segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Censura : o que fazer ?

A Constituição Cidadã já tem mais de vinte anos e a abolição da censura representa um de seus princípais galardões. No entanto, se atentarmos para o noticiário, como se responderia à pergunta: Respeita-se no Brasil a liberdade de expressão, consoante determinam o inciso IX do artigo 5º e o parágrafo 2º do artigo 220 da Constituição ?
A resposta, infelizmente, não será aquela taxativa do respeito sem exceções à cláusula pétrea constitucional, como faria supor a aclamação que cercara a promulgação do texto da Carta Magna, e a consequente efusão cívica do adeus àquela marca da ditadura militar.
A hidra da censura, com a esperteza que é própria das criaturas do obscurantismo – a exemplo de outra, a tortura –, soube homiziar-se nos porões das esperas ardilosas. Aguardou, paciente, que transcorresse a primeira hora do júbilo e da comemoração, para com a sinuosidade dos maus propósitos reaparecer à luz do dia.
A princípio, a fim de eludir a norma constitucional, a hidra da censura carece de vestir-se de trajes que a exumem da sepultura onde a enterrou a Lei Magna. Embora tenha outros disfarces, a censura se compraz em mostrar-se através de autoridades de quem seria lícito esperar fossem os paladinos da salvaguarda das cláusulas da Constituição, e não os artífices da reimplantação despudorada dos ditames dos sovados manuais do autoritarismo.
Dessarte, se a via judicial tem sido o atalho preferido pelos sequazes da censura, não é decerto o único, como o atesta o reestabelecimento no Ministério da Justiça de um sucedâneo da antiga divisão de censura, ora incorporada em ‘departamento de classificação indicativa’. Tampouco procede a afirmação de que a violação do preceito constitucional se restrinja a juízes de primeira instância, em localidades interioranas, naqueles grotões de que nos falava Tancredo Neves.
A esse respeito, a revista VEJA reservou uma página, sob o título ‘Atentado À Democracia’, para reportar a recente denúncia feita pela ‘Associação Nacional de Jornais’ – foram registrados no Brasil 31 casos de violação à liberdade de imprensa.’
Desses 31 casos, dezesseis são decorrentes de sentença judicial.
Não importa apenas definir esses mostrengos jurídicos como ‘anomalias’ e ‘temeridades’. Também não basta condená-las com frases categóricas, como, v.g., a assertiva de Ricardo Pedreira, diretor executivo da ANJ : “Trata-se de uma demonstração de desapreço a um princípio constitucional” (acerca da decisão do desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), proibindo o Estado de São Paulo de noticiar sobre a investigação das atividades empresariais de Fernando Sarney, filho do Senador José Sarney) e do Deputado Miro Teixeira , apostrofando sentenças que proibem jornais de publicar notícias como uma atitude “ofensiva e deplorável”.
Lamentavelmente, não é mais possível atribuir tais negações de liberdade básica a condições típicas de pequenas localidades no interior. Se há casos de juízes de primeira instância nessas cidades interioranas, como definiremos as três sentenças de apreensão do semanário Impacto pelo juiz eleitoral Luiz Henrique Martins Portelinha em Florianópolis, em agosto e outubro de 2008 ?
Certamente, o arbítrio é inadmissível em qualquer lugar. Entretanto, o que causa mais inquietação é que tais violações não mais se limitem a locais onde os recursos para contra-arrestar tais arbitrariedades não sejam de fácil acesso, porém repontem em grandes centros onde se presume existam condições de resistência e de restabelecimento da legalidade com maior presteza.
Em meu blog de 15 de agosto corrente ‘Prolongada a Censura Judicial em favor de Fernando Sarney’, levantei a possibilidade de que entidades representativas da sociedade civil, através de Ação declaratória de constitucionalidade obtenham do Supremo Tribunal Federal sentença em que não mais se admita o recurso, a qualquer título e por via judicial, à imposição de censura em órgão jornalístico ou de comunicação social. A Sociedade clama por sumúla vinculante que afaste, de forma definitiva, essas reiteradas chicanas, com os seus espúrios objetivos.
É mais do que tempo de passarmos das condenações categóricas, porém infelizmente destituídas de resultados práticos, para providências objetivas que suprimam esses contínuos avatares da censura. Deparamos como a negação do pensamento é implantada com despejada celeridade, e como é tarda a correção e a anulação de seus perniciosos efeitos.
Não obstante a sua meridiana clareza, o texto constitucional necessita de complementação pela nossa Suprema Corte, para que a Hidra da Censura, por suas múltiplas cabeças, não mais surja com suas temerárias violações.

domingo, 30 de agosto de 2009

Colcha de Retalhos XX

Visita do Dalai Lama a Taiwan.

O convite para o Dalai Lama visitar o sul da ilha de Formosa partiu dos chefes políticos de sete cidades do Sul, em que a oposição do Partido Democrático Progressista é majoritária. De acordo com a análise de politólogo local, o convite “teve motivação puramente política, com o escopo de incomodar tanto Ma (o presidente de Taiwan) quanto a China”.
O Dalai Lama chegará na segunda-feira, dia 31, para uma estada de seis dias na região sul de Taiwan.
O Presidente Ma Ying-jeou atravessa momento difícil, dado o descontentamento popular com as deficiências do socorro governamental às vítimas do tufão Morakot.
Diante da ênfase colocada pela administração de Ma Ying na melhoria das relações com a R.P.C., a vinda do Dalai Lama o põe em situação dificil com Beijing.
Como uma larga percentagem da população de Taiwan é budista, Ma se vê impedido de tentar obstaculizar a visita. O Dalai Lama vem justamente para reconfortar os flagelados do tufão que atingiu, sobretudo, a área sul do país.
Por outro lado, dentro de seu vezo de hipertrofiar a suposta inadmissibilidade das viagens do líder religioso tibetano a outros países, de forma quase ritual, o Escritório de Relações com Taiwan da RPC declarou em comunicado que “qualquer que seja a forma ou identidade utilizada por Dalai para ingressar em Taiwan, nós nos opomos resolutamente a isto.”
Não é a primeira vez que o Dalai Lama visita Taiwan. Lá esteve em 1997 e em 2001, quando Chen Shui-bian, o predecessor de Ma, era Presidente.
Ao opor-se sistematicamente aos deslocamentos internacionais do Dalai Lama, recorrendo inclusive amiúde a ameaças de boicotes no comércio, a liderança chinesa parece ter cristalizado a própria reação ao líder tibetano. Repetindo os comunicados contrários à personalidade maior do Tibete, o governo chinês evidencia a derrota política de sua burocrática campanha contra o carismático líder, a par de não se darem conta que, em agindo dessa forma, só contribuem para mais abrilhantar a imagem do Dalai Lama.
A representação do Tibete deve, nesse aspecto específico, agradecer a Beijing o grande aporte que os gerarcas comunistas trazem para a promoção, em termos de relações públicas internacionais, de um Prêmio Nobel da Paz e símbolo vivo de um país que, embora anexado pelo gigante chinês em 1959, mantém aos olhos do mundo a própria identidade nacional.

Nova Lei sobre a Polícia Armada do Povo.

O Parlamento chinês regulamenta os poderes da Polícia Armada do Povo, uma força paramilitar que atuou recentemente com eficiência para reprimir os motins étnicos na região de Xinjiang, no oeste da China.
O presidente Hu Jintao esteve em Xinjiang na terça-feira passada. Em seu discurso para os oficiais desta tropa, acentuou que a ‘sua tarefa mais urgente’ era assegurar a estabilidade social.
A nova lei especifica as diversas missões da Polícia Armada do Povo: guardas de fronteira, segurança para os funcionários chineses, e agentes de apoio em desastres naturais, sem esquecer, é óbvio, o seu papel na repressão dos distúrbios políticos e sociais.
Em meu blog de 11 de julho – Mais uma Rebelião no Império Chinês – me reporto a tais ‘distúrbios’ em Xinjiang, protagonizados pela população local Uighur, diante da crescente presença dos han, a etnia majoritária chinesa.

Congressista admite não ter declarado fundos no valor de US$ 500 mil.

Para dirimir quaisquer mal-entendidos, a nota se refere a um congressista estadunidense. Charles B. Rangel, um influente e veterano representante de New York na Câmara, que é objeto de duas investigações éticas, reconheceu ter omitido, na sua declaração de bens de 2007, pelo menos o montante de quinhentos mil dólares.

Pedra em exposição no Museu Nacional de Amsterdam

Verificou agora que a pedra em exposição no Museu holandês não é exatamente o que indicava o aviso do mostruário. Com efeito, ao invés de tratar-se de pedra trazida pelos astronautas americanos da lua, o que tem sido admirado pelos visitantes é apenas um pedaço de madeira petrificada.
O Museu adquiriu a alegada pedra lunar ao ensejo do passamento do Primeiro Ministro Willem Drees, que a recebera, como dádiva especial, do então Embaixador dos Estados Unidos, J. William Middendorf.
Middendorf disse aos repórteres que a ‘pedra lunar’ lhe chegara às mãos através do Departamento de Estado americano, mas não se lembrava dos precisos detalhes da remessa.

Oportuno desmentido do Presidente Sarney

Segundo informa a Folha, o Senador José Sarney nega que haja pedido à Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que intercedesse em seu favor na investigação da Receita Federal sobre empresas de sua família.
Com firmeza, esclareceu o presidente do Senado Federal: “Nunca tratei desse assunto com a ministra Dilma, nem com o Presidente Lula”.
Pelo visto, é de concluir-se que essa oportuna declaração mostra pelo menos um fato relevante: se encontro houve entre Dilma e Lina Vieira, não foi a pedido do Senador Sarney.

( fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo)

sábado, 29 de agosto de 2009

A Crise do Superavit Primário

A sensível queda na arrecadação, o aumento dos gastos públicos e as desonerações fiscais feitas pelo Governo Lula para enfrentar a crise financeira tiveram como resultado que o país fechasse as contas do mês de julho com o pior superavit primário (receitas menos despesas, excluído o pagamento de juros da dívida pública), da história para o mês. Comparado com o de julho de 2008, o superavit primário de julho de 2009 foi 71,2% menor. Diante desse desempenho das contas públicas, fica praticamente impossível o cumprimento da meta fiscal para 2009, de um superavit primário de 2,5% do Produto Interno Bruto.
Se a estimativa se comprovar, será a primeira vez, em série iniciada em 1998, que o setor público não atenderá a meta fiscal estabelecida. Segundo os dados do Banco Central, o esforço fiscal do governo federal, estados, municipios e empresas estatais somou R$ 3,18 bilhões em julho, o menor resultado para o período desde o início da série, em 2001. No corrente ano de 2009, o superavit primário está acumulado em R$ 38,435 bilhões, o que equivale a apenas 1,76% do PIB, num fluxo de 12 meses.
Assinale-se que o superavit primário mensal vem caindo desde o início do ano (em junho ele era de 2,04% do PIB). O resultado de julho sofreu forte influência das contas dos governos regionais (estados e municípios), com um superavit primário de R$ 797 milhões, o menor dos últimos seis anos para o período. Já em julho de 2008, os governos regionais tiveram superavit primário de R$ 1,691 bilhão. A piora do resultado em estados e municípios se deveu, segundo o chefe do departamento econômico do BC, Altamir Lopes, ao fato de não ter havido repasses importantes da União durante o mês de julho.
Tampouco os números do governo central (governo federal, INSS e Banco Central) são motivo de regozijo, eis que o superavit primário foi de somente R$1,691 bilhão, igualmente o pior da série histórica. Já as empresas estatais, excluída a Petrobrás, registraram um total de R$ 692 milhões.
Pagamento dos juros da dívida pública.
Conforme informou o Banco Central o pagamento dos juros da dívida pública – que é objetivo precípuo do exercício do superavit primário – correspondeu a R$ 16,196 bilhões. Como foram economizados tão só R$ 3,180 bilhões, as contas públicas tiveram um déficit nominal de R$ 12,989 bilhões no mês de julho. No ano, o déficit nominal está acumulado em R$ 56,671 bilhões, quarenta bilhões a mais do que em igual período de 2008. Em um fluxo de doze meses, isso equivale a 3,35% do PIB.
Endividamento crescente.
E, para cobrir este rombo, o país tem forçosamente de endividar-se ainda mais.
Assim, a dívida líquida total do setor público ascende a R$1,283 trilhão em julho, o que equivale a 44,1% do PIB, e portanto acima dos 43,2% de junho.
Diante da crise, a posição dos especialistas é de que o peso do crescimento da dívida pública deve ser relativizado. Se comparada com outros países, a relação entre dívida pública e PIB do Brasil pode ser considerada menor. Nos Estados Unidos, por exemplo, a dívida pública está em torno de 70% do PIB.

