargo do Secretário do Tesouro, Arno Augustin.
        Ainda consoante o Ministro da Fazenda, a previsão para 30 de abril seria de um superávit primário, cerca de 50% da meta estimada para todo o ano de 2011, vale dizer de R$ 81,8 bilhões. Logo, em quatro meses, estaríamos perfazendo a soma antevista para seis.
        A que se devem tais resultados auspiciosos ? O Governo Dilma Rousseff adota agora o que a administração Lula se recusou a fazer no segundo semestre de 2010.
        Além da reversão dos estímulos dados à economia durante a crise mundial de 2008 – política de desoneração fiscal e de facilidades creditícias – com o corte de R$ 50 bilhões nas despesas públicas, se entra, conforme o Ministro Mantega, em um processo de consolidação fiscal.
        Por outro lado, o Secretario do Tesouro acentuou que se estão reduzindo as despesas em mais de 4%. Tal política contracionista visa a evitar demasiadas pressões inflacionárias. Nesse quadro, somente as despesas com o Programa da Aceleração do Crescimento (PAC) – que aumentaram em 35% - serão mantidas.
       Assinale-se que o melhor desempenho fiscal da União se deve notadamente ao superávit do Tesouro Nacional de R$ 12,3 bilhões. Por sua vez, o déficit da Previdência foi de R$ 3,1 bilhões, um resultado menos ruim do que o de 2010 (percentualmente a Previdência tivera então diferença negativa de 1,7% do PIB), o déficit de 2011 (1,01% do PIB).
       Em função de tais dados, a base existe para a melhoria dos gastos do governo, com o aumento dos investimentos e a perspectiva de eventual queda da taxa de juros, se a inflação for efetivamente controlada. Outro dado positivo, sublinhado pelo Ministro Guido Mantega, está na inflexão das despesas com pessoal (queda de 4,4% de janeiro a março), em relação ao mesmo período de 2010.
       Se o diapasão não sofrer mudanças, e a tendência à recuperação no aspecto fiscal se evidenciar sustentada, os efeitos sobre a elevação nos preços tenderão a fazer-se sentir de forma positiva. No entanto, ainda se afigura cedo para acenar com rebaixas na taxa Selic de juros. A esse propósito, o Secretário Arno Augustin observou que o corte dos cinquenta bilhões no orçamento foi sentido ‘com ênfase’ em março. Resta saber quando se manifestarão os cinquenta bilhões da nova capitalização do BNDES, que a muitos pareceu como o ingresso pela porta dos fundos dos recursos que a badalada redução orçamentária de valor equivalente retirou pela porta da frente.


                                                    ( Fonte: O Globo )

terça-feira, 26 de abril de 2011

Que Santo para nossos dias ?

          Despertou espécie em vários círculos, eclesiais ou não, a rapidez com que o Papa João Paulo II, o venerável servo de Deus Karol Wojtyla será elevado aos altares pelo antigo colaborador e atual Pontífice, Bento XVI.
          Por iniciativa de Papa Ratzinger, foi descumprido, no caso de João Paulo II, o prazo mínimo de cinco anos após a morte, para a instauração do processo de beatificação. O quinquênio é exigido pelo óbvio motivo de que a causa não sofra a influência de fatores emotivos decorrentes da proximidade do desaparecimento do eventual candidato à santidade.
          A beatificação, que é precedida de seu reconhecimento como servo venerável, não deveria ser o produto imediato do sentimento de pesar e da perda ainda recente do Pontífice. O intervalo de cinco anos ensejaria, dessarte, um tempo de reconsideração e de reavaliação da obra, da personalidade e da excelência das respectivas virtudes, para que a eventual decisão seja menos resultado da emoção, do que da reflexão.
          O Papa Bento XVI, que ascendeu à Sede Pontifícia, com 78 anos de idade – em marcado contraste com a relativa mocidade de João Paulo II – terá considerado, a par de seu apreço pelo predecessor, a disponibilidade do tempo para alcançar o que julga como injunção de elementar justiça.
          João Paulo II, o papa polonês, gozou em seu pontificado – o quarto mais longo na história da Igreja - de imensa popularidade, devida em boa parte ao forte caráter e à influência política – refletida notadamente na contribuição para a derrocada do comunismo - a grande capacidade comunicativa, e o incansável trabalho pastoral, com as incontáveis viagens através do mundo.
          O atentado de Ali Agca, a 13 de maio de 1981, no terceiro ano de ministério, lhe marcaria cruelmente a trajetória, porque, após vencer a grave lesão e inesperada recaída na convalescença, Papa Wojtyla perderia, decerto prematuramente, parcela da energia e a desenvoltura que lhe tinham assinalado o início do empenho pastoral.
          Combalido e, mais tarde, com o avanço da doença de Parkinson, realizou esforço indômito para prosseguir com pesada rotina de trabalho. Tal sofrimento fê-lo crescer ainda mais no respeito e na veneração de todos aqueles que, de perto ou de longe, tiveram a oportunidade de acompanhá-lo na sua faina de sucessor de Pedro.
          No entanto, João Paulo II marcaria também a permanência na Santa Sé por acentuado viés conservador – um traço do episcopado polonês e, sobretudo, de seu mentor, o Cardeal-Primaz da Polônia, Stefan Wyszynski – que o levaria, já nos seus albores, a tratar duramente diversos teólogos de nomeada, como Hans Küng, Edward Schillebeeckx e, mais tarde, através do Cardeal-Prefeito do antigo Santo Ofício, a Leonardo Boff, O.F.M. Foi nesse contexto que o maior teólogo da época, Karl Rahner, cunhou, com a habitual reserva, a expressão ‘o inverno na Igreja’.
          Dentro de tal postura, Papa Wojtyla favoreceria prelados e organizações de matiz conservador. Nesse contexto, mostraria especial predileção por José Maria Escrivá de Balaguer, fundador da Opus Dei. Com efeito, João Paulo II beatificaria e canonizaria (em 2002) a Escrivá de Balaguer, a despeito de persistirem várias e sérias dúvidas sobre as suas virtudes heróicas.
          Por fim, - e talvez seja o argumento mais grave contra a beatificação do Papa polonês - a sua inação no que respeita às denúncias de pedofilia na Igreja. Neste aspecto, como assinala Maureen Dowd na sua coluna, apesar de formalmente acusado de pedofilia em processo vaticano, o fundador da Legião de Cristo, o Rev. Marcial Maciel Degollado, manteve o respectivo prestígio com o Vigário de Cristo. Assinale-se, como refere Dowd, que ‘a ultra-ortodoxa Legião de Cristo e a Opus Dei eram as tropas de choque na guerra de João Paulo (II) contra os Jesuítas e outros teólogos progressistas’.
         Entrementes, o Papa do Concílio, João XXIII, teve a própria santidade reconhecida por João Paulo II apenas em 2002. Papa Roncalli morrera em três de junho de 1963 cercado pela devoção dos fiéis e a admiração dos não-crentes, o que fazia crer na proximidade de sua elevação aos altares. Os seus sucessores, no entanto, malgrado a extensão do culto que lhe é dirigido, timbraram em postergar-lhe o reconhecimento eclesial (João Paulo I, dado o caráter efêmero de seu ministério, não pode ser obviamente incluído nessa companhia).
         Em 2000, João Paulo II, nos anos finais do pontificado, beatificou o Papa Bom. Com tantas qualidades – o grande carisma, a bondade, humildade e abertura da Igreja aos tempos modernos – a par da manifesta santidade e amplitude da respectiva devoção, nos defronta a pergunta ineludível: por que a Igreja, enquanto distingue tantos nomes que não suscitam comparável atenção, fervor e veneração, timbra em retardar-lhe a diferida e por muitos ansiada canonização ?
         Recordo-me de em visita protocolar ao Prefeito da Congregação da Causa dos Santos, Cardeal Corrado Bafile, haver perguntado sobre as perspectivas do processo de santidade de Papa Roncalli (João XXIII). Bafile me disse julgar apropriado que os candidatos à santidade tivessem período de espera de cinquenta anos. Posto que então tal norma me parecesse algo despropositada, se fizermos as contas (João XXIII faleceu em 1963) a data de sua consagração estaria iminente, mesmo segundo o critério ultracauteloso do Prefeito da Causa dos Santos...
         Não sei, de resto, o que pareceria àquele Cardeal da Cúria a pressurosa homenagem de Bento XVI ao seu antigo chefe e dileto amigo. De qualquer forma, como nos ensinou o Papa do Concílio, a Igreja precisa sair dos palácios e abrir as janelas para os ares dos novos tempos. Sob o signo da Obediência aos princípios da fé, e da busca da Paz, que nasce de um respeito pelo próximo que vai muito além das fórmulas de conveniência. Em toda a sua longa caminhada Angelo Roncalli seria sempre a epítome dessa vocação de respeito, compreensão e boa vizinhança.


