quinta-feira, 30 de abril de 2009

A Escola Pública

No blog de hoje reporto-me, incidentalmente, à escola pública e às dificuldades que encontra. O Ministro Fernando Haddad, da Educação, em conferência de imprensa, assinalou que a disparidade nos gastos explica o mau desempenho da escola pública estadual no Enem. Segundo o Ministro, o aluno da rede pública custa, anualmente, o mesmo que uma só mensalidade de uma escola particular.
Haddad afirmou que o valor por aluno investido pelos estados continua “absolutamente insuficiente”, apesar de haver crescido 50% acima da inflação, entre 2002 e 2007. A mensalidade do São Bento, o colégio do Rio de Janeiro e primeiro colocado no Enem, equivale praticamente a todo gasto anual por aluno no Estado do Rio.
O Governador do Piauí, Wellington Dias, reclamou que falta dinheiro para melhorar o ensino. Lembrou a respeito que as escolas federais fazem vestibulinhos para selecionar os alunos, o que não ocorre na rede pública convencional : ‘Somos obrigados a receber todos os alunos’.
A escola pública, pela penúria das dotações que lhe são atribuídas, e pelas difíceis condições de certos meios, tem muita vez de lidar com desafios que são muito superiores àqueles de escolas privadas.
Dentro da escassez de meios e instrumentos disponíveis, fará a diferença para o estabelecimento público de ensino não só a qualidade da liderança e a disposição de sua diretora, mas também o empenho e a inventiva dos seus mestres.
Em salas amiúde de condições materiais pouco satisfatórias, a professora não raro representa pela sua inteligência, dedicação à classe, capacidade de incentivar os alunos a um maior companheirismo e mais intensa participação fator virtuoso e imponderável, a tranformar a rotina despersonalizada em uma experiência teórica e prática dos diferentes temas do currículo.
Esse aporte pessoal e intransferível – que é somente possível graças à especial vocação da professora – não constitui decerto um fenômeno comum, na medida em que a excelência tampouco o é.
No entanto, tal presença, sem embargo das carências acima referidas, tem um valor multiplicador que pode catalizar a turma, suprindo e mesmo superando desta forma inúmeros óbices colocados pelas deficiências dos estabelecimentos do setor público.
Tenha-se presente, portanto, o quanto progrediria o nosso público discente se o plantel docente das escolas recebesse o apoio material e o justo pagamento que é destinado a seus congêneres em outros países ?
A recuperação da escola pública não é providência acessória, a colher referências incidentais. O seu restabelecimento em níveis anteriores é medida indispensável, e a valer uma prioridade séria e inadiável.

A Síndrome das Quotas

De uns tempos para cá, a quota se tornou uma espécie de chave mágica para abrir os espaços da instrução e da habilitação profissional para uma faixa muito mais ampla de candidatos. Décadas de negligência, de baixas inversões na área da educação, de má remuneração para a classe dos professores e da consequente tendência decrescente para o nível dos futuros mestres, a resultante decadência da rede pública primária e secundária (primeiro e segundo graus) – todo esse conjunto de fatores não poderia deixar de repercutir negativamente na capacidade dos alunos de acompanharem os diferentes cursos de ensino superior.
Recordo-me, a propósito, de um país latino-americano em que servi durante minha carreira diplomática. Lá inexistia o vestibular – nem qualquer outro critério classificatório – para o ingresso nas faculdades das universidades públicas. Bastava ao aluno ser aprovado no grau secundário, para poder inscrever-se e seguir o curso superior de sua preferência.
Estupendo, não lhes parece ? Com efeito, essa universalização do acesso constituía enganosa dádiva. As enormes classes do início do ano letivo tendiam a sofrer gradual processo de esvaziamento, com a progressiva saída de respeitável número de ‘acadêmicos’, por absoluta falta de condições de absorverem as matérias constantes do currículo. Tinham sido convidados para participarem de aprendizado, sem disporem das ferramentas indispensáveis para acompanhar os seus colegas.
Formalmente, a paridade semelhava assegurada. As deficiências individuais, decorrentes de curriculos incompletos, os forçavam ao abandono, em uma decisão isolada, sem dúvida penosa, porém autônoma e sem qualquer coação do respectivo entorno.
Noticia hoje o jornal que a Câmara dos Deputados acaba de aprovar mais uma quota. É instituido um percentual de 10% para deficientes físicos em instituições públicas de ensino médio e superior. Vai agora para o Senado Federal, que ora discute a criação de quotas de 50% nas universidades federais para negros, pobres e alunos da escola pública.
De inicio, me parece oportuno levantar um ponto que ainda não vi referido. Houve um desvirtuamento do conceito de quota. Entusiasmados com as perspectivas oferecidas, legisladores (e os partidários desse sistema) perderam a noção do sentido epistêmico de quota. Ao alvitrar-se a possibilidade de conceder-se uma quota a determinado grupo de pessoas, o significado é o de reservar uma parcela a esses indivíduos. Nesse contexto, admitir que se atribua cota para favorecer tais pessoas, sempre estará implícito que se objetiva atender a uma parcela minoritária, como ocorreu na instituição estadunidense da Ação afirmativa.
Se ad absurdum se assumir que o Congresso vá considerar aceitável que essas duas quotas ora propostas se somem, teremos encolhido o universo disponível para os outros estudantes para um total de quarenta por cento ! Dessarte, o afã concessivo do legislador criará um enorme cercado, a que terão livre acesso apenas as classes julgadas desfavorecidas.
A abertura dessas portas cria convidativos atalhos, a que decerto a maioria dos possíveis favorecidos há de acorrer pressurosa. A hipertrofia do sistema de quotas – só explicável por um processo cumulativo de alienação do bom senso – nos dispensa de examinar a muito provável instrumentalização dos privilégios (como se acaba de verificar no acesso ao Prouni de alunos com carros importados).
O que me preocupa é a criação de facilidades que hão de implicar em uma receita de revoltas individuais e de contraposições de grupos contra injustiças demasiado objetivas. Como se sentirão os candidatos que, com médias bastante superiores, não lograrem a aprovação, enquanto um grande número da quota dos sessenta por cento, a despeito de notas inferiores, gozará de acesso livre aos bancos universitários ?
Por inépcia ou demagogia, qual será o resultado desta orgia de quotas que os congressistas teimam em empilhar umas sobre as outras ?
A inchação da quota, além de implicar em inversão de valores, transforma o acesso à universidade a um enorme country club, em que aos menos favorecidos (negros, pobres, alunos de escolas públicas e deficiente físicos) se outorgará a maior parte do espaço, cabendo aos excluídos (que constituem a maioria dos candidatos) a quota de quarenta por cento das vagas na universidade.
Não importa que seja um sistema de quotas às avessas. Será a cruel realidade, por mais artificial e abstruso que seja o processo de sua criação.
Quando se perde a noção do conceito, a consequência é virarem as coisas de cabeça para baixo.
No andar da carruagem, me parece mais do que tempo de uma reavaliação do que se está transformando em despautério. Que pode ser não só lógico, mas também social.

terça-feira, 28 de abril de 2009

A Gripe Suína - uma Pandemia ?