Visão a médio prazo.

No entanto, se a curto prazo a avaliação tende a ser benigna, no médio prazo, os gastos do governo não são vistos de forma tão favorável. E é na qualidade das despesas que se centram as críticas dos analistas.
No dizer de especialista, o governo brasileiro continua não dando sinais de que vai reduzir, ou parar de elevar, os gastos correntes (com funcionalismo, por exemplo).
Consoante já referi oportunamente (V. meu blog A salgada conta da Recaída Populista, de 30.07.09), essa orientação perversa da gestão macro-econômica, é apresentada pelo ex-Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, de forma bastante mais incisiva: (O governo) ‘está aumentando o gasto corrente de maneira irreversível. Ao mesmo tempo, está, por causa da crise, tendo uma queda de arrecadação de 6%, maior do que a queda do PIB. Está compensando os aumentos dos gastos e a queda da arrecadação, com a redução progressiva do superavit primário, o que elevará a dívida/PIB. Isso é um caminho suicida.’
Este blog tem enfatizado o crescente viés populista do Governo Lula, máxime no decorrer do segundo mandato. Com a aliança pluripartidária e sobretudo com a entrega de importantes ministérios ao PMDB, se nota a progressiva inchação da máquina federal, em que a multiplicação dos ministérios – com a acentuação da irrelevância das pastas ministeriais (que atinge dimensões farsescas, beirando o simbólico número dos quarenta)- tem a inevitável contrapartida na mediocrização e, mesmo, na fulanização de muito dos respectivos titulares.
Esse aumento das contratações de pessoal sobrecarrega os gastos correntes, por não serem flexíveis, a par de subtrairem montantes substanciais de investimentos em atividades produtivas e/ou de infraestrutura.
A esse respeito, cabe sublinhar o que reportou Merval Pereira, acerca da participação do deputado Antonio Palocci em seminário do Instituto Brasileiro de Siderurgia. Em sua palestra, o ex-Ministro da Fazenda reafirmou sua crença de que será necessário fazer um plano de longo prazo para reduzir o gasto público.
Ao contrário do pensamento prevalente no PT, Palocci elogiou a manutenção de políticas econômicas nos últimos quinze anos, atribuindo a tal continuidade o sucesso que o país vem tendo no enfrentamento da crise financeira mundial.
Não se eximiu, contudo, de ressaltar que o gasto público tem crescido acima do PIB nos últimos quinze anos, o que não é sustentável. Para ele, o tamanho do Estado brasileiro não depende da vontade política de Fernando Henrique Cardoso ou de Luiz Inacio Lula da Silva, mas das necessidades de implementação de políticas sociais compensatórias.
Não obstante, declarou que é possível reduzir os gastos públicos sem prejudicar os problemas sociais. Em finais de 2005, pouco antes de sair do governo por causa da acusação de violação de sigilo do caseiro, Palocci entrou em rota de colisão com a Chefa da Casa Civil, Dilma Rousseff, sobre proposta de ajuste fiscal de longo prazo apresentada pelo Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, com o seu apoio.
A Ministra, dentro de seu estilo, chamou a proposta de ‘rudimentar’. A despeito de a dita proposição estar engavetada desde então, Palocci tornou a defendê-la.
Propôs reduzir os gastos públicos para que, num período de dez anos, sejam gradativamente cortados para ficarem abaixo do crescimento do P.I.B., com a consequente sinalização de equilíbrio de longo prazo para a economia.
Dúvidas decerto subsistem quanto às possibilidades do ex-Ministro de lograr exercer, em breve prazo, papel mais protagônico no trato das questões de governo. Sem embargo, semelha reconfortante ver alguém ressurgir na cena política em condições de contestar a presente gastança em assistencialismo e outras despesas pouco produtivas, de estampo eleitoreiro. Talvez a sua presença e personalidade consigam dissipar tais tentativas canhestras e de pouco fôlego, com vistas a que orientação mais voltada para os grandes interesses nacionais torne a se fazer ouvir e respeitar em aras governamentais.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Antonio Palocci vira a página do Caseiro

O resultado já era esperado, mas não o caráter apertado da votação dos ministros do Supremo. Assim, por 5 x 4 o plenário do STF determinou o arquivamento da denúncia contra o deputado e ex-Ministro da Fazenda Antonio Palocci. Cercado por três advogados, como autor da ação o caseiro Francenildo dos Santos Costa acompanhou o julgamento sentado na primeira fila. Trajava terno cinza e gravata vermelha,calçando sapatos pretos. Segundo adiantou Wlicio Nascimento, um dos advogados, terno e gravata tinham sido providenciados por ele para Francenildo, ‘de última hora’.
Prometera entrevista ao cabo do julgamento, mas saíu calado, frustrado pela decisão desfavorável.
Conforme o relato de O Globo, hoje o caseiro Francenildo vive de bicos. Nas palavras do advogado Wlício, “apesar de sérios constrangimentos, ele não se deixa abalar e vai em frente, buscando suas metas. Isso tudo acompanhado de muita falta de dinheiro.(...) Fome nunca passou porque a gente providenciou, como empréstimo a fundo perdido.”
Palocci, o personagem principal, não compareceu ao tribunal. Se recebeu a sua carta de alforria, a antecipada concessão não foi tão fácil. Na avaliação da oposição, que terá seguido de perto o desenvolvimento do juízo, o resultado apertado depreciaria bastante o valor da absolvição.
Apreciação que – igualmente de forma previsível – tanto o Palácio do Planalto, quanto o Partido dos Trabalhadores não compartilham. Sob tal prisma, Palocci está inocentado pela mais alta corte e ponto final.
Como aqui não interessam os matizes, nem porventura influenciam nas eventuais consequências, semelha forçoso convir em que a razão não se acha com aqueles que torciam pela condenação.
Sem mais impedimentos, o deputado Antonio Palocci está disponível para outras empresas. Não é mais necessário cingir-se doravante à assessoria nas sombras em assuntos economicos e financeiros, que terá prestado, nesse período de relativo limbo político, ao Presidente Lula. De resto, como todo assessor a título gracioso, haverá padecido da capitis diminutio de quem, não tendo o exercício do cargo, tampouco disporá da força para fazer prevalecer as respectivas posições.
Dessarte, a candidatura de Ciro Gomes pelo PT ao governo de São Paulo perde o brilho. Também se a mãe do PAC tropeçar ou não corresponder, porque não o recurso ao curinga de Ribeirão Preto ?
Por outro lado, a longa ausência de Palocci da Fazenda pode explicar alguns problemas surgidos na gestão do menos afirmativo sucessor Guido Mantega. Mas isso será matéria de outro blog.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A Morte do Último Kennedy

A família Kennedy teve longa presença na história política americana. Já o patriarca familiar, Joseph P. Kennedy, que servira na Administração Roosevelt como o primeiro presidente da Comissão de Ações e Obrigações e depois na qualidade de Embaixador junto a Corte de Saint James, se tornara milionário (bens imobiliários, indústria cinematográfica, atividades bancária e, segundo rumores persistentes, pela venda de bebidas alcoólicas nos tempos da Proibição). O chefe do clã Kennedy tinha uma certa simpatia pela Alemanha nazista. Por isso, com a abertura das hostilidades em setembro de 1939 e a posterior crescente aproximação entre Roosevelt e Churchill, ele deixou a embaixada em Londres.
Joseph Kennedy perderia o seu primogênito Joseph P. Kennedy Júnior, cujo avião foi abatido pelos nazistas em 1944. O segundo filho John Fitzgerald Kennedy também seria heroi de guerra, como o episódio do PT-44 na vertente do Pacífico do conflito mundial o demonstraria.
Joseph Kennedy se casara com Rose Fitzgerald, ambos descendentes de importantes famílias de origem irlandesa, com acentuada participação na política de Boston e do estado de Massachusetts. Tiveram nove filhos, quatro homens e cinco mulheres: Eunice, Jean, Patricia, Kathleen e Rosemary; Joseph, John, Robert e o caçula Edward.
A ominosa sombra da tragédia sempre pairou no convívio da família católica, de cepa irlando-americana. A par do primogênito, levado pela 2ª Guerra Mundial, o segundo irmão John – a quem o pai Joseph passaria a missão política da família, com o desaparecimento do irmão mais velho – eleito deputado em Massachusetts , em seguida Senador, e, em sucessão ao general Eisenhower, como primeiro presidente católico americano, cairia vítima em Dallas, em 1963, do nunca bem esclarecido atentado de Lee Oswald. Seis anos depois, na comemoração de sua vitória nas primárias da Califórnia, Robert Kennedy – a quem passara a missão política e o inegável carisma do irmão – também seria estranhamente assassinado por outro matador (Sirhan Bishara Sirhan), em junho de 1968, com o flagrante objetivo de barrar-lhe o caminho para a Casa Branca.
Edward (Ted), o mais jovem, se tornara senador em 1962, com trinta anos de idade (a idade mínima para o posto nos Estados Unidos). Ocupou a cadeira que fora de seu irmão John, e nela permaneceria, por vontade dos eleitores de Massachusetts, por quarenta e sete anos, sendo um dos seis senadores, na história americana, a servirem por tão longo espaço de tempo.
Logo depois da morte de Robert, Ted Kennedy seria o herdeiro natural para pleitear a Presidência. As suas perspectivas – porque não lhe faltava o carisma, nem a competência política da família – se afiguravam muito promissoras, não fosse um acidente em uma ponte de madeira da ilha de Chappaquiddick, próxima da ilha de Martha’s Vineyard. A 18 de julho de 1969, Kennedy saíu de festa organizada por mulheres que tinham trabalhado no staff do senador Robert Kennedy. Muita bebida havia sido ingerida. Ted dirigia o carro acompanhado de Mary Jo Kopechne. Na ponte de madeira, o carro caíu n’água (dois metros e quarenta centímetros de profundidade). Kennedy logrou salvar-se, mas não Mary Jo. Por abandonar o local do acidente e não reportar a ocorrência às autoridades por dez horas, Ted Kennedy foi julgado, e condenado a dois meses de detenção. Pelas características do ocorrido – suas três tentativas de salvar a Mary Jo -, a sentença ficou em suspenso.
Igualmente em suspenso restaram muitas dúvidas na mente das autoridades do estado e na opinião pública em geral.
O estigma da pobre Mary Jo ficaria na sorte política de Ted Kennedy. Senador, atuante, com liderança liberal-progressista, o seu grande prestígio legislativo não seria no entanto bastante para abrir-lhe o caminho da Casa Branca. Em 1979, não obstante, intentou arrebatar a indicação da convenção do Presidente Jimmy Carter, que postulava a reeleição. A campanha de Kennedy, mal organizada, foi um desastre, e apesar de maciça votação em primárias, não logrou desbancar a Carter (que seria, mais tarde, derrotado por Ronald Reagan, candidato republicano).
Na campanha pela sua primeira reeleição, em 1964, Ted Kennedy, favorecido pelas pesquisas, sofreu grave acidente de aviação. Fraturou a coluna e quebrou várias costelas, no desastre em que morreram o piloto e um auxiliar.
Se a princípio fora escarnecido como um peso-leve, à vista de seus irmãos John e Robert, Edward (Ted) Kennedy cresceria durante a sua longa permanência na cena política. Campeão de causas liberais (direitos civis para os negros, direitos para minorias e perseguidos, direitos das mulheres, educação, direitos trabalhistas, assistência sanitária), ele se tornaria quase um bicho-papão para a direita (de que era alvo favorito nas campanhas de levantamento de fundos).
Sem embargo de suas convicções, soube trabalhar com habilidade a bancada republicana, selando alianças que conduziram à assinatura de leis importantes no campo social. Considerou Ted Kennedy como seu voto mais importante haver-se manifestado, em 2002, contra a guerra no Iraque.
A sua morte, de câncer cerebral, desfalca a bancada democrata no Senado, que se reduz a 59 votos. Será ausência sentida na tentativa de aprovação pela Administração Obama – a quem apoiara em fase determinante das primárias – de uma Reforma do Plano Geral de Saúde do Povo Americano.
Edward Kennedy, cujo filho Edward M. Kennedy perdera uma perna para o câncer ósseo, teve duas esposas, Joan Bennett Kennedy, de quem se separou em 1982 depois de 24 anos de casamento, e a advogada Victoria Ann Reggie (casados em 1992). O seu convivio com esta última se marcou pela estabilidade, diferindo das turbulências das décadas anteriores.

