segunda-feira, 31 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (13)


No fim de semana, foi no hospital retirar os pontos. Para alívio seu, não deu com o médico que lhe aconselhara a registrar a ocorrência.
Tentou ler romance que comprara faz pouco, mas não lograva avançar além dos primeiros parágrafos. Em breve a sua atenção voava para a experiência com Gardênia.
Não que houvesse muita coisa agradável a recordar.
A cada distração na leitura, ressurgia o filme já conhecido.
A dizer verdade, não sabia o que fazer da relação.
Pensando bem, será que existia alguma relação?
Naquela noite, dormiu sono inquieto, agitado, desses tão superficiais que se tem a impressão de estar acordado.
No domingo, não aguentou ficar no apartamento, como era seu hábito. Caminha a esmo pelo bairro, vai até o calçadão, porém nada encontra que o distraia.
Cogita ligar para amigo seu, mas logo muda de ideia.
Antes que retorne ao apê para preparar o rango costumeiro, espicha a andança ao bairro do Peixoto. Percorre a Anita e se detém diante de o que acredita seja o prédio em que ela mora.
Ali para por uns minutos, a percorrer a fachada como se a busca de aceno na janela. Só há de aperceber-se da estranheza da atitude, quando, de repente, se descobre objeto de olhares atravessados do porteiro.
A exemplo de menino apanhado em estrepolia, dá meia-volta e se afasta. Vai depressa no rumo de casa, refletindo na infantilidade do gesto. Pois nem sabe se a criatura mora na frente ou nos fundos !
*

A Questão do Vice

Faz algum tempo que a escolha do candidado a Vice-Presidente na chapa de Dilma Rousseff se encontra praticamente decidida. A princípio, de má vontade, o próprio Presidente Luiz Inácio Lula da Silva alvitrou a possibilidadde de lista tríplice. A insistência do PMDB e do pré-candidato praticamente encerraram a questão. O deputado Michel Temer, atual presidente da Câmara, deverá ser o companheiro de chapa de Dilma Rousseff.
Ninguém desconhece que Michel Temer constituirá, por assim dizer, o candidato a vice clássico, eis que não acrescentará votos à candidata. O que trará será uma preciosa quota de minutos para a propaganda eleitoral gratuita, que precede o primeiro turno da eleição. O PMDB pode ser um deserto de políticos em termos de carisma e de condições para candidatar-se à presidência da república. Sendo, no entanto, o que é, uma amorfa frente partidária, rica em representação parlamentar e mesmo em governadores, oferece aos eventuais interessados a melhor parcela de tempo disponível, o que vem a calhar para Lula e sua pupila.
Por outro lado, Marina Silva é respeitada, seja por suas ideias, seja por seu passado. Constitui a candidata destinada a carrear o voto demonstrativo, aquele que os eleitores de primeiro turno privilegiam como ocasião para manifestar o seu bem-comportado protesto contra os principais candidatos em liça. Às vezes, como ocorreu na França, esse gratuito ensejo da expressão idealista pode custar caro. Prova disso foi o socialista Lionel Jospin que estultamente o incentivou para, ao cabo, ver a sua estratégia ter demasiado sucesso. Ao desperdiçar o sufrágio em uma coorte de candidatos nanicos, o eleitor francês levou o neo-fascista Le Pen para o segundo turno, causando grande gáudio em Jacques Chirac, que pôde dessarte ganhar com tranquilidade a eleição e a reconfirmação no Elysée como Presidente.
Não creio que tal ocorra dessa feita. Primeiro, porque felizmente a extrema direita não tem aqui chance de empolgar a presidência; segundo porque Marina Silva, respeitável nas suas ideias, tampouco logrou até agora sair da planície dos onze por cento de preferências.
Mas voltemos à questão do Vice. Por obra e graça de Aécio Neves, ela se coloca unicamente para o PSDB e seu pré-candidato, José Serra. Quanto à capacidade de Aécio fortalecer a chapa tucana, afigura-se lícito afirmar que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso se tornou o porta-voz de um sentimento que é partilhado por militantes do PSDB e pelos seus adversários políticos
Quando FHC disse que a chapa ideal para o PSDB na próxima eleição é aquela formada por Serra e Aécio estava apenas expressando uma opinião geral, que se impõe pela própria evidência. A força da chamada chapa puro-sangue é unanimidade, dentro do partido e fora dele.
E, no entanto, a despeito da pressão exercida pela cúpula partidária e pela própria lógica factual, Aécio Neves vem repetindo, e para uma audiência em crescimento, a sua negativa.
Como explicar a recusa de Aécio ? Semelha pouco provável que possa ser atribuída a rancor no processo de escolha intrapartidário, visto que Serra soube conduzi-lo de forma a que se tornasse patente o apoio da maioria dos correligionários à sua candidatura.
Havendo sido voluntária a renúncia de Aécio a pleitear a cabeça de chave do PSDB, resta perguntar quais seriam os motivos de não desejar integrá-la como vice.
Haveria dois: ou a convicção de que iria para o sacrifício, haja vista uma possível derrota de Serra diante de Dilma, ou a opinião de que a sua presença na chapa teria efeito similar a de qualquer outro candidato a vice, vale dizer, não acrescentaria um contingente apreciável de votantes.
A despeito de suas iterada argumentação de que possa ser mais útil para Serra trabalhando de fora da chapa, não só o bom senso, mas também o parecer dos entendidos contrariam tal tese. A popularidade de Aécio Neves em Minas Gerais é um fator importante, e a sua presença na chapa tenderia a aumentar o total de votos nas Alterosas para o paulista José Serra.
Nesses termos, se persistir o não de Aécio Neves a formar a referida chapa puro-sangue – e não se pode excluir que, não obstante as várias negativas, possa o descendente de Tancredo Neves reconsiderar, dando mineiramente o dito por não dito – não há dúvida que José Serra partirá enfraquecido para o embate de três de outubro, seja o seu companheiro de chapa do PP ou do PTB. O candidato a vice servirá então para agregar tempo para a propaganda eleitoral gratuita.
E nada mais. Será por tal razão que as pressões sobre Aécio ainda podem aumentar. Com resultados imprevisíveis.

domingo, 30 de maio de 2010

O Código Florestal e o Deputado Aldo Rebelo

O Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) recebeu o encargo de ser o relator do projeto de reforma do Código Florestal. Dadas as suas atitudes no passado, não exatamente favoráveis ao ambientalismo, causa preocupação que ao Deputado Rebelo haja sido cometido tal tarefa. Parece à primeira vista confiar aos cuidados de dona raposa os dispositivos de segurança do galinheiro.
Sobre a atual legislação ambiental e em especial o Código Florestal, de 1965, emprega o relator, em entrevista a O Globo, linguagem irônica. Chega a afirmar que é impossível obedecer a atual legislação ambiental. Com o escopo de mostrar que uma reforma dessa legislação é inadiável, usa expressões genéricas como “a legislação (vigente) tornou inviável a prática de agricultura e pecuária no Brasil. Não há nada parecido no mundo”, ou então recorre à tentativa de ridicularizar a lei existente como “a legislação transforma em crime ambiental o singelo ato da extração de uma minhoca em área de preservação permanente”, etc. etc.
Outro absurdo que o deputado Rebelo preconiza: que os pequenos proprietários sejam liberados da exigência de preservar um percentual de suas propriedades – a chamada reserva legal. Já médios e grandes fazendeiros poderiam cumprir a obrigação fora de suas propriedades, adotando parques.
Se não há mais percentuais a serem preservados, nem por pequenos, nem por médios e grandes proprietários, o senhor deputador Rebelo criaria, em verdade, o “liberou geral”. Será o queridinho dos ruralistas, pois eles podem desmatar à vontade, sem quota nenhuma de reserva legal a preservar. Assinale-se que, na prática, é o que vem fazendo o Presidente Lula, ao prorrogar a cada ano a licença dos proprietários rurais, isentando-os de qualquer multa a pagar pelo desmatamento das respectivas propriedades.
Talvez o que de mais grave esteja maquinando esse estranho relator do código florestal, será a sua ideia quanto às preservações das diversas áreas, e a forma específica de observar as reservas legais e as Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Dessarte, o deputado Rebelo propõe que haja uma lei geral, determinando a preservação de 20% da área do Pantanal, dos pampas, da caatinga, e da Mata Atlântica; 35% do cerrado e 80% da Amazônia.
Deixa assim Sua Excelência o genérico por conta da União, mas que cada estado possa regulamentar regras específicas sobre as reservas legais e as Áreas de Preservação Permanente (APPs) – como beiras de rio (matas ciliares) e encostas.
Em outras palavras, o poético ficaria por conta da União, mas o negócio concreto, a disposição determinante e efetiva estaria... a cargo de cada assembleia estadual.
Será que o Deputado Aldo Rebelo julga assim tão estúpido o movimento ambientalista ?
Veja-se, por exemplo, o caso de Santa Catarina. Não obstante todas as enxurradas, avalanches e inundações que esse estado tem sofrido, semelha que não foi o bastante para conferir um pouco de bom senso para a Assembleia Legislativa que, de forma inconstitucional, legislou dispondo que as áreas preservadas junto aos rios passariam a ser de cinco metros !
Estranha que a inconstitucionalidade evidente dessa disposição não tenha sido arguida junto ao STF, que ou a suspenderia, ou a tornaria írrita. A mata ciliar deve ter pelo menos quinze metros de largura, senão não será de nenhuma valia em termos de preservação ambiental.
Pois, senhor deputado Aldo Rebelo, se deixarmos a fixação das APPs e das reservas legais, a critério das Assembleias estaduais não é necessário ser nenhum Nostradamus para prever que haverá uma deterioração ainda maior de nosso meio ambiente ? Fazendo tais propostas, tão caras à frente ruralista e à Senadora Katia Abreu, fica difícil sopitar a suspeita, deputado Aldo Rebelo, de que o senhor quer apenas desmantelar a nossa legislação ambientalista.
E para quê ? Para colher o que está ocorrendo com os catarinenses, pela irresponsabilidade de sua assembleia, dados os riscos agravados dos desastres naturais?