O aparecimento de mais um fenômeno epidêmico, desta feita, a gripe suína no México, me leva a partilhar com o leitor algumas considerações. De uns tempos para cá, a probabilidade da pandemia – uma epidemia mundial, como o foi a gripe espanhola, logo ao fim da primeira grande guerra – tem irrompido com frequência preocupante, repassada pelas agências de comunicações. E o que me parece merecer particular atenção é, paradoxalmente, menos a ameaça do flagelo global, do que os curtos intervalos existentes entre o surgimento de tais temíveis surtos potenciais.
Em 2007 pairou sobre o mundo o perigo da gripe aviária. Originária da China, essa doença das aves, devido à promiscuidade em que vivem naquele país no meio rural os seus criadores com esses animais, teriam sido registrados casos de infecção de humanos por aves enfermas.
Na China – o que, de resto, não a singulariza – há a tendência seja dos cidadãos, seja mesmo das autoridades, de lidar de imediato com fenômenos graves através de uma atitude de negação, vale dizer, com a não-divulgação do fato às autoridades sanitárias internacionais, como seria a sua obrigação. Tal reação primária a um desafio dessa magnitude pode ser atribuída à falta de condições do camponês e à indole secretiva do burocrata. Se se trata de resposta insatisfatória e contraproducente, que é também típica do comportamento infantil, compreende-se o quão nefasta possa ser tal ‘solução’, eis que, a par de não resolver objetivamente o problema, a demora na sua sinalização só tende a agravar-lhe as consequências.
Até o presente, ao contrário das apreensões veiculadas pelos meios de comunicação, a gripe aviária, de que os principais vetores seriam as aves selvagens nas suas migrações sazonais, não assinalou surtos entre humanos, eventualmente contagiados por animais enfermos.
Já a atual gripe suína já apareceu através de um número inquietante de óbitos (mais de cento e cinquenta no México), o que provocou as rápidas e compreensíveis medidas de advertência global da Organização Mundial de Saúde, que ora eleva o grau de alerta para o nível quatro. Nada como epidemia de tal natureza – em que a letalidade surge da falta de defesas do organismo humano contra uma afecção animal – para acentuar, se preciso fosse, a enorme interação dos países, exacerbada pelo tráfego aéreo.
Nesse sentido, apontaria para dois vetores desses temíveis epifenômenos que, se eventualmente conjugados, terão geometricamente acrescida a capacidade de matar.
A par do vírus Ebola – que até o momento felizmente está circunscrito a ambientes silvestres na África – merece relevo especial a circunstância de que tais ameaças de epidemia surgem da Ásia e, em particular, da China. As grandes concentrações demográficas, mesmo em áreas rurais, a promiscuidade entre humanos e animais, e a falta de cuidados com mínimas precauções de higiene implicam em fatores conducentes ao surgimento e à transmissão entre espécies de tais doenças.
Agora se nos defronta o desafio da gripe suína. Surgiu no México e o caráter aberto da sociedade ensejou-lhe a pronta divulgação a nível mundial. Não é escopo deste artigo tratar em detalhe do elenco dos países em que a epidemia já se manifestou (com o limítrofe território dos Estados Unidos à frente), nem da extensão do próprio alcance (que já teria atingido a Nova Zelândia). Julgo importante, a exemplo de o que se verifica na China e noutros países da Ásia, pedir se tenham presentes as condições favoráveis para que tais fenômenos ocorram.
É de suma pertinência o aporte traduzido pela hodierna coluna de Miriam Leitão. O jornalista David Kirby descreve no blog HuffingtonPost as condições de produção da carne suína no México. Ela é produzida em ambientes confinados, em enormes galpões, onde milhares de porcos são criados sem maiores cuidados sanitários. Há muita circulação de trabalhadores e a despeito do confinamento da criação, como os galpões permanecem abertos, aí entram pássaros. Está formado, por conseguinte, o ambiente ideal para a mistura de vírus de gripes humana, aviária e suína. Acresce notar que existe região no sul do México em que a gripe suína é considerada endêmica. Nesses termos, não constitui uma simples hipótese que neste ambiente haja acontecido a mistura dos patogênicos.
Depois da casa arrombada, a colocação da tranca pode parecer providência não só tardia, mas de pouca serventia.
Nem tanto. Tais fatos – como as condições precárias apontadas por Kirby, assim como a presença da gripe suína como uma endemia em determinada região – não é crível que possam ser ignorados por especialistas. As diversas organizações sanitárias – tanto a mundial, quanto a pan-americana – deveriam atentar mais de perto para estas áreas problemáticas, potencialmente geradoras de surtos epidemiológicos.
Igualmente no Brasil, em que nossos criadores de animais, assim como incontáveis agrupamentos de moradias, não se encontram, para usar linguagem que roça o eufemismo, exatamente em condições sanitárias ideais, deveriam merecer maior atenção – e maiores dispêndios em saneamento básico.
O Presidente Lula – que se julga tão próximo dos humildes – deveria mudar as respectivas prioridades e privilegiar o investimento em melhores condições sanitárias, abandonando as práticas clientelísticas da contratação maciça de trezentos mil funcionários para um serviço público que, em quantidade, já dispensa tais acréscimos.
E os países ricos – com os Estados Unidos e a União Européia – careceriam de conceder maior diligência e recursos para os seus vizinhos que, malgrado não gozem da mesma opulência, continuam a ser seus vizinhos. Em outras palavras, a ajuda não seria altruista, mas sim interesseira, e, se possível é, no bom sentido.