              (Fonte subsidiária: International Herald Tribune)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Dilma e a Inflação

           Como referido no blog A dádiva de Lula não há dúvida sobre quem recai a responsabilidade do ressurgimento da inflação, que tantos planos heterodoxos e ministros da fazenda jogara por terra, enquanto consumia a economia brasileira em decenal estagnação. Só mesmo irresponsável e temerário governante poderia brincar com esse gênio, que somente fora posto na garrafa, ao cabo de grandes sacrifícios, pelo Plano Real,mérito do presidente Itamar Franco e de seu ministro Fernando Henrique Cardoso.
           É bem verdade que na vitória sobre a inflação o governo de então jamais teve qualquer cooperação de Lula e do Partido dos Trabalhadores. Tudo foi feito pelo PT para colocar o Plano no mesmo saco de tantos outros esquemas, como o Plano Cruzado, cujo efêmero sucesso fora bastante para o estelionato eleitoral que dera grandes maiorias no Congresso e muitos governadores ao PMDB. No dia seguinte à eleição, o Ministro da Fazenda, Dilson Funaro e o Presidente José Sarney editaram o Cruzado II, que pôs fim à empulhação do Plano Cruzado.
           A população, que sofrera as agruras da inflação, teve o bom senso de não acreditar na propaganda de Lula, que tudo fez para desmerecer da confiança do público no Plano Real. A estabilidade dos preços trazida pelo Real foi o maior cabo eleitoral de FHC. Contra ele, a demagogia de quem antes liderara as pesquisas se desfazia, incapaz de brigar com a realidade vista em um dia-a-dia que, por fim, trazia segurança na manutenção do valor da moeda e do respectivo salário no fim do mês.
           Já se tratou demasiado do modo leviano com que se buscou agradar ao povo, com as desonerações fiscais e facilidades de crédito, a par do empreguismo desenfreado como ferramenta eleitoreira, e as famigeradas ‘capitalizações’do BNDES, esta suposta mágica varinha que, pelo aumento da dívida pública, suplementaria os níveis insuficientes de poupança para alavancar os investimentos e a economia.
           Tampouco ajudou o Ministro Guido Mantega, deveras mais flexível que o seu antecessor Antonio Palocci, e incapaz de contrariar o sôfrego Presidente Lula, a quem não importava brincar com a inflação, eis que tinha postos os olhos na eleição de sua candidata.
           Hoje sabemos – cortesia do Wiki-Leaks - que a propalada ‘autonomia’ do Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, era estória da carochinha, posto que ainda em doses moderadas. Não obstante, dona Dilma resolveu afastá-lo, e o substituíu com Alexandre Tombini.
           Conhecemos os pendores desenvolvimentistas da Presidenta. Não somos decerto contrários ao desenvolvimento de nossa terra, mas já aprendemos – cortesia do dragão – que o crescimento econômico não se alcança por taumatúrgicos atalhos que desconhecem os riscos da carestia. Se há um país em que as autoridades não têm o direito de alegar desconhecimento de tais perigos é o Brasil.
           Por obra e graça de Lula, refestelado na sua fácil aprovação de mais de oitenta por cento, caíu no colo de sua pupila e Presidenta, com o Palácio do Planalto, o dúbio regalo da carestia.
           A despeito do desaparecimento da inflação, se deixarou em virtual hibernação uma pletora de índices, que sempre cuidaram de satisfazer o insaciável apetite das várias corporações, a começar pelos seus corifeus do judiciário.
           No entanto, redesperta a velha senhora, com a prestimosa ajuda de toda a tralha de índices, ela de repente se transforma de tênue aviso em perigo presente.
           Assim, só pode consternar a fraqueza do Copom, sob a presidência de Tombini, que preferiu os modos brandos de uma alça na Selic de 0.25%, quando a seriedade da situação – e a circunstância de o índice inflacionário já ter quebrado todos os prognósticos oficiais para este ano – exige mais  firmeza e seriedade.
           Assistíramos, neste governo, o mal-disfarçado embuste de um corte no orçamento de R$50 bilhões, que foi logo ‘compensado’por mais uma ‘capitalização’ do BNDES, essa falsa mágica de Mantega, que aumenta a dívida e onera o Tesouro (além de manter a pressão inflacionária, na bisonha prestidigitação que a ninguém engana).
           Se os estratosféricos níveis de popularidade de Lula no seu segundo mandato ensejaram a eleição da candidata por ele inventada, malgrado o tropeço no primeiro turno, o povo pode ser iludido por um tempo, mas não o será por muito se, ao fim e ao cabo, nos encontrarmos em meio ao recrudescimento da inflação, em pleno governo do PT e de D. Dilma. Por maiores que sejam os malabarismos não lograrão fugir à própria responsabilidade histórica de terem sido os vetores conscientes do regresso do temido dragão.
           Pelo Brasil e por todos nós, desejo que o atual governo tenha êxito em afastar este flagelo da economia e dos brasileiros, máxime os mais humildes, aparentemente os mais protegidos pelo assistencialismo do P.T. Que a Presidente Dilma Rousseff não se faça ilusões, em meio às melífluas palavras dos áulicos que enxameiam à sua volta: está diante não de um falso enigma, pois se não vencê-lo, ele a fará morder a poeira dos derrotados. Pelo Brasil, repito, espero que assim não seja. No entanto, por ora, o que se vê, só lança mais lenha na fogueira das inquietações.