( Fonte: O Globo )

sábado, 29 de maio de 2010

A Questão Brasil - Estados Unidos

A controvérsia surgida entre Brasil e Estados Unidos, ao ensejo do chamado acordo tripartite com o Irã, recorda antigas disputas, depois da longa letargia de uma política submissa de alinhamento automático. Sacudida de início pela Operação Pan-americana de Kubitschek, e deflagrada pela política diplomática independente de Janio Quadros, essas dores de parto características da mudança de paradigma se assinalavam por questões e contestações muitas delas extemporâneas e que, de um certo modo, preparavam o terreno para o novo relacionamento.
O único problema relativo a essa troca de questionamentos é que nada tem a ver com o presente estágio das relações entre a superpotência e o Brasil, integrante dos BRICs e a maior economia da América Latina.
Causa, a esse respeito, estranhável assombro o afã da diplomacia do Presidente Lula em estreitar relações com o regime iraniano dos ayatollahs. Aqui se recebeu em visita o presidente Mahmoud Ahmadinejad, e em seguida se partiu para a retribuição em Teerã. Para tantas efusões, caberia perguntar o que tem em comum uma democracia não-nuclear (por mandamento constitucional) com a ‘democracia-adjetivada’ iraniana, fundada na fraude eleitoral e na sanguinolenta repressão do povo respectivo ?
O Presidente Lula da Silva comprou pressuroso a cediça bugiganga ideológica que lhe terá impingido seu assessor diplomático. Nessa luta contra o chamado Império vale ainda tudo, até a circunstância de ser instrumentalizado na feitura de um acordo que serve ao Irã no intento de ganhar tempo no projeto da construção do artefato nuclear.
Há fatos irretorquíveis que cercam essa negociação e firma. A pronta afirmativa do Ministro do Exterior iraniano de que, não obstante, Teerã continuará a enriquecer urânio; e a circunstância de que o Irã hoje dispõe de pelo menos o dobro dos 1200 kg, do renegado entendimento com a AIEA do ano passado.
Lula age como se interessasse a Brasília voltar à pretérita época das quizílias com Washington. O Brasil acaso deixou de pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança ? Alguns acoimam Lula de ingênuo ao tecer loas a acordo eivado de falhas como aquele futebolísticamente festejado em Teerã, junto com o turco Erdogan e o persa Ahmadinejad. Como há de parecer alguém que diz pretender a presidência do Banco Mundial (cargo em que os americanos têm cadeira cativa) ou só aceitar a Secretaria-Geral das Nações Unidos, em um novo contexto institucional ?
Quem teve a infeliz ideia – tão diversa de nossa prática diplomática – de divulgar correspondência de Obama a Lula, sem a anuência de quem a assinou ? Terá sido para fazer parecer a concordância de Washington com o acordo, quando a íntegra da correspondência inclui a frase “É de duvidar-se se o Irã está preparado para negociar em boa fé com o Brasil” ?
Se não é dificil identificar quem esteja soprando tantas asnices no ouvido presidencial, será que o Brasil deva ter uma diplomacia tão míope e tão voltada para o suposto ganho midiático imediato, sem porventura suspeitar que não é dessa maneira que se amanha o terreno para conversações e entendimentos mais firmes e duradouros? Máxime se em um briefing à imprensa, altos funcionários americanos procuram redimensionar a controvérsia com Brasil e Turquia, enfatizando os pontos comuns com os dois países ?
Ou será que – no ímpeto de jogar pedras em longínquas vidraças – se está voltando às efêmeras ilusões dos anos sessenta, em que a contestação ia de mãos dadas com a irrelevância diplomática ?

( Fonte: CNN )

sexta-feira, 28 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (12)

Andaram em silêncio boa parte do trajeto. Como conhecia a vizinhança, Alberto buscava sempre orientar a caminhada pelas ruas com maior movimento de pedestres.
“ Se você pegasse essa travessa, chegaríamos mais depressa...”
“ Seguro morreu de velho, não é verdade ?”, disse ele, estendendo as palmas, como quem pede compreensão.
“ Tá bem... entendi.”
Apesar de atento às sombras que os cercavam, em calçadas que lhe pareciam sempre mais ermas, Alberto sentiu certa mudança na postura. Por trás do sussurro, não mais lhe pareceu encontrar na voz a guardada distância de antes.
*
Chegados à Toneleros, Gardênia parou de chofre no meio-fio.
“ Do outro lado da rua, é a continuação da Anita. O meu prédio é o segundo depois da esquina...”
“ Podemos atravessar então...”
“ É justamente por isso que quero fazer a você um pedido...”, disse ela.
“ Acho que estou adivinhando...”
“ Se quiser, você fica olhando daqui...”
“ Se você deseja assim...”
Para sua surpresa, ela não lhe estendeu a mão. Ao invés, pespegou na sua face rápido beijinho social, a que correspondeu no mesmo jeito apressado.
Em seguida, sob as vistas atentas de Alberto, cruzou a rua. O passo estugado, avançou pela calçada da travessa mal iluminada, até alcançar a sua portaria. Demorando um pouco para que o vigia abrisse o portão, logrou entrever que o edifício seria o terceiro ou o quarto, a partir da Toneleros.
Devia estar afobada, pensou. Pois nem se virou para lhe dar um adeuzinho.
*

Do Falso Convertido Ecológico

A sabedoria popular nos ensina que a mentira tem pernas curtas. Por outro lado, e com referência análoga, se diz que é impossível enganar a todos por todo o tempo.
E, não obstante, o fato de que tais ditos estejam arraigados na opinião, haverá sempre pessoas que acreditarão na possibilidade de se tornarem exceções à regra.
A pré-candidata à Presidência pelo Partido Verde Marina Silva falou nessa semana sobre a operação da Polícia Federal que prendeu altos assessores do ex-governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, por desmatamento ilegal. Consoante lembrou Marina, foram as pressões de Blairo Maggi e do Ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) e do Secretário de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, que a levaram a deixar o Governo.
É duplamente oportuno ouvir a explicação dada por Marina Silva para a sua exoneração do Meio Ambiente: “Maggi fez toda aquela disputa comigo, junto com o Ministro Mangabeira Unger e o Ministro da Agricultura. Eles se colocaram contra mim de tal forma, querendo revogar medidas de combate ao desmatamento, a ponto de eu sair do governo. Dois anos se passaram e agora a Polícia Federal mostra que eu estava inteiramente correta. O governador estava fazendo discurso pseudoambientalista e, na prática, destruía florestas.”
Releva assinalar, segundo as palavras autorizadas de Marina Silva, que por pouco o presidente Lula não atendeu a Blairo, que queria revogar as medidas que proibiam o desmatamento:
Ele (Blairo) se colocou contrário aos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, queria que Lula revogasse as medidas, e por pouco ele não revogou (meu o grifo). Naquela hora saí. (...) Se eu não tivesse saído, Lula talvez tivesse revogado as medidas com a pressão dos governadores, de Mangabeira e Stephanes.”
Por outro lado, Miriam Leitão, na sua coluna de 26 do corrente ‘O insustentável’ se reporta à Operação Jurupari da Polícia Federal que, depois de dois anos de trabalho, levou dezenas de pessoas no Mato Grosso à prisão, dentre elas inúmeros auxiliares bastante próximos do Governador Blairo Maggi.
A dúvida que a colunista levanta quanto ao fato de Maggi não ter mudado se afigura algo retórica, similar à do português que entrevê, pela bandeira da porta, a própria mulher na cama com outro homem e exclama: ‘cruel dúvida !’
Pois dentre os presos pela P.F. estão o ex-secretário de Meio Ambiente de Maggi, Luiz Henrique Daldegan que ao dizer de Leitão “era o chefe da operação limpeza de reputação de Blairo que no passado era o maior antiambientalista e depois passou a dizer que era um defensor do meio ambiente”. Por outro lado, “o ex-secretário de Mudanças Climáticas Afrânio Migliari também está no mesmo processo, como chefe de inúmeros ilícitos. Ao todo, foram expedidas ordens de prisão de 91 pessoas entre políticos, servidores, autoridades da Secretaria de Meio Ambiente, empresários.”
E continua Miriam Leitão: “Na questão ambiental houve dois Blairo Maggi nos últimos anos. O primeiro disse que destruir 24 mil km2 de floresta num ano era pouco perto do tamanho da Amazônia; afirmou que o país não podia ficar catando coquinho na floresta; hostilizou ministros do Meio Ambiente e acusou o INPE de erro técnico. Um segundo Blairo Maggi disse que tinha se convencido de que estava errado.”
Todo o tráfico de influência posteriormente desvendado pela P.F. passava pela Secretaria do Meio Ambiente de Luiz Daldegan. O mais curioso a respeito é que o braço direito de Maggi para provar que o estado do Mato Grosso tinha virado exemplo de sustentabilidade foi igualmente o Secretário Daldegan.
Com ele e grande comitiva, o governador foi a Copenhague participar de debates sobre créditos pelo desmatamento evitado. Alegava ter desenvolvido ferramentas modernas para detectar, prevenir e combater o desmatamento.”
As citações acima falam por si e pouco há a acrescentar, senão a satisfação com a exposição através da Polícia Federal da quadrilha antiambientalista no Mato Grosso, e o continuado cinismo do chefe do bando, seja nas afirmações pregressas contra o ambientalismo, seja na insolente e – porque não dizer – estúpida instrumentalização da consciência ambientalista, fundada na sua hubris de que lograria sempre convencer a todos da sua nova fé ambientalista, a despeito da respectiva companhia e métodos anteriores.
Há outro ponto que cabe aprofundar. Ao sublinhar que foi duplamente oportuna a explicação dada por Marina Silva para a sua saída do Meio Ambiente, desejava também assinalar o quão precária é a alegada convicção ecológica do Presidente Lula da Silva. Não é à toa que Lula não perde ocasião de prejudicar a causa do meio ambiente, para angariar votos e simpatias junto à gente como Blairo Maggi e os ruralistas.
Os poucos estudos de Lula – e a sua azia em ler a imprensa – constituem frágil barreira contra as investidas de Blairo, Stephanes, Mangabeira Unger e quejandos. Que uma velha companheira, de provada honestidade e experiência, teve de queimar-se no altar ministerial para que a nossa legislação ambiental não fosse ainda mais desvirtuada e esvaziada, diz muito mais do que as antigas suspeitas sobre a pouca valia do apreço de Lula ao discurso do ambientalismo.

( Fontes: O Globo e Miriam Leitão )

quinta-feira, 27 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (11)

Ao passar o cartão pela maquineta teve até medo de que a despesa não fosse aceita. Temor idiota, pensaria mais tarde. Como se o sistema se importasse com o seu mergulho no vermelho... Devia ser resquício da própria entranhada resistência ao endividamento. Por causa de um palminho de cara, caía na trampa dos escorchantes juros do cheque especial.
Agora, na porta do restaurante, olhando para ela, com seu jeito emproado e distante, não podia deixar de perguntar-se o que lhe rendera todo o sacrifício...
“ Bem, desejo agradecer a você pelo convite... Muito obrigada.”
E, como se fizesse o gesto mais natural, estendeu-lhe a mão.
Por um átimo, ele não entendeu.
Não tardou, porém, em realizar de o que se tratava. Uma despedida formal.
Então, com terno sorriso, as suas mãos envolvem aqueles dedos esguios e elegantes.
“ De modo algum ! Como é que vou permitir que vá pra casa sozinha, a essa hora da noite !”
Surpresa pela reação, ela não se liberaria com a previsível presteza.
“ Bobagem... moro aqui perto...”
“ Posso saber aonde é ?”
Houve instante de hesitação.
“ Não quero incomodar você... Acredite, é realmente perto...”
“ Olhe... já acreditei em você. Mas uma coisa é acreditar, e outra, é não levar você até onde mora. Isso não tem nada a ver com cortesia...”
“ Tou vendo que você é teimoso mesmo...”, disse ela, com um quase sorriso. “Tá bem, tá bem... eu moro na rua Anita Garibaldi...”
“ Anita Garibaldi, no bairro do Peixoto ? A senhorita chama isso perto ?...”
“ Não é tão longe assim...”
*