domingo, 26 de abril de 2009

A Candidatura da Venezuela ao Mercosul

Há muito tempo está em consideração pelo Congresso Nacional o pedido de adesão da Venezuela ao Mercosul, na qualidade de membro permanente. A candidatura venezuelana já foi aprovada por Argentina e Uruguai, e está sendo analisada pelo parlamento do Paraguai.
O Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tem empenhado para que o Congresso se manifeste favoravelmente ao ingresso desse novo membro no Mercosul. Em função do esforço situacionista, o decreto legislativo já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, tendo sido igualmente sufragado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Fala-se muito no interesse do Brasil em que a Venezuela se torne integrante do Mercosul, no que seria o primeiro acréscimo real à organização, com a adesão de mais um membro pleno.
Se fosse possível limitar a postulação à entrada da Venezuela no Mercosul como o quinto Estado a integrar, em paridade de direitos e deveres com Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, abstraída a situação política do país, a Venezuela não careceria de qualquer apoio das bancadas oficiais. A sua aprovação seria praticamente automática, diante de o que representaria para o Mercosul tão significativo aporte após tantos anos de limitação às quatro nações fundadoras.
A considerável demora na tramitação do pedido formal do governo de Caracas pelo Congresso brasileiro não constitui atraso inexplicável. Existe uma pedra no caminho de tal pretensão e é importante que nos detenhamos para sopesar com cuidado os motivos dessa tenaz resistência.
Ao avaliar se consulta o interesse nacional a aprovação do decreto legislativo pelos senhores Senadores, o primeiro ponto a ser considerado será o de determinar a que país o Brasil estaria abrindo a cancela. Desde alguns anos se eleva sobre a República Bolivariana da Venezuela a sombra do caudilho Hugo Chávez Frias.
O próprio comportamento pode ser errático, mas o seu escopo não difere do de tantos outros caudilhos, a começar pela triste sucessão de ditadores seus conterrâneos,v.g., os generais Cipriano Castro e Vicente Gómez, e o coronel Pérez Jiménez. Deseja apenas eternizar-se no poder e se o discurso pode mudar, de acordo com a audiência, o projeto de dominação é um só.
Não enganou a García Márquez a longa conversa em viagem aérea com o novel presidente. A despeito dos bons propósitos, o escritor colombiano entreviu a convivência em uma só pessoa do possível salvador de seu país e do ilusionista, um novo déspota entre tantos. Desde 2000, no entanto, e sobretudo depois do golpe de abril de 2002, em que por dois dias foi apeado do poder, a personalidade de Chávez se alterou, com crescente viés autoritário.
Chávez se tornou, com o passar dos anos, a evidência de quanto pode ser enganosa a existência formal dos três poderes estatais, a realização periódica de eleições, e a continuidade de um segmento dos meios de comunicação ainda não absorvido pelo oficialismo. A chamada democracia bolivariana de Chávez – como todas as democracias adjetivadas - pode arremedar a forma, mas nela inexiste o espírito verdadeiramente livre da democracia.
Por seu domínio do judiciário, do ministério público e do legislativo, Chávez pode infernizar a vida de seus opositores. Sob esse aspecto, recorrendo amiúde às acusações de corrupção, conta com os bons ofícios de juízes e promotores para indiciar e tentar prender Rosales, que ousara ser o candidato das oposições na eleição de 2006, quando logrou mais uma reeleição.
Tampouco trepida em deportar à la Chávez diretores da Human Rights’ Watch, que se atreveram a pensar realizar em solo venezuelano o lançamento de avaliação sobre os direitos humanos na Venezuela. Arrebanhados por um bando de esbirros foram levados para o primeiro avião (que se destinava a São Paulo), que tivera a partida adiada por várias horas para que a expulsão pudesse ser imediata.
Reservou igualmente aos oposicionistas que venceram nas últimas eleições municipais o farcesco esvaziamento da competência das respectivas prefeituras. Na democracia chavista, o presidente tudo pode, inclusive desrespeitar a federação, arrogando-se a seu bel prazer atribuições de estados e municípios.
No plano externo, estriba a sua alegada liderança na chamada Alba, que costurou graças ao petróleo subsidiado dos aúreos tempos das cotações de 150 dólares por barril. Se ainda dispõe do apoio obsequioso de chefes de estado que vão de Daniel Ortega a Fernando Lugo, com o petróleo a 46 dólares fica cada vez mais díficil subvencionar a tantas bocas, com a minguante e quase única riqueza do tesouro venezuelano.
Não é fácil determinar a motivação do denodado esforço do Presidente Lula em trazer para o seio do Mercosul o coronel Hugo Chávez. Serão suas melífluas palavras e promessas de amizade eterna, que vemos no entanto em estranha contradição com inúmeros atos em que busca arregimentar contra nós países vizinhos, sem falar das loas a Solano López entoadas na mensagem de cumprimentos ao Presidente eleito Fernando Lugo ?
Mao Ze Dong, o líder da revolução chinesa, ensina que antes de examinar-se a substância de qualquer proposta é mister de início saber quem é o seu autor. Porque uma proposta, por melhor que pareça, não o será, se procedente de alguém que não partilhe os mesmos ideais.
Pelas tábuas atuariais e pelas práticas ora vigentes na Venezuela, semelha provável que se o señor Chávez contar com os votos dos senhores senadores, permanecerá no Mercosul muito além do mandato do Presidente Lula. Ele, com a vida longa dos caudilhos sul-americanos, poderá até regozijar-se. Mas não creio que muitos o acompanhem neste sentimento, ao verificarem o que acontecerá na construção que nos legaram os presidentes Alfonsin e Sarney.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

DOS JORNAIS XXX

O GLOBO 23.IV.2009
FOLHA DE S. PAULO


Nada melhor reflete a presente realidade, do que a primeira página dos jornais O Globo e Folha. Enquanto esta dedica o seu principal cabeçalho a “Ministro acusa presidente do STF de ‘destruir Justiça’”, em que se reporta à altercação pública entre os Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, O Globo, a par de igualmente referir-se à “Briga pública de ministros do STF (que) vira crise institucional” também se ocupa da Crise no Congresso com “Baixo Clero da Câmara reage e tenta impedir moralização”. Completa o jornal carioca a sua primeira página com a cobertura fotográfica da posse do novo chefe da Polícia Civil. As três fotos estampadas, nas palavras do diário, viram “manual oficial de bandalha em área pública”. Além do instantâneo antológico do Secretário municipal da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem,embarcando no assento dianteiro de seu veículo estacionado em fila dupla, temos carro da polícia parqueado sobre a calçada e um pandemônio de viaturas oficiais da polícia civil, tumultuando o trânsito em duas ruas centrais do Rio – tudo por causa do afã – dentro de imorredoura dança do culto do poder - de marcar presença (seja estadual, seja municipal) na posse do Chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski !

Comentário do Cidadão.
Dentro da aura da velha maldição chinesa associada com os tempos ditos interessantes, creio que já não subsistem muitas dúvidas quanto à ambígua condição de fruirmos desta característica que singulariza, no olhar dos pósteros, o tempo em que nos é dado viver no Brasil.
Por força do blog, tenho recebido muitos comentários que se relacionam não só com a raiva dos cidadãos morigerados e que não costumam ter dúvidas quanto ao que é certo ou errado, mas também com a sua perplexidade no que tange às próprias atitudes de expressão de sua negação com o que se lhe depara nos meios de comunicação.
Sem ser fatalista, acho que devemos confiar na dinâmica da história e na capacidade de cada época encontrar o remédio para as crises da sociedade. Através da raiva que sentimos diante do comportamento e dos atos de representantes dos poderes da República – pelo que temos vivenciado nos últimos tempos, não é de crer-se que, na imagem do Evangelho, nenhum representante de um desses poderes se possa julgar autorizado a lançar a primeira pedra sobre representante de outro poder – o(a) cidadão (ã) se dissocia de atitudes e de transgressões que configuram posturas alienadas e anti-democráticas. Como ele pode aprovar ou identificar-se com uma visão cínica e aproveitadora, em que o mandato popular é havido como desculpa para todos os excessos ? Que corporativismo é este que não é outra coisa senão a opção pela cultura do abuso e do achincalhamento do mandato eleitoral ? Com o adendo abaixo das oportunas observações de Cora Rónai, fiquemos por aqui. Quando há muito o que dizer, por vezes o silêncio soa com mais força.



Excertos da crônica “Bando de Traíras irresponsáveis”, de Cora Rónai.