( Fonte: International Herald Tribune )

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O cartão vermelho de Suplicy

Em meio ao discurso, que matreiramente José Sarney empurrara para o fim da tarde, o Senador Eduardo Suplicy exibiu da tribuna enorme cartão vermelho para o escândalo de permanecer na curul da presidência do Senado quem não tem mais condições políticas de exercer tais funções.
Como definir o gesto do Senador por São Paulo ? Uma jogada de marketing, nas palavras do aparte do Senador Heráclito Fortes (DEM-PI) ? Um gesto de oportunismo político, ainda por cima contrário à posição do PT, como terá pensado o presidente Ricardo Berzoini que grosseiramente recusou o cumprimento de Suplicy, na cerimônia oficialista do lançamento da candidatura de José Eduardo Dutra à presidência do Partido dos Trabalhadores ? Algo incompreensível, à luz das declarações da Senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que, se dirigindo aos “envergonhados que saíram do partido”, afirmou ter orgulho da “ética petista” ?
O Senador Suplicy decerto não escondia o próprio nervosismo, que transparecia em ocasional dificuldade de articular pensamentos. Heráclito Fortes, que o contraditou do plenário em defesa do ausente Sarney, confirma de resto a impressão : “Nunca o vi tão nervoso.”
Em assembleia já meio esvaziada, pelo avanço da hora, ele receberia o elogio de Cristovam Buarque (PDT-DF): “O senhor conseguiu um símbolo de luta. Imagino, a partir de amanhã, as pessoas no Brasil inteiro carregando cartões vermelhos, graças à sua genialidade, senador Suplicy.”
E, na verdade, Suplicy pode parecer sozinho, naquela ampla sala, que a crise do Senado e, ultimamente, a falta de qualquer sensibilidade do Senador José Sarney em apegar-se pateticamente ao cargo, tem projetado, por meio da televisão, nas salas de estar das famílias brasileiras !
Restará, no entanto, alguma dúvida de que esta alegada solidão reflete apenas a circunstância de que o Senador Eduardo Suplicy aí se encontra em ambiente que pouco tem a ver com a realidade brasileira ?
Em se falando de ética, restará acaso alguma dúvida da pessoa que realmente expressa este modo de conduta ? O que significa, a propósito, o despautério de uma ‘ética petista’ no dizer da representante de Santa Catarina ? Confundir ordens do patrão, impostas por motivos tristemente confessáveis, que vão ao arrepio das verdadeiras conveniências morais e éticas da Nação, nada mais é que baixar a cabeça na obediência da manada, por não ter a intemerata coragem de repudiar os ditames do poderoso de turno !
Ao exibir o cartão vermelho, Suplicy é o vetor de um movimento nacional. Representa não só 75% da opinião pública, que clama por se ver livre do velho oligarca do Maranhão. Neste gesto que expulsa de campo o elemento indesejável, por um comportamento avesso às normas, o povo brasileiro distinguirá igualmente a advertência para muitos outros, que persistem em sustentar alguém, cuja continuada presença se transformou no empecilho à superação da crise.
São homens e mulheres hoje poderosos. Encastelados no poder, pensam que tudo lhes é permitido.
O cartão vermelho do Senador Suplicy também se volta para eles e elas. A claque dos oportunistas pode enganá-los, na sua falsa efusão.
Senador Suplicy vá em frente, porque, ao contrário do que pensam, são eles que não são eternos.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Notícias da Ditadura Iraniana

O início do segundo mandato do Presidente Mahmoud Ahmadinejad se processa de forma algo acidentada. Esses quatro anos suplementares Ahmadinejad os deve literalmente ao Líder Supremo, o Ayatollah Ali Khamenei que determinou, como se sabe, a apuração relâmpago dos sufrágios, proclamando-se logo em seguida a ‘vitória’ do presidente Ahmadinejad.
Se os protestos multitudinários que se seguiram não foram bastantes para que Khamenei cancelasse os comícios e convocasse novas eleições, tais manifestações populares em favor do candidato Mir Hussein Moussavi provocaram um ulterior endurecimento do regime, com exacerbada repressão. As cadeias de novo se lotaram com grande número de iranianos, cuja única culpa foi terem participado de pacíficas passeatas contra o esbulho eleitoral.
Como os governos autoritários tendem a apresentar características similares, as detenções abusivas, as torturas, as violências e sevícias, com a sua quota macabra de mortes, recordam ao povo iraniano os procedimentos do antigo Xá, quando buscava salvar o próprio trono, diante das crescentes demonstrações de repúdio da sociedade civil.
De acordo com a lógica ditatorial, Khamenei e seu esquema de apoio optaram pela encenação de julgamentos criminais, em que se colocou grande número de pessoas no banco dos réus. A tática intimidatória dos tribunais pode, no entanto, suscitar resultados imprevistos, máxime se os juízos são abertos ao público. Nesse contexto, houve muitas denúncias de violências sofridas, seja ao ensejo do aprisionamento, seja no cárcere.
O clérigo e líder oposicionista Mehdi Karrubi tem informado, através de site na internet, que inúmeros manifestantes presos foram objeto de abusos sexuais, o que incluíu, em alguns casos, até o estupro. Não obstante os vociferantes desmentidos das autoridades – que não trepidaram em brandir a ameaça de prisão – Karrubi prossegue na sua campanha. Acaba ele agora de divulgar o relato de vítima de estupro, a que foi submetido na prisão Kahrizak (mais tarde fechada por ordem de Khamenei), quando se achava com os pés e as mãos atados.
Não logrando amedrontar os chefes da oposição, como Moussavi e Karrubi, os elementos de ponta do regime ora recorrem a uma escalada retórica, que pode prenunciar medidas ainda mais drásticas. Nesse sentido, o chefe do Conselho dos Guardiães, Ayatollah Ahmad Jannati, em discurso, clamou pela prisão dos líderes dos protestos que sacudiram o país após as eleições. Conquanto não haja explicitamente designado Moussavi e Karroubi, não deu o orador margem a dúvida de que se referia aos dois candidatos oposicionistas ao pleito presidencial.
Depois que as manifestações foram contidas, pela violência dos Basiji (milícia secreta) e da polícia, Moussavi, apesar de ser o mais popular, vem adotando postura mais discreta, porém firme. Por sua vez, Karrubi se tornou o crítico mais agressivo do sistema, com acusações públicas de que homens e mulheres foram vítimas de sevicias e violências sexuais na prisão.
O discurso de Jannati – que é a reação de mais alta hierarquia a tais acusações – se prestaria a duas interpretações: ao não citá-los nominalmente, estaria ou preparando a opinião pública para as detenções, ou evitando explicitar a matéria para que a crise não se agrave mais.
Por outro lado, o gabinete do Presidente Ahmadinejad poderia ter, entre seus membros, um nome polêmico. Depois de forçado a dispensar um parente seu como primeiro vice-presidente, por questionamentos surgidos da ala conservadora, o presidente pretende indicar como Ministro da Defesa a Ahmad Vahidi.
Vahidi está na lista de pessoas procuradas pela Interpol, devido à acusação do governo argentino “de conceber, planejar, financiar e executar” em 1994, o ataque em Buenos Aires, ao Centro Cultural Judeu, que causou a morte de 85 pessoas e ferimentos a centenas. O Senhor Ahmad Vahidi na época dirigia a secreta Força Quds, ligada aos Guardas Revolucionários (Forças Armadas Iranianas), com o encargo de realizar operações no exterior.
Consoante a normativa iraniana, o Parlamento votará sobre as 21 indicações ministeriais. Malgrado tenha maioria conservadora, não se pode adiantar se algumas dessas indicações serão rejeitadas pelos deputados.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Dos Jornais XXXIII

International Herald Tribune 24.08.2009


Incêndios Florestais na Grécia

Por causa da secura do ar e das altas temperaturas do verão boreal, na Grécia os incêndios florestais são ocorrência tristemente comum. A despeito de sua frequência nesta fase do ano, no entanto, o governo helênico continua relativamente despreparado para enfrentar tal flagelo.
Dada a densidade populacional, os sinistros não representam apenas ameaça para plantações e bosques, mas também para núcleos demográficos, seja em pequenas aldeias em áreas montanhosas, seja em cidades e até na própria megalópole de Atenas.
Os presentes fogos surgiram na noite de sexta-feira, em Grammatikos, a 40 km a nordeste de Atenas. Favorecidos pelos ventos, espalharam-se rapidamente, carbonizando largas faixas de pinheiros e bosques de oliveiras.
Cerca de meio-dia de domingo, já o incêndio investia a Aghios Stefanos (Santo Estevão), um bairro a 22 km do centro de Atenas. Agora, o fogo consumia não só pinheiros e oliveiras, senão casas e automóveis.
Refletindo o desespero das comunidades ameaçadas, e a disparidade nos meios disponíveis para o combate às chamas, os destacamentos de bombeiros são ajudados por aviões especiais, de diversos tamanhos, por helicópteros e até por populares a batalhar contras as labaredas, armados de ramos de árvores, mangueiras e baldes.
Não obstante a repetição do flagelo – devido tanto a causas naturais, quanto a incendiários – o esquadrão grego de aviões especializados não é de longe suficiente, e por isso se torna indispensável o empréstimo por França, Itália e Chipre de aeronaves para o combate às chamas.
Os atuais incêndios recordam a calamidade do verão de 2007, quando a revolta da população diante da ineficácia do equipamento e de recursos humanos insuficientes levara o governo do primeiro ministro Costas Karamanlis a empenhar-se para cobrir tais lacunas.
Como os gregos não vêem, malgrado as promessas oficiais, sensíveiss mudanças na situação, as perspectivas do gabinete de centro-direita – que tem maioria de um deputado no Parlamento - não se afiguram das melhores para as vindouras eleições.