O Tribunal dos Patifes

É conhecida a queda do povo japonês pelas iguarias do mar. Por causa dessa singular predileção, evitam excluir a pesca a determinada espécie de atum, colocada na lista das em processo terminal de extinção. Sob o manto do cinismo, recusam-se, por motivos formalísticos, a admitir o óbvio. Para eles o consumidor é rei, até o momento em que o prato prelibado venha a desaparecer dos tabuleiros de sushi, uma vez consumada a extinção da espécie ameaçada.
Já assistimos em tempos recentes o embate desigual entre os pesados navios baleeiros do Japão – que são verdadeiras usinas flutuantes – e os frágeis barcos da Greenpeace e do Sea Shepherd (Pastor dos Mares). A propósito, os noticiários documentaram – e não faz muito – a criminosa investida de um desses navios (que parecem cruzadores) contra embarcação da Greenpeace. Por pouco,os súditos do Império do Sol Nascente não a afundaram.
Por vezes, seja por hubris, seja por burrice mesmo, os infratores criam situações que, se examinadas com a requerida prudência, jamais seriam montadas. Por quê? Pela simples circunstância de que proporcionam o cenário ideal para explicitar a real natureza da respectiva atividade. Em outras palavras: ao invés de incriminar o suposto infrator, desvendam a encenação e apontam os verdadeiros responsáveis.
Tenha-se presente de início que a pesca da baleia se acha formalmente proibida por determinação do órgão internacional encarregado desses mamíferos marinhos, antes dizimados pelos baleeiros noruegueses, islandeses e japoneses. É a chamada Moratória da Pesca da Baleia, imposta pela International Whaling Commission (IWC)[1], para evitar que este animal marinho, já ameaçado de extinção, desapareça dos mares.
O Japão – que atribui por causa do singular paladar de seus patrícios alta prioridade ao trato desse assunto – logrou junto a IWC que se instituísse uma exceção (loophole) à regra internacional. Por essa disposição hipócrita, os pesqueiros japoneses podem matar trezentas baleias por ano, para fins de pesquisa científica.
Como é um segredo de Polichinelo, a tal pesquisa científica não passa de uma fraude consentida à proibição internacional. Como assinala a organização Sea Shepherd, uma vez cumprida a formalidade da dita pesquisa, a carne dessas baleias é vendida no mercado nipônico, para ser incontinênti servida aos ávidos fregueses nos restaurantes. Se houvesse dúvida sobre os reais motivos da pesquisa, a sua colocação nas mesas dos restaurantes constitui o carimbo inequívoco da desavergonhada burla.

O incrível julgamento de Peter Bethune.
A japonesa Fisheries Agency[2] julgou oportuno colocar em juízo penal um ativista neo-zelandês, Peter Bethune, de 44 anos. É por primeira vez que tal ocorre, não obstante o longo enfrentamento dos ativistas ambientalistas contra os navios baleeiros do Japão nas águas geladas do Antártico.
Cercado por guardas uniformizados, Bethune compareceu nesta quinta-feira perante um magistrado penal japonês para responder às acusações formais – reputadas graves pelo juiz : de (a) invasão de propriedade; (b) dano à propriedade; (c) ataque violento (assault); (d) obstrução coatora de negócios legais; (e) posse ilegal de uma faca.
O advogado da Sea Shephard, Dan Harris, que está em Tóquio para acompanhar o juízo, embora não seja o advogado japonês oficialmente encarregado, declarou a propósito:
Todo esse julgamento surgiu por motivos políticos, mais do que criminais. Na verdade, Pete Bethune nada fez. Subiu em um navio japonês. Ninguém correu perigo algum. Ninguém ficou com medo. Para o Japão agir como se estivesse aplicando uma lei criminal é um pouco farisaico (disingenuous), se atentarmos para o que Pete Bethune fez.”
Joji Morishita, o porta-voz da Fisheries Agency, a autora da ação, responde: ‘As leis devem ser aplicadas, e por isso submeter os responsáveis a juízo’. E acrescenta: ‘Reconhecemos o direito de protesto, o direito de manifestar-se, o direito de expressão as próprias opiniões. Isto não significa que se possa atacar pessoas mediante força física (sic), atacar os nossos navios e as tripulações nos próprios barcos’.
O acusado, Peter Bethune, deverá testemunhar na segunda-feira, 31 de maio. O veredito é esperado para a quinta-feira, dez de junho.
Espera-se que essa pantomima legal termine com a absolvição do ativista. Assinale-se, por oportuno, que se o absurdo for levado a seus extremos, Peter Bethune ficaria quinze anos atrás da grades.
Em fim de contas, se formos otimistas, a hipocrisia e a instrumentalização podem ser as vitimas desse julgamento montado. Se exposta a desfaçatez japonesa – a fraude consentida da pesquisa científica como espécie de quota subreptícia para a matança desses mamíferos marinhos – talvez sirva para encaminhar a mais do que devida abrogação dessa imoral autorização da IWC para matar.

( Fonte: C N N )
[1] Comissão Internacional para a Pesca da Baleia (com sede no Reino Unido)
[2] Agência de Pescarias

quarta-feira, 26 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (10)

Durante todo o jantar Alberto não se cansou de puxar assunto. Nenhum deles arrancou mais de um punhado de palavras de Gardênia. Como um autêntico joão-teimoso, ele não desistia, buscando sempre um outro, na esperança de entretê-la. E no intuito de tornar menos marcado o seu mutismo, espichava os próprios comentários.
Quem a visse, logo notaria o ar enfastiado com que seguia os esforços dele em quebrar o silêncio.
Se Alberto se conformasse, ela atravessaria calada a refeição, a exemplo daqueles casais que desde muito perderam o assunto.
Ao cabo de uma série de tentativas malogradas, já principiava a considerar a possibilidade de fechar-se em copas, quando entreveio uma luz que poderia retirá-lo do poço a que a postura da sua convidada parecia condená-lo.
O fastio que Gardênia afivelara ao rosto não casava bem com o seu apetite. A moça podia enjeitar-lhe a conversa, mas não as iguarias da mesa. Tinha um jeitinho muito delicado de comer, e não deixava transparecer modos ávidos que dizer esganados na refeição. Sem embargo, com maneiras suaves e graciosas, ela ía traçando os pratos, de que no final nada mais restava, sequer mancha de molho, destramente colhida com providencial bocadinho de pão.
“ Gardênia, se você me permite, gostaria de elogiar a sua elegância na mesa.”
“ Como assim ?”
Por primeira vez, ele distingue nos seus olhos grandes o brilho do interesse.
“ Você é uma aristocrata na mesa, com seu jeito tão fino de comer. Se você não é de falar, como comensal será um prazer para qualquer pessoa estar a seu lado...”
Durante um momento, ela o encara, à maneira de quem tem dúvidas sobre a real intenção de suas palavras.
De seu lado, ele não desvia o olhar, que permanece impassível.
“ Não entendi bem o seu comentário... Não sei, chega a dar a impressão... de deboche !”
“ Minha querida, nem pense em tal disparate...”, disse Alberto, no semblante uma chispa de malícia.
*

Os Dois Gigantes

Segundo noticia o New York Times, realiza-se atualmente encontro de alto nível, de três dias,entre representantes dos governos da República Popular da China e dos Estados Unidos. O objetivo da reunião entre a superpotência (e maior economia mundial) e o maior país em desenvolvimento (e terceira economia mundial) é o clássico de aumentar e estreitar os laços respectivos.
A delegação estadunidense com cerca de duzentos membros foi acolhida em cerimônia na ‘Grande Sala do Povo’, pelo Presidente Hu Jintao. Segundo se assinala, enquanto os representantes americanos vieram com longa lista de reivindicações, a parte chinesa estaria contente com o status quo e supostamente não teria muitas solicitações. Nesse sentido, o discurso do Presidente chinês elogiou “a cooperação mutuamente benéfica e win-win[1]” entre as duas nações.
Quanto ao sensível aspecto da revalorização da moeda chinesa, o renminbi, Hu Jintao observou que a sua administração agiria “sob o princípio de decisão independente, controlabilidade e progressão gradual”.
Sob um certo prisma, Hu Jintao nada acrescentou ao óbvio, eis que apenas discorreu sobre a respectiva autonomia governamental na matéria. Não obstante, o fato de que o presidente haja mencionado a questão poderia indicar uma certa abertura, ou reconhecimento de que oportunamente o assunto carece de ser tratado.
De seu lado, semelha não ter o principal delegado americano, o Secretário do Tesouro Timothy Geithner, intenção de tomar uma atitude mais proativa na matéria. Haveria a respeito o entendimento de que, por ora, para Washington seria melhor não forçar o parceiro chinês pondo esse tópico na mesa das negociações. Essa tática decorreria da convicção de que a valorização do renminbi já estaria de certa forma na ordem do dia, e por fatores mais econômicos do que políticos ela deverá fatalmente ocorrer. A própria menção sponte sua[2] do tema por Hu Jintao corroboraria de certa maneira essa tese.
Além disso, a chamada crise grega, que por muitas circunstâncias evoluíu para uma crise, ou pelo menos, enfraquecimento do euro, estaria atuando, e em duas frentes, para colocar em questão a atual paridade da moeda chinesa.
A presente tendência para a depreciação do euro acarreta a automática apreciação do renminbi. Como o mercado europeu é o mais importante para a RPC, superando mesmo o estadunidense, com as suas exportações mais caras a posição competitiva chinesa sofrerá em consequência.
A subvalorização do renminbi (ou yuan, como também é conhecida a divisa chinesa) constitui a chave de ouro de Beijing para abrir o acesso a vultosos saldos na balança comercial, saldos esses que se convertem no balanço de transações correntes em imensos saldos que tendem a reforçar uma sólida posição de credor de Washington, cuja importância financeira ( e política ) não carece de ser ressaltada.
Por isso, a atual crise – ou enfraquecimento – do euro, pode constituir um fator negativo para os prósperos negócios da China. Nesse contexto, manda a elementar prudência que as autoridades financeiras chinesas prefiram não mexer na atual paridade do renminbi. Essa postura de expectativa deverá ser a regra enquanto não se estabilizar a situação do euro, e não se configurar a recuperação da economia europeia.
Com o encarecimento das mercadorias chinesas (determinado pela valorização do renminbi em relação ao euro), e com o enfraquecimento da economia da União Europeia, fragilizada pela crise grega (e potencial dos demais piigs), o fluxo das exportações chinesas para aquele continente tenderá a diminuir.
Dada a perturbação dos mercados, Beijing não pretende pecar pela precipitação, alterando a paridade do renminbi, em meio a um cenário econômico-financeiro caracterizado por volatilidade não-propícia às boas decisões financeiras.