“Na entrevista que deu a Veja esta semana Michel Temer, a excelência-mor, disse que no Congresso Nacional há ‘confusão entre o que se pode fazer e o que não se pode fazer’; disse ainda que ‘há falhas no controle’ e que ‘os erros de poucos não podem contaminar a instituição’. Como contribuinte às voltas com o assalto do imposto de renda, de um lado, e, do outro, o noticiário simplesmente obsceno da política, tive que respirar fundo e contar até dez – várias vezes – para não ter um ataque de fúria. Não basta ter cara de pau para dizer isso, é preciso também subestimar, em altíssimo grau, a inteligência dos leitores. (...) Qualquer criança razoavelmente educada sabe muito bem o que pode e o que não pode fazer. Vai me dizer agora que um bando de marmanjos não sabe ?!(...) É mais do que evidente, para qualquer pessoa com um mínimo de dignidade e de boa-fé, que verbas públicas não podem ser usadas para fins privados. Qual é a regra que está faltando para que a politicalha entenda isso ? (...) Em que mundo (...) se homiziam essas excelências que, pegas em flagrante, reagem afirmando que ‘faltam regras claras’ ? Ora, o que falta, excelências, é apreço à democracia, é amor pelo país, é compaixão pelo povo que trabalha de sol a sol e não tem escola, não tem hospital, não tem nada. O que falta é vergonha na cara. (...)
O efeito mais perigoso de todos (...) é que mais e mais se ouvem pessoas a favor do fechamento do Congresso: se ainda não perceberam, conversem um pouco na rua, leiam os fóuns na internet, prestem atenção. (...) Do jeito que as coisas vão, está cada vez mais difícil defender o Congresso e, consequentemente, a democracia. É isso, sobretudo, que não devemos, nem podemos perdoar a essa corja de traíras irresponsáveis. O Congresso não é a casa da mãe Joana, nem pertence aos camatas e sarneys da vida; ele pertence a todos nós, e o seu funcionamento, em plena liberdade, foi conseguido com muito sacrifício para ser agora, tornado irrelevante em troca de seis dinheiros.
Para nós, cariocas, que tanto nos orgulhávamos de ter um parlamentar como Fernando Gabeira e tanto nos empenhamos na sua campanha à prefeitura, fica, além de tudo, o gosto amargo da decepção. Nunca pensei, aliás, que pudesse usar essa palavra – decepção – em relação a um politico, mas aí está. Continuo achando que, apesar de tudo, existe uma grande distância entre ele e a maioria de seus pares, mas não há como negar a mancha na sua biografia, ou a dúvida entre seu eleitorado. O que mais ele fez que apenas ainda não veio à tona ? Do que mais vai se arrepender depois do flagra ?”

Observação do blog.

É importante que a verdade se manifeste. E, por isso, eu penso naqueles deputados e senadores que não se valeram de tais meios escusos, que não cederam passagens a parentes ou namoradas, que não alugaram jatos executivos, que não permitiram a utilização por parentes de celulares, etc. Em crédito de confiança ao parlamentar honesto, parece justo que se faça completa auditoria das contas nesta legislatura dos senhores membros do Congresso Nacional. E que apareçam aqueles que cumpriram com exação o próprio mandato.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Colcha de Retalhos VI

Violência da Polícia Inglesa

Durante o recente encontro em Londres dos líderes do G-20, nas manifestações de protesto contra o evento, morreu um dos participantes, o inglês Ian Tomlinson. Desde o início, houve suspeita de violência da Scotland Yard, mas como o resultado preliminar da autópsia indicara falência cardíaca, se julgou provável que o óbito tivesse causas naturais.
No entanto, uma segunda autópsia, requerida pelo representante legal da família da vítima, determinou como causa mortis hemorragia intestinal. A par disso, filme de tevê inglesa mostra o momento em que Tomlinson é derrubado por empurrão de um agente policial.
Identificado o polícia, foi determinada a sua suspensão, enquanto se procede à investigação pelo órgão competente, agora sob a acusação de homicídio culposo.
Resta verificar se neste episódio, ao contrário do ocorrido com Jean Charles, haverá punição para o responsável.

Meio Ambiente – Tática estadual

Não foi por acaso que a Assembléia catarinense aprovou recentemente legislação ambiental que difere da federal, por ser mais permissiva – como por exemplo na extensão da mata ciliar que deve ser preservada.
Se há estado que deveria ser mais cauteloso com relação às normas ambientais, é o de Santa Catarina. Diante das recentes inundações, com tantas desgraças humanas e perdas materiais, causa sem dúvida espécie a desenvoltura da Assembléia legislativa – com pleno apoio do governador Luis Henrique – em rebaixar as proteções mínimas contra a erosão e os fenômenos daí decorrentes.
A Confederação Nacional da Agricultura – segundo noticia O Globo -, sob a direção da Senadora Kátia Abreu (Dem – Tocantins) defende a esdrúxula tese de que a União e os Estados podem legislar de forma concorrente. Em contradição com a alegada posição do DEM em prol do meio ambiente, a Senadora pretenderia esvaziar a lei federal através de legislações estaduais, “mais brandas e mais permissivas” com a atividade econômica.
Por aí se vê que os adversários do meio ambiente estão ‘abertos’ em sua campanha para abater as proteções ambientais. Diante da ameaça, é de esperar-se que o Supremo declare a inconstitucionalidade de tais iniciativas, em que a obtusidade ecológica se alia ao suposto dinamismo dos procedimentos.

Tratamento reservado por Chávez aos líderes da oposição

Na recente Cúpula das Américas Chávez não foi decerto parcimonioso nos auto-elogios ao seu trabalho pela democracia na Venezuela.
As evidências, no entanto, pedem permissão para discordar do Senhor Caudilho. Mais um político opositor venezuelano, por força de acusações de corrupção, foge da prisão iminente e se refugia no Peru. Há sobejos motivos para desconfiar da procedência da incriminação.
Manuel Rosales foi o candidato das oposições a Chávez. Eleito prefeito de Maracaibo, Rosales é acusado pelo ministério público por enriquecimento ilícito durante o período em foi governador de Zulia (2000-08).
Foi por receio de ser preso que Rosales viajou para Lima. Não será o primeiro a asilar-se no Peru, como assinala a Folha. O ex-governador Eduardo Lapi obteve o status de asilado ao fugir de um presídio onde se achava encarcerado também por ‘corrupção’.
Tendo o Ministério Público e a Justiça sob seu controle, semelha para Chávez mais vantajoso prender os seus opositores com a pecha da corrupção. Increpando-os de delitos comuns, pensa o homem forte da Venezuela eludir as suspeitas de perseguição por motivação política.