domingo, 24 de abril de 2011

Colcha de Retalhos LXXVI

A Insurreição Síria

              Bashar al-Assad, o aliado de Mahmoud Ahmadinejad enfrenta a revolta de seus compatriotas sírios com os instrumentos que recebeu de seu pai, o general Hafez al-Assad. Sem outra legitimação que a da força, assim como das eleições ‘dirigidas’,no décimo-primeiro ano de sua dominação ele se descobre em meio à borrasca de um povo desperto pela revolução árabe democrática desencadeada pelo mártir tunisiano Mohamed Bouazizi.
              O governante sírio tem tentado lidar com o inopinado desafio da sublevação seja com o fuzil, que abate manifestantes desarmados, a clamarem por democracia, seja com mentiras e falsas promessas. Buscando dar a aparência de mudança, Bashar al-Assad multiplica iniciativas cosméticas que sequer enganam aos titeres reunidos na assembleia formada pelos bem-conhecidos pleitos fraudulentos.
              A quem ilude derrogando a lei de emergência, que vige desde o início do regime do partido Baath, nos sessenta, se as novas disposições nada mudam na essência ?
              Tampouco a dança das cadeiras no governo, em que os cortesãos trocam de lugar,
nada altera quanto à realidade da ditadura dinástica dos al-Assad.
              Representante de seita islamita minoritária, a alauíta, Bashar não está sozinho no poder. Além do apoio dessa seita – que teme a predominância da maioria sunita -, mantém aliança com o exército e com os comerciantes abastados, que preferem os privilégios dos al-Assad às incógnitas de um regime seja democrático, seja dominado pelas classes ora insatisfeitas.
              O recurso sistemático à violência letal, em que intenta amedrontar as massas não mais com a ameaça da repressão, mas com a fuzilaria indiscriminada há de recordar exemplos passados que, se porventura lembrados, não trarão o conforto dos mágicos remédios ansiado pelo regime dos al-Assad.
              A história demonstra que apelar para os cossacos, com as suas matanças de multidões indefesas, não é a solução adequada, mesmo consoante os cínicos esquemas do ditador sírio. As ruas coalhadas de cadáveres não foram sinais de bom augúrio para os czares autócratas. O começo das revoluções não nos prenuncia como hão de terminar. Muita vez podem parir até mostrengos, piores dos que se propunham derrubar.
              Se o remédio final pode ser amargo, as forças por ela desencadeadas avançam no próprio caminho, deixando muitas vezes à cega fortuna a decisão da refrega. Por ora, exército e polícia de segurança tratam do ‘problema sírio’ segundo a respectiva natureza. Multiplicam-se os mortos – 88 na antevéspera, culpados por se reunirem e gritar slogans pró-democracia, e mais outros dez, no dia seguinte, culpados esses por acompanharem os enterros dos companheiros abatidos.
              É cedo ainda para esboçar vaticínios. Mas não semelha demasiado tarde para afirmar que o contágio da revolução pôs por terra a falsa ordem dos al-Assad, e o mito da ditadura inexpugnável. Para terror dos Ahmadinejad, dos Lukashenko (Bielorrússia) e até mesmo de Kim Jong-Il (Coreia do Norte) ainda não descobriram a fórmula de lidar com o eterno enigma dos oi polloi (os muitos – como se designava na Antiga Grécia a massa dos habitantes).

A Líbia e a ajuda encabulada da OTAN

              O ditador Muamar Kadaffi parece ter com os civis atitude ciclotímica. Deles se vale amiúde para montar escudos humanos para salvaguardar locais que lhe são de ainda maior valia.
              Na guerra civil entre a frente rebelde e o que resta da Jamairia, aprecia deveras que a organização revolucionária não disponha de armas pesadas. Dessarte, ela se torna presa fácil para as suas investidas, muita vez realizadas com a especial cortesia da OTAN.
              Talvez por causa da sigla – quem pode ter raiva da Otan, diante desse acrônimo que mais dissimula do que revela os países responsáveis – tem sido observada com crescente inquietude, a forma encabulada e a decorrente esparsa presença com que ora se apresenta a ajuda ocidental às forças que desejam derrubar Kadaffi.
              A própria estúpida morte de dois repórteres ocidentais põem uma vez mais a descoberto esse suposto domínio dos ares, que se tem mostrado de singular ineficácia na luta contra a ditadura do coronel líbio.
              Não se pode contestar a John McCain a coragem e a determinação. A visita à Benghazi, nas condições vigentes, em nada se assemelha às habituais missões de congressistas.
              Dentro da atual desencontrada liderança estadunidense – em que assistimos a timidez em certos episódios bélicos contrastar com o regurgitar de comportamentos da administração anterior, em que a enfática negação da tortura os fatos se encarregaram de desmascarar -, a presença do rival derrotado de Barack Obama em 2008 pode contribuir para moldar uma ajuda mais eficaz à Frente Rebelde.
              A revolução árabe democrática aqui se desenvolve em fragmentada guerra civil.
              É crença quase generalizada de que Muamar Kadaffi faz jus ao repouso, após quarenta anos de controverso domínio. Mais por incompetência do campo adversário – e é óbvio que tal responsabilidade não caia de forma exclusiva nos ombros dos rebeldes – do que dos feitos do coronel, o embate se prorroga e se atola nas traiçoeiras areias do deserto.
              Por isso, a passagem pela cena de John McCain pode até ser útil, ao trazer o sopro de uma determinação que semelha muito em falta nos dias que correm.



Anunciado o Fim de um longo reino ?


             Do Iêmen, um dos primeiros países a serem afetados pela revolução árabe, se anuncia a decisão do eterno presidente Ali Abdullah Saleh em renunciar. Como tal disposição não é exatamente nova – a longa luta da população iemenita em afastá-lo do poder já colheu promessas similares no passado – cabe a pergunta se o suposto propósito de Ali Saleh de sair da presidência corresponde à realidade dos fatos, ou a mais um artifício do ditador em agarrar-se à curul presidencial, e aí permanecer contra vento e maré. A revolução no Iêmen alcança enorme maioria. Por toda parte, inclusive de comandos militares, repontam indicações de que não mais desejam a continuação do mando de Ali Abdullah Saleh. E a despeito de tudo e de quase todos, o ditador continua a discursar e a residir na casa presidencial.
            Agora, a derradeira notícia revela que irá afinal exonerar-se, dentro de trinta dias.
            Para quem se agarra ao poder com tal pertinácia, o prazo causa espécie. Não será, porventura, que deseje Sua Excelência explorar mais uma vez a paciência das multidões, e testar, como quem não quer nada, a possibilidade de ao cabo dos tais fatídicos trinta dias continuar em palácio, a cuidar dos interesses do Iêmen, com tem sido, há mais de trinta anos, a sua sárcina ?


( Fontes: International Herald Tribune e Folha de S.Paulo )