( Fonte: International Herald Tribune )
[1] ‘ganha-ganha’ ou reciprocamente favorável.
[2] por sua iniciativa.

terça-feira, 25 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (09)

O jantar não correspondeu à sua expectativa. Embora estivesse fazendo um senhor sacrifício – deixava para depois pensar em como lidaria com a dívida no cartão de crédito -, Gardênia não lhe passou a impressão de que se sentisse lisonjeada pelo convite para aquele tipo de restaurante.
Na verdade, se a princípio ele confundiria o seu constrangimento, como se traduzisse reação até favorável ao gesto de trazê-la a um lugar fino, não demoraria muito para que ela lhe mostrasse a extensão do próprio engano.
“ Essa, francamente, eu não esperava...”
“ Não tou entendendo o que você quer dizer com isto, Gardênia.”
“ Bem, não quero que se ofenda,”disse, ensaiando um sorriso amarelo.
“ Não se trata disso... Você me parece um pouco incomodada... Garanto que não há de se desapontar... muito pelo contrário.”
“ Nada contra você, Alberto... Só que estou achando este nosso programa meio fora de propósito...”
“ Não atino com o que possa aqui desagradar você... Dê pelo menos ao cozinheiro a chance de fazê-la mudar de ideia...”
Surpreso com a sua atitude, ele procurava controlar a irritação por trás de alguma ironia.
Como ela não quisesse pedir entrada, logrou, com certa insistência, que os dois partilhassem de melão com presunto de Parma.
Para o prato principal, o garçom sugeriu o steak au poivre.
Alberto a viu indecisa.
“ Se você gosta de filé-mignon com pimenta...”
“ Ah, é com pimenta ? Muito forte ?”
“ Não”, interveio o garçom, “realça o sabor da carne, mas é bastante leve...”
“ Então, tá bem, fico com o filé-mignon...”, disse ela.
“ Como você quer : ao ponto, bem-passado, mal-passado ?”, perguntou Alberto.
Na dúvida, ela lança olhar de indagação ao garçom.
“ Para o paladar, o melhor seria ao ponto...”
“ Então, tá bem, ao ponto !”, confirmou, aliviada.
“ E o cavalheiro ?”
Tournedos, ao molho béarnaise.”
“ Ao ponto ?”
“ Sim.”
“ Ótima escolha. É uma das especialidades da casa.”
Para beber, Alberto consegue demovê-la do refrigerante que ela pediu de cara. Com bastante relutância, acaba aceitando uma taça de vinho chileno cabernet sauvignon.
“ A senhora não preferiria meia garrafa ?”
“ Senhorita, por favor.”
“ Desculpe...”
Irresoluta, Gardênia volta-se para Alberto.
Com a meia garrafa de vinho chileno, a conta ficaria ainda mais salgada, pensou ele. Na certeza de que ela vá beber pouco, decide atalhar a questão.
“ Creio que será melhor escolher a taça de vinho, não acha ?”
“ Tá bem, pra mim assim tá ótimo !”
“ Então, estamos acertados. Ah, traga primeiro a água mineral, e depois, com o segundo prato, as duas taças...”
*

A Coreia do Norte

A Coreia do Norte – ou deveríamos chamá-la a Coreia da China ? – é o estado-bandido por antonomásia. A sua população é refém de um exército que cresceu muito além dos parâmetros normais. Com armamento atômico e mísseis, constitui um parasita que literalmente retira da infeliz população a nutrição necessária. As hostes armadas em que se sustenta a dinastia comunista dos Kim, bem fardadas e alimentadas, além da ameaça à paz que representam, significam um peso cruel para os pobres habitantes do único enclave estalinista sobrevivente no mundo.
A República Democrática Popular da Coreia será talvez o exemplo remanescente de o que significam as democracias adjetivadas. Na verdade, ao designá-la como Coreia do Norte estaremos muito mais próximos da realidade. Ela é decorrência da última guerra mundial, com a invasão tardia pela União Soviética de um Japão nas vascas da derrota final. Nomeado pró-consul Kim Il Sung, surgia a dinastia comunista dos Kim, que o atual Kim Jong Il continua.
Cristalizada pela guerra – em que o norte de Piongyang invadiu o sul - a divisão política entre a Coreia do Sul e a do Norte está cristalizada, desde então, no paralelo 38, após o armistício entre as forças dos Estados Unidos e os ‘voluntários’da China de Mao.
Face ao progresso da Coreia do Sul, o anacronismo político e econômico da Coreia de Piongyang só persiste por duas razões básicas, v.g., a proteção outorgada pela China e a bomba atômica possuída pelo exército norte-coreano.
A Coreia do Norte poderia ser exemplo clássico do comportamento estatal esquizoide. Alterna fases de contestação exacerbada com breves períodos de suposta boa conduta.
Inseridas nessa trajetória peculiar estão os recuos da ditadura dos Kim, durante as negociações do chamado grupo hexapartite, de que participam, além das duas Coreias, os Estados Unidos, a República Popular da China, Japão e Federação Russa.
A alegada desnuclearização da Coreia do Norte estaria entre os escopos do grupo, embora os resultados reflitam um farcesco ir e vir, que desafia a paciência dos diplomatas ocidentais.
O último episódio desse comportamento atípico da Coreia do Norte está no afundamento por um torpedo de nave de guerra da Coreia do Sul, que se achava em águas internacionais.
A Secretária de Estado Hillary Clinton, em visita à protetora oficial do regime de Piongyang, tem batido na tecla que a comunidade internacional não pode admitir as atitudes belicosas e na contramão das normas básicas das relações internacionais desse país.
Como a Coreia da Norte tem um único aliado – a República Popular da China – na sua situação de protetorado virtual de Beijing, o seu comportamento caracteriza as limitações desse gênero de relação. Como um jovem rebelde, pode receber repreensões de sua aliada e protetora, mas sabe que, por motivos de prestígio, os eventuais castigos jamais tenderão a pôr em perigo a respectiva hierarquia. O que, na prática, equivale a um salvo-conduto para re-incorrer em prazo futuro de conveniente distância nas mesmas demonstrações de atitudes antissociais. Afinal, as bestas selvagens, inclusive as domesticadas no circo, têm a inerente tendência a eventuais reincidências.
A situação na Coreia só seria resolvida em base permanente com a reunificação das duas partes da península coreana. Ora, rebus sic stantibus, politicamente não há condições presentes para prognosticar como provável, em curto espaço de tempo, essa reunião do povo coreano.
Se o desfazimento da União Soviética, precedido da queda do Muro, não era evento que a estirpe dos sovietologistas – e leitores-intérpretes de fotos e comunicados do então Politburo – sequer considerasse, haverá sempre espaço para a esperança, posto que, por vezes, os tempos da inescrutável História não sejam assim tão breves e favoráveis.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (08)


O ônibus não demorou. Como Alberto acenasse em pagar-lhe a passagem, ela interviria prontamente.
“ Nem pensar !”
Havia assento vazio do lado do corredor. Não sabia por que ela tinha ficado para trás. Ao chamá-la para ocupar o lugar, sentiu a sua relutância.
Durante a viagem, embora estivesse quase que colada nele, não disse palavra. E nem se ofereceu para pôr no colo o embrulho que ele segurava.
Por sorte, o passageiro da janela saltou no Leblon. Como ela hesitasse em dar-lhe lugar, ele se fez de desentendido.
“ Gardênia, acho que é o caso de você ir para o outro assento.”
Se bem que remanchasse, acabou cedendo.
“ É que não sei quem de nós vai saltar primeiro...”
“ Ora essa! vamos saltar juntos ! Não combinamos um programa ?”
Devagar, aqueles olhos grandes o fitaram. Para ele, um espelho seria mais expressivo. Pelo menos, refletiria a sua surpresa.
“ Alberto, nunca combinei programa algum com você.”
Ele sorriu, enquanto tocava de leve com os dedos na mão cuja delicadeza admirava.
“ Meu bem, não sejamos tão formais. Falamos, sem compromisso, de uma saída...”
Uma das coisas, pensou, com que ela convivia mal era a familiaridade do carioca. Até um atendente desconhecido de tele-market podia sapecar com um ‘minha querida’...
“ Posso saber qual é a sua ideia ?”
Ouviu com prazer a pergunta. Por primeira vez ela lhe passava a bola. Não podia perder aquela oportunidade. Tinha que impressioná-la. Por isso, não era hora de economias sujas.
“ Você gosta de comida francesa ?”
*

Este Filme já Vimos !

A revista VEJA desta semana estampa reportagem sob o título “Compram-se Petistas”. Mais uma vez os fatos ocorrem nos felizes domínios do Senador José Sarney. O Maranhão não é só o campeão do “Bolsa Família” – a miséria de sua população a faz abrigar-se no assistencialismo do programa social do governo, do qual se vangloria o Presidente Lula como se sua criação fosse, quando na verdade apenas continua o que fora iniciado por FHC.
Aliás, como a desfaçatez é uma das regras do regime do PT, o compromisso com a verdade cede gostosamente a vez aos princípios orwellianos do poder, como vemos com múltiplas outras reivindicações que lhe repassam a ‘autoria’ de tudo de bom de que se assenhoreou do governo anterior.
Mas voltemos ao Maranhão, a jóia do vice-reinado do Norte, de que são tão ciosos o Senador Sarney e a sua filhinha Roseana. Pois ela quer ser governadora mais uma vez ! Não contente em haver recuperado o mando em São Luís, por cortesia do altíssimo tapetão, com a cassação do adversário Jackson Lago – que se apossara do governo estadual, por haver ousado obter a maioria dos votos ! – agora o respeitável partido ODS (oligarquia dos Sarney), inquieto com a ingratidão do povo maranhense, que acena não querer a continuação da benemérita família na governança, resolveu partir para outros procedimentos.
Segundo estampa VEJA, “nos últimos meses, na esperança de conquistar a única mercadoria que talvez ainda lhe escape, a família expandiu agressivamente os negócios. Passou a investir em petistas.”
O recurso à utilização do chamado dinheiro vivo, aquele sem pai nem mãe, não é decerto novo no vice-reinado do Maranhão. Tenha-se presente a operação da Polícia Federal descobrindo na Lunus, sociedade de propriedade de Roseana Sarney e de seu marido e sócio, Jorge Murad, a soma de R$ 1,34 milhão, que maldosamente pôs por terra as justas pretensões da pré-candidata Roseana, a então preferida das pesquisas (para a Presidência !). A família e o coronel-mor contraíram então ódio mortal a José Serra, injustamente acusado de mentor daquele magistral desmonte da promissora candidatura da antiga musa das Diretas, forçada, coitadinha, a renunciar às suas pretensões presidenciais.
Agora essa suposta operação de ‘fortalecimento’ da candidatura de Roseana, em detrimento de seus opositores – e em primeiro lugar do comunista Flavio Dino, que se atreve a concorrer, em coligação PCdoB-PT, vejam só! ao governo do Maranhão. Se o PT maranhense votou pela aliança com Dino, é hora de subverter essa espúria coligação, derribando sempre no tapetão – desta feita o ‘político’ -, fazendo ressurgir o velho processo da compra dos votos.
Lula é amigo de Sarneyse não o fosse o teria acaso salvo do escândalo do Senado? – e como é ainda mais amigo de Dilma, está empenhado em conseguir a eleição da pupila de qualquer maneira. Já se livrou de Ciro Gomes, e de sua incômoda candidatura pelo PSB. Mas as preocupações para costurar a rede que levará (assim pretende !) Dilma Rousseff ao Planalto não se limitam ao âmbito federal. Estão também nas estados e seus palanques. Por isso, como diziam os antigos bolcheviques, todo poder aos sovietes!, quero dizer aos estados, desde que é lógico fechem com Dilma.
Por isso, o companheiro Lula quer a companheira Roseana outra vez no paço do Maranhão. Que seja à revelia do sofrido povo maranhense, que importa ?...
Aí vem um pensamento decerto inconveniente. Companheiro Serra, será que haveria modo de repetir a façanha de antes ?...