terça-feira, 21 de abril de 2009

A Crise do Congresso

No Poder Legislativo, Senado e Câmara são investidos pelos escândalos os mais diversos – castelos em Minas Gerais, pulverização de diretorias fastasma, malversação de verbas, a farra das passagens, viagens, muitas viagens, etc. etc. – e a consternação inicial da opinião pública se transforma em cólera, que se afigura tão mais forte quanto a sentida aparente falta de remédio salvador. Os patifes – e são muitos ! – têm fé inquebrantável no poder do esquecimento. Para eles, todas as afrontas, todas as raivas, todos os crimes, acabam envoltos nas águas sinuosas, complacentes e, por fim, plácidas e nebulosas do rio do Letes. Seriam quiçá as duas divindades preferidas dos transgressores: o tempo e a desmemória.
Contada por tantas bocas, esta estória acabará sempre na penosa reaparição das múltiplas cabeças da Hidra, insolentes e arrogantes defronte dos vãos esforços dos justos ? É o que gostariam de fazer acreditar, mas nos escaninhos da História, esta mestre-escola imprevisível e contraditória, há muitos exemplos que reconfortam aqueles que crêem, apesar de tudo, na vitória do Bem e no castigo da vasta súcia dos velhacos.
Em junho de 1954, o Senador Joseph McCarthy dirigia a sanha de seu subcomitê de ‘Atividades anti-americanas’ contra o Exército. Aí encontrou a própria nêmesis, personificada por advogado pouco conhecido, de nome Joseph Welsh. Com a sua famosa frase, ‘Senador, o Senhor não tem vergonha, não tem decência ?’, Welsh, com a firmeza da coragem, perfurou a empáfia do Senador, que atemorizara e dominara a gente muito mais conhecida e poderosa do que o inconspícuo representante do Exército americano. A partir desse momento, desmoronou a construção de ódio e perseguição que caracterizara por mais de quatro anos o macartismo, até o ato final da censura pelo Senado, em dezembro de 1954, do antes todo-poderoso Joe McCarthy.
A lição de Joe Welsh não é uma fábula. É a demonstração que os invernos podem ser longos, grande a desenvoltura dos patifes – na crença de que a história se repete na monotonia do olvido -, extenso o poder das oligarquias com os seus muitos braços para lograr a unção contra vento e maré de seus entes favorecidos, mas que ao fim e ao cabo, tudo termina, no choro de uns poucos e na alegria de muitos.
É bem verdade que o Brasil atravessa momento difícil. Em meio à crise do Congresso, à desfaçatez imperante das passagens, das viagens turísticas a toda parte, ao despautério das ‘diretorias’ do Senado, do desrespeito geral à Nação brasileira, algumas verdades, por causa deste chavascal, carecem de ser singularizadas.
O Povo brasileiro deve confiar em si mesmo e não em ajudas milagreiras de algumas supostas exceções entre seus representantes.
Não é à toa que Senado e Câmara têm hoje a cara de seus Presidentes.
Excluídas as exceções de regra – e que até hoje não deram o ar de sua graça – não vejo diferença entre gente que não sabe distinguir entre o que deve pagar de seu bolso, e o que compete ao Erário Público.
Ao invés do que apregoa representante da esquerda, o mandato parlamentar não lhe dá o direito de distribuir passagens a outrem.
Aliás nisso não há diferença entre direita e esquerda. Inchou a turba dos trezentos picaretas.
Por ora, não se divisam vigias institucionais e autoridades morais nos outros poderes da República. Não perturba a cacofonia das denúncias da imprensa qualquer manifestação de censura ou revolta dos demais poderes instituídos.
A natureza tem horror do vácuo. De alguma forma o Povo brasileiro encontrará maneira de expressar a própria vontade, que é, como reza a Constituição, soberana.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A Cúpula das Américas

Otimistas e pessimistas ao analisarem o transcurso e os resultados da Cúpula encontrarão fatos que se coadunem com o próprio juízo da impostação da conferência. Assim, os que tendem para avaliação negativa apontarão para a circunstância de que a conferência não logrou sequer aprovar uma declaração final, listando os diversos pontos do consenso entre os líderes do Continente. Já os que fazem do Encontro juízo positivo, sinalizarão que a sua importância reside menos na produção de um documento do que na evidência do processo bem-sucedido, em atmosfera de cordialidade, e na abertura de perspectivas de relacionamento.
Para quem previa a confrontação, a evolução da reunião mostrou o êxito na abertura de Obama. Nada mais ilustrativo deste desenvolvimento que o aperto de mão entre o Presidente estadunidense e Hugo Chávez. Se o caudilho venezuelano inviabilizou o consenso para a ratificação do documento final – cujos 97 tópicos haviam consumido oito meses de negociação – ao negar-lhe o apoio da Alba (Alternativa Bolivariana para os Povos da América), não escapa a ninguém que se trata de gesto de circunstância, com o intúito de marcar posição.
A grande ausente da reunião – Cuba – teve marcada a sua presença, através das posturas positivas tanto da nova Administração Obama, quanto do próprio Raul Castro. Em nítido contraste com a estagnação e o imobilismo recíprocos – que caracterizaram as relações entre Washington e Havana durante todas estas décadas do embargo, com a única exceção do quadriênio de Jimmy Carter – Obama vem infundindo novo espírito a tal complexa interação, respondendo aos compromissos da campanha e aos acenos do novo líder cubano.
Entre tantas semelhanças com os primeiros meses da Administração Roosevelt, Barack Obama parece igualmente intento a lançar pontes, assim como o seu grande antecessor decidira reatar os laços diplomáticos com a Rússia, depois de mais de dez anos sem relações por causa da tomada do poder em Moscou pelos sovietes de Lenin.
Os três dias da reunião passaram depressa. Tão depressa que alguns dos 34 presidentes não mais se encontravam em Trinidad-Tobago para ouvir a solitária leitura do documento pelo trinitário Patrick Manning, e muito menos para integrar a foto ‘histórica’ da Cúpula.
Tais aspectos, contudo, enfatizam o caráter de processo assinalado pela conferência, como se a discussão dos diferentes temas (Cuba, relações com a superpotência, combate ao narcotráfico, energia, reforço dos organismos multilaterais regionais, fundo para apoio ao micro-crédito, educação) mais importasse do que a conclusão de eventuais acordos.
Obama pode não estar na foto oficial, por ter viajado antes. Não obstante, poucos hão de negar que na história das relações interamericanas se entra em nova fase, também aqui tipificada pela abertura para o diálogo, em que a carga do passado não deverá mais ter o peso de antes.