Mato Grosso, campeão da devastação florestal

O significado de Mato Grosso, devido à maciça derribada da floresta tropical, caminha celeremente para transformar-se em denominação tingida de ironia, eis que a concentração florestal torna-se coisa do passado, substituida por imensas plantações de soja, cereais e pastagens para enormes rebanhos, tudo isso para aumentar as exportações de companhias multinacionais.
O estado de Mato Grosso se assinala pelo melancólico galardão de ser um epicentro do deflorestamento global. Na última década, sob a benigna negligência das autoridades federais e estaduais, as densas florestas do passado foram desbastadas com singular proficiência. O deflorestamento, um dos principais fatores para a mudança climática, é responsável por 20% das emissões mundiais de dióxido de carbono, e por 70% das emissões no Brasil. Assim, segundo os expertos, conter o deflorestamento é tão importante na luta contra o aquecimento global quanto fechar as usinas de carvão.
As determinantes da devastação florestal tem causas sociais e econômicas. Se para a aceleração do desmatamento, a fraqueza e/ou conivência das autoridades competentes terá sido um fator relevante, não se pode esquecer que até agora não tem sido concedidas vantagens financeiras para induzir os proprietários de terra a não devastar as respectivas florestas.
A esse respeito, se fornece o exemplo de um fazendeiro brasileiro, José Marcolini.
Ele dispõe de licença do governo brasileiro para abater neste ano 12.500 acres de mata tropical, para o cultivo da soja. Recebeu de um grupo ambientalista a oferta anual de vinte e dois reais por acre preservado. Marcolini, que diz se importar com o meio ambiente, está em dúvida, pois, no seu entender, para resistir à tentação, precisaria receber muito mais (cada acre preparado para o cultivo valeria cerca de R$ 2500,00).
Custa crer na veracidade dos dados acima fornecidos. Que órgão governamental é esse que emite tais licenças para derribar mata virgem ? Por outro lado, resulta difícil montar um esquema baseado em vantagens financeiras, às custas de grupos privados ambientalistas. A economia verde não pode prescindir de um esquema muito mais amplo, com a participação do governo, do fazendeiro e de outros organismos. Dentro de um quadro normativo específico, porque é questão de interesse nacional, também se inserem componentes tecnológicas e créditos compensatórios.
Preservemos as nossas florestas remanescentes enquanto é tempo. Representam um recurso válido para gerações futuras, e para tanto podemos seguir o exemplo de outros países inovadores na coexistência da florestas com outras atividades produtivas.

domingo, 23 de agosto de 2009

A Presidência Obama: Interrogações

Os Estados Unidos estão em pleno verão boreal, a Administração Barack Obama apenas completa sete meses, e o Presidente e família terão férias em Martha’s Vineyard, balneário elegante em uma ilha na costa de Massachusets, que é famoso desde os tempos dos Kennedy.
Ao contrário do que prenunciavam as primeiras pesquisas, com índices de aprovação bastante altos, o primeiro semestre não terminou sob os mesmos auspícios. Os horizontes não mais se encontram desanuviados, com as risonhas perspectivas da posse ao pé do Capitólio.
Pode-se ponderar que não é surpreendente venham as coisas a evoluir dessa forma, eis que as expectativas trazidas da campanha e da eleição tendem a defrontar-se com as dificuldades do governo cotidiano, as impaciências de seus partidários, as dúvidas dos independentes, e raivosa indisposição da direita, incitada e açulada pelos demagogos de plantão, como Rush Limbaugh.
Sem embargo, o quadro hodierno da opinião pública estadunidense mostra ventos de mudança, e não para melhor: a aprovação geral de Obama caíu doze pontos, ora se achando em 57%. Por sua vez – e o que é mais preocupante – a desaprovação do novo presidente ascende a 40%. Verifica-se, portanto, tendência para crescente polarização da opinião pública, não mais desequilibrada como de início, mas aproximando-se de uma virtual equipolência.
Aumenta, por conseguinte, a insatisfação com a liderança de Obama, e como decorrência natural, as resistências às propostas da Administração democrata.
Na verdade, esta oposição, se é reflexo de diversas causas, tem uma determinante principal, que avulta diante das demais e constitui o fator precípuo para condicionar os ânimos em um viés contrário ao governo de Barack Obama.
Tampouco há de surpreender que tal papel venha sendo desempenhado pela proposta de reforma do plano geral de saúde.
Ao invés do profissionalismo evidenciado para a obtenção da indicação pela Convenção do Partido Democrata, profissionalismo este que levou a campanha de Obama a superar Hillary Clinton, a favorita para a nomination, na longa e quase interminável disputa das primárias partidárias, a Administração Barack Obama não se preparou de forma adequada para enfrentar as mui previsíveis manobras da coligação opositora a quaisquer mudanças substanciais no statu quo da assistência sanitária nos Estados Unidos.
Dado o precedente do embate da Administração Clinton contra essa nada santa aliança, que abateu a tentativa capitaneada pela Primeira Dama Hillary Clinton com frustrante facilidade, fica difícil adivinhar por que razão esta nova investida foi empreendida de forma tão pouco coordenada e quase amadorística.
A despeito dos esforços do Partido Republicano e de sua esbravejante ala tele-radiofônica, em apresentar a presente proposta como intento de implantar o socialismo médico em terra americana, na realidade a questão não é ideológica.
Essa argumentação política nada mais é do que cortina de fumaça para convencer a maioria do povo estadunidense de um perigo inexistente. Com essa vociferante linha auxiliar que, como de hábito, não tem escrúpulos no seu trato com a verdade, a coligação farmaco-médico-hospitalar e as grandes seguradoras almejam afastar a ameaça governamental às enormes vantagens econômico-financeiras auferidas pelo atual sistema, baseado na maximização do lucro e não no interesse de cada paciente.
Quanto ao partido republicano, normalmente a reboque do grande capital, tudo que contribuir para abalar a posição de Barack Obama e do partido democrata será compreensivelmente bem-vindo, atendido o recente desastre eleitoral que lhe dizimou a representação no Senado e na Câmara.
Outro equívoco da Administração Obama foi o de não privilegiar agências públicas de assistência sanitária – que é o paradigma adotado por Nancy Pelosi na Camara de Representantes – e indicar por baixo do pano que poderia trocar tal modelo pelo de cooperativas sanitárias sem fins lucrativos. Esta é a solução preconizada pelo Comitê de Finanças do Senado, presidido pelo Sen. Max Baucus (Montana). Um grupo de seis senadores (três democratas e três republicanos), liderados por Baucus e por Charles E. Grassley (Iowa/Rep.) estaria buscando solução de compromisso, com o aparente apoio da Casa Branca.
A irritação em muitos parlamentares democratas tem aumentado, diante da disposição presidencial de abandonar a opção pública, que faz parte do programa partidário, por uma versão aguada do plano de saúde, que é aceita por republicanos e pelo lobby das seguradoras privadas, presumivelmente por não apresentar qualquer risco ao predomínio do presente sistema.
Apesar de dispor de sólidas maiorias na Câmara e no Senado, Obama tem envidado esforços para lograr o apoio de republicanos, em busca de ilusório plano bipartidário, com o qual o G.O.P. – excluído um insignificante punhado de moderados – não dá sinais de que possa estar de acordo.
O que vemos, portanto, é que no encalço da miragem de plano bipartidário, Obama aliena o apoio da ala progressista (que se sente traída). Por outro lado, dentro de lógica arrevezada, aceita continuar a negociar com o Senador Grassley, mesmo depois da acusação mentirosa deste senador de que o Plano de Saúde da Administração Obama incluía cláusulas com supostas câmaras da morte para velhinhos...
Talvez não seja demasiado tarde para que a atual situação possa ser revertida. Se, no entanto, Obama e seu Chefe de Gabinete, Rahm Emanuel, esquecerem o profissionalismo da campanha eleitoral, e buscarem amigos entre seus adversários, mais uma vez o povo americano não terá plano de saúde digno do nome, a par de outras pouco agradáveis consequências políticas que acompanharão esse malogro.

sábado, 22 de agosto de 2009

Colcha de Retalhos XIX

Mercadante e a liderança da bancada

As contínuas mudanças de atitude do Senador Aloizio Mercadante refletem a falta de seriedade, respeito e, por que não dizer, estatura não só do líder, senão do próprio partido, transformados em joguetes pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A nove do corrente, Clovis Rossi se perguntava, em sua coluna, se Mercadante mereceria piedade ou desprezo por seu comportamento nesta crise. Então, ainda não havíamos passado pela comédia (ou farsa) das renúncias ‘irrevogáveis’.
Que se pode esperar de alguém que, escolhido líder da bancada, se vê abandonado pelos seus liderados ? Se tivesse respeitado a sua reação inicial, a de salvaguardar o próprio brio, e desfazer-se de posição que tinha sido esvaziada pelo Planalto, o Senador por São Paulo teria enfim agido como deveria.
Pensa ele que, munido de uma carta presidencial feita sob encomenda, perante um plenário vazio, poderá sair de cabeça erguida desse episódio ?
Os verdadeiros líderes são aqueles que dão valor à palavra empenhada. E os títulos só valem na medida em que os respectivos detentores os fazem por merecer.

Desmentido da pré-candidata Marina Silva

Despertara espécie a suposta afirmação da Senadora Marina Silva (sem partido-AC) que o governo Lula era insensível a causas sociais.
Com efeito, a presente Administração pode ser increpada de muitas falhas, porém a assertiva acima há de parecer fora de propósito. A política social de Lula e seu governo podem ser, aqui e ali, suscetíveis de reparos, mas não de acusação tão genérica. Nesse sentido, a Bolsa Família - e tantas outras iniciativas – estão aí para desmentirem essa ‘insensibilidade’a causas sociais.
Veio, por conseguinte, em boa hora o desmentido da Senadora, que tornou a elogiar a política social de Lula, como demonstrado pela redução do número de famílias abaixo da linha da pobreza.

Procedimentos de Segurança no Palácio do Planalto

Diante das repetidas perguntas do porquê do silêncio da segurança institucional do Palácio do Planalto em não corroborar a negativa, pela Ministra-Chefe da Casa Civil, de haver tido qualquer reunião com a Secretária da Receita Federal, por fim o Gabinete de Segurança comunica que as imagens feitas pelas câmeras de segurança só ficam armazenadas por trinta dias. Além disso, nomes de autoridades e placas de carro não, repito, não são anotados.
É mister reconhecer que são deveras estranhos tais procedimentos, como se a pressa, aliada a uma grande discrição, norteasse todo o aparelhamento de segurança do Palácio do Planalto.
Onde está a obrigação, a que se reportou o Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, da apropriada documentação dos visitantes à sede do mais alto órgão do Executivo Federal ? Afinal, a coisa pública deve estar acessível ao conhecimento do Povo, como oportunamente corroborado por recente decisão do citado Ministro do STF, no que tange às verbas indenizatórias da Câmara Federal.

Caixas Pretas do Voo 447 da Air France

Consoante comunicado à imprensa, fracassou a segunda tentativa de localizar as caixas pretas do voo 447 da Air France, que caíu no Atlântico Sul, na noite de primeiro de junho de 2009, matando todas as 228 pessoas a bordo.
A porta-voz da Agência francesa de Segurança da Aviação Civil, Martine del Bono, anunciou a próxima reunião de dez especialistas de vários países, inclusive Brasil, França, Estados Unidos e Alemanha para decidir quanto custaria e requeriria uma nova fase de buscas.
Nenhuma indicação foi dada de quando se iniciaria a eventual terceira missão. Por outro lado, a fabricante da aeronave, a empresa Airbus, ofereceu ajuda no financiamento de nova tentativa de localizar as caixas pretas.

Poluição Made in China

Cerca de 1300 crianças na província de Hunan, no sudeste da China, adoeceram de envenenamento por chumbo, causado pela entrada em funcionamento (não-autorizado) de uma fundição de manganês. O gerente-geral da usina está foragido.
Os exames revelaram elevados níveis de chumbo no sangue de sete da cada dez crianças testadas.
Segundo Xinhua, a agência oficial chinesa de informação, este é o segundo envenenamento acidental em massa, ocorrido em um mês.

Justiça Texana

Sharon Keller, a juíza presidente da Corte de Apelações Criminais do Texas encerrara audiência do tribunal antes que pudesse ser concluído o apelo de último minuto, de um condenado no corredor da morte.
No processo para determinar se houve prevaricação de sua parte, Sharon Keller, inquirida se hoje tomaria a mesma decisão, não hesitou em testemunhar sob juramento de que voltaria a agir de forma idêntica.