( Fonte: revista VEJA )

domingo, 23 de maio de 2010

As Reformas do Presidente Obama

Vencendo os intentos de desacreditar-lhe os propósitos reformistas, o Presidente Barack Obama e o Congresso democrata já apresentam em um período de quinze meses realizações que só encontram paralelo na legislação do New Deal, no início da era Roosevelt, e na chamada Grande Sociedade, com Lyndon Johnson.
E, no entanto, ao completar-se o primeiro ano de Governo, com a eleição surpresa do republicano Scott Brown para a cadeira no Senado que fora por várias décadas de Ted Kennedy, as previsões acerca do futuro da administração Obama não podiam ser mais pessimistas.
Com a aprovação, em fevereiro último, da lei de estímulo, o quadro começou a mudar. O objetivo precípuo dessa legislação era combater a recessão econômica, causada pela bolha das hipotecas subprime, a que se seguiu a crise financeira internacional. Sob o fundamento da importância da educação e da ciência e tecnologia para a reativação da economia, tais setores foram igualmente abrangidos pela stimulus bill. O escopo foi o de tornar o sistema educacional mais ágil, através do apoio à educação particular, assim como com a ênfase no mérito, através da premiação de professores com altas avaliações. Por outro lado, busca expandir ainda mais a pesquisa científica.
Em seguida, veio a reforma da saúde, amplamente tratada no blog. A derrota democrata em Massachusetts, com a perda do mágico sexagésimo voto na maioria no Senado – e a consequente incapacidade de evitar a filibuster – levara os comentaristas políticos a descrerem das perspectivas de aprovação de reforma do plano geral de saúde. Sem embargo, a firmeza das lideranças democráticas da Speaker Nancy Pelosi, na Câmara de Representantes, e do líder da maioria no Senado, Harry Reid, lograram tanto a aprovação de projeto pelo Senado – dele retiradas disposições antes inseridas por exigências descabidas de senadores isolados – e a sua ratificação pela Câmara.
Tal vitória foi alcançada, a despeito da radicalização dos republicanos – a reforma da saúde foi afinal aprovada sem sequer um voto do G.O.P. – e da ultra-direita do Tea Party. Depois do fracasso de Clinton de lograr a reforma da saúde – derrotada então pela oposição das associações médico-farmacêuticas – a sua assinatura por Obama representa um marco relevante, que só é comparável às reformas Medicare e Medicaid, dos tempos de Lyndon Johnson.
Agora, o Senado acaba de aprovar o projeto de ordenação da atividade financeira. Depois dos excessos de Wall Street, da falta de fiscalização de parte do Federal Reserve, e toda a bolha originada com as hipotecas subprime e diversos outros artifícios financeiros, então isentos de qualquer supervisão de parte do Estado, como a farra dos derivativos, havia generalizado consenso de que algo carecia de ser feito para assegurar o devido controle sobre as atividades financeiras. A ilusão de que o mercado tinha condições de auto-regular-se, como a longa presença de Alan Greenspan no Federal Reserve parecera fazer acreditar, fora varrida com a crise financeira internacional, iniciada com a falência do Banco Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008.
O novo projeto do Senado – aprovado até com votos republicanos o que sublinha a sentida necessidade de uma reforma da legislação – deverá ser ora ‘reconciliado’com o projeto da Câmara, para que, provavelmente em breve prazo, a nova reordenação da atividade financeira suba à Casa Branca, para a sanção do Presidente Obama.
Deverá voltar-se a padrões que tinham sido estabelecidos no New Deal, e que haviam sido descontinuados durante os anos noventa. É o tempo do chamado consenso de Washington, de que respinga alguma responsabilidade também à Admnistração Clinton. É necessário que o Federal Reserve, sob Ben Bernanke, assuma maiores responsabilidades de fiscalização, de modo a coibir os abusos em Wall Street, em que riscos desmesurados eram assumidos, seja para colher lucros excessivos e ‘bônus’imorais aos diretores bancários – no caso de êxito - e a pronta corrida ao balcão do governo, no caso de fracasso, para sanar os respectivos pesados prejuízos, à custa do contribuinte.
Se ainda é cedo para prognosticar a consolidação do projeto da Administração Obama – será imprescindível a sua vitória nas duas próximas eleições, seja nas intermediárias, de novembro de 2010, seja nas presidenciais de novembro de 2012 -já se nota uma força inercial progressista democrática, que entremostra horizontes mais promissores para Obama e o Partido Democrata.

( Fonte: International Herald Tribune )

sábado, 22 de maio de 2010

O Comportamento de Lula e as Multas do TSE

Segundo se noticia, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) multou o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela quarta vez no corrente ano, por propaganda eleitoral antecipada, em prol de sua candidata Dilma Rousseff. A própria pré-candidata foi igualmente multada, assim como outros seis políticos e líderes sindicais, presentes em evento no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no dia dez de abril último.
O Ministro Henrique Neves, do TSE, referindo-se ao Presidente Lula como reincidente, disse ao prolatar a sentença: “ O discurso, na forma em que foi proferido, não deixa dúvidas sobre a intenção de se fazer aberta propaganda eleitoral da segunda representada (Dilma). A intenção de divulgar a candidatura e conclamar a classe trabalhadora para que trabalhasse em prol da campanha da segunda representada é manifesta. O teor propagandístico foi explícito.”
O que disse o Presidente ? “Eu vou tentar ser breve o necessário para tentar convencer vocês a votar na Dilma. Se vocês já estão convencidos, eu nem preciso falar. Então levanta a mão quem já está convencido a votar na Dilma. Bem. Mas ainda assim vou reforçar.”
Após aludir à reincidência do Presidente Lula, o ministro Henrique Neves observou que o comportamento de Lula deveria ser exemplar, já que é dele o cargo de maior hierarquia no país.
A quanto montam as quatro multas aplicadas pelo TSE ao Presidente: a R$ 30 mil , sendo duas de R$ 10 mil e duas de R$ 5 mil.
E mais deverão vir por aí. Basta ter presente o irresponsável comportamento do Presidente Lula no último programa nacional do PT, em que chegou a comparar Dilma a Nelson Mandela.
No respeito à lei, não menos que na norma de que todos são iguais perante a lei,o Presidente deveria ser o primeiro a dar o exemplo. Através de sua conduta – que é, diga-se de passagem, inaudita na história republicana – o Presidente vem empilhando declarações que beiram à desfaçatez.
De modo repetido, na prática ignorando as iteradas multas – que traduzem repreensões que deveriam ser acatadas de forma consequente – o Presidente Lula está contribuindo para a banalização dessas transgressões.
Tal comportamento é inaceitável. A legislação eleitoral é para valer, e carece de ser respeitada. A partir do Primeiro Magistrado da Nação.
E se continuar a proceder dessa maneira desrespeitosa, afigura-se de toda urgência que alguém, possuidor do respeito devido à autoridade, venha a público dizer-lhe que através de tal comportamento o Presidente da República não evidencia o respeito que ele deve às instituições e à legislação pertinente.

( Fonte: O Globo )

sexta-feira, 21 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (07)

A contradição dos votos assumidos será decerto a primeira regra no comportamento amoroso. Para quem não desejasse trair cuidados excessivos, aparecer antes das seis denotaria um zelo que não casava bem com a afivelada máscara da naturalidade.
Não obstante a sua plena consciência do papel que faria, foi assim mesmo que procedeu.
*
Passados uns cinco minutos depois da hora, ela apareceu.
“ Ué, você está aí ?”
“ Não foi o que combinamos ?”
“ Não me lembro de ter combinado qualquer coisa com você”, disse, olhando contrafeita para os lados.
“ Tudo aconteceu tão rápido, né ?...” disse, com um sorriso. “Mas já que estamos aqui, não vejo mal em que aproveitemos a oportunidade...”
A sua atenção tornou a vagar à volta, como se buscasse cientificar-se de que ninguém os observava.
“ Não sei... nós nem nos conhecemos...”
“ Pois é justamente o meu objetivo !”, exclamou ele. “Que tal se nos apresentássemos ?”
Ela continua a fitá-lo com um olhar tipo espelho, que não deixava filtrar um aceno que fosse de reação.
“ Eu me chamo Alberto. Será que podia saber a sua graça ?”
Não queria parecer insistente. Tampouco denotar algum nervosismo. Por isso, se refugia no sorriso.
“Você fala meio esquisito... Graça quer dizer nome ?”
“ Sim...”
“ Me chamo Gardênia.”
“ Que lindo nome !”
“ Não acredito ! ‘Cê não tá me gozando ?”
Por um instante, entreviu a sombra de dúvida passar-lhe no semblante.
“ Nem de longe. Gosto muito do seu nome”, respondeu com jeito quase sério.
Percebeu então que o clima entre os dois havia mudado. A atitude dela não lhe parecia contraída como antes.
A pretexto de acertarem um programa – “assim nos conhecemos melhor” – ele indagou onde morava.
“Copacabana.”
“ Que feliz coincidência ! Moramos no mesmo bairro !”
E por um fugidio, mas não desapercebido momento, tocou-lhe na mão de dedos finos e elegantes.
*

A Diplomacia Segundo Lula

Depois das manifestações de júbilo esportivo, ao ensejo da assinatura do acordo tripartite, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, irritado talvez seja pelo súbito isolamento, seja pela efêmera duração da tentativa de resolver a crise iraniana, julgou oportuno manifestar-se junto a um público não exatamente familiarizado com questões político-diplomáticas.
Como de hábito, falando de improviso e na sua lingua coloquial, declarou para o público da 13ª Marcha dos Prefeitos: “É muito engraçado que algumas pessoas não gostaram que o Irã aceitasse a proposta, porque tem gente que não sabe fazer política se não tiver o inimigo, e sou daqueles que só sabem fazer política construindo amigos”.
Outra vez tenho de mencionar a observação de Lord Altrincham, a respeito da ainda jovem Elizabeth II, e de sua vozinha nos discursos,”que lhe dava um mal-estar no pescoço”. A expressão inglesa alude a um vivo desconforto sentida por alguém a propósito de uma determinada situação.
Quiçá examinando a atitude de Lula possamos entender melhor a nossa perplexidade. Diplomacia não é arte de fazer amigos, mas de compor interesses e encontrar soluções aceitáveis, nos âmbitos bilateral e multilateral. A amizade entre os Estados e as Nações é um conceito que se fundamenta nos interesses respectivos, assim como na capacidade de cada país de fazer valer tais interesses e posições.
As cercanias regionais podem servir para o maior entendimento entre os países, que terão presentes experiências comuns do passado, a par da validade da cooperação, como instrumento de paz e prosperidade. Se o mundo moderno e o temor das armas nucleares contribuem para tentar construir realidades mais consentâneas com o convívio pacífico e não as oposições maniqueístas e os métodos hobbesianos do passado, enganam-se aqueles – como Rousseau dizia do Abbé de Saint Pierre – ‘com grandes ideias e estreitas visões’ que pensam construir amizades duradouras sobre a areia de interesses contrapostos.
Confiando a um grupo de políticos municipais e sindicalistas a sua visão da diplomacia, que é versão do ‘fazer amigos e influenciar pessoas’ de Dale Carnegie, o pai da auto-ajuda, Lula prestaria aos brasileiros um favor, ao entremostrar a rationale que subjaz à sua incursão na área da grande política.
Quando Clemenceau declarava que a guerra era coisa demasiado importante para ser deixada aos generais, não queria decerto substituir-se ao conhecimento tático dos militares, mas trazer para a ‘Grande Guerra’ a visão mais larga do estadista.
Lula, por sua vez, não pode intrometer-se em searas que lhe são desconhecidas, ou de que possui compreensão superficial, similar a de seus eventuais ouvintes. O Brasil se pauta por manter boas relações com a maior parte do mundo, mas isto não quer dizer que tenhamos muitas afinidades e interesses comuns com o governo de um país como o Irã, que enforca dissidentes de opinião, renega diversos acordos, se empenha na construção de usinas subterrâneas votadas ao enriquecimento do urânio, etc.etc.
Passados os seus quinze minutos de notoriedade internacional, o Cara, ungido por Obama, começa a descobrir que prestígio e trânsito internacional têm muito a ver com as respectivas posições e eventuais amizades.
Não vamos aqui desfiar a série de tropeços da diplomacia do senhor Lula da Silva. O ingênuo é pensar que se pode continuar a ser o rei da cocada preta, enquanto diz e faz o que lhe dá na veneta.
Reza a sabedoria popular, que nosso Presidente tanto preza, que quem diz e faz o que bem entende, não só ouve, mas também vê o que não quer.