domingo, 19 de abril de 2009

O Governo Lula e o Meio Ambiente

Que me perdoe o leitor, porém volto a ocupar-me da relação do Governo Lula com o tema do meio ambiente. Sei que já tratei da questão em duas matérias inseridas em ‘Colchas’: na de 26 de março, acerca do decreto sobre cavernas; e na de 9 de abril, ‘entre perplexidade e descrença’.
Todo o problema talvez se concentre nessas duas palavras – perplexidade e descrença. Depois do inverno atravessado durante os oito anos de FHC, a sociedade civil queria acreditar na boa disposição do Governo Lula para com a causa ecológica. E a designação da Senadora Marina Silva como titular da Pasta representou uma chancela relevante de tal determinação.
Sabemos hoje como terminou esta fase. Ambientalistas e a larga faixa de simpatizantes dessa nova atitude com a mãe natureza - resultado de conscientização nascida no século vinte em função dos desastrosos efeitos do fator humano no equilíbrio ecológico – assistem, consternados e exasperados, à exposição da inarredável discrepância entre um discurso supostamente verde e uma práxis que é a negativa em termos concretos das alegadas boas intenções.
Como antes referido, Marina Silva, a militante petista acreana, a defensora da causa de Chico Mendes, preferiu afinal renunciar à Pasta, após uma série de malogros, para que a sua continuada presença à frente do Ministério não mais pudesse ser instrumentalizada como cortina de fumaça para decisões do Governo Lula objetivamente favoráveis aos desmatadores e demais agressores do meio ambiente.
A sua substituição pelo midiático Carlos Minc, criatura do peemedebista Sérgio Cabral, e de peso político que não pode ser comparado ao de Marina Silva, se representou mais um gesto de alegado endosso da causa ecológica, tem evidenciado na prática o quanto o discurso ambientalista do Governo Lula é vazio, sempre que exista uma contraposição relevante entre Ibama e o ministério, de um lado, e os desmatadores e demais agressores do meio ambiente, do outro.
Se atentarmos para essa atitude, que se poderia chamar de prestidigitação, a referência colhida na coluna de Miriam Leitão em O Globo (17 de abril corrente) constitui exemplo deveras interessante. Dentre as conversas do Presidente Lula no Fórum Econômico Mundial, recentemente organizado pelo Banco Mundial no Rio de Janeiro, ela assinala um diálogo inesperado de Lula com o presidente do Fórum, o alemão Klaus Schwab, em que pediu informações sobre projetos de economia verde. Schwab disse que há vários projetos dando certo e ficou de mandar mais informação.
No entanto, a experiência pretérita será um aguilhão para que o público conscientizado não se anime em excesso com esta implícita e louvável intenção do Primeiro Mandatário.
Ora, o ceticismo não surge do nada, mas de um incômodo contraponto entre róseas promessas e a dura realidade. A própria Miriam Leitão se encarrega de trazer à baila esses fatos e posturas que não se coadunam com o discurso ecológico: (a) o governo acaba de conseguir na Câmara a aprovação de Medida Provisória que reduz as exigências de licenciamento ambiental para as rodovias do PAC, entre as quais as críticas BR-163 e BR-319; (b) o governo igualmente liberou pacote de ajuda ao setor agrícola sem qualquer exigência ambiental, mesmo para aqueles segmentos implicados em desmatamento.
Contudo, não é só nessas iniciativas pontuais que o Governo Lula assume posições preocupantes, que vão ao arrepio da filosofia de uma economia verde. Dessarte, ao invés de empenho de economia de baixo carbono, o Governo Lula está na contramão da atual tendência, ao promover ampliação sem precedentes de usinas termoelétricas a carvão e a óleo combustível. Este é um desenvolvimento inquietante e que, no entanto, passa quase em surdina nos temas veiculados para a opinião pública pela grande imprensa.
Se elevamos loas aos biocombustíveis e à sua contribuição para fatores menos poluentes, este é um tema que deve integrar um discurso geral e consequente, e não constituir apenas argumento a ser utilizado em contexto bilateral.
A opção por termoelétricas a carvão e a óleo combustível é um recurso que contraria a postura histórica brasileira, voltada para um futuro mais risonho e com menos carbono. Ao contrário da China, que é pobre de recursos para sustentar as suas ambições de crescimento – e cuja poluição generalizada é um remédio desastroso em inúmeros aspectos – o Brasil não deve optar pelas chamadas opções apressadas, com o seu ranço inimitável de passado poluidor, e sim investir em energias limpas, para que não fiquemos relegados a uma tóxica e lamentável retaguarda.
A par da corrupção e dos desmandos do Poder Legislativo, a Questão Ecológica não tem recebido a atenção nem o debate que, com urgência, faz por merecer.
Cada vez que o Governo Lula cede a Blairo Maggi e a esta enorme hidra cujas cabeças no Pará, no Mato Grosso, no Mato Grosso do Sul, em Santa Catarina e alhures, avança a pavimentação da estrada real para o inferno ecológico. Naquela esperteza burra de que o paradigma é Esaú, ele vende por um prêmio risível pelo dúbio apoio desta hidra, em troca de uma desgraça certa que atingirá mais do que essa construção constitucionalmente temporária, e sim a uma vasta coletividade que não merece um porvir de miséria e desertificação.
De que lhe servirá então o opróbio dos pósteros, se os responsáveis e os seus cúmplices já estarão dormindo sono tão profundo quanto o de Totonho Rodrigues ?

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Colcha de Retalhos V

Outra viagem transatlântica dos fautores do Novo Acordo Ortográfico (Contd.)

Devo aos caros leitores uma precisão. Noticiara que o Presidente da Academia Brasileira de Letras se encarregara de levar exemplar do Novo Acordo Ortográfico publicado no Brasil ao seu homólogo acadêmico lisboeta. Na verdade, a coluna cometeu um erro, eis que deixou de assinalar haver sido Cícero Sandroni acompanhado na sua viagem transatlântica por mais outros ilustres imortais, de que foram reconhecidos o Primeiro Secretário Alberto da Costa e Silva e o Presidente da Comissão de Lexicologia e Lexicografia, Evanildo Cavalcante Bechara.
Apesar de o clima em Portugal não semelhar tão favorável ao Novo Acordo, quanto o demonstrado pela diligência da parte brasileira, a delegação foi recebida pelo Chefe de Estado, e teve prometida para breve a aprovação pelo Governo português da entrada em vigor do Acordo em terra lusitana.
Talvez pensando dar mais peso à aprovação, o governo luso terá acertado a entrada em vigor também em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Mais do que lamentável é realmente constrangedor todo o modus faciendi que caracterizou a produção desta dita reforma ortográfica. Será difícil encontrar acordo tão inútil e de espírito tão subdesenvolvido quanto o que foi aprovado pelo Brasil, pelo empenho dos acadêmicos e a benigna negligência oficial. Na sua suposta coroação na velha mãe pátria, manifesta o mesmo ranço que lhe presidiu a elaboração e a pressurosa ratificação.

Construção pelo Governo do Estado de muros em favelas da Zona Sul

Há alguns dias foi anunciada pelo Governo do Estado a construção de muros em favelas da Zona Sul. Serão onze km de muros para proteger as matas da Zona Sul do Rio de Janeiro da expansão das favelas.
A favela do Morro Dona Marta, em Botafogo, de que foram há meses afastados os traficantes, e que dispõe de policiamento, já tem prontos 55 dos cerca de mil metros previstos de muro. Por sua vez, a Rocinha terá muro de 2.800 m de extensão.
As demais favelas em que tais barreiras serão construídas são Benjamin Constant, na Urca, Parque da Cidade, na Gávea, Morro dos Cabritos e Tabajaras, em Copacabana, Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme, Cantagalo e Pavão-Pavãozinho (Copacabana e Ipanema), e Vidigal (Leblon Niemeyer).
Segundo comunicado, os muros em apreço, de concreto e com três metros de altura, terão concluída a construção ainda no correr do presente ano.
Depois da inexplicável inação do Prefeito Cesar Maia, em que o Rio de Janeiro assistiu ao crescimento desordenado dessas comunidades, nas áreas as mais diversas (áreas lacustres, encostas, zonas de mata atlântica remanescente, e até parques públicos como o Parque da Cidade) o Governo do Estado, em cooperação com o novo Prefeito Eduardo Paes intentará circunscrever por meio de muros as invasões e os assentamentos ilegais.
Os precedentes históricos não são decerto muito alentadores. Desde o império romano, já na fase de decadência, passando pelo chinês, com a famosa Muralha, a construção de maior extensão e de que até hoje existe a preservação arqueológica de inúmeros largos trechos, e sem falar do Muro de Berlim, se chega ao sombrio Muro israelense que invade e desarticula os territórios palestinos - todos eles padecem de um vício básico, que se funda na ilusão de que o estático, inda que imponente, possa deter por muito tempo a dinâmica da História.
Não obstante a qualificação, como no largo prazo o nosso destino seja conhecido, a eventual serventia do presente modesto muro reside essencialmente no espaço de tempo em que se logrará evitar o avanço desfigurante e, por vezes, devastador da pobreza.

A diplomacia petrolífera de Chávez e os percalços da Petrocaribe.