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O Amor Chega Tarde

           O filme de Jan SchütteLove comes lately’ (2007) se inspira em três contos de Isaac Bashevis Singer, o Prêmio Nobel que se refugiara em New York, e que escrevia em iídiche, o idioma da comunidade judia da Polônia.
           O personagem central Max Kohn (Otto Tausig), escritor de contos sobre gente comum, como o descreve a apresentadora em uma de suas conferências. Kohn vive com uma eterna namorada, Reisele (Rhea Perlman), em típico apartamento da classe média de Manhattan. Embora ela o trate mais como um irmão ranzinza, está sempre alerta para as suas aventuras. Não pode, contudo, acompanhá-lo em suas viagens a convite de universidades, porque tem de cuidar de sua mãe. Tal presença materna não precisa aparecer, para reter Reisele em New York e condená-la aos próprios ciúmes.
           Os três episódios da trama se passam em Hannover, Miami e Springfield. A morte está sempre presente nessas estórias, tecidas com o displicente humor judeu nas fazendas de realidade, sonho e fantasia. Já a maestria de Schütte, vagando com a facilidade do pensamento em áreas tão diversas, dificulta por vezes a compreensão do espectador do plano em que ora se encontre Kohn.
           Perseguem o personagem mais os pesadelos do que os azuis sonhos de realizadas fantasias. Neles a figura do cobrador personifica com o próprio uniforme o guarda que irrompe no subconsciente de Kohn para inquiri-lo de suas intenções (decerto maldosas), de sua atuação sexual, com a implícita insinuação da impotência. Tudo isso, mesmo na lógica onírica – afinal a sua única culpa é de não encontrar a passagem do trem – vai num crescendo, até que a angústia o empurre para a realidade da cama quase-conjugal com Reisele.
           A figura de Tausig, ator austríaco, lembra a de Woody Allen, unidos que são pelo jeito de intelectual judeu e nova-iorquino, no esplendor de seus setenta anos. Kohn é também o escritor esquecidiço, sempre a perder coisas, enquanto a secretária e amante busca organizar-lhe a vida.
           Kohn costuma ir de trem para os seus compromissos. Interessante o contraste entre Hannover e Springfield. Na primeira cidade, o conferencista tem a esperá-lo um comitê de admiradoras, que o conduzem para a conferência. Lá o professor-titular que o convidara não dá as caras, mandando outro professor que nada conhecia de sua obra. Kohn lê a conferência preparada para um auditório, cheio de cadeiras vazias, e que não faz perguntas.
           Em outra esfera, contudo, a incursão lhe acena com antigos amores. Reencontra Rosalie (Barbara Hershey), que foi sua estudante e com quem teve um caso. Ela se revela um espelho feminino das conquistas de Kohn, eis que tampouco as suas relações têm o selo da estabilidade – e é o que de novo os atrai, por uma noite.
           Tudo muda na ida para a escala de Springfield. O cobrador é atencioso, ao acordar o viajante exausto para a chegada na próxima estação, destino do professor-conferencista. Desta vez, contudo, na plataforma não há ninguém a esperá-lo e ele tem de tomar um táxi para procurar o hotel.
           Na verdade, para seu espanto, é apenas um albergue. O empregado da noite, um sikh hindu, com turbante e tudo, o ignora completamente. Não há, na hospedaria de terceira classe, reserva alguma em seu nome. O hindu toda vez que o nomeia, o faz com um sobrenome diverso: é Khan, é Cohen, mas nunca, apesar dos apelos do escritor – eu me chamo Max Kohn - tem condições de chamá-lo corretamente.
           Parece pesadelo, mas Kohn se defronta com imprevista realidade. Por fim, consegue um quarto sem banheiro. Pouco depois, o porteiro volta para advertir Mr. Khan que de modo algum saia do aposento. O motivo ? a mulher que dormia no quarto ao lado se suicidara e estavam removendo o corpo.
           Sem dinheiro e sem modo de contactar os anfitriões – uma tentativa desesperada para que a namorada lhe transfira dinheiro bate no rochedo da raiva de Reisele que ao redescobrir-se,mais uma vez, traída pelo companheiro (ele não estava no hotel de Hannover e ela não teve dúvidas de que partilhava a cama com as ... de sempre – deixo para o leitor o palavrão). Chega até a mandar-lhe  recado pelo eterno sikh, que repete para Mr. Cohen o desabafo raivoso de Reisele.
           Nesse momento, só em seu quartinho, resolve esquecer o aperto, e escrever um conto.
           Por fim, o sofrimento do herói goza do benefício de uma pausa. O comitê universitário que o convidara vem buscá-lo. Como não lograra dar com o bilhete de Reisele, em que estava o nome do hotel, trocara as bolas e fora parar no Springfield Mountain e não no Springfield Fountain, onde tudo estava preparado para ele.
           Nessa univerdade, o espera um auditório repleto, e quem o apresenta, o faz em palavras de conhecedora do consagrado escritor de contos sobre gente comum. E ele os cativa não com a conferência – perdida junto com a pasta que lhe dera Reisele – mas com a narração da estória que acabara de redigir.
           Neste episódio se repete o personagem distraído de Miami, a quem as mulheres procuram e se oferecem, em um ritmo que mais semelha ditado por regras que fluem com inacreditável naturalidade onírica. Passivo, ele convive com absurdas situações – como a do homem que o carrega, como testemunha, para a casa da ex-mulher e do companheiro, a quem vai exterminar com uma quase bazuka.
           A esperança renasce quando o procura a vizinha Ethel (Tovah Feldshuh). Tudo parece correr à maravilha, tanto que ela o convida para almoçar no seu apartamento, que é contíguo ao do heterônimo de Kohn, no caso Bendeman.
           Ethel está encantada com as parecenças do personagem Bendeman com as de seu falecido esposo. A tal ponto está entusiasmada que pensa na possibilidade de unir-se com Bendeman. Este, induzido pela abertura de Ethel, a beija longamente na boca. No entanto, esse abandono da passividade será fatal para a relação e para a própria Ethel.
           Decerto, por culpar-se dessa traição ao morto, ela pede a Bendeman que saia de sua casa, e deixa claro que deseja dar um tempo nos respectivos ardores. Para surpresa do personagem, ele não tardará a saber que a senhora morte interveio mais uma vez, agora pelo suicídio de Ethel.
           Em Max Kohn, escritor de relativa fama, que pode receber o súbito pedido de autógrafo de jovem admiradora, convivem diversos personagens, o do refugiado que teme os interrogatórios da Gestapo, o conquistador-passivo, a vítima de pesadelos que o visitam tanto nas poltronas de um trem, quanto no próprio quarto, o paciente que se queixa da operação da próstata, o nova-iorquino de classe média, cercado e por vezes sufocado pelas atenções da namorada-amiga.
           O espectador agradece a Jan Schütte haver sabido retirar da obra de Singer, e de forma tão harmônica, muitos dos dybbuks (demônios) que lhe assombram os livros, e que Max Kohn (Otto Tausig) ora nos apresenta com um quase jeitão de Woody Allen.

Não brinquem com a Reforma Política

          A comissão que se ocupa da reforma política tem revelado alguns pontos que merecem apoio. Reporto-me à abolição do infeliz instituto da reeleição que tanto tem contribuído para desvirtuar a política. Reinstaurado o mandato de cinco anos sem reeleição imediata embora, na aparência, regressemos no tempo, na verdade estaremos contribuindo para eleições mais abertas com menos corrupção. Não esqueçamos que a redução do mandato de cinco para quatro anos já fora um casuísmo do mal utilizado período de revisão determinado pela Constituição de 5 de outubro de 1988. Temia-se, na época, a futura eleição de um certo sindicalista. Por isso, foi decidido diminuir-lhe a extensão de um eventual mandato.
          Mais tarde, FHC lograria arrancar do Congresso – com os meios sabidos – a desejada reforma constitucional. E a introdução da reeleição no Brasil – que nunca fora acolhida por nossas constituições republicanas democráticas – teve os resultados já pressagiados por muitos.
          Voltemos, contudo, aos primeiros trabalhos deste Congresso por reforma política. Outra medida que é boa pela metade seria a supressão do segundo suplente senatorial. Na verdade, os suplentes são excrescência na democracia, resquício do patrimonialismo ibérico em nossas Cartas. Até a Constituição Cidadã votou tal aberração. Não há a menor necessidade de suplentes para os senadores. No caso de impedimento, temporário ou permanente, haveria dupla solução: na primeira hipótese, o substituto seria indicado pelo governador do estado com o referendo da assembleia legislativa respectiva; na segunda, se convocaria pleito para prover o restante do mandato do senador, e se este tempo fosse inferior a dois anos, se adotaria o procedimento anterior.
          Por outro lado, ninguém aqui se reporta aos prazos estabelecidos pela Constituição da República Helênica para as reformas constitucionais. As modificações à Carta magna são coisa séria. Tornar-lhes a tramitação mais lenta, é uma clausula de reserva democrática. Emenda à constituição não é alteração de lei ordinária. Como o jabuti de Vitorino Freire, se a norma é constitucional, requer um certo prazo para ser retirada ou transformada. Não são, portanto, suscetíveis de serem afastadas por procedimentos açodados, de afogadilho, como se fossem matéria de somenos.
          Reporto-me, dessarte, à sugestão anterior do blog, em que as reformas constitucionais careceriam, para entrarem em vigor, da aprovação, de dois terços de duas legislaturas sucessivas. Nessas condições, aprovada pela primeira legislatura, seria colocada a voto, no prazo máximo de três meses após a entrada em funções da nova legislatura. No caso de não ser ratificada pela segunda legislatura, a proposição caducaria, e para que se tornasse eventualmente emenda constitucional, todo o processo deveria ser reiniciado. Não haveria empecilho, contudo, em que tal processo fosse reencetado na mesma legislatura que a rejeitara, sempre condicionada a sua confirmação definitiva à legislatura posterior.
          A proliferação dos partidos – beiramos o rídiculo número de trinta – é um achincalhe para a democracia. Abundam as legendas, com os seus inanes programas. Na verdade, desvirtuam todo o processo e muito contribuem para o generalizado cinismo com que são vistas muitas dessas agremiações. Quantas não servem para legendas de aluguer que proporcionam minutos ou até segundos de tempo extra na época dos chamados programas gratuitos de propaganda eleitoral ?
          Com todas as pretensas reformas visando a resguardar o troca-troca partidário, a inventiva e a tolerância têm proporcionado que a dança das cadeiras continue. Que base dogmática ou de autêntica renovação pode ser atribuída seja ao Partido Republicano Brasileiro, seja ao novel Partido Social Democrático (que macaqueia a designação de antigo partido do establishment, de par com o PTB, voltado para os trabalhadores, então criados por Getúlio Vargas) ?
          A reforma política é necessária, mas não os arremedos dela, que nada mais são do que artifícios para ensejar as trocas de partido sem o risco da perda do mandato.
          Por outro lado, essa reforminha que pretende apresentar nos dias de eleição listas fechadas para a ratificação dos eleitores, mais do que deboche é um acinte despudorado à democracia.
          Os senhores congressistas, por óbvias razões, temem as forcas caudinas dos processos eletivos. Impor agora listas fechadas seria ulterior retrocesso em sistema já corrompido e desigual. Por que não estabelecer distritos eleitorais, para cada um dos quais seria eleito quem tivesse a maioria dos votos ? No caso específico, cada distrito elegeria o deputado que obtivesse a maioria absoluta do colégio distrital. Seria necessária, portanto, uma segunda votação, a quinze dias da primeira, se nenhum candidato houvesse obtido maioria absoluta. Concorreriam os dois primeiros colocados, como é o uso na França, dentro do sistema dito de ballottage.
          Portanto, senhores parlamentares, não nos venham com falsas reforminhas, truques que somente visam a prorrogar sistemas de que a prática já demonstrou para o que servem. Se subsiste, no entanto, a lídima intenção de construir um futuro digno, em que corrupção e corporativismo não logrem proliferar, é mais do que hora de nos desfazermos de tais mecanismos. Se não, será exercício de prestidigitação que muda apenas o indispensável para que tudo fique como está.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Jirau: a Expulsão dos Peões