( Fonte: Folha de S. Paulo )

quinta-feira, 20 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (06)

Levando o celular, tomou o ônibus para a Barra. Sem saber ao certo o que fazer, pensa matar o tempo andando pelas galerias do shopping. Como nenhuma das datas da civilização ocidental – páscoa, dia das mães, natal - está por perto, conta caminhar sem atropelo de gentes nem indefectível zoada de fundos musicais.
Sorrindo lembrou-se de uma tia que o tachara de comodista. Segundo ela, não via interesse em mudar de programa. Teria mesmo preguiça em explorar cousas novas, preferindo sempre as certezas de ambientes já conhecidos ?
Deu de ombros. A velha parenta apenas sobrevivia na sua memória graças àquela crítica.
Se depois lhe perguntassem, não saberia explicar por que entrara na loja acanhada.
Além dele, não havia nenhum outro freguês.
Fingindo examinar um mostruário de blusas, vê acercar-se a solitária atendente.
A princípio, não levanta a vista. Trouxera o cartão quase por descuido, eis que, com a compra do ar, a conta já beira o vermelho.
“ Que tal experimentar uma delas, talvez a azul ?”
Alberto não gosta de vendedoras do tipo invasivo.
Assim, de chofre, alça o rosto, querendo encará-la.
Diante dele, dois olhos grandes o contemplam.
A visão o perturba. A ponto de perder-se no seu brilho ambíguo, que esconde, quem sabe, marcas de um sorriso.
“Acho que esta lhe cai muito bem.”
Maquinalmente ele a leva para o vestiário.
Mal se vê no espelho.
“Parece que foi cortada sob medida. Fica com ela, não é ?”
Ininteligível, a resposta. Entrementes, a sua atenção a abraça por inteiro.
“ Posso lhe fazer cinco vezes no cartão...”
Como um autômato, ele assente.
Tem vaga noção da loucura que está cometendo.
Enquanto a moça capricha no embrulho, o comprador se deleita no corpo esguio, na pela morena e na discreta tatuagem que se entrevê sobre a anca direita.
“ A que horas o seu turno termina ?”
Por um átimo, passa pelo rosto a sombra de uma interrogação.
“Às seis.”
*
Como para um colegial a esperar pela namoradinha, o tempo do reencontro se dividiu em instantes de euforia e longos quartos de hora de dúvida.
Afinal, o que significava a pronta indicação de quando ela deixaria o trabalho ? Queria acreditar no bom presságio, mas que segurança trazia de outras promessas ?
Mais pensasse no programa, nele crescia uma certeza. O importante era não antecipar nada. Lidar com cada momento, sem querer deles presumir ocultos significados. Sobretudo, evitar que qualquer ansiedade transpirasse.
Caso contrário, poria tudo a perder...
*

Senado aprova projeto contra Fichas Sujas

O projeto de lei de iniciativa popular – o PLP 518/09 – é prova evidente da importância da pressão da sociedade sobre o Congresso para que sejam aprovadas legislações que jamais sairiam do limbo das comissões se não tivessem o claro respaldo do apoio da sociedade.
Foi paradoxalmente útil a bisonha e ignara tentativa do líder da maioria no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que saudara o início da tramitação na Câmara alta da PLP 518/09 com a sandice de que o projeto em tela não era do interesse do Governo e sim da Sociedade. Tal absurdo – como se o Governo devesse atender a interesses próprios e não aos da sociedade – serviu para reforçar as pressões do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e da ala ética do Senado para agilizar a pronta aprovação do projeto.
Em ano eleitoral, se passam projetos demagógicos como o do reajuste dos aposentados e o da supressão do fator previdenciário, se abre a janela igualmente para leis moralizantes e de aprimoramento das instituições.
O líder Romero Jucá, forçado a recuar, ainda ensaiou arreganhos do gênero ‘a fila (das votações) precisa ser respeitada’ e ‘estou pensando em emendas ao texto’. A força do projeto, com o apoio da sociedade, varreu esses risíveis resmungos.
Ainda no lado positivo do projeto de lei, aprovado por unanimidade pelos senadores, está a lição prática quanto à suposta validade de baboseiras fascistóides como ‘opinião publicada’ (ao invés de opinião pública). O PLP 518/09 rasgou tais visões epimeteicas, evidenciando que os senhores congressistas têm juízo, máxime em ano eleitoral. Sabem muito bem – a despeito de disparates em contrário - o que é opinião pública. Mesmo os néscios que dizem dela lixar-se, sabem muito bem que não convém afrontá-la, sobretudo em ano eleitoral.
O projeto, com o aval das duas Câmaras, sobe agora para a sanção presidencial. Conquanto Sua Excelência haja externado a opinião de que prefere a proibição para concorrer a eleições aplicada somente àqueles condenados em três instâncias, não é crível que ouse vetar a iniciativa. Por ocioso, não comentarei a observação de Lula que, como vem sendo ultimamente de seu feitio, vai na contramão da opinião pública.
Se o Povo pode já comemorar o avanço de legislação que contribui para depurar o Congresso dos fichas-sujas, nem tudo são rosas nesta procissão popular.
A par das emendas que sofreu na Câmara, com a exigência de condenação em segunda instância (colegiada), ao invés da primeira, e a possibilidade de um recurso à terceira instância, mas em regime de urgência prioritária, o relator Demóstenes Torres (DEM-GO)) fez uma inserção marota, alegadamente de redação (o que dispensa o retorno à consideração da Câmara).
Pretensamente para correção linguistica, Demóstenes substituíu no que tange à não concessão do registro “para os que tenham sido condenados” (redação da Câmara) pela frase “os que forem condenados”. Essa modificação torna duvidosa, no entender de alguns, a abrangência da lei para as condenações anteriores.
Se a ‘emenda de redação’ deste novo senhor Demóstenes abre a cancela para a chusma de processos reivindicatórios de isenção - ele chega a afirmar que a lei não vale para casos já julgados – semelha que a propósito haja muitos comentaristas legais de arribação.
Em direito público, não há direitos adquiridos. Assim, não se podem estabelecer distinções entre brasileiros, nem conceder extemporâneos privilégios a alguns e não a outros. Se a lei não tem efeito retroativo – o que é princípio básico e indeclinável – os seus preceitos se aplicam a todos os postulantes a registro eleitoral, de acordo com suas disposições, e a partir, portanto, da nova situação criada pela nova lei (cuja redação não pode ser interpretada como concedendo privilégio a um grupo de pessoas, pelo simples critério de que já concorriam a cargos eletivos em época precedente à lei).
Se o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a sancionar até o dia nove de junho, a lei pode ser válida para as vindouras eleições de três de outubro. O que vai depender da interpretação do Tribunal Superior Eleitoral e, em caso de recurso, de eventual decisão do Supremo. É de rogar-se que, ao arrepio de seus hábitos, a Justiça homologue sem tardança esta vontade do Povo Brasileiro.

(Fonte: O Globo )

quarta-feira, 19 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (05)

Apesar de viver sozinho, a rigor se poderia considerar como não sabendo cozinhar. Na verdade, se ele se virava com dois ou três pratos no fogão – macarrão, ovo frito e omelete – tinha de reconhecer a sua grande limitação culinária.
Sem embargo, teria de dar um jeito. A saída seria investir nas saladas, o que não era difícil. Pensa também complementar com frios ocasionais, malgrado a baixa qualidade em geral desse tipo de oferta. O importante é não cair na armadilha gordurosa das lanchonetes e no eventual recurso da cerveja e dos sanduíches. Se enganam o estômago, abrem caminho para as barrigas e, depois, a obesidade.
Afinal, a autossuficiência alimentar não lhe parece má ideia. Decerto, não pretende tornar-se um eremita. Tem de convir, porém, em que viverá melhor se cortar despesas inúteis, a exemplo do almoço na cidade. Se defenderia com sanduíche natural, deixando para a noite a refeição mais nutritiva.
*
Por sorte, estava em casa quando vieram entregar o ar. Fazia um calor de bode, embora o verão, ele o tivesse arrancado da folhinha há bastante tempo... Não entendia por que o calor continuava. O outono não trazia friagem, mas sim manhãs e tardes abafadas, suarentas.
Não demorou muito em tratar de arranjar alguém que providenciasse a instalação. Depois que o eletricista saíu, deixando o aparelho ligado, ele se ajeitou com gosto na cama, a cabeça apoiada nos travesseiros empilhados. Até os pesados parágrafos iniciais da história se afiguravam mais fáceis e envolventes, como se lhe acenassem para uma nova experiência, rica em promessas e quem sabe coleantes surpresas.
*
Lamentava agora que houvesse aceito licença tão curta. O braço já não o incomodava, sentia até os comichões que anunciam a vinda da cicatrização. Pensou em aproveitar um pouco mais aquela folga.
“ Dona Neide ?... É o Alberto...”
“ Que é que é, meu filho ? Algum problema ?”
“ Problema sério, não... mas acho que seria melhor dar amanhã uma passada no hospital... gostaria que o médico visse a ferida...”
“ Tou entendendo... Você deveria voltar amanhã ao trabalho...”
“ Pois é... Será que a senhora podia me descolar uma prorrogação ?”
“ Claro ! Vou falar com o subchefe do pessoal...”
“ Então a senhora me avisa ?”
“ Não esquenta, meu filho ! Afinal, é só mais um dia...”
“ Assim, dona Neide, se a senhora não chamar é que tá tudo bem ?”
“ Isso ! Se eu não ligar, quer dizer, apareça na segunda !...”
“ Obrigado, dona Neide ! E desculpe pelo mau jeito...”
“ Que é isso, meu filho, você manda... e te cuida, viu ?”
*