A atual situação do mercado petrolífero, agravada pela crise financeira internacional, se apresenta deveras preocupante para o caudilho Hugo Chávez. Fundada na virtual monocultura venezuelana do petróleo, e arrimo exclusivo para suas pretensões de influência crescente na América Latina, a sua política externa, ou diplomacia do petróleo, padece de escassez de recursos.
Representando 94% das exportações da Venezuela – e contribuindo para subsidiar não só programas externos, como a Petrocaribe, senão ações internas de subvenção às classes de baixa renda (a base do chamado chavismo) – compreende-se facilmente o desafio colocado para o homem forte de Caracas pela derrubada da estratosférica cotação do barril de US$150.00 para os US$ 46.00 do presente.
Esta perda de mais de cem dólares por barril de petróleo, conjugada com a queda na produção nas refinarias da PDVSA (resultante dos estragos das manipulações políticas de Chávez nos técnicos desta megaestatal) vem esvaziando os munificentes cofres da cornucópia do discípulo de Fidel Castro. Estão afetados os programas da Petrocaribe – acordo de venda financiada de petróleo lançado em 2005 - de que dezessete países fazem parte.
A principal beneficiária é Cuba, recebendo 92 mil barris/dia. A Venezuela aceita o pagamento em serviços médicos e de educação. Pelo enxugamento das reservas, diversos projetos estão sendo postergados – como a ampliação de refinarias em Cienfuegos e em Santiago de Cuba -, fenômeno aliás que tem afetado a todos os previstos empreendimentos de Chávez, inclusive aqueles que nada têm a ver com essa diplomacia concessiva do petróleo, como, v.g., a participação venezuelana em empresa em construção pela Petrobrás no Nordeste do Brasil. Até o momento nenhum dólar ( ou bolívar ) foi investido na obra por Caracas.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Da Proposta de Plebiscito do Senador Cristovam Buarque

Há alguns dias atrás o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) aventou a possibilidade de convocação de plebiscito para decidir sobre o fechamento do Congresso.
De pronto, a imprensa se apressou em tentar sepultar a questão por meio de pequena nota inserida na coluna política (“Pegou mal”), e com citação do Presidente do PPS, Roberto Freire: “É uma asneira golpista”.
Asneira golpista ? Decerto Hércules hesitaria em limpar estas cavalariças de Augeas em que se transformaram, por irresponsabilidade da maior parte de seus dirigentes, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados.
Ali são poucos os justos. Na Câmara, a frase famosa dos ‘trezentos picaretas’ já se acha superada por outra, mais turva realidade. No Senado, a situação é tão caótica, os escândalos tão abundantes, a choldra imperante, seja na maioria dos 81 senadores, seja dentre os funcionários, que não há espaço para discussão possível.
Que fazer de um Senado que tem a cara de Renan Calheiros e de sua ‘tropa de choque’? Que fazer de uma Câmara que só pensa em artifícios para aumentar os próprios estipêndios, privilégios, a par de articular a criação de 79 cargos eletivos (75 para integrar a bancada nacional no Parlamento do Mercosul, e quatro para representar os brasileiros que vivem no exterior) ?
Asneira, deputado Freire? Diante da sucessão de escândalos (Jader Barbalho, Antonio Carlos Magalhães, Renan Calheiros) não é de hoje que se aventa a abolição do Senado.
Depois da entrevista a Veja do Senador Jarbas Vasconcelos, e a opção do PMDB de nada fazer a respeito da afirmação do Senador pernambuco ( ‘O PMDB é corrupto’), não há mais o que dizer em defesa do maior partido político no Parlamento.
Também no Senado, o total de representantes honestos se resume talvez em números de um dígito. Vêm à lembrança os nomes de Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos e Cristovam Buarque. Haverá outros mais, mas não muitos.
Cristovam Buarque é um Senador honrado, criador quando governador de Brasília da bolsa-educação (de que a pletora de pais hoje convive com o seu atual desvirtuamento), cuja presença como Ministro da Educação se caracterizou por comprida luta devida ao constante atenazamento pelo então todo-poderoso José Dirceu, e se marcaria por triste exoneração pelo telefone, a que Lula se permitiu por motivos que só engrandecem ao Senador Buarque.
Assim, Deputado Freire, uma declaração como a do Senador por Brasília, se deve tomar muito a sério. Em tempos como os presentes, em que Senado e Câmara são naus desgovernadas, em que seus representantes sofrem de uma febre corporativa, que lhes faz perder a noção das mais comezinhas realidades – de que devem os seus mandatos ao Povo brasileiro, que vivemos em tempos de crise, em que a austeridade é imposta a muitos, mas não às choldras dos funcionários – cuja farra de diretorias e de outras artimanhas é tamanha a ponto de necessitarem auditorias externas para determinar-lhes o número e o alcance – e dos senhores ditos pais da pátria ?
Asneira, senhor Presidente do PPS? Em tempos sombrios como os de agora, em que os patifes semelham controlar a situação e ditar as regras, são essas pequenas frases que vão iluminando, a princípio em lampejos, e mais tarde em série crescente de clarões, alimentada pela cólera dos justos, os vastos e imundos estábulos, que, na arrogância dos alienados, ignoram ter contadas as horas.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Piratas da Somália

Os piratas, esses bandoleiros dos mares, já infestavam as águas do Mediterrâneo Oriental, no primeiro século antes da era cristã. O próprio jovem Júlio Cesar foi sequestrado pelos piratas da Cilícia. Anos mais tarde o seu grande rival nos agitados anos finais da República em Roma, Pompeu Magno, conseguiria o feito de livrar o Mediterrâneo do flagelo.
Como a história nos ensina, será sempre em situações derivadas da anarquia ou da fraqueza de potestades regionais que a pirataria surge e prolifera. Embora essa atividade criminosa tenha os mares como o seu meio, o pressuposto de sua existência se acha em base territorial propícia. Sem tal condição, a pirataria há de fenecer, como a árvore privada das próprias raízes.
No continente africano, a Somália se acha entre os estados ditos malogrados ( failed states) desde 1991, quando caíu o ditador Siad Barre, e o país se dividiu entre chefes da guerra e clãs rivais. Na última década do século vinte, na região nor-nordeste da Somália, constituíu-se a república da Somalilândia que, apesar de não reconhecida pela O.U.A., é a entidade mais organizada da antiga Somália.
Por causa da falta de governo central – existe administração provisória, apoiada pelas Nações Unidas, porém ainda sem controle sobre o território -, a atividade da pirataria encontrou o ambiente ideal para desenvolver-se (anarquia, conivências tribais, refúgios seguros, tráfico marítimo intenso em amplo litoral). A princípio no golfo de Aden, os piratas somalis prosperaram por força do apresamento de navios estrangeiros e, sobretudo, pela velha e lucrativa prática dos reféns.
Após longo período em que a inoperância das potências internacionais permitiu que tal praga se estendesse e se reforçasse, o próprio vulto da atividade obrigou a diversos países, entre os quais os Estados Unidos, a França, a Rússia e a China, a formarem espécie de força tarefa para tentar coibir a pirataria no golfo de Aden.
No entanto, o nível de relativa sofisticação técnica atingido pelos piratas somalis lhes tornou possível desviar os respectivos ataques predatórios para o mar oceano, recorrendo aos chamados navios-mãe e à orientação pelo G.P.S.
Foi, contudo, tal desenvolvimento, arrimado em extensa experiência criminal e os recursos de muitas operações bem-sucedidas que induziu os piratas a atacarem a quinhentos km da costa o cargueiro americano Maersk Alabama.
Na sua húbris se terão acreditado em condições de afrontar a reação da super-potência. Surpreendidos pelos piratas, os tripulantes desse cargueiro resistiram ao ataque. Para evitar sacrifício de seu pessoal, o comandante Richard Phillips se entregou como refém. Passou então com os piratas para um barco salva-vidas.
Não tardou o contra-ataque americano, através de uma força tarefa comandada por contra-almirante, que cercou o barco, enquanto estabelecia contatos com os piratas, em um processo dito de negociação.
Tolhidos em seus movimentos e sem capacidade de fugir, os somalis acederam em mandar um ‘negociador’ para bordo de navio de guerra americano. Com o passar do tempo, e já desprovida a embarcação de combustível, se acirraram os ânimos dos piratas contra o prisioneiro Phillips.
Verificada a gravidade do perigo a que estava exposto o capitão – tinha um AK-47 apontado para as suas costas – e com a autorização do Presidente Obama do uso das armas pelos snipers (atiradores) da Marinha – se logrou levar a cabo a arriscada operação de abater os três piratas, sem que o refém Richard Phillips nada sofresse.
A boa estrela do Presidente americano continuou a valer-lhe nesta incrível peripécia (foi o primeiro navio americano a ser atacado e apresado em duzentos anos). Por outro lado, a par do escarmento imposto aos criminosos, é de esperar-se que a intervenção da frota estadunidense possa indicar o começo de um processo de limpeza dos mares do chamado Chifre da África.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Colcha de Retalhos IV