(Fontes: O Globo e International Herald Tribune)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Escolhas Insensatas

Em muitos aspectos podem ser questionadas as opções adotadas pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja no campo político, seja no econômico-social.
O abandono dos critérios éticos pelo Partido dos Trabalhadores, não é decerto decisão autônoma da instância partidária. Ao invés, foi tomada tangida pela chamada governabilidade, por determinação do próprio Presidente da República. A dita governabilidade – e a candidatura de Dilma Rousseff – justifica, ao ver de Lula, as quebras mais acintosas dos princípios do PT. Por causa dela, se incrementa consideravelmente o lastro a ser carregado pelos principais candidatos petistas nas eleições de 2010.
Se nos ativermos a considerações práticas de interesse eleitoral, tudo milita a favor da coerência na observância dos princípios éticos. O seu desrespeito é péssimo presságio para o malogro de muitas candidaturas de voto majoritário, e para o encolhimento da legenda nos pleitos de sufrágio proporcional.
O que, no entender de Lula, milita em prol de escolhas ao arrepio das posições que distinguiram no passado o PT, é o interesse imediato, vale dizer, a manutenção da aliança com a coalizão megapartidária do PMDB. Não é uma opção indolor, eis que ao associar-se aos caciques peemedebistas e notadamente a chefes do rebanho de Renan Calheiros, José Sarney, Michel Temer et caterva, o governo petista paga preço descabido e abusivo, que traz consigo a maldição do desfiguramento da imagem da legenda aos olhos do eleitorado.
Ao imiscuir-se em questões atinentes ao Legislativo, o Presidente Lula não só contribui para agravar a crise que há muito infesta esse poder, mas também desmoraliza e achincalha as lideranças petistas atuantes em Senado e Câmara Federal. Se não há dúvida que a personalidade de Lula, com o seu crescente personalismo autoritário, constitua o fator preponderante nessa equação, tampouco podem eludir a respectiva responsabilidade aqueles representantes partidários, que por fraqueza e/ou subserviência consentem em trair os próprios compromissos éticos.
Pela míope adoração do ídolo da imediata governabilidade, Lula segue o que se poderia chamar de uma antipolítica, tudo sacrificando às ávidas cobranças de um megapartido não-ideológico, e sem outro norte do que as enganosas vantagens do clientelismo. Não é por acaso que desse amplo seio não vicejam candidaturas ao Planalto, porque, em função das próprias limitações, o PMDB de hoje tende a ser liga de caciques estaduais, sem ulterior voo às alturas do Planalto.
Que consultor político poderia conceber aliança que tenha como contrapeso o favorecimento da maior expressão do arcaico coronelismo regionalista, v.g., o Senador José Sarney ? Nada tenderá a mais deleitar os respectivos adversários que essa pesada efígie, cuja simples presença há de desvirtuar longas e meritórias carreiras, sob a sua imensa e maligna sombra ?
Não param aí, no entanto, as decisões equivocadas do Presidente. Inspirado certamente por motivos pessoais, Lula, depois da malograda e efêmera experiência do programa Fome Zero, tem investido maciçamente na Bolsa Família.
Não há negar a necessidade de um programa de apoio às vastas comunidades que, por esses Brasis afora, mas com particular ênfase no Nordeste, carecem de apoio. No entanto, se a relevância da participação estatal não pode ser contraditada, o programa Bolsa Família, pelo seu desmedido alargamento, tem representado um desvio de recursos que melhor poderiam ser empregados em outras rubricas orçamentárias.
O Bolsa Família padece hoje de inquietante gigantismo. Na véspera das eleições de 2010, o que foi alcunhado como maior programa eleitoral do Nordeste já ultrapassou o marco de um bilhão de reais. Atendidos os seus escopos assistencialistas, o Bolsa Família na verdade cuida do presente, livrando os beneficiários das insídias da miséria. É um nobre objetivo, posto que incompleto. Por não cuidar do futuro, o Bolsa Família condena os contemplados à mesmice da estagnação.
O assistencialismo é uma política de beco sem saída. O Brasil precisa de dar trabalho e não esmolas a essas multidões do Maranhão e do Nordeste. Somente pela criação de empregos reais, sem a corrupção de organizações desencaminhadas, será factível retirar estes brasileiros da miséria em que vivem. E para criar tais empregos, não há soluções mágicas. Passam por investimentos, de preferência determinados pela União.
Talvez seja um pouco tarde para convencer o Governo Lula de tal necessidade. Mas também nesse aspecto específico, critérios temporais não podem ocultar falsos condicionalismos.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Como Destruir uma Legenda

No começo está o afã do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fazer a sua enérgica Ministra-Chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, candidata à Presidência da República, sem maior tradição no Partido dos Trabalhadores, egressa do PDT e que nunca enfrentou o teste das urnas. Lula, todavia, não teve grandes dificuldades em transformar a sua preferência pessoal por Dilma em candidatura do próprio PT. Para tanto valeu-se,nao apenas de ser presidente da república, mas também por achar-se arrimado em estratosféricos níveis de popularidade.
Por outro lado, sendo o fundador e principal líder do Partido dos Trabalhadores, e, como soi acontecer, não crescendo à sombra da pujante e frondosa árvore outras tão frondosas e comparáveis em tamanho, não lhe foi muito difícil convencer a correligionários pré-candidatos de menor estatura a desistir da insensata empresa de afrontar o potente patrocinador de sua seleção para candidata e desejada sucessora no Palácio do Planalto.
O Presidente Lula não terá, nesse capítulo, inovado. É uma recorrente fantasia de homens poderosos sonharem em colocar criatura sua no próprio assento, seja para salvaguardarem o respectivo legado, seja mesmo para continuarem, por interposta pessoa, a exercer a essência do poder. Essa ilusão, na verdade, se implementada pelos meios válidos em cada país, corre o grave e usual risco de que a criatura se volte contra o criador. Com efeito, se ela dispuser de real acesso às rédeas do poder, será evolução até banal, com incontáveis exemplos pela história e mais além, a ponto de adentrar as névoas da mitologia.
Vencida esta primeira etapa do trabalho, principiam a repontar as insídias nas futuras fainas. Em seu segundo mandato, Lula opta pela aliança pluri-partidária, com ênfase nessa grande e amorfa coalizão de líderes regionais, na mor parte despojada de outra ideologia que não a do poder, que é o PMDB. Este megapartido tem hoje pouco ou nada a ver com a agremiação do Dr. Ulysses Guimarães. Como remanescentes testemunhos do espírito passado, restam poucos, v.g., Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcellos (PE). Os demais em geral se alinham ao comando de lideranças do estampo de Renan Calheiros e Michel Temer.
O apoio do PMDB costuma custar caro. Se à sombra de tal legenda não logram vingar ambições presidenciais, as amplas e maleáveis maiorias na Câmara e no Senado são, através de seus chefes e cabecilhas, ávidas de cargos e benesses. Para tanto, o Presidente Lula não trepidou em inchar o respectivo ministério, até transmutá-lo em difuso e quase anônimo conglomerado, que menos trata dos assuntos de Estado, do que a ele sobrecarrega.
Infelizmente para o fundador do PT, as coisas não ficariam nisso. A ‘candidatura’ de José Sarney, sempre negada pelo interessado, posto que ao mesmo tempo propulsionada por interesses nem sempre confessáveis, levaria à vitória de Pirro da conquista da curul do Senado Federal.
Como ignorou e mesmo traíu a candidatura do próprio partido, Lula contribuíu para acirrar a cizânia, que logo floresceria em sucessão inarredável de escândalos. Exposto José Sarney, o mais velho e bem-sucedido coronel da República, senhor do Maranhão e do Amapá, o seu crescente e visgoso apego à cadeira da presidência, a cada denúncia de novos escândalos, tenderia a tornar-se mais pesado e oneroso para o Presidente e seus planos.
Não obstante, é mister reconhecer que, em sua presente encarnação, Luiz Inácio Lula da Silva tem sido sempre coerente em privilegiar conveniências eleitorais sobre princípios, posições da opinião pública e, sobretudo, contra a tradição ética, a linha e os interesses do seu partido, o PT.
Com efeito, a desenvoltura presidencial tem sido tamanha que a sua identificação com o partido fundado em 1980, com base nos princípios de justiça, ética e defesa democrática, pode ser mesmo posta em dúvida, tamanho é o seu menosprezo pela passada imagem e perspectivas vindouras do Partido dos Trabalhadores, a que tem transformado em peça de manobra para propósitos mais contrários àquilo com que o povo sempre associara a sigla do PT.
A carga de José Sarney, e de sua manutenção pelas coortes a mando de Renan Calheiros, não poderia representar pior maldição para o PT e a sua bancada no Senado. O Presidente Lula não tem medido esforços para tornar mais acintoso e humilhante tal atrelamento à situação que implica em escárnio para as pretéritas doutrinas e posições da militância petista.
Diante da indizível e molesta fraqueza de Aloizio Mercadante e de tantos outros – que não se podem desvencilhar do estigma de pusilânime mediocridade – as palavras do Senador petista Flávio Arns (PR), ao ensejo do adicional opróbio da absolvição de Sarney pelo Conselho de Ética - “O PT jogou a ética no lixo. Vai ter de achar outra bandeira.(...) Posso dizer que me envergonho de estar no PT” – se elas não podem resgatar a fortuna partidária, infundem pelo menos uma dupla certeza.
A gente realmente séria e honesta do PT, ou abandona o partido – como a Senadora Marina Silva – ou, circundada por arrivistas e oportunistas, não tem outra opção do que formular o possível epitáfio para o que foi um grande partido, em que a ética era escrita com letras maiúsculas.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Desafio que quase não foi

O interrogatório da ex-Secretária da Receita Federal, Lina Vieira, na tarde de ontem, dezoito de agosto, foi cercado de contradições.
De início, o inaudito desafio do Presidente da República a uma funcionária de terceiro escalão para que apresentasse a sua agenda. Como de hábito, Lula falou o que não cabia. Primeiro, porque na qualidade de mais alta autoridade do Estado, não deve empregá-la para intimidar funcionários de mais baixa hierarquia. Segundo, por não dizer-lhe respeito questão da estrita competência da sua Ministra e da ex-Secretária da Receita.
Apesar de o país ter coisa mais séria para discutir, como asseverou o seu chefe, a Ministra Dilma Rousseff cancelou todos os compromissos da agenda, permanecendo em casa, presumidamente para evitar contatos com a imprensa.
Por sua vez, a oposição que provocara a audiência na Comissão de Constituição e Justiça - por um suposto ‘cochilo’ da situação - não mui surpreendentemente não se preparou para a interrogação de Lina Vieira. Terá acaso se fiado em que as declarações da ex-Secretária bastariam como matéria combustível para acirrar a crise? Por falta de mínima atenção prévia, como assinalou Merval Pereira, não foram feitas pelos senadores perguntas óbvias como indagar se Lina achava normal uma interferência do tipo da feita pela Ministra, ao convocá-la para seu gabinete. Também não se aludiu à circunstância de que, ao não fazer o que a Ministra sugeriu, tenha permanecido omissa, sem comunicar o fato inusitado ao seu superior.
Tampouco a estrela da tarde fez o trabalho que alguns temiam e outros esperavam. Não produziu a famosa agenda, nem foi capaz de precisar a data do encontro. Limitou-se a fornecer alguns detalhes do compromisso, com itinerário, carro, e chofer terceirizado, de quem não deu o nome.
A primeira fase da audiência terminou com a morna repetição de assertivas anteriores, com a confirmação da reunião. Nesse espírito, Lina não se disse ‘pressionada’, embora julgasse o pedido ‘incabível’.
Tudo parecia resolvido para o governo, a ponto de o líder Romero Jucá dar-se por satisfeito. Nesse momento, serenados os ânimos, as coisas se encaminhavam para um fecho do agrado oficial.
De agitar a atmosfera, cuidou a líder governista, Senadora Ideli Salvatti. Com inusitada agressividade, depois de reler a entrevista de Lina à Folha de São Paulo, acrescentou ela: “Ou a senhora mentiu hoje, ou mentiu para o jornal”. Pressentindo as consequências, Renan Calheiros tentou intervir, para apaziguar o súbito ímpeto de Salvatti, mas já era tarde.
Colocada contra a parede, Lina Vieira elevou o tom: “Não estou mentindo não, reafirmo que a ministra quis parar com a investigação, foi o que eu disse aqui desde o início.”
A ex-Secretária da Receita aceitou, outrossim, a acareação com Dilma Rousseff, e, dada a intervenção presidencial, aduziu que não precisa de agenda para dizer a verdade.
Marcada pelas assertivas de Lina Vieira e pelas negações de Dilma Rousseff – e, por acréscimo, o desmentido da fiel secretária-executiva, Erenice Guerra - a crise do pedido de agilização da investigação do Fisco sobre empresas de Fernando Sarney, a audiência na Comissão de Constituição e Justiça se concluíu com ares de questão que, apesar de tudo, permanece insepulta.
A menos de outro ‘cochilo’, não semelha provável que a situação permita a acareação da Ministra com a ex-Secretária da Receita.
A exemplo das assombrações que, insatisfeitas com o próprio desenlace, são ditas continuarem a vagar por ocasiões e locais os mais estranhos, não se afigura prudente consignar as dúvidas remanescentes ao silêncio dos defuntos.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Obama: que Plano de Saúde ?