Meu Reino por um Dia

A reação dos Estados Unidos, apoiada pelos demais quatro membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, foi ainda mais rápida de o que se poderia prever.
Tal constitui resposta ao anúncio do acordo Brasil – Turquia – Irã, jubilosamente festejado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus acólitos. Em declaração perante o Comitê de Relações Exteriores do Senado, a Secretária de Estado, Hillary Clinton anunciou: “Chegamos a um acordo sobre uma redação forte com a cooperação de Russia e China”. Sem dar detalhes do pacto dos cinco membros permanentes, e mais a Alemanha, Hillary observou: “Planejamos circular o projeto de resolução para todos os membros do Conselho ainda hoje. E deixe-me dizer, senhor Presidente, que penso ser este anúncio uma resposta tão convincente quanto nos é possível apresentar no que concerne aos esforços realizados em Teerã nesses últimos dias.”
Se o Conselho adotar a Resolução – como se afigura bastante provável - ela representará a quarta rodada de sanções que objetivam induzir o governo iraniano a cessar o enriquecimento de urânio, atender às solicitações da AIEA para inspecionar sítios suspeitos, entregar documentos relativos à suspeição de pesquisa de armas, e permitir entrevistas com cientistas iranianos. As três rodadas anteriores não levaram o Irã a submeter-se às exigências feitas pelo Conselho.
O anúncio de Hillary Clinton foi realizado no contexto de audiência do Senado para examinar o recente acordo firmado com a Rússia - o novo Start. O Senador Christopher Dodd, Democrata de Connecticut, considerou o entendimento sobre a redação da resolução que imporá sanções ao Irã “um grande passo avante”. A propósito, assinalou Dodd que o Senado trabalha em projeto que impõe sanções ao Irã. “Sanções internacionais fazem muito mais sentido do que unilaterais”, declarou o senador, que acrescentou: “mas não pretendemos recuar de nosso esforço em favor de sanções unilaterais”.
Segundo a Secretária de Estado o acordo subscrito pelo Irã, Brasil e Turquia deixaria ainda o Irã em clara violação de suas obrigações internacionais, eis que Teerã prossegue com a acumulação de urânio enriquecido. Criticou igualmente os “prazos amorfos para a remoção” do urânio de baixo enriquecimento.
A Secretária Hillary Clinton reconheceu os esforços dos líderes do Brasil e da Turquia para a formulação do recente acordo em Teerã. No entanto, observou que as seis principais potências se reuniram para associar a comunidade internacional na empresa de “estabelecer sanções fortes que mandarão, a nosso ver, mensagem inequívoca de o que é esperado do Irã”.
A pronta resposta dos Estados Unidos, e a surpreendente rápida concordância de China e Rússia com a redação de resolução enérgica, que prevê, inclusive, vistorias de navios destinados ao Irã – como ocorreu em providência que visou a Coreia do Norte - redimensiona de forma drástica o esforço e a exuberância demonstradas em princípios da semana pelo Presidente Lula, Ahmadinejad e o Primeiro Ministro Recep Erdogan, da Turquia.
Nesse contexto, cabe a pergunta se todo o esforço diplomático empreeendido antes e durante a viagem do Presidente Lula ao Irã terá valido a pena, sobretudo se levarmos em conta a associação com um regime opressor do próprio povo, e que está empenhado em óbvia campanha de construir um artefato nuclear.
Fiado na sua alegada boa fortuna, o Presidente Lula e os seus acólitos julgaram acertado entrar em linha de colisão com a superpotência, servindo aos inconfessos propósitos do regime dos ayatollahs para dificultar e estorvar a formação de acordo internacional de imposição de sanções a Teerã, proposto pela Administração Obama.
Ao cabo de tudo, e em brevíssimo espaço de tempo, eis a Secretária de Estado – que não se furtou durante a missão Lula de externar a própria insatisfação – em condições de anunciar entendimento que torna inútil o acordo tripartite, que tantas manifestações de júbilo motivara em seus signatários.
Terá sido esta malsinada expedição à antiga Pérsia a via apropriada para quem tão ardentemente deseja obter um assento permanente no Conselho de Segurança ? Não mandaria a elementar prudência que soubéssemos manter a boa vontade de Washington ? Será que o magno diplomata Lula pensa que seus amigos Ahmadinejad, Castro e Chávez são preferiveis a Obama, nessa longa e até hoje vã empresa de empolgar um assento permanente no Conselho, mesmo que de segunda ordem, eis que despojado do direito de veto ?
São perguntas decerto a princípio sem sentido. Irrompem em cena, todavia, por obra e graça do despautério da missão Lula a Teerã.

( Fonte: International Herald Tribune )

terça-feira, 18 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (04)

Na manhã seguinte, acorda moído pela noite mal passada. O braço lhe incomoda, mas não tem analgésico em casa. Apesar de suado, acha melhor não tomar banho, pois precisa arranjar antes um plástico para não molhar o curativo.
Olha o relógio. Não falta muito para o seu horário no trabalho. Prefere então sair sem fazer a barba.
No trajeto para o metrô, entra num boteco e pede média com pão aberto na chapa.
A despeito do desconforto da hora do rush, consegue um cantinho junto dos bancos. Aí se encosta, cuidando de proteger a ferida.
Só irá se lembrar do pedido do médico na hora em que marca o ponto de entrada.
*
“Que foi que aconteceu com Você ?!”
Quem deu o alarma na repartição foi o Otoniel. Pequeno, cabeça chata, novidadeiro, nada lhe escapa.
Logo se forma uma rodinha à sua volta. Alberto faz relato resumido, omitindo qualquer referência tanto à travessia noturna da praia deserta, quanto às recomendações do plantonista.
Quando os comentários já pareciam aquietar-se, dona Neide, funcionária antiga, que se mantivera calada, resolve intervir.
“ Vamos lá na seção do pessoal. Você precisa tirar uma licença.”
A princípio, Alberto reluta. Não porque fosse caxias. Acha que ali se distrairia. Já metido no apartamento...
Mas quando dona Neide se convencia de uma coisa, o consenso era deixá-la ir em frente. Por isso, arrastado pela protetora ao gabinete do subchefe, ele acabou assentindo à concessão de três dias de licença.
*
Voltando para casa, com o metrô meio vazio, decidiu que era hora de comprar o ar condicionado. Na vizinhança, havia lojas da concorrência nos eletrodomésticos. Como já sabia de o que precisava, tudo se resumia ao prazo de entrega e montante da prestação.
Ao obter promessa do fornecimento em 48 horas, resolve fechar negócio. Sem exigência de entrada, e com a primeira prestação daqui a dois meses, mergulhou de bom grado nos formulários do falso paraíso consumista que para ele se abriam.
*

A Visita de Lula a Teerã

Antecedentes.
Cercada pela expectativa mundial e pela desconfiança do Ocidente, em especial dos Estados Unidos, realizou-se a visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Teerã, onde foi acolhido pelo Presidente Mahmoud Ahmadinejad e recebido pelo Supremo Líder Ayatollah Ali Khamenei.
O precípuo objetivo da viagem de Lula era o de obter do governo iraniano um acordo que tornasse desnecessárias as sanções a serem impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, através da comprovada concordância do regime dos ayatollahs em renunciar ao intento de dominar todo o ciclo nuclear e, por conseguinte, lograr a feitura de artefato atômico.
A empresa de Lula foi encarada por marcado ceticismo – o próprio Presidente Medvedev, em conferência de imprensa conjunta com Lula, dissera não ver mais de 30% de possibilidade de acordo satisfatório – e contida insatisfação, como demonstrada pelos Estados Unidos. A própria Secretária de Estado Hillary Clinton advertira que Ahmadinejad poderia servir-se das conversações com o Brasil para ganhar tempo de modo a acercar-se ainda mais da construção de arma nuclear. E acrescentou Hillary Clinton: “Não conseguiremos nenhuma resposta para valer dos iranianos até que o Conselho de Segurança aja.”
Por sua vez, a Casa Branca, a despeito de desejar boa sorte para o Brasil nas negociações, não deixou de manifestar, em confidência, por altos funcionários, que não estava nada otimista quanto ao resultado.
A principal razão da mal disfarçada irritação da Administração Obama com a viagem de Lula é que, em função das expectativas criadas, lançou uma sombra sobre os entendimentos entre os membros permanentes do Conselho. A interrogação sobre o desfecho da visita deu à Russia e, em especial à China, que nunca tiveram maior entusiasmo quanto à aplicação de sanções, motivos para continuar a valorizar a via diplomática.

Assinatura de Acordo Irã-Brasil-Turquia. Reservas dos EUA.
Cercado pelas efusões do regime iraniano, com Mahmoud Ahmadinejad à frente, o presidente Lula, transpirando irreprimível otimismo – e decerto ignorando as ingênuas súplicas de dissidentes iranianos, que contavam com sua intercessão - logrou, através da ajuda de seu Ministro das Relações Exteriores, a conclusão de acordo com Teerã sobre a troca de combustível nuclear com a Turquia. A esse respeito, após uma certa indecisão do Primeiro Ministro Erdogan em participar das negociações, afinal o lider turco acedeu em participar e ultimar as negociações.
O acordo, subscrito pelos Ministros do Exterior, festejado por Lula, Ahmadinejad e Erdogan, como um grande êxito, dispõe que o Irã enviará 1.200kg de urânio baixo teor de enriquecimento, para a Turquia, que o armazenará, enquanto, em troca, o Irã receberia, no prazo de um ano, de Rússia e França, 120 kg de urânio enriquecido até 20 %.
Tais termos não se diferenciam de idêntico acordo, de outubro de 2009, entre o
Irã e o Ocidente, posteriormente desdito por Teerã. A desconfiança dos Estados Unidos quanto ao significado do acordo festejado com esportiva exuberância por Lula e Ahmadinejad se prendem a três motivos principais: (a) o regime iraniano já renegou entendimento similar; (b) Teerã continuou, entrementes, a enriquecer o urânio, presumindo-se que seu estoque aumentou desde então; (c) o regime iraniano declarou – de forma concomitante com o celebrado acordo - que continuará a proceder com o enriquecimento do urânio até 20%, o que viola resoluções do Conselho de Segurança.
Ao indicar tal violação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Secretário de Imprensa da Casa Branca, em declaração oficial lida, afirmou outrossim que “ dado o fracasso do Irã em satisfazer os próprios compromissos, e a necessidade de atender questões fundamentais relativas ao programa nuclear do Irã, os Estados Unidos e a comunidade internacional continuam a ter sérias preocupações.”Nesse sentido, Robert Gibbs deixou claro que se persistirá a propor sanções, até que o Irã cumpra as respectivas obrigações: “Os Estados Unidos continuarão a trabalhar com nossos parceiros internacionais, e através do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de modo a tornar manifesto para o governo iraniano que deve demonstrar com fatos – e não simplesmente palavras – a sua vontade de cumprir as obrigações internacionais ou enfrentar as consequências, inclusive sanções.”
Segundo informação prestada em confidência por diplomata ocidental, a quantidade do estoque que o Irã se propõe remeter para a Turquia representa pouco mais da metade do seu atual estoque de urânio enriquecido – o que indica que a situação mudou.
Dentro de uma semana, consoante fontes oficiais, o Irã comunicará oficialmente à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) o texto do acordo tríplice ora firmado.
Embora o acordo haja sido avaliado como um passo positivo por expertos internacionais, perdura o ceticismo também nessa área. Duvida-se se é um esforço real, ou se não passa de tática para jogar a culpa no Ocidente do eventual fracasso, a par de criar óbvias dificuldades para que o Conselho de Segurança aplique sanções, o que antes parecia bastante provável dentro de curto prazo. “O Irã é useiro e vezeiro de entrar em acordos e depois renegá-los”, nas palavras de Emad Gad, do Centro Ahram para Estudos Políticos e Estratégicos, do Cairo.