Novo Acordo Ortográfico continua a promover viagens transatlânticas

Embora as más línguas propalem que a recepção do novo Acordo Ortográfico não está sendo muito boa em Portugal, esta coluna tem o prazer de levar ao conhecimento de seus leitores que o intercâmbio acadêmico luso-brasileiro continua de vento em popa. Agora a notícia é que o ilustríssimo Senhor Cícero Sandroni, Presidente da Academia Brasileira de Letras, se encarrega de relevante missão: irá a Lisboa para entregar com a solenidade devida um exemplar do Novo Vocabulário Ortográfico ao seu homólogo da Academia Portuguesa de Letras !
Não é comovente ? Se persistem as (incompreensíveis) dúvidas quanto à oportunidade e a pertinência do novíssimo Acordo Ortográfico, não cabe decerto escatimar louvaminhas à inegável capacidade do relevante instrumento em estimular os contatos, colóquios e convescotes transatlânticos.
Como se vê, bem obraram os nossos provectos acadêmicos ao conjuminarem a discussão, negociação e, enfim, a aprovação da nova ortografia, cuja necessidade - é de esperar-se - algum dia possa até vir a ser aclamada, não por um grupelho mas por toda a comunidade luso-brasileira ! A esse propósito, a velhinha de Taubaté já expressou a sua integral concordância.

O Meio Ambiente entre a perplexidade e a descrença

O Senhor Carlos Minc, o homem dos coletes, indicação do Governador Sérgio Cabral, não se vem assinalando por grandes realizações neste ministério outrora ocupado por Marina Silva, Senadora pelo Estado do Acre. Com todo o seu peso e autenticidade, Marina Silva, após seis longos anos, saíu por própria vontade do ministério. Discreta como sempre, preferiu fazê-lo quase em surdina, não desejando decerto criar dificuldades excessivas para o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Disse revista estrangeira que o Brasil é país de muitas leis, embora inúmeras não sejam cumpridas. Será sem dúvida outra manifestação de crassa incompreensão alienígena diante da realidade nacional. Se desde o império surgiu a expressão “para inglês ver” (a superpotência da época), será isso motivo para que se preste atenção à palavra e ao discurso, e se ignore a práxis e a realidade, por vezes embaraçante ?
A despeito das declarações do Presidente Lula – que manifesta louvável apoio retórico à causa ecológica -, gostaria de entender por que os desmatadores prosseguem na sua faina, seja no Pará, seja no Mato Grosso (os campeões na destruição na floresta) e todas as eventuais punições aos infratores têm ritualmente a aplicação adiada por mais um ano?
Outro aspecto interessante é que o Ministério do Meio Ambiente pensa colocar um viés positivo ao próprio malogro na luta contra o deflorestamento ao apresentar como vitórias que o ritmo da destruição – que se afigura inexorável – haja apresentado em determinado período tal e tal redução ? Esses comunicados que me relembram aqueles do Alto Comando da Wehrmacht, quando o exército vermelho forçava a retirada das hostes nazistas, e a solução encontrada pelo estado-maior alemão estava em ligeiras mudanças na redação – assim, v.g. os combates se realizavam não mais na Criméia, mas nas suas cercanias... O único problema deste approach é que, em nosso caso, será a turma do bem que bate em retirada.
Mas, sem dúvida, será pessimismo de minha parte em apresentar dessa forma a atuação do Ministro Minc e de seu ministério. Não faz muito os jornais estamparam o abraço dos sorridentes Governador Blairo Maggi e do Ministro Carlos Minc. Terá o governador do Mato Grosso, o homem da soja, entrevisto a luz e se convencido afinal com a justeza das propostas do sucessor de Marina Silva ?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Samuel Pinheiro Guimarães Neto

Embora não tenha procuração para defender o meu amigo Samuel, não convivo bem com a injustiça. Calar-me quando a injustiça acredita valer-se de suposta oportunidade para uma vez mais tentar golpeá-lo seria para mim mais do que desconfortável. De resto, o anexim latino já associa o silêncio à aprovação.
Se não tenho dúvidas de que o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães não carece de defensores, agrego de muito bom grado a minha palavra de antigo diplomata e velho companheiro àqueles a que há de incomodar mais esta cabeça levantada de uma direita incansável na tenaz perseguição dos próprios inconfessáveis objetivos.
Desde a sua assunção da Secretaria-Geral do Itamaraty nos albores do primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Embaixador Samuel vem sendo ‘distinguido’ pelos ataques de certa imprensa. E, conquanto obviamente não a declinem, a motivação das criticas e das invectivas está nas suas qualidades e na sua experiência.
Ao defender o interesse do Brasil – e como a construção da Alca resistiria à análise experta e desapaixonada ? – a sua presença tem desagradado a alguns grupos. Malogrados no intento de afastá-lo nos princípios da chefia da Casa – é esta a designação dada ao substituto do Ministro das Relações Exteriores – eis que tal sanha pensa entrever no calendário a oportunidade há tanto perseguida.
A colunista da Folha, ao versar sobre “o futuro do Samuel”, aí costura algumas imprecisões que me obrigam a preencher tais lacunas para evitar-lhes a eventual repetição no futuro. Samuel Pinheiro Guimarães não foi o primeiro a ocupar a Secretaria-Geral sem o exercício prévio da comissão de Embaixador. Dentre os seus relativamente próximos antecessores, outro colega foi distinguido com tal precedente. E o seu desempenho, seja no Itamaraty, seja em alto cargo em organização internacional, demonstraria que igualmente no seu caso bem fez o Ministro de Estado em submeter-lhe o nome à chancela presidencial.
A par disso, a menção da saudosa Susan me parece tão gratuita quanto inadequada. Conquanto a sua nacionalidade jamais lhe tenha toldado o juízo na defesa das boas causas brasileiras, quando se deu o “enterro da Alca” – que órfã dos apoios pregressos definhou rapidamente - tampouco Susan estava entre nós.
Samuel é um grande funcionário do Itamaraty. Não é escudeiro de ninguém, nem moço de recados. O seu recado, ele sempre soube dá-lo, com estudo, experiência, autoridade e profissionalismo. É isso que desagrada sobremodo à direita e a todos aqueles que se acreditam seus porta-vozes.