        Há muita coisa que causa estranheza no movimento operário em Jirau. A mídia falou de suas características, da rapidez com que se alastrou a outras obras do PAC, em seletiva cobertura da greve e da alegada violência. Em colunas de comentaristas, foi dada ampla guarida ao discurso empresarial, que supostamente não atinava com o motivo de sua eclosão. Tais jornalistas, que transcreveram com extrema correção a versão dos patrões, terão inserido, aqui e ali, sub-reptícia ironia ou guardado aceno de eventual suspicácia quanto à credibilidade da história contada por gente do andar de cima.
        No Congresso, que se saiba, não se alçou ninguém à tribuna, para tratar do assunto e levantar a possibilidade de investigação acerca dos eventos de Jirau. Poder-se-á dizer que o atual poder legislativo, perdido no dédalo do corporativismo, não se assinala por tais iniciativas. Os seus integrantes semelham só interessar-se por assuntos pro domo sua, quando não se pilham envolvidos em escândalos. Por mais medíocres e apagados que surjam diante de nós Câmara e Senado, faltos de motivação e talvez de competência, resta sempre a tenaz esperança de que alguém se anime a suscitar a questão.
        Conforme refere Elio Gaspari – o único que em ‘O ocaso do sindicalismo emergente’ tratou do tema – na segunda-feira, dezoito de abril, milhares de trabalhadores aceitaram acordo coletivo negociado pela empreiteira Camargo Corrêa com a CUT e o sindicato dos operários na construção civil de Rondônia. Horas depois, sempre segundo Gaspari, a empreiteira anunciou que demitirá quatro mil empregados.
        Tal afrontosa degola de indefesos peões parece lembrar outros tempos, não o de um governo em que o Partido dos Trabalhadores é a principal força dirigente, a começar pela Presidenta.
        O Ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, e homem da confiança de conhecido sindicalista, hoje ex-Presidente da República, antecipara na semana passada – lembra mais uma vez Gaspari – o corte de operários, argumentando que a construtora contratara gente demais.
        Em torno, silêncio. Dirão alguns, um atroador silêncio diante da demissão em massa. Silêncio do bem-encorpado e falante Ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, e das grandes centrais, da Força Sindical do Deputado Paulinho Pereira da Silva e, last but not least (por último, mas não menor), do presidente Artur Henrique, da celebrada e aguerrida Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do P.T.
        Dispensa de quatro mil operários não é assunto de somenos. Sobretudo se com a tinta ainda úmida das firmas do acordo coletivo. Em tais circunstâncias, não poderá deixar de parecer não só punitiva, mas também uma virtual retomada do absoluto controle pela grande empreiteira.
        Como o levante fora reação de gente humilde, em que o peso do número ensombreceu os núcleos diretivos, agora a mão pesada do patrão cai sobre quatro milhares de pessoas, que vão pagar por um movimento de todos os peões da obra.
        Nenhuma reação das estruturas do governo do Partido dos Trabalhadores. Na verdade, se reação há é a dos empresários.
        No entanto, por humildes e anônimos que sejam os integrantes desta espontânea revolta, e por calados que estejam os que vivem do discurso da defesa do trabalhador, a verdade dos pequenos peões e o porquê da sua fúria contra os métodos e as garantias da Camargo Corrêa, quiça demasiado confiante na modéstia e no isolamento do formigueiro humano que construía a hidrelétrica de Jirau, tal verdade, mais cedo ou mais tarde, se erguerá com traços ríspidos e implacáveis.
        À sua volta, as autoridades lamentarão que os fatos sejam afinal descobertos. É uma pena, dirão os mais loquazes entre os medalhões, que os responsáveis não mais possam receber o merecido castigo.


                                                           ( Fonte: O Globo )

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Acordo Florestal ?