O que significa o Acordo para o Presidente Lula ?
Associar o Brasil ao presente regime em Teerã constitui projeto, de per si, assaz questionável. O Brasil é uma democracia respeitada internacionalmente. Em função de suas óbvias qualidades de comunicação, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva atingiu um ápice inédito para o Brasil em termos de exposição internacional. Nas primícias da Administração Obama, a presença de Lula cresceu, a fortiori com a admiração do novel Presidente estadunidense, que o ungiu perante os seus iguais como “o Cara”.
Posteriormente, o processo natural das inelutáveis contraposições entre Washington e Brasília, e algumas inabilidades de Lula, redimensionaram as implicações de uma primitiva avaliação de caráter pessoal.
Por sua vez, o regime de Teerã, enquanto excele em mesuras a Lula e seus acólitos, continua na sua lôbrega marcha de opressão de uma oposição tão indômita, quanto desarmada. Choca, por conseguinte, que perdurem as execuções por enforcamento de infelizes condenados por delito de opinião.
Nesse marco sombrio, as manifestações de mútuo apreço e amizade representam amarga poção que outros teriam fundadas razões de evitar.
Todos nós brasileiros conhecemos as qualidades do popularíssimo Presidente, cujo segundo mandato já avança para o final. Mas também, nesse longo convívio, temos presenciado os seus defeitos, que, de conformidade com o próprio êxito, tampouco são dos menores.
Ainda é cedo para avaliar o resultado final do encontro de Teerã. Pela paz internacional e pela não-proliferação – de que o Brasil constitui respeitável exemplo – desejaria que as assertivas de Lula não sejam desmentidas no futuro.
Talvez dos áulicos do Presidente Lula tenha partido a ideia de colocar a sua candidatura à sucessão do medíocre Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Não me atrevo a negar-lhe, de plano, as possibilidades, mas seria a primeira vez que um monoglota se sentaria na cadeira de Dag Hammarskjöld. No passado, o egípcio Boutros Ghali viu negado um segundo mandato por haver ousado contrariar a superpotência.
É difícil ver Lula como Secretário-Geral das Nações Unidas, diante de seu alegre e pressuroso amadorismo, certa propensão para gafes (como falar de Afeganistão na casa dos russos), mas longe de mim atrever-me a excluir tal possibilidade.
Lula é uma força da natureza. Convém, por conseguinte, tratar-lhe o futuro com extrema cautela.

(Fonte: International Herald Tribune )

segunda-feira, 17 de maio de 2010

CIDADE NUA III


Doce Ilusão (03)

“ Olha, moço, melhor ‘cê passar em um hospital...”
Naquela hora, a farmácia está deserta. Não lhe pareceu, contudo, que a recusa fosse por má vontade do atendente.
“ Tem algum aqui perto ?”
O farmacêutico escreve num papelzinho o endereço. Em seguida, lhe explica como chegar lá.
*
“ Tem certeza que você se feriu sozinho ?”
Não há sorriso irônico na fisionomia do médico de plantão. Apenas um resquício de suspeita profissional.
De olhos baixos, ele confirma o que dissera.
“ Então, você resvalou no rochedo, no Arpoador, hein ?”
Meio irritado pela insistência, ainda cabisbaixo, assente com a cabeça.
“ Não tou aqui pra chatear você... mas, poxa, impressiona o risco da ferida. Cê sabe que não é a primeira que eu vejo...”
“ Como médico não surpreende que o senhor tenha visto feridas desse tipo...”
De leve, o clínico sorriu.
“ Não, isso não tem nada a ver com a minha experiência em pronto-socorro... Já vi pelo menos um par de ferimentos iguais ao seu, e bem recentes...”
Aborrecido, Alberto levanta os olhos, encarando por primeira vez o doutor. Aquilo tomava ares de interrogatório policial. Afinal, precisava era de cuidados médicos. Por isso, enquanto possível, se controlaria.
“ Está bem. Você veio aqui para se tratar da ferida.”
Respirou fundo e o fitou por um tempo.
“ Pois é o que vou fazer. Você não precisa me dizer nada. Só lhe peço que pense na minha sugestão. Amanhã, antes do trabalho, vá à delegacia e registre a ocorrência. É claro que você não vai me citar. Mas, acredite, tem um de menor aí, drogado, muito provavelmente viciado em craque, que já atacou várias pessoas, e muitas delas, de forma mais grave que a sua. A nossa polícia não é nenhuma maravilha, concordo, mas, quem sabe, a sua ocorrência não venha a ser o toque que faltava pra que eles prendam esse de menor ?”
Em seguida, sem esperar pela resposta, limpou a ferida, aplicou a injeção e costurou os pontos. Na prescrição, escreveu os cuidados a tomar, o que deveria usar, e quando voltar para retirar os pontos.
Ao despachá-lo, deu-lhe tapinha no ombro e disse:
“ Pense bem no que lhe falei. A sua denúncia é importante. Se ficarmos encolhidos, ele vai continuar atacando e as vítimas podem não ter a mesma sorte...”
Em silêncio, murmura um obrigado. Como está sem tostão, caminha até o apartamento.
Por sorte, encontra na geladeira um copo de vitamina.
Está exausto. Liga o ventilador e se joga na cama.
*

A Gastança de Lula

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá passar para o seu sucessor uma dívida bruta que se estima em fins de 2010 chegue a 64,4% do PIB, a dívida mais alta em dez anos.
O aumento dos créditos repassados ao BNDES faz parte do arsenal de truques contábeis do Governo. Ele alega que empresta ao banco, mas na verdade está aumentando o capital do banco de fomento, que concede empréstimos subsidiados, muitas vezes para as próprias estatais. O truque é feito porque as ditas capitalizações não são computadas na dívida liquida do Governo, mas apenas na bruta.
A evolução da dívida bruta de 2000 para 2010 registra um marcado incremento em termos absolutos: de R$ 622,2 bilhões (52,7%) em 2000, R$ 927,2 bi (62,7%) em 2002 (último ano de FHC), R$1,017 trilhões (59,9%), em 2003 (primeiro ano de Lula), R$ 1,21 tri (56,4%), em 2005, R$ 1,74 (57,9%), em 2008, R$ 1,97 tri (62,8%), em 2009, e, em projeção, R$2,2 tri (64,4% do PIB), em 2010. Também em termos relativos se observa marcada elevação: de 52,7% em 2000 para 64,4% do PIB, em 2010.
A dívida bruta é o conceito mais amplo da dívida pública, incluindo as dívidas interna e externa do setor público junto ao sistema financeiro, ao setor privado e ao resto do mundo.
Nesse capítulo, a dívida interna tem crescido bastante: de 2000, R$465,2 bilhões, o que equivale a 39,4% do PIB, a R$642,9 bi (43,5% do PIB), em 2002 (último ano de FHC), R$ 776 bi (45,6%) em 2003 (primeiro ano de Lula), R$ 1,02 tri (47,5%) em 2005, R$ 1,596 tri (53,1%) em 2008, R$1,862 tri (59,2%), em 2009, e R$ 1,837 tri, em março de 2010, com 57% do PIB.
Para que se faça ideia da curva ascendente do truque contábil do governo nos chamados créditos concedidos ao BNDES, vejamos de início a curva histórica. Em 2000, os empréstimos do Tesouro ao banco público foram de R$5,1 bi (0,4% do PIB), em 2003, primeiro ano de Lula, R$13,6 bi (0,8%), R%16,8 bi (0,8%), em 2008 principia a curva ascendente com R$35,4 bi (l,2% do PIB), passando em 2009 para R$129,2 bi (4,1%) e repetindo em 2010 R$129,8 bi , com 4% (mas relativos apenas março de 2010 !).
Como funciona esse mecanismo das dita capitalizações do BNDES ? Na primeira fase, o governo emite títulos que são repassados ao BNDES em forma de empréstimo. Na segunda fase, o BNDES fica com mais recursos para emprestar, o que é bom para o Banco, mas ruim para o Tesouro. Por quê ? O Tesouro empresta ao banco a juros de 5,5% ao ano e paga 9,5% pelos títulos que emitiu no mercado, com óbvio prejuizo futuro.
Como terceira fase,o Tesouro recebe um volume maior de dividendos (o lucro apurado pelo banco e repassado à União) e usa esses recursos para cobrir despesas de governo. Na prática, de forma indireta o governo está conseguindo receitas extras, mas por meio do aumento da dívida pública.
Dessarte, seguindo tal política, o Tesouro está bancando os empréstimos subsidiados para o setor privado e para as estatais.
Essa política expansionista do governo – aumento dos gastos e do crédito, com claro viés inflacionário – contribui para a decisão do Banco Central de elevar os juros, mecanismo de que dispõe para tentar conter a inflação.

Herança Fiscal do Governo Lula.

Malgrado as palavras da Administração, de loas à ortodoxia fiscal, na linha do bordão “nunca dantes nesse país...” o Presidente Lula reserva uma desagradável surpresa para o seu sucessor. Deixa para ele (ou ela) uma pesada herança fiscal. Desde muito se registra a queda no superavit primário (utilizado com o excedente da receita sobre as despesas antes do pagamento destinado aos juros da dívida).
A que se deve essa queda bastante forte do superavit primário ? Diminuíu porque cresceram as despesas de custeio, pessoal e Previdência. A inchação da máquina pública na parte de custeio e pessoal é deveras negativa no enfoque fiscal, eis que tais despesas são as menos flexíveis, e que, por conseguinte, mais onerosas no longo prazo.
Assim, em outubro de 2008, o governo destinava para superavit primário 16 % da Receita Corrente Líquida; hoje, destina apenas 6%. A Receita Corrente líquida é o que fica nos cofres federais, depois dos repasses para estados e municípios.
Pelos cálculos do economista Alexandre Marinis, a queda do superavit não implica em aumento dos investimentos. Antes da crise, o governo investia 5% de sua receita, agora destina somente 6%. Por outro lado, as despesas de pessoal, previdência, custeio e outras despesas obrigatórias, que já absorviam 79% pularam para 88%. É um percentual muito alto.
Nunca se viu governo que
dê tanta ênfase aos gastos de custeio, pessoal, etc., em detrimento do investimento. É uma política clientelista, mais interessada em criar bolsões de sustentação eleitoral, e de aparelhamento da máquina pública pelo Estado em favor dos partidos (primeiro, é claro, o PT). Para a Olimpíada ainda não se fez nada, em termos de obras públicas no Rio de Janeiro. No entanto, já está constituída a estatal que vai ‘cuidar’do magno evento, a cargo do PCdo B, com um montante previsto de cerco quinhentos milhões em termos de custeio.
Diante dos dados acima, como discordar da assertiva de Marinis: “do ponto de vista da sustentação do crescimento econômico no futuro, é dificil imaginar uso mais ineficiente dos recursos públicos”.
O cidadão pode já ter uma noção da prioridade que este Governo Lula concede aos investimentos, seja em infraestrutura aeroportuária, rodoviária, em obras de saneamento, em segurança, saúde, etc. pelo montante desproporcional que dispendemos em impostos, visíveis e invisíveis, diretos e indiretos, e a pífia contrapartida que sentimos à nossa volta.
Para se ter ideia, em termos absolutos, dessa diferença de valores e de prioridades do Governo, nos doze meses terminados em março Governo e Banco Central gastaram R$ 597 bilhões. Desse total, R$ 154,4 bi foram para gastos de pessoal; R$232,8 bi, para benefícios previdenciários; e somente R$ 39 bilhões, para investimentos.
O aumento da dívida pública, a falta de reformas, o baixo nível de investimentos não são indicadores propícios para quem se preocupa com o mercado internacional e o aporte de recursos especulativos desse mercado. As manobras de prestidigitação, como as capitalizações do BNDES têm fôlego curto, e tendem a ser desmascaradas pelos inversores, inclusive os eventuais internacionais.
Além da ênfase no assistencialismo, da inchação da máquina pública, e o consequente empreguismo desenfreado, incrementam-se as despesas de custeio. Aumenta a dívida pública e com a falta de investimentos o Brasil se atrasa na corrida dos emergentes.
Em termos de bazófias e na ausência de reformas sérias, pode ser que as burras estejam cheias para o assistencialismo e o clientelismo, mas o futuro de nossa gente e de nossa terra não se compra com tais desperdícios.

( Fonte: O Globo )