Conforme se especulava antes, crescem os indícios de que o Presidente Barack Obama concordará com básica mudança na reforma a ser introduzida na assistência de saúde do povo americano. Ao invés de uma agência pública de saúde que iria concorrer com as entidades particulares, existe agora a possibilidade, mencionada pela Secretária de Saúde, Kathleen Sebelius, de que a Administração esteja aberta a considerar o recurso a cooperativas de assistência sanitária. Tais cooperativas disporiam de um financiamento inicial do setor público, mas seriam dirigidas por seus integrantes.
Confirmando estimativas anteriores, tal plano obedeceria em linhas gerais ao esquema alvitrado pelo Comitê de Finanças, do Senado, em que grupo bipartidário de seis senadores se empenha para viabilizar um plano geral de saúde moderado, que traria uma reforma híbrida para a população americana.
A súbita radicalização do discurso da direita colheu desprevenido o campo democrata e, notadamente, a Administração Obama. Que não se cuidasse de uma política de conscientização da opinião pública estadunidense semelha difícil entender, tendo presente o ocorrido na tentativa anterior, realizada pela Administração Clinton.
Dados os altos interesses econômicos em jogo, seria pelo menos ingênuo que os setores ditos conservadores se acomodassem com a perspectiva inelutável da introdução de reforma geral da saúde.
A esse propósito, Paul Krugman se manifesta de forma lapidar: “o que se atravessa no caminho de um plano universal de saúde nos Estados Unidos são a ganância do complexo médico-industrial, as mentiras da direita, e a credulidade dos eleitores que acreditam em tais mentiras.”
Na verdade, o serviço médico atual nos Estados é um dos mais caros do mundo. Essa característica se deve sobretudo à maciça presença de grandes organizações médico-hospitalares, em que se privilegia a especialização extremada e a multiplicação desenfreada dos custos, eis que essas associações se regem pelo princípio do lucro e não do interesse do paciente.
Assim, diante da possibilidade de que a presente cornucópia cesse de beneficiá-los com os rendimentos auferidos pelas associações particulares, não há de surpreender que, para derribar a ameaça configurada por um plano geral de saúde pública, este amplo segmento da economia americana não há de recuar na utilização dos expedientes e das deformações mais torpes e desonestas.
Para tanto, além da chusma dos consultores políticos da direita, dos inúmeros lobistas, esta triste e medonha coalizão pode valer-se dos demagogos da direita, no figurino de Rush Limbaugh e outros, que não trepidarão em assacar as maiores infâmias, como acusações de nazismo e de êmulos de Adolf Hitler (no famigerado factóide do incentivo à morte de pacientes idosos), e de todas as demais águas que possam mover esses moinhos do obscurantismo.
Quiçá Barack Obama tenha cometido ulterior erro, ao não encaminhar ao Congresso alguma forma de texto básico para a reforma da saúde, preferindo cingir-se a princípios gerais. Como já se noticiou aqui, outrossim, Obama estaria privilegiando a versão do Senado – leia-se o ‘compromisso bipartidário’ do Comitê de Finanças – do que os projetos da Câmara de Representantes. Não foi à toa que um dos deputados democráticos conservadores (os chamados fiscal blue dogs) se apressou em afirmar que a reforma da saúde pra valer se discutia no ... Senado, e não na Câmara, em que havia apenas um espetáculo marginal ( side show ).
As próximas semanas dirão se as concessões feitas pelo Presidente serão suficientes para salvar alguma coisa da reforma.
A prevalecer essa previsão pouco otimista, recordo o que escreve Arnold Relman em seu artigo “A Reforma da Saúde de que necessitamos e que não estamos conseguindo”[1]: ‘Nenhum plano que comece pela eliminação do seguro fundado no emprego privado, e que dependa substancialmente de financiamento público parece ter muita chance de ser aprovado agora. Seria mudança demasiado grande, e ameaçaria as companhias de seguro e outros poderosos interesses setoriais que influenciam o Congresso. (...) Por ruim que estejam as coisas, elas terão que piorar ainda mais antes que uma grande reforma se torne politicamente possível.”
Nem todas as cartas estão sobre a mesa. Há sempre a esperança da reviravolta, arrimada nas maiorias de que dispõe o partido democrata. Se o milagre não ocorrer, será inevitável que se retome a comparação com o seu longínquo antecessor Franklin Delano Roosevelt, que iniciara na década de trinta longo ciclo liberal-democrático. Desta feita, no entanto, se confirmado o andor da carruagem, os cotejos terão outro viés.
[1] The Health Reform we need & Are not getting, Arnold Relman, The New York Review.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Hora da Onça Beber Água ?

Amanhã, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal será talvez escrita página importante da história da campanha presidencial de 2010. A pouco menos de catorze meses da abertura dos comícios que decidirão sobre quem tomará posse a 1º de janeiro de 2011, para mandato de quatro anos a cargo dos destinos do Brasil, lá prestará depoimento mulher que, sem ser candidata ou pretender sê-lo, poderá determinar a sorte daquela que foi escolhida pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para eventualmente sucedê-lo.
O jornalista Ricardo Noblat, na sua coluna de hoje em O Globo, descreve em minúcias de informados detalhes, o quadro que circunda essa acareação virtual, eis que, mesmo não estando fisicamente presente, Dilma Rousseff o estará em metafórica efígie no salão da CCJ. As palavras de Lina Vieira, ex-Secretária da Receita Federal, em essência já são conhecidas, mas não é de excluir-se que de alguma ulterior pergunta possa sair traço ou informação não prevista.
Assim, a menos de desenvolvimento ora não computado, Lina Vieira continuará na sua jornada, a relatar de experiência digamos extra-curricular, que terá ou não a ver com a respectiva demissão pelo Ministro Guido Mantega.
Um dos pontos cruciais do episódio terá sido a forma maximalista com que reagiu a Ministra-Chefe da Casa Civil. Há a respeito não pequena perplexidade dos comentaristas, visto que Dilma Rousseff não carecia de negar a própria existência da entrevista. Aparentemente, o seu interesse se deveria cingir ao desmentido do objeto do encontro por ela supostamente convocado.
Se se limitasse a tal prisma, a questão pareceria ficar de mais fácil solução, na medida em que a dúvida só permaneceria quanto ao sentido da determinação da Ministra: ‘agilizar as investigações’ é expressão em que caberia folgadamente mais de uma interpretação.
O endurecimento na negativa tende, por conseguinte, a suscitar outras dificuldades para Dilma Rousseff. Como apropriadamente aduz Noblat, ninguém entra no Palácio do Planalto sem, de alguma forma, ser identificado. Se a versão da Ministra é a verdadeira, por que então o silêncio do governo, não corroborando as suas peremptórias declarações, com a determinante indicação factual de que Lina Vieira não esteve no Palácio ?
A especulação política não pára aí.
Se a atitude da Ministra provoca perplexidade, diante do aparente contrassenso da negação absoluta não só do propósito, senão da realidade da entrevista, se esgueira na mente do observador a indagação se não existiria outro tópico, que pela sua gravidade ou delicadeza, terá induzido a opção de rejeitar in totum a própria existência do encontro entre a Chefe da Casa Civil e a Secretária da Receita Federal ?
Dizem que mentira tem pernas curtas, e que a verdade tende a mostrar-se mais cedo ou mais tarde.
Nesse momento, porém, essas considerações se acham ligadas a uma circunstância maior.
Fala-se no apagão de Dilma Rousseff. Parafraseando Mark Twain, seria um exagero anunciar a morte política da candidata. Não o é, contudo, afirmá-lo que do desenlace desta crise, e de como evolverá o embate entre duas mulheres de caráter forte, se escreverá página relevante para as perspectivas da candidatura oficial ao Palácio do Planalto.

domingo, 16 de agosto de 2009

Antítese Dominical

Desse mundo turvo da política brasileira, em que assistimos, consternados e perplexos, se pavonearam pelo plenário de Senado que se afunda nos próprios malfeitos grotescas figuras, podemos retirar talvez mais de um dado que nos anime a acreditar em luz de esperança.
A nova pesquisa de Datafolha mostra que 74% dos consultados querem o afastamento de José Sarney da presidência do Senado.
Sob diversos aspectos, este é dado muito importante. De início, põe a nu o quanto se afasta do sentir popular o seu mais interessado e obstinado defensor. Também vão pelo ralo os insolentes arreganhos e as desavergonhadas manobras do grupelho de que é cabecilha Renan Calheiros,a quem confiou a sua declinante sorte o oligarca de Maranhão e Amapá.
Será que depois de confirmarem a indignação da opinião pública que tais 74% traduzem, a bancada do PT no Senado continuará acuada e timorata ? Se mais precisasse para retomar antigos brios, que outra mensagem podem retirar desses dois terços do eleitorado, quando batem à porta os comícios de outubro de 2010 ?
Que sombra tortuosa e mofina há de projetar o líder Aloizio Mercadante, se não cresce diante do desafio e se se deixa diminuir por quem já possui interesses maiores do que os da imagem de seu partido ?
A relevância da pesquisa de Datafolha ao tornar irrefutável o repúdio da sociedade à permanência de José Sarney na curul do Senado, igualmente afasta um argumento de laivos fascistóides que procura desmerecer dos clamores da opinião pública veiculados pelos órgãos de comunicação, como se mais não fossem expressões da opinião publicada.
Nessa postura, se nos depara uma grei em que se congregam elementos díspares, como aqueles representantes, votados ou não, que da opinião pública se lixam, e analistas do mundo político, que por outras sendas chegam a conclusões similares.
A rejeição do Congresso – 44% o consideram péssimo – toca uma campainha que não deve soar em vão. Falto de outros meios, que não se esqueça o eleitor de melhor escolher no ano próximo. A reforma política – para livrar-nos dessa profusão de legendas de aluguel, entre outras coisas - não surgirá por acaso.
Falando na fortuna, é hora igualmente de termos presente que nem tudo se afigura deprimente no horizonte da política.
A candidatura da Senadora Marina Silva pelo Partido Verde é um desenvolvimento inesperado e sem dúvida promissor. Pelo que representa e pelo que preconiza, Marina Silva, em muitos aspectos, aponta para ares novos e para um mundo em que a integridade não é atributo de fachada.
Como candidata que não sai de bolso de algibeira, tem consistência própria e possibilidades de motivar um largo eleitorado. A recente injustiça, sofrida do antigo correligionário e atual Presidente, a sua candidatura será boa resposta – nas palavras de Janio de Freitas - a quem, como Lula, não tem o menor interesse pelo meio ambiente nacional.
Sem dúvida, o aparecimento da opção Marina Silva confirma que na política o fator aleatório tem significado de que só os tolos desmerecem.
Por ora, a Senadora do Acre é apenas uma promessa. Mas que promessa, se a entrevirmos como indicação de melhores tempos, quem sabe prenúncio de limpeza futura nas cavalariças de Áugias.