          Segundo noticia O Globo, o governo, sob a batuta do Ministro Antonio Palocci, fechou acordo sobre proposta comum do novo Código Florestal. Há indicação de que dois ou três itens do projeto Aldo Rebelo irão a voto do plenário da Câmara.
          Consoante o informe, o mais importante desses ítens concerne a agricultura familiar e a pequena propriedade rural. A posição do Ministério do Meio Ambiente é de que as propriedades de até quatro módulos (ou 150 hectares) também sejam obrigadas a ter uma reserva legal. Discordam os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, que sustentam sejam tais pequenas propriedades isentas da obrigação da reserva legal.
          Participaram da reunião no Planalto, coordenada pelo Chefe da Casa Civil, os ministros Luiz Sérgio (Relações Institucionais), Wagner Rossi (Agricultura), Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Afonso Florence (Desenvolvimento Agrário), assim como os deputados, Presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) e relator do projeto, Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
          Apesar de o adiamento da votação ter sido preconizado por petistas, a expectativa do Palácio do Planalto está em votação na próxima semana. Tal propósito se tornou ainda mais provável com a manifestação da presidente Dilma Rousseff - ‘Eu quero votar’- o que aparentemente dirime a questão.
          Infelizmente, há alguns pontos não esclarecidos. Além da obrigação da reserva legal para as pequenas propriedades de que me ocuparei adiante, que outros ítens de suposta desimportância seriam aqueles excluídos do consenso ?
          Nesse capítulo, em princípio, há motivo para duvidar da irrelevância de tais ítens. Parece existir aqui certa contradição. Se não são importantes, por que distinguí-los com a votação em separado ? O procedimento semelha apontar no sentido contrário, eis que há razão de inferir que os ruralistas os acreditam merecedores da votação singular. Se não valessem a pena de tal desgaste, não os teriam apartado para a decisão pelo voto.
          Pergunto-me, outrossim, se não seria o caso de deixar maturar a decisão da Câmara por mais um tempo. Pelo indicado, é o sentir também de petistas (como o é da Frente Ambientalista que, por diversos motivos, não tem pressa na votação).
          Tampouco entendo porquê a Presidenta é partidária de votar logo. Qual é o motivo da urgência presidencial ? Será acaso o prazo da multa para os desmatadores, com os ‘sursis’ generosamente dispensados pelo antecessor Luiz Inácio Lula da Silva ? Temeria Sua Excelência que os culpados do desmate não escapem da multa legal, se ainda vigente o atual Código Florestal ?
          Se é o caso, há um outro quesito importante que será resolvido pelo projeto Rebelo, vale dizer a dispensa da multa. Eis que, ou muito me engano, será este o único motivo plausível da pressa presidencial.
          Dada a relevância do meio ambiente – e mãe Natureza disso nos recorda com inaudita brutalidade em fenômenos de que a incrementada letalidade só podemos atribuir à estúpida negligência dos humanos (ou o que é pior, à cínica e estulta transferência para as vindouras gerações das omissões e ações das presentes) – se me afigura lamentável que o Planalto não apresente projeto de Código Florestal que consubstancie a posição do Executivo, sem discrepâncias ou vias alternativas.
         Tal postura igualmente se reflete em considerar cabíveis de isenção da reserva legal as pequenas propriedades de até 150 hectares. Assim como não devemos permitir construção em encostas ou no cimo dos morros, ainda que por uma isolada residência, tampouco se deveria consentir que as pequenas propriedades não tenham qualquer obrigação legal em termos de reservas florestais (inclusive quanto a matas ciliares). As avalanches, as enxurradas, cujos efeitos devastadores são demasiado bem conhecidos, em geral visitam aquelas áreas que não tenham atendido às injunções de elementar prudência. Porque em tais situações, muitas pequenas propriedades contribuem para agregar os fenômenos acima referidos, que ganham força agregada pela soma da alegada pluralidade das pequenas áreas, que, por amarga ironia, compõem a potência inercial de tais flagelos que sóem ignorar as demarcações de propriedade.
         Não será com medidas demagógicas que se evitarão desastres naturais. Nem com censuras a posteriori, como se a autoridade pública não tivesse qualquer responsabilidade na amplitude humana e material dos efeitos de tais fenômenos.
         Seria, por conseguinte, de toda oportunidade que o Governo Dilma Rousseff tivesse melhor consciência do desafio ambiental. Se o fizesse, estaria mostrando que tem bem presente o interesse da Nação, na preservação do meio ambiente. Pois tal postura beneficia a todos indistintamente, inclusive aos ruralistas.


                                                       ( Fonte: O Globo )

terça-feira, 19 de abril de 2011

EUA: Impasse Político Afeta o Mercado

           A ‘Standard & Poor’s’, agência de avaliação de investimentos, deu projeção negativa para sua indicação de risco da dívida soberana estadunidense. A S& P, ao passar sua avaliação de ‘estável’ para ‘negativa’, assinalou que existia risco de que não se chegasse no Congresso a acordo quanto à maneira de enfrentar os problemas orçamentários do país.
           Em consequência a Bolsa de Wall Street registrou queda acentuada. Os principais índices caíram em 1.4%, com incremento nos preços das obrigações e baixa nos níveis de juro. Houve também inflexão negativa nas bolsas europeias, mas a instabilidade no Velho Continente se deveu mais a fatores europeus (ganho de nacionalistas em eleição finlandesa, e rumores de reestruturação da dívida grega) do que ao problema no Congresso americano.
           Ao trazer o impasse congressual quanto à aprovação do orçamento e, tomando a sério a possibilidade de que a elevação do teto da dívida pública federal (atualmente em US$ 14,25 trilhões) não se efetive, a crise legislativa não mais se limita às implicações políticas, mas estravasa para as financeiras.
           Conhecidas as consequências financeiras – V. blog O Impensável pode acontecer, de 12 de abril corrente – de eventual malogro no Congresso, cresce a pressão da opinião pública sobre a absoluta necessidade de entendimento entre democratas e republicanos.
           Dada a postura da nova maioria do G.O.P. na Câmara dos Representantes, é de supor-se que haverá na liderança da oposição a acrescida consciência de que a sua tática de tornar a elevação do teto da dívida refém de suas propostas radicais na elaboração do novo orçamento é uma linha de ação deveras arriscada.
           Atacando os programas Medicare e Medicaid, assim como tentando esvaziar a Reforma Sanitária, pelo atalho orçamentário, o projeto do novo presidente Paul D. Ryan, da Comissão de Orçamento da Câmara, entra em uma área assaz controversa. Nesse contexto, ao ser confrontado com tais alterações – que desfiguram velhas e novas conquistas dos democratas – a observação do Presidente Barack ObamaVocês pensam que sou idiota ?’- bem acentua a temeridade política republicana e a reação da Administração e de sua representação no Congresso.
           Os republicanos – excluída a franja dos novos representantes oriundos do Tea Party – podem ser duros negociadores, porém não são ‘suicidas’ políticos. Se caracterizada a chantagem política da ligação de uma meta partidária à eventual aprovação de novo teto da dívida pública, os seus próceres – o Speaker John Boehner e Mitch McConnoly, líder da minoria no Senado - não hão de ignorar o que significaria eles serem atrelados a esse esquema irresponsável e insano.
           Com a mudança de atitude do Presidente Obama, desfazendo-se da contemporização e de inviáveis propósitos bipartidistas, o mais provável é que os profissionais da política assumam o controle do encaminhamento das negociações tendo em vista o interesse nacional. Se os tempos dos largos entendimentos bipartidistas são coisa do passado, o sentido político e notadamente o de sua sobrevivência eleitoral poderá ser fator relevante para que a liderança republicana se conscientize dos perigos de valer-se de ameaças descabeladas para obter em passe de mágica soluções consoante a cartilha da ala direita do GOP, com o enfraquecimento dos programas sociais, o continuado favorecimento fiscal dos mais abastados, e o reforço no orçamento destinado à Defesa.
          É de esperar-se que os temores de Wall Street possam influenciar os republicanos. Estando os objetivos políticos condicionados pelo possível e o aceitável, é de augurar-se que os mais experientes se capacitem dos riscos de procedimentos demasiado radicais. Como se sabe, há sempre a possibilidade de que com a água do banho, também vá junto o bebê que se deseja preservar.


( Fontes: International Herald Tribune e Folha de S.Paulo)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Então o Mensalão nunca existiu ?

            Depois de interminável tramitação no Supremo Tribunal Federal, causada,entre outros, pela inchação das testemunhas e a lentidão da Polícia Federal em concluir a investigação, agora paira no ar uma fanta-realidade: o episódio do mensalão não passaria de tentativa de golpe, cruel peça pregada ao pobre Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao governo do Partido dos Trabalhadores.
            Todos nós recordamos como tudo começou. O vídeo de Maurício Marinho aceitando com naturalidade e experiente piparote dos dedos, propina de três mil reais, que como diretor dos Correios recebia. O caso avançaria com a confissão de Roberto Jefferson e levaria de roldão o chefe da Casa Civil, José Dirceu, o presidente da Câmara, João Paulo Cunha, e muitos mais.
            Apesar das vítimas propiciatórias no altar das cassações, o escândalo rondou o gabinete presidencial. Lula sempre alegou desconhecer a questão, buscando de resto banalizá-la como se o dito mensalão não passasse de um caixa dois, ‘o que todos fazem’.
            Os caciques do PSDB acreditaram que o touro estivesse sangrado o bastante, e que o eventual castigo político lhe seria ministrado no pleito de 2006. Do mensalão e de sua história, só restou o processo que se arrasta no STF.
            Oportuna, portanto, a entrevista ora concedida à Folha de São Paulo pelo ex-Procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.
            Quanto à demora da Polícia Federal em concluir a investigação, aduziu o ex-Procurador-geral: “O trabalho de investigação deve ser mais célere.(...) Se dependêssemos desse relatório (da P.F.), é possível que estivéssemos esperando até hoje. A investigação tem que ser conduzida para esclarecer fatos com a maior brevidade, não pode ficar pesando indefinidamente sobre os ombros das pessoas.”
            No que respeita à tentativa em curso de reabilitação política de alguns personagens do mensalão, como o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), cuja indicação para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara causou estranheza, assim se expressou o Dr. Antonio Fernando de Souza: “Não sei se o termo certo seria reabilitação porque houve apenas o recebimento da denúncia, não houve condenação ainda. Essa questão da reabilitação está no plano político. Do ponto de vista jurisdicional, continuam submetidos a julgamento. Agora, esta ‘reabilitação política’ não pode sugerir que tudo passou de uma invencionice. Estou plenamente qualificado a dizer que tal suposição é incorreta.”
            No que concerne ao emprego de dinheiro público, o ex-Procurador-geral foi taxativo: “A investigação apontou nesse sentido e a denúncia descreve que recursos públicos foram utilizados. Se eu tivesse dúvida, não teria apresentado a denúncia. Pelo menos parte relevante dos valores teve origem em recursos públicos.”
            O relator do processo do mensalão, Ministro Joaquim Barbosa, afirmou recentemente que a instrução estará concluída em abril ou maio deste ano. Como se sabe, a Procuradoria-Geral da República apresentara denúncia ao STF em abril de 2006, o Supremo a acolheu em agosto de 2007, quando teve início a ação penal. A ação se arrasta, sobretudo em função dos recursos processuais dos advogados, mas há indicações de que a questão será julgada em futuro próximo. Nesse sentido, a última providência de monta foi a determinação da quebra do sigilo fiscal de todos os trinta e oito réus do processo. A denúncia inicial fora contra 40 réus. Ao cabo de cinco anos, no banco dos acusados restam 38, devido à morte do deputado José Janene (PP-PR) e ao acordo com a Justiça do secretário-geral do PT, Silvio Pereira, retirado do processo em troca de pena alternativa.
            Dos dezenove deputados acusados, foram cassados somente três (Roberto Jefferson (PTB-RJ), José Dirceu (PT-SP) e Pedro Corrêa (PP-PE); quatro renunciaram : Valdemar Costa ( PL-SP), Carlos Rodrigues (PL-RJ), José Borba (PMDB-PR) e Paulo Rocha (PT-PA) e os demais doze foram absolvidos, entre os quais João Paulo Cunha, Professor Luizinho (PT-SP) e João Magno (PT-MG).
            A despeito de tantos caídos e outros implicados, do processo penal que corre no STF, o ex-Presidente Lula e a vanguarda petista batem sempre na tecla da armação política, de uma tentativa de golpe, etc. etc.
            Caberá ao Ministro Joaquim Barbosa encaminhar com o seu relatório para o plenário da Corte. Com base na instrução do respeitado Ministro, se iniciará o julgamento. Veremos, então, o que surgirá dessa longa tramitação e qual será a sentença dos Ministros do STF no que tange aos 38 réus. A sociedade brasileira poderá afinal chegar a uma conclusão de o que realmente significou o chamado ‘mensalão’.


                                                    ( Fonte: Folha de S. Paulo )

domingo, 17 de abril de 2011

Colcha de Retalhos LXXV

Tudo é notícia ?

           O New York Times, talvez o maior jornal do mundo, estampa no alto do canto esquerdo de sua primeira página, o que seria a sua divisa: ‘All the news that’s fit to print’ (todas as notícias que seja próprio publicar). Tais critérios decerto variam de acordo com os tempos, como um estudo dos temas e enfoques do New York Times não deixaria de evidenciar.
           Aqui, não se trata de autocensura. O jornal publica aquilo que acredita deva ser levado ao conhecimento do leitor, mesmo o que o governo da época julgue não-suscetível de publicação. A cobertura dada pelo New York Times aos Pentagon Papers (Documentos do Pentágono), que foi contestada judicialmente pela Administração Nixon é um exemplo bastante ilustrativo dessa distinção.
           Por que me estou reportando a esse moto do N.Y. Times ? Pela simples razão de que nada tem a ver com autocensura – aquela praticada durante o regime militar por muitos jornais brasileiros, com a proeminente exceção do Estado de São Paulo – e sim com a necessidade de não dar destaque a projetos e posturas de criminosos.
           Pergunto-me qual é o proveito da sociedade em saber, v.g., que Wellington Menezes de Oliveira pensara em pilotar avião para chocar-se com a estátua do Cristo Redentor ? Ou estampar em três colunas na primeira página da Folha de S. Paulo foto encontrada no computador do assassino em mira para a câmera (segundo a legenda do jornal), ou para o eventual leitor (conforme a impressão de qualquer leitor) ? Excluído o sensacionalismo de gosto discutível, não vejo outro propósito para tais notícias.
           Não creio que seja desígnio da Folha – ou da Rede Globo – de dar realce à mente esquizóide e conturbada de Wellington. Mas dedicar tanto espaço aos escritos de um homicida que, para vingar-se do bullying sofrido na escola Tasso da Silveira, matou, com requinte de crueldade, dez meninas e dois meninos, não seria dar a outros leitores dessa faixa marginal a errônea ideia de que se estaria conferindo um generoso espaço a intuitos tão potencialmente criminosos e antissociais ?
           Para quem não terá lido os numerosos blogs que escrevi contra a censura – notadamente quanto à estranha sentença,dada em favor de Fernando Sarney, e até hoje de pé, do Desembargador Dácio Vieira, impondo a mordaça à reportagem do Estado de São Paulonão é caso de qualquer norma legislativa a respeito, dada a sua manifesta inconstitucionalidade. Por isso, aludi à divisa do New York Times. Publicar o que é de interesse público será sempre competência exclusiva do redator-em-chefe do jornal.
           Não seria, portanto, o caso de ter isso presente ?


O poder dos traficantes no Norte do México

           No nordeste mexicano se verifica uma sucessão de macabras sinalizações de quem realmente controla o território. Próxima da fronteira com os Estados Unidos, na costa do Golfo, foram encontradas valas comuns, em que se amontoam corpos. Na mais recente descoberta, no estado de Tamaulipas, se desvelaram os restos mortais de 72 migrantes da América do Sul e da América Central.
           O que antes se supunha, torna-se do conhecimento público. Largas extensões do norte do México, e a maior parte do estado de Tamaulipas estão sob o poder do tráfico. Em um cenário de país desgovernado (‘failed State’), que se imaginava só existir no Somália e em áreas do Afeganistão, áreas sob o tacão do tráfico – como, no Brasil, o era o complexo do Alemão – se encontram nos Estados Unidos Mexicanos.
           Em Tamaulipas disputam o mando gangs rivais – o Cartel do Golfo e os Zetas – diante da impotência da autoridade constitucional. Além de terem assassinado no ano passado o principal candidato ao governo do estado, o poder do tráfico se firma, seja pela eliminação física, seja pela corrupção (no caso das chamadas forças da ordem).
          Quando a correspondência diplomática relativa ao México veio a lume através do WikiLeaks, o Presidente do México, Felipe Calderón - cuja luta contra a corrupção tem encontrado obstáculos de relevo (sobretudo na falta de colaboração efetiva de altos representantes nas forças policiais) – tornou inevitável a saída do embaixador americano, Carlos Pascual. Em telegrama secreto, Pascual citou um ‘antigo alto funcionário governamental mexicano’ que ‘manifestara real preocupação com a ‘perda de certas regiões’ do país para os cartéis’ (do tráfico).
          No que tange aos problemas de Tamaulipas, os ‘Zetas’ eram, de início, uma espécie de milícia do Cartel do Golfo. Muitos dos chefes dos Zetas, máxime na fase inicial, eram ex-militares, e se valeram dessa experiência para exercer intimidação que vai muito além da de seus rivais. Nesse contexto, nenhum jornal local ousa estampar as fotos distribuídas pelo governo dos dezessete suspeitos dos últimos massacres em San Fernando.
          Nesse quadro da impotência da autoridade oficial perante os senhores do tráfico, a atividade do governo se cinge na identificação dos mortos. Assim, os dois ‘centros’ da atuação oficial estão no necrotério e na repartição do promotor, conquanto as detenções sejam escassas.
          O Estado, se entendermos por isso a vis publica, está ausente de Tamaulipas e de muitas outras áreas no norte mexicano.