sábado, 15 de agosto de 2009

Prolongada a Censura Judicial em Favor de Fernando Sarney

Continua a difícil jornada para restabelecer a plenitude do Estado de Direito, maculado pela espúria censura judicial, decretada em 30 de julho, por estranha liminar do Desembargador Dácio Vieira (TJ/DF). Em reação contra a citada liminar, o advogado Manuel Alceu Ferreira, de o ‘Estado de São Paulo’, entrara com exceção de suspeição de Dácio Vieira, que mantêm relações de convívio social com a família Sarney. Vieira – que é igualmente objeto de ação junto ao Conselho Nacional de Justiça, por ter aceito conhecer da questão, a despeito de evidentes razões para declarar-se impedido – ainda não respondeu à dita exceção de suspeição.
Dando prosseguimento à tentativa de desfazer o ato inconstitucional de Vieira, o advogado Manuel Alceu entrou com liminar em mandado de segurança contra o aludido ditame do desembargador Dácio Vieira.
Não há de despertar surpresa que o desembargador Waldir Leôncio Cordeiro Lopes Júnior, da 2ª Câmara Cível do TJ, não acolheu o pedido de liminar em mandado de segurança que o ‘Estado de São Paulo’ interpusera contra a ordem do desembargador Dácio Vieira.
O desembargador Lopes Júnior, invocando prudência, deixa para deliberar acerca do mandado apenas depois que receber informações do próprio Dácio Vieira e o parecer da Procuradoria de Justiça. Ao invés da presteza de Vieira em proibir o jornal de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, que envolve Fernando Sarney, ora outro magistrado do mesmo Tribunal, em decisão interlocutória, na prática mantém a censura em manifesta contradição aos artigos 5º , inciso IX e 220, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal.
Dessarte, no despacho afiança: “o rito do mandado de segurança é célere, por isso é mais prudente que se aguarde para deferir ou não a providência requerida no momento do julgamento do writ (mandado) quando a questão estará madura.”
Uma vez afastado todo esse cipoal jurídico, e não obstante a suposta celeridade do processo, forçoso será reconhecer que a inadmissível censura permanece, e os prazos continuam a correr em benefício de quem se prevalece de manifesta e gritante inconstitucionalidade.
Dois comentários antes da conclusão. ‘O Estado de São Paulo’, que, por sua ação jornalística, mais uma vez padece a censura, agora judicial, antes ditatorial e militar (nos tempos da chamada Redentora), contribui, através da ampla divulgação da arbitrariedade sofrida, a debate mais aprofundado da sociedade civil sobre a persistência da hidra da censura judiciária.
A Justiça, nos seus escalões inferiores e não tão inferiores, tem gostosamente reincidido na prática da censura aos jornais. Incontáveis são as ocorrências desse vezo autoritário, mormente no interior, nos grotões de que falava Tancredo Neves, e nos feudos dos coronéis, como os repetidos recursos de Sarney e de seu clã no Maranhão e no Amapá demonstram copiosamente.
A esse propósito, o respeitado professor Marco Antonio Villa alerta para o aspecto de constituir perigoso precedente a censura imposta judicialmente ao Estado. E mais perigoso ainda, se for considerado que haverá eleições no ano que vem.
A censura, sob qualquer forma que revista, representa uma praga daninha, que carece de ser erradicada, com real celeridade. Nesse contexto, causa estranheza que a grande imprensa, excluida a parte ofendida, não devote à matéria a atenção e o espaço que a sua gravidade faz e muito por merecer.
Depois da pífia cobertura de ontem, em que apenas a Folha reservou em página interna pouco mais do que uma nota sob o título ‘Desembargador do TJ-DF mantém proibição a jornal’, pelo menos hoje estampa, no caderno Cotidiano, o relevante artigo de Walter Ceneviva “Censura Judicial da mídia”.
A segunda observação será para frisar a lentidão da Justiça em derrubar essas determinações que vão na contramão dos direitos do cidadão e da sociedade, inscritos nas cláusulas pétreas da Constituição, e menoscabadas por escalões do Judiciário, os quais deveriam ser os primeiros em respeitá-las e, se necessidade fora, fazê-las valer na sua plenitude.
Conclusão. Por fim, a repetição dos abusos e a demora em restabelecer a plena vigência da cláusula constitucional, nos força a reiterar o que já manifestáramos em blog anterior. É mais do que tempo para que os órgãos competentes da sociedade civil, em Ação declaratória de constitucionalidade [1] obtenham do Supremo Tribunal Federal sentença em que não mais se admita o recurso, a qualquer título e por via judicial, à imposição de censura em órgão jornalístico ou de comunicação social.
A sociedade clama por uma súmula vinculante que afaste, de forma definitiva, essas reiteradas chicanas, com os seus espúrios objetivos.
A liberdade de informação, rasgados os véus do arbítrio, precisa ser restabelecida sem ulteriores tergiversações. Honremos uma das cláusulas mais luminosas da Constituição Cidadã, de 5 de outubro de 1988, que honra a memória de Ulysses Guimarães e a ação cívica do então Ministro da Justiça, Fernando Lyra.
[1] Estabelecida pela Emenda à Constituição nr. 3, de 17 de março de 1993.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Colcha de Retalhos XVIII

Perspectivas para o Plano Geral de Saúde

Com relação à tramitação no Congresso americano, o Plano Geral de Saúde mostra duas feições, a que está sendo elaborada na Câmara de Representantes, e a que é negociada no Senado. Na Câmara, é favorecida a versão pública do Plano, com maior participação do Estado. Já no Senado, não se acredita na possibilidade de aprovação de plano geral de saúde com substancial participação do Estado. No comitê de Finanças, presidido pelo Senador Max Baucus (Montana), se negocia um plano de saúde bipartidário, em que, em vez de por intermédio de seguradora pública, as reformas se realizem através de cooperativas sem fins lucrativos.
Uma ala importante do Partido Democrata não está satisfeita com o enfoque do comitê de Max Baucus, onde se estariam fazendo concessões que desvirtuam os princípios do plano previsto inicialmente, inclusive pelo próprio Presidente Obama, para lograr ter o apoio de senadores republicanos para a reforma. Sempre consoante esse ponto de vista, se estaria pagando caro demais pelo respaldo do G.O.P., quando os democratas detêm sólidas maiorias em ambas as casas do Congresso. No Senado, inclusive, têm sessenta votos contra quarenta, o que lhes dá a maioria regimental necessária para neutralizar qualquer tentativa de filibuster[1].
No entanto, a atuação de Obama e da Casa Branca não parece enquadrar-se na sua propalada preferência por manter-se distanciado do andamento dos projetos, em se limitando a dar alguns princípios gerais. Ao contrário dessa linha, o que se observa são contatos e acompanhamento das principais discussões, com ênfase nas deliberações do Senado. Assim, o Presidente convidou, em princípios do verão boreal, para um almoço de trabalho o Senador Max Baucus e a sua contraparte republicana, o Senador Charles E. Grassley (Iowa).
Corroborando a impressão de que os desenvolvimentos realmente importantes se situam nesse Comitê de Finanças, Obama mantém contatos telefônicos com os dois Senadores. Por outro lado, Nancy-Ann DeParle, encarregada do grupo de trabalho pró-reforma na Casa Branca, tem reuniões bissemanais com o Senador Baucus. Peter Orzag, o diretor de orçamento da presidência, mantém contatos amiudados com a assessoria do Senador Baucus.
Sob a argumentação de que o ótimo é inimigo do bom, o Presidente Obama e seu principal assessor, o Chefe de Gabinet Rahm Emanuel, vem dando, como se verifica, profusas indicações de que estariam prontos a privilegiar como legislação para a reforma da saúde, uma versão de compromisso, que não seria tão favorável para o povo americano, mas que teria, a seu ver, melhores condições de ser aprovada.

Veto afinado com o compasso eleitoreiro
A tão elogiada responsabilidade fiscal dos anos anteriores, pelo visto, virou cousa do passado. Assim, o Presidente Lula vetou artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2010, que estabelecia limites aos gastos do governo federal com publicidade, passagens e diárias.
Na negociação para a elaboração da LDO fora incluído dispositivo que restrigia tais despesas aos valores empenhados em 2009, excluídas apenas áreas de interesse social, v.g. segurança pública, vigilância sanitária e ações do PAC.
Alegando que o limite poderia inviabilizar a execução e o acompanhamento de obras, a par de prejudicar campanhas publicitárias de utilidade pública, o governo vetou a contenção de gastos, ainda que dentro dos largos parâmetros do corrente ano.
Segundo o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), líder da minoria, “o veto dá indicação clara que vão derramar dinheiro em publicidade com fins eleitorais”.
Diante da infelizmente reavivada irresponsabilidade fiscal, não são necessários poderes divinatórios para prever que os problemas com o superavit fiscal tenderão a agravar-se para o ano vindouro.

O Calvário de Aung San Suu Kyi

A Justiça birmanesa comutou a sentença de três anos de trabalhos forçados para dezoito meses de prisão domiciliar. Dessarte, a alegada leniência da corte judicial do regime militar de Myanmar é apenas cruel arremedo de justiça, eis que prorroga a detenção da líder democrática Aung San Suu Kyi. Excluídos os pretextos, Suu Kyi se vê novamente privada da liberdade pela simples circunstância de ser a política mais popular em seu país.
Infelizmente, a China – que é o principal respaldo do corrupto e tirânico regime castrense – já declarou que não apoiará qualquer medida (do Conselho de Segurança) que vise a punir Myanmar. E esta exemplar ‘democracia’ chinesa julgou oportuno acrescentar a seguinte pérola: “A sociedade internacional deveria respeitar plenamente a soberania judicial de Myanmar”.
No Ocidente, houve a condenação de vários governos. A União Européia informou que os membros do judiciário birmanês que se tinham prestado a tal paródia de justiça seriam aditados às listas de pessoas que teriam os acervos bancários congelados, assim como proibidos de visitar os 27 países da U.E.
[1] Intento da minoria de inviabilizar legislação através de táticas dilatórias.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Versões em Confronto