Revelações sobre a segunda Condenação de Mikhail Khodorkovsky

          Veio afinal à tona o que já se suspeitara: o juiz Viktor N. Danilkin - que presidira ao processo contra o ex-magnata do petróleo, Mikhail B. Khodorkovsky – admitiu que o  veredicto lhe foi ditado por seus superiores. Na época, se assinalara o interesse do Primeiro Ministro Vladimir Putin no caso de seu desafeto. Khodorkovsky foi condenado como culpado de peculato nesta segunda ação, e teve a permanência na prisão prorrogada até 2017.
          No que concerne à ação contra Khodorkovsky, a imprensa russa já publicou entrevistas reveladoras de funcionários judiciais. Dessarte, em fevereiro último, antiga assistente da corte, Natalya Vailyeva, declarara que autoridades tinham exercido pressão de forma persistente sobre o juiz Danilkin.
          A despeito do desmentido do juiz, ex- funcionário da justiça, Igor Kravchenko asseverou: “Ele falou dessa forma sobre o juízo: ‘Basicamente eu decido sobre isto. Como eles dizem, é assim que deve ser.’ Kravchenko disse, outrossim, que o juiz Danilkin era convocado com frequência à Corte da Cidade de Moscou para reuniões, e que ele ficava claramente exasperado com as exigências de autoridades superiores.
          Kravchenko foi demitido em maio passado, após autorizar os advogados da defesa de Khodorkovsky a trazer para a corte uma jarra de petróleo cru, que seria utilizada na intervenção da defesa.
          Por fim, Khodorkovsky ganhou, por intermédio de sua banca advocatícia, um round na luta contra o Kremlin. A Corte Suprema acolheu o recurso de Khodorkovsky de que havia sido mantido ilegalmente preso por meses, malgrado a legislação que permite serem julgados em liberdade os acusados de crimes contra a economia.
          Não obstante, essa ‘vitória’ de Khodorkovsky lhe será de pouca utilidade no momento, eis que já se encontra servindo a sua segunda sentença (a primeira fora por alegados crimes contra o Erário).
          No entanto, a decisão da Corte Suprema e os vários depoimentos sobre a interferência no segundo julgamento poderiam, em tese, favorecer uma ação dos advogados do antigo magnata do petróleo para a anulação da sentença do juiz Viktor Danilkin.

       ( Fontes: Folha de S. Paulo, International Herald Tribune)

sábado, 16 de abril de 2011

Vamos dançar com dona Inflação ?

       Ressoam ainda as sábias palavras de atilada colunista de que, em país com o histórico do Brasil, não se deve brincar com a inflação. Infelizmente, com propósitos políticos bastante determinados, o governo preferiu ignorar os avisos e pôr em risco o maior ganho econômico que nos legou a década de noventa. Se já é tarde para chorar sobre o leito derramado, em meio a bazófias, importa deixar caracterizada a irresponsabilidade.
       Em reunião do Fundo Monetário Internacional, o Presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, sinalizou que o país se acha ‘em meio a ciclo de aperto monetário’. A alusão ao recrudescimento inflacionário semelha óbvia, assim como previsíveis as providências da autoridade monetária.
       A grande liquidez atual, resultado dos fluxos de dólar estadunidense depreciado e do próprio real apreciado, apontam para a elevação da taxa Selic de meio ponto percentual (0,5%), ao invés de 0,25%, que era a previsão anterior do mercado. No momento a taxa Selic está em 11,75%, e o mais provável, portanto, seria a sua alça na reunião do Copom da próxima semana ao patamar de 12,25%.
       Dada a atração de uma taxa de juros desse nível para inversores em dólares (dados os baixíssimos juros vigentes por decisão da Federal Reserve nos Estados Unidos), o fato de haver incremento no afluxo de dólares para o mercado brasileiro, tal circunstância representa dádiva de dois gumes para a nossa economia. O ingresso de dólares contribui para o equilíbrio da balança de transações correntes, compensando a saída de divisas causadas pelo real mais forte (aumento das importações e mais dispêndios no ítem de turismo, entre outros). Por outro lado, contudo, incha a liquidez na economia, e por conseguinte, aumenta a pressão inflacionária, por via do aumento do crédito.
      Diante das duas grandes competições que o Brasil pleiteou e logrou sediar – a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas no Rio de Janeiro, em 2016 – muito se espera da autoridade pública com vistas à recuperação da infraestrutura, que se encontra, por prolongada falta de investimentos, em petição de miséria.
      Não é preciso ir muito longe para cientificar-se de que tal estado de coisas não é tropo literário, mas expressão da realidade. Desde os portos, com a sua notória incapacidade de carregar ou descarregar as mercadorias, passando pelos aeroportos, com a vergonhosa e continuada situação nos dois principais – Guarulhos e Galeão -, e adentrando as metrópoles, com o mesmo atraso quanto aos estádios, a seus entornos, sem esquecer o trânsito e as vias de acesso.
      O Governo Dilma – decerto mais ensimesmado do que o anterior, o que é um aspecto positivo – continua, no entanto, a transmitir a impressão de apatia e de perplexidade que o desafio das obras e a sua inequívoca urgência parecem trazer-lhe. Em terra de Juscelino Kubitschek e da construção de nova capital em menos de cinco anos, se contrapõe ideia de geral incapacidade. O tempo corre e nada acontece. O contribuinte, nesse país tão glutão em termos de coletar  impostos, taxas, tributos et al., não vê aparecer ninguém com cara de empreendedor. Será que essa geração atual só serve para ir à tevê e falar sobre as dificuldades de realizar isto ou aquilo ? Já vimos o quão ávidos são os partidos em avançar para as posições com maiores dotações. Desafortunadamente e paradoxalmente, todavia, tal empenho não se traduz em realizações, tanto as prometidas, quanto as necessárias.
      Esta realidade adquire até aspectos que seriam cômicos, se não fossem a expressão do respectivo menosprezo pelos direitos da sociedade. A Infraero, que se tornara sinônimo de ineficiência e de loteamento partidário, julgou oportuno colocar cartazes no Galeão, desculpando-se com o público pelo inconveniente gerado pelas obras. Como o usuário não via nos melancólicos espaços do terminal obra alguma, a quem pretendia o aspone redator enganar ?
      Nesse campo, somos informados pelo Ipea que dos doze terminais a serem reformados, nove não estarão prontos a tempo.
      Entrementes, se cuida de inchar o déficit da Previdência, a par de incrementar, por via de um aumento do salario mínimo para R$ 616,34 já em janeiro próximo. E a elevação pode ser ainda maior, se a inflação estiver em torno de 6,26%, como prevê o mercado.
      Dentro de conjuntura com viés inflacionário, qual o propósito do dílmico governo em encarecer a pressão também deste lado ? Depois não me venham queixar-se da indexação da economia, se é o executivo o primeiro a salgar as contas.
      Dessarte, o observador vê muito movimento do Governo em alguns setores, e muito pouco em outros. Infelizmente, todo esse denodo parece ir exclusivamente para engordar salário e emprego, enquanto aquele das obras semelha enlanguescer na triste sina da tropical abulia.
      O que na verdade deseja a senhora do PT ? Que o Brasil veja afastar-se a visão de Getúlio e JK de uma grande Nação, ou o país do jeitinho, das legendas de aluguel (beiramos trinta partidos ) e da demagogia ?

                                                              ( Fonte: O Globo )