Mais uma vez está a Ministra Dilma Rousseff, Chefe da Casa Civil do Presidente Lula, e pré-candidata à Presidência da República, às voltas com episódio em que a sua versão de uma determinada situação é contestada por outra parte.
Na vez anterior, no escândalo da utilização abusiva do cartão corporativo por ministros no inchado gabinete presidencial surgiu um suposto dossiê sobre emprego questionável do dito cartão no governo FHC, dossiê este atribuído à iniciativa da Ministra Dilma Rousseff. Em todo o episódio, a Ministra-Chefa da Casa Civil se pautou pela negativa de preparação de qualquer dossiê, definindo as planilhas como um ‘banco de dados’.
Desta feita, o filme se repete, a negativa é igualmente peremptória, mas há certas diferenças, eis que a outra parte dessa acareação virtual, até o presente a cargo da mídia, tem maior importância funcional do que as testemunhas de acusação arroladas na ocorrência pregressa.
A questão foi levantada pela ex-Secretária da Receita Federal, Lina Vieira. Segundo asseverou, ela teria sido chamada para um encontro sigiloso com a Chefe da Casa Civil, ocasião em que a Ministra Dilma teria pedido que agilizasse as investigações do fisco sobre as empresas da família Sarney.
Lina Vieira, consoante o próprio relato, respondeu-lhe que “não sabia da auditoria e que ia verificar”. Na ocasião, não fez Lina qualquer outro comentário. Ficou, no entanto, com a impressão de que o recado era para encerrar a fiscalização.
A Secretária da Receita não deu posteriormente qualquer retorno à Ministra-Chefe da Casa Civil. Lina interpreta a solicitação no contexto do então processo de eleição no Senado : “acho que não queriam problema com Sarney”.
A Secretária Lina Vieira, como se sabe, foi recentemente afastada pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, da direção da Receita Federal. A sua atuação não terá satisfeito a Mantega, e a provável causa da exoneração haverá sido o problema fiscal com a Petrobrás.
Em casos do gênero, nos quais existe contraposição de versões respectivas, eis que a conciliação dos depoimentos contraditórios não se afigura factível, necessariamente há a presunção de que uma das partes diz a verdade, e a outra não. Nesse sentido, desde a Roma imperial, um dos intrumentos tendentes a fazer progredir a investigação é a interrogação cui prodest ? (a quem aproveita ?)
A instâncias da oposição, que cumpre o seu papel, a ex-secretária da Receita foi convidada a depor na Comissão de Constituição e Justiça, na próxima terça-feira, dia dezoito de agosto. Como no âmbito da C.P.I. da Petrobrás o seu testemunho não seria viável, pela oposição da maioria, que controla esta comissão, Lina Vieira comparecerá na CCJ, com vistas a contribuir para eventual melhor entendimento de o que efetivamente aconteceu.
Se a Ministra Dilma Rousseff dispensa apresentações, assim como o seu alter ego, a chefe de gabinete Erenice Guerra (igualmente presente na discussão do alegado dossiê contra FHC), tal decerto não é o caso com Lina Vieira.
Nas suas palavras “não custava nada ela ter dito a verdade. Qual a dificuldade ? Na minha biografia não existe mentira. Não preciso disso, estou passando um momento muito dificil por causa da entrevista. Não tenho costas quentes, não tenho ninguém para me defender. Não sou candidata a nada, não preciso de palanque.”
Por sua vez, a Ministra Rousseff voltou a negar ter tido qualquer encontro reservado com a secretária da Receita Federal, Lina Vieira, para tratar das investigações do fisco sobre empresas da família do Senador José Sarney. Consoante Dilma, Lina terá de provar o que disse: que as duas tiveram encontro sigiloso, a pedido da Ministra, e que esta teria pedido para agilizar as investigações, fazendo a então Secretária da Receita entender que ela queria encerrar logo o caso.
Dentro de seu estilo consueto, Dilma Rousseff acrescentou: “Há coisas que a gente não afirma, a gente prova. Eu não tive essa discussão com a secretária da Receita Lina Vieira.”
Por enquanto, as coisas estão nesse pé. Cada um tem o direito de supor o que melhor lhe parecer, mas por ora não semelha lícito tirar conclusões taxativas. Cabe aguardar a evolução do contraditório, atendida a hipótese de que o depoimento da Ministra em comissão do Congresso não seja blindado pela situação.
Esqueceu-me apenas aditar a intervenção do Presidente Lula da Silva: “Não faz parte da personalidade da Dilma e eu, sem ter conversado com a Dilma sobre o assunto, de ontem para hoje, eu duvido que a Dilma tenha mandado recado ou conversado com qualquer pessoa a esse respeito. Não faz parte da formação política da Dilma.”
( Fonte: O Globo, de 12 e 13 de agosto de 2009)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Darfur, o genocídio esquecido

Em meu blog de 6 de março último, Mandado internacional de prisão contra o Ditador do Sudão, já me ocupei do drama de Darfur. Agora, em artigo publicado em The New York Review, Nicholas Kristof intenta atualizar o quadro, assim como sugerir o que se poderia fazer para minorar o sofrimento das populações atingidas.
A matança em Darfur se estende por mais de seis anos. Sem embargo, o movimento humanitário ‘Salvem Darfur’ se acha estagnado, embora a situação de muitos habitantes da região possa estar piorando.
Para tal deterioração, ironicamente uma das causas seria o mandado de prisão contra o general Omar Hassan al-Bashir, expedido pelo Tribunal Internacional de Justiça a quatro de março p.p. Por uma série de razões – o apoio dos governantes árabes e africanos (em sua grande maioria ditadores), assim como a série de restrições negociadas pela Administração Bush a tais mandados - esses documentos têm questionável eficácia. Dessarte, al-Bashir se tem movimentado na África e mundo árabe sem sofrer maiores consequências a par do estigma decorrente da medida judicial e a inquietude de ser um dos indiciados pela corte internacional.
Em violenta represália ao mandado, o ditador al-Bashir dirigiu a sua vingança a populações já perseguidas pelo regime de Khartoum. Foram expulsas treze organizações estrangeiras de assistência humanitária, e fechadas três ONGs nacionais. Por força da determinação, de inexcedível baixeza, milhões de darfuris ficaram sem qualquer assistência médica e humanitária. Dessa maneira, uma análise apressada dos resultados da expedição do mandado se inclinaria por acentuar-lhe os efeitos negativos. No entanto, se deve ter presente que o primeiro mandado de prisão contra chefe de estado em exercício representa passo relevante para a implantação do sistema penal internacional. O preço a ser pago será certamente alto, mas afigura-se ineludível se se ambiciona avançar nesta área.
Nesses seis anos em que a comunidade internacional permitiu que o regime sudanês infligisse entre duzentas e quatrocentas mil mortes em Darfur, e levasse dois milhões de pessoas a se tornarem refugiados internos, a ONU atuou de forma débil e insatisfatória. Em termos de resoluções de Conselho de Segurança, as respectivas sanções são devidamente aguadas pela ameaça de veto da República Popular da China, que muito preza o petróleo sudanês. As próprias forças internacionais de paz se acham manietadas seja por limitações em termos de poder coercitivo, e até mesmo pelas características de seus efetivos.
A guerra civil (1983-2005) entre o norte árabe e o sul africano e cristão-animista ceifou dois milhões de pessoas. Em 2011 está marcado referendo que irá determinar se o Sul do Sudão optará pela secessão ou a permanência na atual união. Se o presente regime em Khartoum continuar, a votação do Sul será maciça pela secessão, por óbvios motivos.
Como dois terços do petróleo sudanês se encontram no sul, é pouco crível que o norte vá aceitar tal perda. Mantido, portanto, o corrente cenário, será mais do que previsível a retomada das hostilidades entre as duas regiões, por iniciativa daqueles sobre os quais já pesa o genocídio de Darfur.
Nesse contexto de sistemática violência, como definir o papel exercido por Washington ? Durante os oito anos de Bush júnior, a participação americana, excluída a retórica, se assinalou pela ineficácia, ao não poder (ou não querer) vencer a oposição chinesa, que muita vez contou com o apoio russo.
A tragédia humanitária de Ruanda – e a falta de intervenção da Administração Clinton, que nada fez para conter aquele massacre – representou sinalização importante para a superpotência, porém até agora não provocou a adoção de medidas realmente significativas, no que concerne a combater os fautores das atrocidades de Darfur.
Barack Obama e Hillary Clinton enquanto senadores ou na campanha das primárias clamaram por ações em tal sentido quanto a Darfur. Contudo, seja o Presidente Obama, seja a Secretária de Estado Clinton nada fizeram de mais efetivo neste capítulo.
Ainda no que tange à Administração Obama, há restrições a respeito de seu enviado para o Sudão, o General Scott Gration que preferiria um approach mais brando para com o regime de Khartoum.
O microcosmo mais diretamente envolvido no drama de Darfur também desvela sinais de divisão. De uma parte, há quem favoreça táticas militares mais fortes, como o estabelecimento de zona de proibição de voo ( no-fly zone ), enquanto outros temem os efeitos deste endurecimento, com a suspensão de toda a ajuda a Darfur.
Até na definição da tragédia na região existe dissenção: a maior parte a qualifica como genocídio, mas há quem não aplique o termo, como a ONG Human Rights Watch e o próprio Tribunal Penal Internacional, que se reporta a desrespeito aos direitos humanos.
Definição de genocídio.
É errônea a assertiva de que genocídio é atividade com intenção de eliminar um grupo inteiro – uma raça, por exemplo. Tanto Raphael Lemkin, que cunhou a palavra ‘genocídio’, quanto a Convenção sobre Genocídio de 1948, não o definem como tentativa de eliminar um grupo inteiro. Segundo a Convenção, configura-se genocídio, mesmo se se atinja ‘em parte’ o grupo.
Consoante Kristol, um bom livro sobre o tema é ‘Darfur e o crime de genocídio’, escrito por John Hagan e Wenona Rymond-Richmond, baseado em arquivo do Departamento de Estado com mais de mil entrevistas de Darfuris (a partir de 2004). Essa coletânea permite estabelecer que o racismo contra Africanos negros representa fator mais substancial do que antes imaginado. A esse respeito, entre um quarto e a metade das tribus atacadas ouviram ofensas de cunho racista.
Hagan e Rymond-Richmond também tratam da questão da mortalidade. Estimam as mortes em cerca de quatrocentas mil, posto que existam muitas dúvidas quanto ao número que, como já antes indicado, oscila entre duzentos e quatrocentos mil.
Há igualmente o testemunho de Lágrimas do Deserto, de Halima Bashir, que escreve acerca do racismo e da violência da milícia Janjaweed, estipendiada pelo regime de Khartoum, e notória por estupros, sevícias e morticínios nas aldeias da região.
Se hoje decresceram bastante os ataques dos Janjaweed às aldeias darfuris, tal se deve sobretudo ao fato de que restam poucas aldeias a serem investidas.
Outro desenvolvimento importante foi o envio de força européia, liderada pela França, de 3.700 homens que ocuparam áreas limítrofes do Chad e da República Central Africana. A presença militar da União Europeia impediu os raids de bandos sudaneses, que atravessavam as áreas fronteiriças, atacando povoados dos dois países vizinhos, a exemplo de suas passadas incursões contra as aldeias negras em Darfur.
O quê fazer ?
Kristof sugere diversas medidas para tentar reverter a presente situação. Parece oportuno assinalar o caráter um tanto amadorístico e mesmo voluntarista que algumas delas apresentam, o que decerto sublinha a deplorável carência de apoio mais pró-ativo de Washington e das principais potências democráticas.
- Congregar os membros da sociedade civil de Darfur para formarem plataforma comum de negociação, a fim de desenvolver conversações de paz. Mo Ibrahim, um proeminente empresário e filantropo, desenvolve o projeto com a denominação Mandato de Darfur. O Governo do Sudão susteve, na primavera, as conversações de paz do Mandato de Darfur. Houve poucos protestos no mundo por causa desta arbitrariedade. Dada a importância da iniciativa, caberia pressionar Khartoum para a reabertura do processo.
- Deve-se pressionar não só Khartoum para fazer concessões, de modo a tornar mais provável a solução negociada, mas também Abdel Wahid e os rebeldes. No capítulo das sanções, recomenda-se visar os depósitos de ricos líderes sudaneses em bancos estrangeiros, a par de pressões de países árabes.
- As medidas militares podem incluir zona de proibição de voo. Não se trataria de abater aeronaves no ar. Assim, no caso de aviões militares sudaneses bombardearem civis, contra proibição da ONU de voos de ataque, as forças ocidentais podem posteriormente destruir no solo um caça sudanês ou um helicoptero de ataque.
- Motivar a China a suspender as remessas de armas ao Sudão. Segundo pensa Kristof isto assustaria o regime sudanês, justamente quando se arma para retomar a guerra contra o sul, eis que a RPC é a sua principal fornecedora de armas e treinadora de pilotos militares.
- Encorajar alguns elementos do estamento militar a derrubar o ditador Bashir, com a promessa de que se eles tomarem medidas para acabar a violência em Darfur, os Estados Unidos normalizariam as relações com Khartoum.
(Fonte: The New York Review of Books)